Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2806/04.2TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: OCUPAÇÃO ILEGÍTIMA DE IMÓVEL
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
ACÇÃO DE DESPEJO
EFICÁCIA TEMPORAL DO CASO JULGADO
SENTENÇA DE DESPEJO
Data do Acordão: 03/04/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU - 2º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 473º E 1045º C. CIV., 52º E 53ºDO RAU
Sumário: I – A ocupação ilegítima consubstancia uma situação de ingerência ou intromissão em bens jurídicos ou direitos alheios (direito de propriedade) geradora da obrigação de indemnizar, tanto com base na responsabilidade civil extra-contratual (artº 483º C.Civ.), como no enriquecimento sem causa, na modalidade do chamado “enriquecimento por intervenção” – artº 473º C. Civ.

II – Enquanto que na responsabilidade civil está em causa a perda ou diminuição verificada no património do lesado, no “enriquecimento por intervenção” a indemnização contende com o enriquecimento injustificado do interventor, devendo corresponder à situação hipotética do património do enriquecido.

III – Por isso, mesmo que não se prove qualquer prejuízo efectivo para o proprietário, há lugar à indemnização, pois a vantagem patrimonial do beneficiado foi obtida à custa do dono.

IV – Como o direito de usar, fruir e dispor da coisa cabe ao proprietário (artº 1305º C. Civ.), o gozo e disposição não autorizados legitimam sempre o titular a exigir a restituição do enriquecimento.

V – Quando a ocupação ilegítima resulta da violação do dever de restituir a coisa, findo o contrato de arrendamento, a lei prevê um regime especial de indemnização pelo atraso na restituição, aplicável ao locatário, conforme artº 1045º C. Civ.

VI – Tendo em conta as normas dos artºs 52º e 53º do RAU, deve entender-se que a eficácia temporal do caso julgado da sentença de despejo que resolve o contrato de arrendamento se reporta ao momento da citação para a acção (os efeitos dessa sentença retroagem à data da citação).

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO

1.1. – Os Autores - A..., B..., C..., D..., E..., F... – instauram na Comarca de Viseu acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra a Ré - “G...”.
Alegaram, em resumo:
A Ré, arrendatária de um prédio pertencente aos Autores, por sentença de 8/5/2003, transitada em julgado em 3/4/2004, foi condenada a despejá-lo entregando livre e devoluto, o que não fez.
A recusa em entregar o prédio causa aos Autores prejuízos patrimoniais, pois impede-os de gozar e usufruir o imóvel, designadamente de o dar de arrendamento.
Por outro lado, a Ré ocupa-o sem qualquer contrapartida, locupletando-se à custa da propriedade alheia.
Pediram:
a) - A condenação da Ré a pagar-lhes uma indemnização de €233,30 por dia, desde 8.05.2003, o que perfaz a quantia de €127.148,50 (545 dias) à data de 8.11.2004, acrescida de juros legais vincendos, e acrescida da indemnização de €233,30 dia por cada dia desde a data de 8.11.2004 até entrega efectiva da mesma aos AA., acrescida de juros vincendos;
b) – Subsidiariamente, a condenação da Ré a pagar-lhe uma indemnização de €233,30 dia, desde 3.04.2004, o que perfaz a quantia de €48.993 (210 dias) à data de 3.11.2004, acrescida de juros legais vincendos, e acrescida da indemnização de €233,30 dia por cada dia desde a data de 3.04.2004 até entrega efectiva da mesma aos AA., acrescida de juros vincendos;
c) – Em qualquer caso, acrescida de uma sanção pecuniária compulsória no valor de €200 por cada dia em que a Ré mantiver a posse da loja até ao dia da sua entrega efectiva aos AA.



Contestou a Ré, defendendo-se, em síntese:
O pedido de indemnização deveria ter sido deduzido na acção executiva, e não lhe é imputável o atraso na entrega do imóvel, visto que os Autores não quiseram recebê-lo.
Concluiu pela improcedência e requereu a condenação dos Autores como litigantes de má fé, em multa e indemnização.
Os Autores comunicaram que o prédio lhes foi entregue na execução em 7/12/2004, data que deve ser considerada para efeitos de cálculo da indemnização peticionada, e replicaram contraditando as excepções.
No saneador julgou-se improcedente a excepção do erro na forma do processo, afirmando-se a validade e regularidade da instância.

1.2. - Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção, decidiu:
a) - Condenar a Ré a pagar aos Autores a quantia total de €25.213,33 a título de indemnização pela ocupação do prédio destes desde 3.04.2004 até 7.12.2004, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral e efectivo pagamento.
b) – Absolver a Ré do demais peticionado.



1.3. – Inconformados, recorreram de apelação a Ré e a Autora A....

1.3.1. – Recurso da Ré / Conclusões:
1º) - Perante a produção de prova testemunhal, impõe-se alterar a resposta ao quesito 4º, julgando-se não provado.
2º) - A sentença violou os arts.334 nº1 do CC, 669 b) e 712 b) do CPC.
Os Autores preconizam, nas contra-alegações, a improcedência do recurso.

1.3.2. – Recurso da Autora / Conclusões:
1º) - O arrendamento que vinculava a Ré aos Autores e legitimava a ocupação do locado foi resolvido em 8 de Maio de 2003 e não em 3 de Abril de 2004.
2º) – O facto de o recurso da decisão da 1ª instância ter efeito suspensivo, não significa que a Ré tenha mantido qualquer posição de arrendatária sobre o prédio naquele período de pendência do recurso, com título legitimador da ocupação.
3º) – A interposição do recurso e o efeito suspensivo não defere para data posterior a resolução do contrato, apenas significa ficarem suspensos os efeitos da decisão.
4º) – Não faria sentido que se criasse no período que decorre entre a data a sentença da 1ª instância que veio a ser impugnada e a data da decisão da acção, um hiato na protecção dos direitos dos Autores, privando-os dos efeitos da decisão e no recebimento de uma indemnização pela privação de rendimento que teriam auferido ao longo desse período, não fora o incumprimento da decisão.
5º) – O entendimento da sentença consubstancia um duplo ónus para os Autores que a lei não prevê: não só terem os Autores de suportar a suspensão dos efeitos da decisão da 1ª instância em benefício do direito do recurso da Ré perdedora, como, tendo esse direito sido exercido em seu benefício, terem, além disso, que sofrer uma prorrogação nos efeitos da resolução do arrendamento, que afinal não se resolveu em Maio de 2003, mas apenas em Abril de 2004, como consequência do direito daquele recurso.
6º) – A sentença deveria ter condenado a Ré ao pagamento da indemnização, não desde 3 de Abril de 2004 até 7 de Dezembro de 2004, mas desde 8 de Maio de 2003 e até 7 de Dezembro de 2004, no valor de € 58.796,66.
7º) – A sentença violou o art.57 nº2 do RAU, art.483 do CC e art.671 nº1 do CPC.
A Ré não contra-alegou.

II - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. – Delimitação do objecto dos recursos:
Considerando que o objecto dos recursos é delimitado pelas respectivas conclusões ( arts.684 nº3 e 690 nº1 do CPC), impõe-se decidir das seguintes questões:
(1ª) Alteração da resposta ao quesito 4º;
(2ª) Saber desde quando é devida a indemnização.

2.2. – Os factos provados ( descritos na sentença):
1) - Por sentença proferida em 8 de Maio de 2003, na acção sumária nº248/01 do 3º Juízo Cível, posteriormente confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, em 16 de Marco de 2004, transitado em 3 de Abril desse ano, foi decretada a resolução do contrato de arrendamento que vinculava os AA e a Ré, relativa ao imóvel sito na Rua da Vitória, nº15, nesta cidade de Viseu, e consequentemente a Ré foi condenada a despejar o locado e entrega-lo aos AA, livre e devoluto ( A/).
2) - No âmbito da execução que corre termos com o nº248/A/01 do referido 3º Juízo Cível a Ré entregou o locado à Exma Solicitadora de Execução, em 7 de Dezembro de 2004 ( B/).
3) - A não entrega do “arrendado” até ao momento referido em B) impediu os AA. de gozarem e fruírem aquele espaço em especial de o darem de arrendamento ( r.q.4º ).
4) - O que seria o destino normal do mesmo, como o foi desde a sua construção ( acordo ).
5) - A loja objecto dos autos tem uma área útil de 200 m2 mais uma mezzanine e encontra-se a 30 metros do Rossio de Viseu ( acordo ).
6) - Com a composição e estado em que se encontrava designadamente com montra e porta para a rua, o espaço em causa era arrendável por €3.100 mensais, a que corresponde o valor unitário mensal de €15,5/m2 (€3.100 / 200 m2) ( r.q.8º a 10º).
7) - No locado terão de ser feitas obras de limpeza e adaptação a uma qualquer outra oferta de arrendamento para comércio ( acordo ).

2.3. – Recurso da Ré
Ao quesito 4º ( “ A ocupação do arrendado impediu os Autores de gozarem e fruírem daquele espaço, em especial de o darem de arrendamento?”) – o tribunal respondeu:
“A não entrega do “arrendado” até ao momento referido em B) impediu os AA. de gozarem e fruírem aquele espaço em especial de o darem de arrendamento ( r.q.4º )”.
Conforme consta da fundamentação ( fls.317 ), o tribunal justificou a sua convicção com base na análise crítica da prova pericial ( fls 298 ) e dos depoimentos das testemunhas H..., I..., J... e K....
Invocando erro notório na apreciação da prova, a Ré pretende que se julgue não provado o quesito, porquanto o tribunal não deveria credibilizar tais testemunhos, dadas as relações de parentesco com os Autores e os depoimentos das testemunhas L..., M..., N..., O... e P... impõem decisão diversa.
Muito embora a revisão do Código de Processo Civil, operada pelo DL 329-A/95 de 12/2, haja instituído de forma mais efectiva a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto, o poder de cognição do Tribunal da Relação sobre a matéria de facto não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto.
Para além da possibilidade de conhecimento estar confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados, com os pressupostos adrede estatuídos no art.690-A nº1 e 2 do CPC, a verdade é que o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar ( até pela própria natureza das coisas ) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte, por isso, o princípio da livre apreciação da prova ( art.655 do CPC ) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que na formação da convicção do julgador não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição.
Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reacções imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerando em torno da testemunha, o modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo contribuindo para a formação da convicção do julgador, dialecticamente construída ( sobre a comunicação interpessoal, RICCI BITTI/BRUNA ZANI, " A Comunicação Como Processo Social", editorial Estampa, Lisboa, 1997, LAIR RIBEIRO, "Comunicação Global", Lisboa, 1998, pág. 14).
Contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
O que se torna necessário é que no seu livre exercício da convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto como provado ou não provado, possibilitando, assim, um controle sobre a racionalidade da própria decisão ( cf. MICHEL TARUFFO, “La Prueba De Los Hechos”, Editorial Trotta, 2002, pág.435 e segs. ).
De resto, a lei determina a exigência de objectivação, através da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador ( art.653 nº2 do CPC ).
Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Conforme orientação jurisprudencial prevalecente, o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve, por isso, restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição.
Ouvida a gravação, a convicção do tribunal sobre a resposta ao quesito 4º tem apoio nos depoimentos indicados na respectiva fundamentação, e a relação de parentesco não configura qualquer impedimento.
Com efeito, os depoimentos das testemunhas H... ( marido da Autora E... ), I... ( marido da Autora E... ), J... ( filho do Autor F... ) foram no sentido de que a Ré nunca se dispôs a entregar a loja, na sequência do despejo, confirmado pela Relação de Coimbra, só o fazendo na execução, à solicitadora de execução. Como afirmou a testemunha J..., “não faria sentido nenhum ter a chave à disposição e não a receber”.
Por outro lado, a testemunha K..., solicitadora de execução, explicitou os contactos e foi quem executou o despejo, tendo confirmado que o advogado dos autores lhe manifestou urgência em reaver a loja, sendo que nenhum dos representantes da Ré lhe disse que já haviam tentado entregar as chaves aos Autores e que se recusaram a recebê-la.
No que se refere às testemunhas indicadas pela Ré, o tribunal não credibilizou os depoimentos, de forma justificada.
Muito embora as testemunhas L..., M... ( amigos do gerente da Ré ), N... e O... ( filhos do gerente ) houvessem afirmado que o gerente da Ré pôs à disposição dos Autores a chave da loja, o certo é que o tribunal não credibilizou, justificadamente, quer “ em face da menor segurança e espontaneidade”, ou “ por se mostrarem “ pouco convincentes”.
De resto, mesmo pela simples objectividade da gravação, nota-se, por vezes, pouca precisão e consistência. Basta atentar, por exemplo, nos depoimentos de L..., demasiado opinativo, ou de M..., sem a mínima concretização, e às vezes contraditório ( como ilustração o pormenor da entrega do papel, cópia dos quesitos ).
Improcede o recurso da Ré.

2.4. – Recurso da Autora
A ocupação ilegítima consubstancia uma situação de ingerência ou intromissão em bens jurídicos ou direitos alheios ( direito de propriedade ) geradora da obrigação de indemnizar, tanto com base na responsabilidade civil extra-contratual ( art.483 do CC ), como no enriquecimento sem causa, na modalidade do chamado “ enriquecimento por intervenção “ ( art.473 do CC ).
Enquanto que na responsabilidade civil está em causa a perda ou diminuição verificada no património do lesado, já no enriquecimento por intervenção a indemnização contende com o enriquecimento injustificado do interventor, devendo corresponder à situação hipotética do património do enriquecido.
Por isso, mesmo que não se prove qualquer prejuízo efectivo para o proprietário, há lugar à indemnização, pois a vantagem patrimonial do beneficiado foi obtida à custa do dono.
Nesta perspectiva, como o direito de usar, fruir e dispor da coisa cabe ao proprietário (art.1305 do CC ), o gozo e disposição não autorizados legitimam sempre o titular a exigir a restituição do enriquecimento.
Quando a ocupação ilegítima resulta da violação do dever de restituir a coisa, findo o contrato de arrendamento, a lei prevê um regime específico. A obrigação de restituir a coisa locada findo o contrato é imposta por lei (art.1038 i) do CC), regulamentada nos arts.1044 e segs., designadamente sobre a indemnização pelo atraso na restituição ( art.1045).
Segundo determinada interpretação, a lei estabelece uma indemnização correspondente ao valor do uso do prédio, fixada a forfait, com vista a impedir o locupletamento injustificado do arrendatário, e o critério especial da indemnização exclui, em princípio, as regras gerais dos arts.562 e segs. do CC.
Nesta medida, concebe-se a natureza contratual da indemnização, mas apenas aplicável quando esteja em causa a falta de restituição da coisa locada por quem no respectivo contrato, já findo, tenha a posição de locatário.
A sentença recorrida, situando o problema no âmbito da responsabilidade civil extra-contratual, fixou a indemnização em € 3.100,00 por mês, reportada ao período temporal de 3/4/2004 ( data do trânsito ) e até à entrega, em 7/12/2004, pois só nesse período é que a ocupação é ilegítima, argumentando com o efeito suspensivo da apelação, já que até ao trânsito subsistiu o contrato.
Em contrapartida, os apelantes reclamam a indemnização desde a data da sentença em primeira instância ( 8/5/2003).
Não se discutindo a natureza, nem o quantum, coloca-se apenas a questão de saber desde quando é devida a indemnização.
A resposta contende com a problemática da eficácia temporal do caso julgado da sentença de despejo, que resolveu o contrato de arrendamento, e sobre a qual existem três orientações:
a) - Uma, no sentido de que os efeitos da sentença de despejo que resolve o contrato de arrendamento retroagem à data da citação.
Partindo da análise dos arts.52 nº1 e 54 nº1 do RAU ( aqui aplicável ), TEIXEIRA DE SOUSA ( A Acção de Despejo, 1991, pág.56 e segs. ), deles retira consequências de carácter substantivo e processual.
Quanto às primeiras, a interpelação do arrendatário ou citação na acção de despejo ( arts.52 nº1 e 53 nº2 do RAU ) implica a cessação do arrendamento, deixando de ser possuidor de boa fé ( art.54 nº1 do RAU ), ficando em mora quanto à entrega do prédio arrendado, o que significa ser-lhe imputável a responsabilidade pela ocupação ilícita do imóvel após a interpelação ou citação.
No âmbito processual, infere de tais normativos que a eficácia temporal do caso julgado da sentença de despejo se reporta ao momento da interpelação ou citação, pelo que “ se a acção de despejo for procedente, os feitos do caso julgado da respectiva sentença retroagem ao momento da interpelação ou da citação do arrendatário “. Também ARAGÃO SEIA ( Arrendamento Urbano, 7ª ed., pág.406 ) adopta o mesmo entendimento.
b) – Outra posição sustenta que os efeitos retroagem ao momento em que foi proferida a decisão.
Argumenta-se, no essencial, que resolução do contrato de arrendamento opera-se por efeito da sentença em 1ª instância, quando confirmada pela Relação, porque a sentença, ainda que pendente de recurso, tem efeito constitutivo, e apenas o que ficou suspenso foi o efeito executivo, logo, “ o seu efeito de definição de uma situação jurídica foi produzido a partir da data em que foi proferida “ ( cf. Ac da RC de 7/7/1993, C.J. ano XVIII, tomo IV, pág.35 ).
c) – A terceira posição é a de que, tendo havido recurso ( com efeito suspensivo ) o efeito extintivo da resolução dá-se à data do trânsito em julgado ( cf., por ex., Ac do STJ de 5/6/07, Ac RP de 18/1/2000, em www dgsi.pt ).
Pois bem, com o devido respeito, não cremos ser de aceitar a tese da sentença recorrida, no sentido da indemnização apenas ser devida desde 3/4/2004, data do trânsito.
O art.677 nº3 do CPC/1961 continha a seguinte disposição “ os efeitos do caso julgado retroagem ao momento em que a decisão foi proferida”, mas este aditamento veio a ser suprimido pela Reforma de 1967, cujas razões foram apontada por LOPES CARDOSO ( Notas ao Código de Processo Civil, vol.III, pág.268 ), e como elucida CASTRO MENDES ( Recursos, pág.55 ) o problema só se põe em relação às acções constitutivas com valor “ ex nunc”, pois todas as outras se reportam ao momento do encerramento da discussão em 1ª instância.
Normalmente as sentenças constitutivas produzem efeitos ex nunc, isto é, a partir do momento em que passam em julgado. Porém, segundo o direito material elas podem ter eficácia retroactiva, conforme a situação jurídica correspondente.
A resolução tanto legal como convencional tem efeito retroactivo, salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução ( art.434 nº1 do CC ).
Mas nos contratos de execução continuada ou periódica, como no arrendamento, a resolução não abrange as prestações já efectuadas ( art.434 nº2 do CC ). Isto significa que a resolução tem eficácia retroactiva, mas as prestações anteriores não ficam atingidas por ela.
Como referem P.LIMA/A.VARELA ( Código Civil Anotado, vol.II, 3ª ed., pág.409 ) “ nada há (… ) que impeça, em princípio, a eficácia retroactiva da resolução, mesmo no arrendamento”, devendo a eficácia da sentença retroagir à data do facto que fundamenta o despejo, pois a circunstância de a resolução do contrato de arrendamento só poder constituir-se por sentença judicial, é apenas o meio pelo qual se efectiva o direito de resolução ( cf., por ex., Ac do STJ de 25/2/1981, BMJ 304, pág.375, de 15/1/1987, BMJ 363, pág.508, Ac RP de 4/1/1994, C.J. ano XIX, tomo I, pág.192 ).
Contudo, aplicando-se aqui as normas dos arts.52 e 53 do RAU, deve acolher-se a orientação de que a eficácia temporal do caso julgado da sentença de despejo se reporta ao momento da citação.
Precisamente porque os efeitos da resolução retroagem à data da citação, tornando exigível a desocupação do prédio, é que as rendas eventualmente pagas ou depositadas pelo arrendatário no decurso da acção de despejo são consideradas a título de indemnização, pois a prestação não pode ser imputada ao cumprimento de um contrato de arrendamento entretanto extinto.
Por outro lado, sempre seria de adoptar o entendimento de que o efeito suspensivo do recurso repercute-se sobre a exequibilidade da decisão e sobre a marcha do processo ( cf. CASTRO MENDES, Recursos, 1980, pág.140 e segs. ), mas já não quanto ao efeito constitutivo da própria sentença, enquanto acto jurisdicional eficaz.
Deste modo, procede a apelação da Autora, alterando-se, em conformidade, a sentença recorrida.
III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:
1)
Julgar improcedente o recurso da Ré e procedente o dos Autores, e alterando-se a sentença, condenar a Ré a pagar aos Autores a quantia de € 58.796,66 ( cinquenta e oito mil setecentos e noventa e seis euros e sessenta e seis cêntimos ), a título de indemnização pela ocupação do prédio destes desde 8 de Maio de 2003 até 7 de Dezembro de 2004, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral e efectivo pagamento.
2)
Condenar a Ré nas custas da sua apelação.
Sem custas a apelação da Autora, por não ter havido oposição.
+++
Coimbra, 4 de Março de 2008.