Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
100/04.8TBAGD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VÍTOR
Descritores: EMPREITADA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 03/24/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ÁGUEDA - 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1 154º SS DO CÓDIGO CIVIL E ARTIGO 428º DO CC
Sumário: 1) Na execução do contrato de empreitada o empreiteiro compromete-se a entregar uma obra, o resultado do seu trabalho, nos termos acordados com o outro contraente.

2) Na consecução da obra o empreiteiro actua sem vínculo de subordinação jurídica ao dono da obra, facto que distingue a empreitada do contrato de trabalho, onde verificando-se aquela subordinação, ao trabalhador apenas cabe fornecer o seu trabalho de harmonia com as suas competências técnicas, sem fixação de escopo final.

3) A empreitada surge-nos pois ao lado do mandato e do depósito como uma modalidade do contrato de prestação de serviço, cujo objecto é o resultado de um trabalho manual ou intelectual – artigos 1 154º ss do Código Civil.

4) Trata-se de um contrato sinalagmático, ostentando ainda a natureza de comutativo, oneroso e consensual.

5) Está ao alcance de um homem médio e assim do julgador que a falta de prumo das paredes (vulgo paredes tortas) e a sua falta de esquadria são defeitos estéticos graves, o mesmo se podendo dizer das soleiras das portas com altura inadequada. Tais defeitos evidenciam-se com facilidade aos olhos de qualquer pessoa e no caso das paredes são de imediato patenteados logo que um móvel lhes é encostado.

6) Esses defeitos são remediáveis com maior ou menor dificuldade.

7) Em princípio, se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo – artigo 428º CC.

8) A diversidade de prazos obsta à invocação da exceptio pela parte que primeiro tenha de efectuar a sua prestação, mas nada impede a outra de opô-la.

9) O campo de aplicação do normativo supracitado é o dos contratos sinalagmáticos; pretende-se aqui não tanto sancionar a contraparte faltosa mas antes conseguir um ponto de equilíbrio entre as prestações coagindo ao cumprimento o sujeito faltoso do sinalagma contratual.

10) O dono da obra pode opor à empreiteira a excepção do "não cumprimento do contrato" se tendo a obra sido realizada defeituosamente, o crédito daquela resultar de trabalho e materiais despendidos na edificação da mesma.

Decisão Texto Integral: Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

A... com sede na Rua ...., Aguada de Baixo, Águeda, intentou em 9-1-2004, a presente acção ordinária contra B... , solteiro, operário, residente na Rua ...., Águeda, pedindo a condenação deste a pagar-lhe 7.976,25 € acrescidos dos juros de mora vincendos sobre 7.876,94 €.

Alega para tanto que contratou com o Réu o arvoramento de uma casa de habitação, pelo valor de 18.402,16 € de que o Réu só lhe pagou 13.000 €; e que o Réu ainda lhe pediu mais trabalhos e materiais na obra, no valor de 2.474,31 €, que também ainda não lhe pagou.

O Réu contestou impugnando parte dos trabalhos a mais e excepcionando o cumprimento defeituoso dos trabalhos; e reconvenciona a condenação da Autora a reconhecê-lo como proprietário do prédio onde foi construída a casa e a eliminar os defeitos ou, subsidiariamente, a reduzir em 14.000 € o preço da obra e a indemnizá-la em 3.000 € pelo desgosto provocado.

A Autora replicou, desde logo dizendo que nunca tinha posto em causa a propriedade do prédio em análise, e impugnando os factos base da excepção e reconvenção deduzidas e excepcionando a falta de denúncia de defeitos.

No saneador conheceu-se da validade e regularidade da instância, tendo sido elencados os factos provados e elaborada a Base Instrutória não tendo sido alvo de reclamações.

Procedeu-se a julgamento acabando por ser proferida sentença que:  

I - Julgou a acção parcialmente procedente, condenando o Réu:

a) Pagar à Autora € 5.402,16;

b) A pagar à Autora o que se liquidar em execução de sentença como preço dos trabalhos referidos em I) e 38 dos factos provados, a fixar de acordo com o preço contratual que se prove que a Autora normalmente praticava à data da conclusão do contrato ou, na falta de tal prova, o que se provar ser o valor de mercado no momento do contrato e no lugar em que o Réu deva cumprir, ou, na insuficiência destas regras, o preço determinado pelo tribunal, segundo juízos de equidade - sem poder exceder o valor pedido: artº 661 nº 1 do CPC, ou sejam € 2.474,316;

II - Julgou a reconvenção também parcialmente procedente condenando a Autora:

c) A reconhecer o Réu como proprietário do prédio B) dos factos provados;

d) A eliminar/reparar os defeitos a que se repor­tam os factos 19, 21 (1ª parte), 22 e 23; e

e) Reconheceu ao Réu o direito de só cumprir o que consta de a) e b) depois de a Autora proceder à eliminação destes defeitos.

Sobre os valores a) e b) recaem juros de mora comerciais a partir da data em que o Réu deixar de poder opor-se ao cumprimento da condenação.

f) Absolveu a Autora e o Réu do mais que lhes era pedido.

Daí o presente recurso de apelação interposto pelos AA. os quais no termo da sua alegação pediram que se revogue a sentença em crise, julgando-se improcedente a reconvenção, ou caso assim se não entenda se declare nula e de nenhum efeito a sentença na parte relativa à condenação da recorrente.

Foram para tanto apresentadas as seguintes,

Conclusões.

1) A recorrente contratou com o recorrido o alvoramento de uma casa de habitação pelo valor de € 18.402,16 de que o recorrido só lhe pagou € 13.000,00; e o recorrido ainda lhe pediu mais trabalhos e materiais na obra no valor de € 2.474,31 que também ainda não lhe pagou. (sic).

2) A Recorrente replicou, desde logo dizendo que nunca tinha posto em causa a propriedade do prédio em causa e impugnando os factos base da excepção e reconvenção deduzidas excepcionando ainda a falta de denúncia de defeitos. (sic)

3) No despacho saneador ficou provado com interesse para a decisão da causa, o seguinte:

a) No desenvolvimento da sua actividade, a Autora procedeu ao alvoramento da construção de uma casa de habitação, para o Réu, sita no lugar e freguesia de...., no referido terreno.

b) Antes de iniciar o referido alvoramento, ajustaram ambos as condições do serviço a prestar pela Autora ao Réu.

c) Tendo, para tanto, elaborado, em 06 de Maio de 2002, o contrato junto, no qual estipularam que a Autora se comprometia a fornecer toda a mão-de-obra necessária e todas as ferramentas, toda a madeira de cofragem) e deixar as paredes exteriores, que ficassem em contacto com a terra, cerzitadas, sendo ajustado o respectivo preço, que foi na quantia de € 15.464,00, acrescida de IVA, no total de € 18.402,16 dividido em quatro prestações (doc. fls. 7, aqui dado por reproduzido).

d) O Réu apenas pagou, por conta desse preço, a quantia de € 13.000,00.

4) A sentença reproduziu aquele despacho de condensação, considerando como assentes os factos constantes do despacho saneador e articuladas pelo Recorrente.

5) Procedeu-se a julgamento no qual se deram como provados os factos tidos como assentes no despacho saneador e outros constantes da base instrutória que se transcrevem:

 1º A Autora procedeu à realização dos trabalhos constantes do contrato de alvoramento da casa de habitação do Réu.

2º O Réu solicitou à Autora que ainda lhe prestasse os trabalhos referidos em I) /sem a precisão das medidas que constam dos traços 2 e 3 dessa alíneas.

3º A Autora, naquela obra, também aumentou a cave e fez paredes da garrafeira e placa da mesma.

4º O Réu solicitou à Autora os trabalhos referidos em 38.

5º No projecto o nível da cota da soleira era de 500 mm acima do nível da estrada e na realidade a cota encontra-se a 1400 mm. (sic)

6º A cimalha do telheiro que se encontra junto à entrada principal tem uma diferença de espessura.

7º Ao nível do andar, sobre o alçado principal, existe desnivelamento da laje final.

8º Na laje superior, na parte das traseiras, foram aplicadas algumas telhas com cimento, cimento que foi aplicado para encher uma zona que tinha ficado mais baixa.

9º Na obra em apreço era da inteira responsabilidade do Réu o fornecimento dos materiais.

10º A obra foi pensada pelo Réu que nela pretende viver com a sua mulher.

11º Com base na matéria dada como provada e não provada, o Mto. Juiz a quo julgou a acção parcialmente procedente, condenando o Réu:

- A pagar à Autora 5.402,16 €;

- A pagar à Autora o que se liquidar em execução de sentença como preço dos trabalhos referidos em I) e 38 dos factos provados, a fixar de acordo com o preço contratual que se prove que a Autora normalmente praticava à data da conclusão do contrato ou, na falta de tal prova, o que se provar ser o valor de mercado no momento do contrato e no lugar em que o Réu deva cumprir, ou, na insuficiência destas regras, o preço de­terminado pelo tribunal, segundo juízos de equidade - sem poder exceder o valor pedido: artº 661º nº 1 do CPC, ou seja € 2.474,31:

 E julgou a reconvenção também parcialmente procedente,

 - condenando a Autora a reconhecer o Réu como proprietário do prédio B) dos factos provados;

 - a eliminar/reparar os defeitos a que se reportam os factos 19º, 21º (I “parte), 22º e 23º; e

 - Reconheceu ao Réu o direito de só cumprir o que consta de a) e b) depois da Autora proceder à eliminação destes defeitos.

Sobre os valores a) e b) recaem juros de mora comerciais a partir da data em que o Réu deixar de poder opor-se ao cumprimento da condenação.

6) Não pode a Recorrente aceitar a procedência da reconvenção, nos termos em que a mesma foi decidida.

7) Pois que, a matéria constante do facto 19º (quesito) é a seguinte: “No projecto o nível da cota da soleira era de 500 mm acima do nível da estrada e na realidade a cota encontra-se a 1400 mm”

8) A matéria constante do facto/quesito 21º (1‘ parte) é a seguinte: “Existem deficiências na aplicação da cimalha”

9) A matéria constante do facto/quesito 22º é a seguinte:

“Existe desnivelamento da laje final, com 9 cm de diferença?”

10) A matéria constante do facto/quesito 23º é a seguinte:

“Na laje superior, na parte das traseiras, foram aplicadas telhas com cimento para “disfarçar” os defeitos de enchimento?”

11) Como acima já se referiu, as respostas aos quesitos 19º, 21º (1ª parte), 22º e 23º, foram as seguintes:

   Quesito 19º: “provado”.

   Quesito 21º: “cimalha do telheiro que se encontra junto à entrada principal tem uma diferença de espessura”.

   Quesito 22º: “provado apenas que ao nível do andar, sobre o alçado principal, existe desnivelamento da laje final”.

   Quesito 23º: “provado que na laje superior, na parte das traseiras, foram aplicadas algumas telhas com cimento, cimento que foi aplicado para encher uma zona que tinha ficado mais baixa”.

12) A casa se encontra pronta e acabada.

13) A Recorrente não pode nesta altura, com a casa construída e acabada, alterar o nível da cota da soleira.

14) Só deitando toda a casa abaixo se levar a construção para o nível da cota de soleira de 500 mm, de acordo com o projecto.

15) Ao longo da audiência de julgamento exaustivamente provado de que foi o Recorrido que mandou fazer as escavações para a implantação da casa e foi chamado à atenção para o facto de as mesmas não terem a profundidade necessária para que o nível da cota de soleira, ficasse de acordo com o projecto.

16) Isto mesmo, foi referido na resposta da Recorrente, nos seus artigos 18º, 19º e 20º e tudo foi feito com o conhecimento e acompanhamento do responsável pelo projecto Sr.F.... .

17) O Recorrido, após ter sido chamado à atenção para o facto do nível da cota da soleira e que devia proceder à refundação da escavação, o mesmo mandou avançar a obra e sempre referiu que quem nela mandava era ele.

18) A Recorrente, como provado está, apenas e tão só, procedeu ao fornecimento de mão-de-obra e copagem, para a construção da obra.

19) O seu alteamento favorece inclusivamente a obra, pois permite-lhe um maior arejamento e se o pé-direito da cave se manteve, isso não implica qualquer aumento de materiais. Perícia de fls. 138º - Resposta ao quesito 29º.

20) O Sr. Perito refere a tal propósito que a implantação da habitação, se encontra de um modo geral de acordo com a planta de implantação anexa ao projecto de arquitectura. Perícia de fls., 138.

21) Quanto ao quesito 21º (1ª parte), refere o Sr. Perito que a cimalha do telheiro, quando observada do lado poente, apresenta uma diferença de espessura. Todavia não induz qualquer desagrado arquitectónico.

   1º Quesito 19º: “provado”.

   2º Quesito 21: “cimalha do telheiro que se encontra junto à entrada principal tem uma diferença de espessura”.

   3º Quesito 22º: “provado apenas que ao nível do andar, sobre o alçado principal, existe desnivelamento da laje final”.

   4º Quesito 23º: “provado que na laje superior, na parte das traseiras, foram aplicadas algumas telhas com cimento, cimento que foi aplicado para encher uma zona que tinha ficado mais baixa”.

   5º A casa se encontra pronta e acabada.

22) A Recorrente não pode nesta altura, com a casa construída e acabada, alterar o nível da cota da soleira.

23) Só deitando toda a casa abaixo se levar a construção para o nível da cota de soleira de 500 mm, de acordo com o projecto.

24) Ao longo da audiência de julgamento exaustivamente provado de que foi o Recorrido que mandou fazer as escavações para a implantação da casa e foi chamado à atenção para o facto de as mesmas não terem a profundidade necessária para que o nível da cota de soleira, ficasse de acordo com o projecto.

25) Isto é um defeito irrelevante e a não merecer reparo a nível arquitectónico.

26) Como é que a Recorrente poderá reparar tal defeito? Não se vê como seja possível aumentar a espessura de tal cimalha, sem por em crime a restante construção. (sic).

27) A reparação dos defeitos apontados nos quesitos 19º e 21º (1ª parte) é irreparável e em nada prejudica a obra ou a sua arquitectura.

28) Quanto ao quesito 22º, respondeu e muito bem o Sr. Perito – perícia de fls., 138, que ao nível da cimalha sobre o alçado principal, verifica-se uma ligeira diferença de nível, não tendo sido possível aquilatar essa diferença.

29) Também aqui não vê a Recorrente como possa eliminar tal defeito, ao nível da lage. Isto é como alterar a espessura da lage e para quê. Pois a mesma encontra-se coberta pelo telhado e não esta em causa a sua resistência ou diminuição da sua função.

30) Não foi possível apurar qual a diferença, sendo que como já referiu o Sr. Perito, a mesma não apresenta qualquer desagrado arquitectónico.

31) Não se percebe o que há a reparar pela Recorrente, quanto ao quesito 23º.

32) Apenas ficou provado que na parte das traseiras da lage, foram aplicadas alguma telhas com cimento, cimento que foi aplicado para encher uma zona que tinha ficado mais baixa.

33) As telhas estão aplicadas e foi eliminado o eventual defeito, que era haver na lage uma zona mais baixa, que foi cheia e ficou reparado o defeito. Pelo que aqui nada há a reparar.

34) Não vê a Recorrente, como proceder à eliminação/reparação dos defeitos apontados pelo Recorrido e dados como provados na sentença, sem que tenha que deitar toda a construção abaixo, o que não é justificável.

35) Estamos, perante uma sentença inexequível, o que fere os princípios da Lei, designadamente o disposto no artigo 47º do Código Processo Civil, não podendo produzir qualquer efeito, ou seja inviabiliza a execução da sentença, por parte da Recorrente, permitindo ao Recorrido, que apesar de condenado, nada pague à Recorrente.

36) Isto é a douta sentença não produz quaisquer efeitos, o que é contrário à Lei – Artigos 671º a 675º do Código Processo Civil.

37) O Mto. Juiz “a quo”, de acordo com a prova produzida e os documentos juntos aos autos, devia ter decido de modo diferente, no sentido da exequibilidade do decidido. Ao não o fazer violou o disposto no artigo 668º, nº I alínea c) do Código Processo Civil.

38) Verificam-se no caso vertente, a violação dos artigos 47º, 671º a 675º e 668º, nº 1 alínea c) do Código Processo Civil. Pelo que a douta sentença é nula e não produz qualquer efeito nesta parte (reconvenção).

Não houve contra-alegações.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

                      *

2. FUNDAMENTOS.

O Tribunal deu como provados os seguintes,

2.1. Factos.

2.1.1. A Autora é uma sociedade que exerce a actividade de construção civil.

2.1.2. O Réu é dono e legítimo possuidor de um terreno para construção omisso à matriz, registado a seu favor sob o nº 2376 (da freguesia de ....) na Conservatória do Registo Predial de Águeda, com 820 m2, gue confronta a norte com Herdeiros de C... , a sul com caminho, a nascente com D... e a poente com E... , com o valor patrimonial de 1.995,19, que resultou da anexação dos artigos rústicos 1445, 1446 e 1447.

2.1.3. No desenvolvimento da sua actividade, a Autora procedeu ao alvoramento da construção de uma casa de habitação, para o Réu, sita no lugar e freguesia de ..., no referido terreno.

2.1.4. Antes de iniciar o referido alvoramento, ajustaram ambos as condições do serviço a prestar pela Autora ao Réu.

2.1.5. Tendo, para tanto, elaborado, em 6 de Maio de 2002, o contrato junto, no qual estipularam que a Autora se comprometia a fornecer toda a mão-de-obra necessária e todas as ferramentas, toda a madeira de cofragem e deixar as paredes exteriores, que ficassem em contacto com a terra, cerzitadas, sendo ajustado o respectivo preço, que foi na quantia de 15.4646 acrescida de IVA, no total de 18.402,16 €, dividido em quatro prestações.

2.1.6. A Autora procedeu à realização dos trabalhos constantes do contrato de alvoramento da casa de habitação do Réu.

2.1.7. A obra foi entregue ao Réu em fins de Janeiro de 2003.

2.1.8. Depois da entrega da obra, o Réu disse à Autora que a cimalha estava mal aplicada.

2.1.9. Em Março de 2003, o Réu contratou outro empreiteiro para proceder aos trabalhos que se seguiam ao alvoramento contratado com a Autora.

2.1.10. O Réu apenas pagou, por conta do preço (referido em E), € 13.000.

2.1.11. Como o Réu não procedesse à liquidação do restante, conforme o constante do dito contrato, a Autora enviou ao Réu, em 16/4/2003, a factura nº 095, datada de 16/4/2003, com vencimento a 30 dias, na quantia de 5.402,17 €, correspondente ao montante em dívida.

2.1.12. O Réu recebeu a factura, mas não a pagou, tendo-lhe sido pedido o pagamento daquela quantia quer pela Autora verbalmente e por escrito, quer pelo seu mandatário, por carta de 30/4/2003.

2.1.13. Para além dos trabalhos de alvoramento da casa de habitação, a Autora prestou ainda a mão de obra relativa a:

- Abertura de uma fossa na cave [ou melhor: fez as paredes de uma fossa aberta pelo Réu];

- Construção de uma placa na sala de nível, com 1,5 × 7 m;

- Subir o pé direito na sala e no andar, em mais 30 cm; e

- Fazer clarabóia na casa de banho,

2.1.14. O Réu solicitou à Autora que ainda lhe prestasse os trabalhos referidos em I) [sem a precisão das medidas que constam dos traços 2 e 3 dessa alínea.

2.1.15. A Autora, naquela obra, também aumentou a cave e fez paredes da garrafeira e placa da mesma.

2.1.16. O Réu solicitou à Autora os trabalhos referidos em 38.

2.1.17. A Autora refez os padiais do rés-do-chão.

2.1.18. Foram postos blocos para nivelar o terreno onde as sapatas foram feitas.

2.1.19. No projecto o nível da cota da soleira era de 500 mm acima do nível da estrada e na realidade a cota encontra-se a 1400 mm.

2.1.20. As paredes estavam tortas.

2.1.21. A cimalha do telheiro que se encontra junto à entrada principal tem uma diferença de espessura e a clarabóia estava fora da esquadria.

2.1.22. Ao nível do andar, sobre o alçado principal, existe desnivelamento da laje final.

2.1.23. Na laje superior, na parte das traseiras, foram aplicadas algumas telhas com cimento, cimento que foi aplicado para encher uma zona que tinha ficado mais baixa.

2.1.24. O que impede o Réu de as retirar quando necessite de reparar ou fazer qualquer outro tipo de trabalho.

2.1.25. Não foi aplicada a ripa para assentamento da telha.

2.1.26. Aplicar a cimalha de outro modo, nivelar a soleira, endireitar as paredes, colocar a clarabóia em esquadria, nivelar a laje, colocar as telhas sem cimento e as ripas para assentamento da telha implica custos.

2.1.27. O que consta de 18 implicou mais betão, blocos e massa.

2.1.28. Para nivelar a placa com o solo têm de ser feitas despesas com o aterro.

2.1.29. E também haverá despesas com o reforço e subida do muro para servir também de suporte daquele aterro.

2.1.30. Na obra em apreço era da inteira responsabilidade do Réu o fornecimento dos materiais.

2.1.31. A obra foi pensada pelo Réu que nela pretende viver com a sua mulher.

2.1.32. O Réu e a Autora reuniram-se em Maio de 2003 a fim de chegarem a um entendimento.

                      +

2.2. O Direito.

Ao longo da sua alegação e também nas suas desnecessariamente extensas e prolixas conclusões, a Autora faz referência por vezes a depoimentos que teriam sido proferidos em audiência de discussão e julgamento sem contudo os referenciar e muito menos cumprindo aquele mínimo de exigências à reapreciação da matéria de facto, que aliás também não requereu. Assim, adianta-se desde já que tais referências não poderão, como é óbvio, ser tidas em consideração por este Tribunal.

Também não lobrigamos onde é que do alegado se pode estribar o que quer que seja integrador da nulidade da sentença, que a recorrente conclusivamente refere a final.

Quanto ao mais, naquilo que nos é dado perceber, a apelante discorda da sentença essencialmente no que toca ao decidido quanto à reconvenção; nesta conformidade e considerando que nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, impõe-se versar os seguintes pontos:

- A decisão do pedido reconvencional e respectiva exequibilidade.

O Direito de retenção do Réu.

                      +

2.2.1. A decisão do pedido reconvencional e respectiva exequibilidade.

O Direito de retenção do Réu.

Através da presente acção a Autora na qualidade de empreiteira pretendia obter do Réu o pagamento de determinadas quantias acabando por este último condenado a pagar-lhe € 5.402,16. Mais foi a Ré condenada a pagar à Autora o que se vier liquidar em execução de sentença como preço dos trabalhos referidos em I) e 38 dos factos provados, a fixar de acordo com o preço contratual que se prove que a Autora normalmente praticava à data da conclusão do contrato ou, na falta de tal prova, o que se provar ser o valor de mercado no momento do contrato e no lugar em que o Réu deva cumprir, ou, na insuficiência destas regras, o preço determinado pelo tribunal, segundo juízos de equidade - sem poder exceder o valor pedido: artº 661 nº 1 do CPC, ou sejam € 2.474,316;

Mas por seu turno o Réu deduzira reconvenção contra a Autora acabando também esta última por ser condenada

a) A reconhecer o Réu como proprietário do prédio B) dos factos provados;

b) A eliminar/reparar os defeitos a que se repor­tam os factos 19, 21 (1ª parte), 22 e 23.

A sentença reconheceu igualmente ao Réu o direito de só cumprir o que consta de a) e b) depois de a Autora proceder à eliminação destes defeitos.

O pomo da discordância entre A. e R. reside essencialmente na alínea b) supra-referida ou seja na condenação da Autora a reparar os defeitos da obra o que esta última considera inviável.

Vejamos. Vem-nos colocada uma questão de incumprimento de um contrato de empreitada. Este contrato vem regulamentado nos artigos 1 207º ss do Código Civil - Diploma ao qual pertencerão doravante os restantes normativos a citar sem menção de origem - estatuindo aquele preceito legal que "Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação a outra a realizar certa obra, mediante um preço".

Está em causa a análise de vários aspectos ligados a um "contrato de empreitada" celebrado entre a Autora na qualidade de empreiteira e o R. como dono da obra.

Na execução do contrato, o empreiteiro compromete-se a entregar uma obra, o resultado do seu trabalho, nos termos acordados com o outro contraente, sendo certo que na consecução da mesma actua sem vínculo de subordinação jurídica a este último, facto que distingue a empreitada do contrato de trabalho, onde verificando-se aquela subordinação, ao trabalhador apenas cabe fornecer o seu trabalho de harmonia com as suas competências técnicas, sem fixação de escopo final. A empreitada surge-nos pois, ao lado do mandato e do depósito, como uma modalidade do contrato de prestação de serviço, cujo objecto é o resultado de um trabalho manual ou intelectual[1]. Trata-se de um contrato sinalagmático, ostentando ainda a natureza de comutativo, oneroso e consensual.

O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato – artigo 1 208º. Mas tratando-se de um contrato bilateral, à prestação do empreiteiro corresponde por seu turno a contraprestação no sinalagma contratual, da outra parte, ou seja o dono da obra. O dever do empreiteiro não se esgota contudo na mera construção; tem ainda de construir bem, ou seja "deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato" artigo 1 207º.

Revertendo ao caso concreto não sofre dúvida a qualificação do contrato em análise como sendo de empreitada. Está provado que em 6 de Maio de 2002, as partes outorgaram o contrato junto, no qual estipularam que a Autora na qualidade de empreiteira se comprometia a fornecer toda a mão-de-obra necessária e todas as ferramentas, toda a madeira de cofragem e deixar que as paredes exteriores, ficassem em contacto com a terra, cerzitadas, sendo ajustado o respectivo preço, que foi de 15.464 € acrescida de IVA, no total de 18.402,16 €, dividido em quatro prestações.

A Autora procedeu à realização dos trabalhos constantes do contrato de alvoramento da casa de habitação do Réu, tendo a obra sido entregue ao Réu em finais de Janeiro de 2003.

Sucede contudo que efectuada a obra se verificou que as paredes estavam tortas; a cimalha do telheiro que se encontra junto à entrada principal tem uma diferença de espessura e a clarabóia estava fora da esquadria; ao nível do andar, sobre o alçado principal, existe desnivelamento da laje final; na laje superior, na parte das traseiras, foram aplicadas algumas telhas com cimento, o qual foi aplicado para encher uma zona que tinha ficado mais baixa, o que impede o Réu de as retirar quando necessite de reparar ou fazer qualquer outro tipo de trabalho.

Não há dúvida que os factos acima referidos corporizam defeitos da construção que desvalorizam quer sob o ponto de vista estético quer funcional a obra, tendo em linha de conta o fim para que foi concebida.

O ocorrido justifica que o Réu tivesse desencadeado os mecanismos a que se reportam os artigos 1 220º ss denunciando os defeitos e insistindo pela sua eliminação. É este o direito que o Réu pretende fazer valer in casu através de reconvenção e lhe foi reconhecido por sentença. A Autora insurge-se contra o decidido e procura desvalorizar o sucedido negando constituírem defeitos e mesmo que o fosse era impossível remediá-los.

A Autora não tem qualquer razão; na verdade está ao alcance de um homem médio e assim do Juiz que a falta de prumo das paredes (vulgo paredes tortas) e a sua falta de esquadria são defeitos estéticos graves, o mesmo se podendo dizer das soleiras das portas com altura inadequada. Tais defeitos evidenciam-se com facilidade aos olhos de qualquer pessoa e no caso das paredes são de imediato patenteados logo que um móvel lhes é encostado. E não se diga que os mesmos são impossíveis de remediar, bastando para tanto lembrar que tal se consegue plenamente através de fio-de-prumo e massa de enchimento com ou sem adicionamento de tijolo. Estatui o artigo 1 221º que "1. Se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono pode exigir nova construção".  

Nesta conformidade o Réu tem o direito de exigir da Autora a supressão dos defeitos, nem que para tanto seja necessária a reconstrução das partes afectadas da habitação. E ao contrário do que a Autora sustenta, não é o facto de a obra estar terminada que obsta à correcção dos defeitos; daí resultará certamente maior incómodo certamente para o Réu e também para a Autora; só que tendo os defeitos em análise sido atempadamente denunciados esta última só pode queixar-se da sua incúria quando os não suprimiu numa fase mais precoce da construção. E não se esgrima, por outro lado, com o nº 2 do citado preceito legal quando refere que "Cessam os direitos conferidos no número anterior, se as despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito". É que para além de não vir estribada em factos aquela desproporção, o certo é que não se vê na sequência do exposto, que as correcções que se impõem, impliquem uma nova construção, sabido como é que as estruturas basilares da construção civil assentam já desde há décadas em colunas de betão armado e não em "paredes-mestras" como outrora; isto implica não serem aquelas a suportar o peso do edifício, o que torna a respectiva remoção mais fácil.

A sentença em crise reconheceu também ao Réu a excepção de não cumprimento do contrato perante a Autora traduzida no direito de só cumprir o que consta da obrigação de pagamento das importâncias devidas àquela, depois de a mesma proceder à eliminação dos defeitos.

Estatui o artigo 428º do Código Civil que "Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo". Essencial é que se atente, como refere Almeida Costa, que "Pressuposto expresso no nº 1 do artigo 428º do Código Civil é o de que não existam prazos diferentes para o cumprimento das prestações. Esta exigência carece de interpretação exacta. Com efeito o seu verdadeiro sentido reconduz-se à imposição de que o excepcionante não se encontre obrigado a cumprir antes da contraparte. Assim a diversidade de prazos obsta à invocação da exceptio pela parte que primeiro tenha de efectuar a sua prestação, mas nada impede a outra de opô-la" (sublinhado nosso)[2]. O campo de aplicação do normativo supracitado é o dos contratos sinalagmáticos; pretende-se aqui não tanto sancionar a contraparte faltosa mas antes conseguir um ponto de equilíbrio entre as prestações coagindo ao cumprimento o sujeito faltoso do sinalagma contratual

Esta norma aplica-se ao cumprimento defeituoso, ou seja a chamada exceptio non rite adimpleti contratus, desde que a respectiva invocação não se revista de ofensa grave aos princípios da boa-fé[3].

Nesta conformidade bem se andou em primeira instância ao condenar a Autora na procedência da reconvenção a suprimir os defeitos da empreitada, bem como reconhecer ao Autor a excepção de não cumprimento do contrato.

A apelação terá assim que improceder.

Na sequência do exposto poderá concluir-se o seguinte:

1) Na execução do contrato de empreitada o empreiteiro compromete-se a entregar uma obra, o resultado do seu trabalho, nos termos acordados com o outro contraente.

2) Na consecução da obra o empreiteiro actua sem vínculo de subordinação jurídica ao dono da obra, facto que distingue a empreitada do contrato de trabalho, onde verificando-se aquela subordinação, ao trabalhador apenas cabe fornecer o seu trabalho de harmonia com as suas competências técnicas, sem fixação de escopo final.

3) A empreitada surge-nos pois ao lado do mandato e do depósito como uma modalidade do contrato de prestação de serviço, cujo objecto é o resultado de um trabalho manual ou intelectual – artigos 1 154º ss do Código Civil.

4) Trata-se de um contrato sinalagmático, ostentando ainda a natureza de comutativo, oneroso e consensual.

5) Está ao alcance de um homem médio e assim do julgador que a falta de prumo das paredes (vulgo paredes tortas) e a sua falta de esquadria são defeitos estéticos graves, o mesmo se podendo dizer das soleiras das portas com altura inadequada. Tais defeitos evidenciam-se com facilidade aos olhos de qualquer pessoa e no caso das paredes são de imediato patenteados logo que um móvel lhes é encostado.

6) Esses defeitos são remediáveis com maior ou menor dificuldade.

7) Em princípio, se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo – artigo 428º CC.

6) A diversidade de prazos obsta à invocação da exceptio pela parte que primeiro tenha de efectuar a sua prestação, mas nada impede a outra de opô-la.

7) O campo de aplicação do normativo supracitado é o dos contratos sinalagmáticos; pretende-se aqui não tanto sancionar a contraparte faltosa mas antes conseguir um ponto de equilíbrio entre as prestações coagindo ao cumprimento o sujeito faltoso do sinalagma contratual.

8) O dono da obra pode opor à empreiteira a excepção do "não cumprimento do contrato" se tendo a obra sido realizada defeituosamente, o crédito daquela re­sultar de trabalho e materiais despendidos na edificação da mesma.

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3. DECISÃO.

Pelo exposto acorda-se em julgar a apelação improcedente confirmando assim a sentença apelada.

Custas pela apelante.

[1] Cfr. artigos 1 154º ss do Código Civil Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela "Código Civil Anotado" II, Coimbra Editora, 4ª Edição, 1997, pags. 782 ss e 863 ss. Para mais alguns desenvolvimentos Cfr. Pedro Romano Martínez "Direito das Obrigações", Parte Especial, Empreitada, Almedina, Coimbra 2000, pags. 333 ss. Na Jurisprudência Cfr. por todos Ac. do S.T.J. de 17-6-1998 (P. 565/98) in Bol. do Min. da Just., 478, 351. .

[2] Cfr. A. citado in RLJ Ano 119, pags. 143.

[3] Cfr. para além dos AA. citados ainda José João Abrantes "A excepção de não cumprimento do contrato no direito civil Português", Almedina, Coimbra, 1986, pags. 92 ss. João Cura Mariano "Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra", Almedina, 2005, 2ª Edição. pags. 165 ss; Pedro Romano Martínez "Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada", Teses, Almedina 1884, Coimbra pags. 325 ss. 

Na Jurisprudência podem ver-se a título de exemplo Ac. do S.T.J. de 3-4-2003 (P. 673/2003) in Col. de Jur., 2003, II, 21; de 11-10-2001 (P. 2571/01) in Col. de Jur., 2001, 3, 65. Desta Relação de 2-2-1999 (R. 773/98) in Col. de Jur., 1999, I, 24; de 14-4-1993 (R. 950/92) in Col. de Jur., 1993, 2, 35 in Col. de Jur., 1993, 2, 35.