Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
224/05.4PATNV.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: CALVÁRIO ANTUNES
Descritores: CONCURSO
CÚMULO POR ARRASTAMENTO
Data do Acordão: 11/04/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TORRES NOVAS – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 30 E 77º CP
Sumário: 1. Para a punição do concurso, nos termos do artº 77ºdo CP, é necessário que os crimes a considerar na pena única, tenham ocorrido antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles.
2. Não há fundamento legal para o chamado cúmulo por arrastamento.
Decisão Texto Integral: I. Relatório.

1. No 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Torres Novas, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o arguido:
- J…, casado, servente de pedreiro reformado, residente na Rua da T…, em Torres Novas, e actualmente preso no Estabelecimento Prisional de Torres Novas.
Audiência essa, que se destinava à realização do cúmulo jurídico
***
2. Por sentença de 29/6/2009, o tribunal “a quo”, decidiu que “….não se irá proceder ao cúmulo entre as penas aplicadas no Processo nº 171/06.2PATNV, e a dos presentes autos e a do Processo nº 912/04.2GTABF, em virtude de haver uma relação de sucessão de penas entre eles e não de concurso.
Em conformidade, irá desfazer-se o cúmulo jurídico realizado na decisão proferida de fls. 472 a 475, entre a pena aplicada no Processo nº 171/06.2PATNV e a aplicada nos presentes autos, dando assim o mesmo sem efeito, na medida em que ele se tornou legalmente inadmissível.
Deste modo, previamente o arguido J… vai cumprir a pena de prisão única que vai ser-lhe aplicada nos presentes autos após realizar o cúmulo entre aquela em que aqui foi condenado e aquela que lhe foi aplicada no processo nº 912/04.2GTABF. Posteriormente, o arguido irá cumprir o remanescente da pena de prisão que lhe foi aplicada no Processo nº 171/06.2PATNV, e que ainda remanesce por cumprir.
Em conformidade, nos termos do artigo 77°, nº1, do Código Penal deverá proceder-se ao cúmulo jurídico das penas de prisão parcelares aplicadas apenas nos presentes e no processo nº 912/04.2GTABF, ao arguido J…, de forma a que o mesmo seja condenado numa pena única.”
Consequentemente mais decidiu “CONDENAR o arguido J…, em cúmulo jurídico e pela prática de um crime de ofensas à integridade física grave, em causa nos presentes autos, de um crime de condução de veículo sem habilitação e de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em causa no Processo Abreviado nº 912/04.2GTABF, do 2° Juízo do Tribunal de Albufeira, na pena única de 4 ( quatro) anos de prisão.”.
*
E ordenou que “Após trânsito, comunique ao Processo Abreviado nº 912/04.2GTABF, que corre termos no 2° Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Albufeira, que as penas que foram aplicadas ao arguido J… nesse processo foram integradas no cúmulo realizado nos presentes autos. Deste modo, essas penas perderam autonomia. Envie igualmente a esse processo certidão da sentença que realizou o cúmulo supra proferida, com nota de trânsito em julgado.
Igualmente após trânsito, comunique ao processo Comum Singular nº 171/06.2PATNV, que corre termos neste 1 ° Juízo deste Tribunal Judicial da comarca de Torres Novas, que foi desfeito o cúmulo que havia sido efectuado entre a pena aplicada nos presentes autos e aquela pelo qual o arguido J… foi condenado naquele processo. Remeta ainda a este processo nº 171/06, certidão da sentença supra proferida, com nota de trânsito em julgado. Deverá ainda ser aberta conclusão nesse processo nº 171/06 a fim de ordenarmos a reabertura do mesmo. Comunique ainda àquele processo n° 171/06, que, oportunamente, e após o arguido J… cumprir a pena única que lhe foi aplicada nos presentes autos, serão passados mandados de ligamento àquele processo, a fim de ele cumprir a pena de prisão que ainda remanesce ali por cumprir.”
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4. Inconformado, com tal decisão veio o arguido interpor recurso da sentença, formulando nas respectivas motivações as seguintes (transcritas) conclusões:

“I- O M.mo Juiz a quo deu sem efeito o cúmulo jurídico que havia proferido a fls. 472 a 475.
II - Na sentença de cúmulo jurídico, de fls. 472 a 475, considerou o douto Tribunal a quo que, por factos que teriam ocorrido em 11/7/2005, o arguido havia sido condenado, por sentença proferida em 23/4/2008, transitada em julgado em 2/7/2008 e ainda considerou para efeitos de cúmulo factos teriam ocorrido em 3/5/2006, e cuja sentença foi proferida em 8/6/2007, tendo transitado em julgado em 26/6/2007.
Assim,
III - Fruto destas duas sentenças condenatórias, nos autos Processo Comum Singular 224/05.4 PATNV e Processo Comum Singular 171/06.2 PATNV, havia sido proferida sentença de realização de cúmulo jurídico, de fls. 472 a 475, em 15/9/2008.
IV- Por sentença ora recorrida, o Tribunal a quo considerou que o cúmulo jurídico supra referenciado não poderia produzir os seus legais efeitos.
V- Fundamentando essa decisão na conclusão de que o cúmulo jurídico ali decidido era legalmente inadmissível, derivando tal conclusão da consideração do M.mo Juiz a quo, que in casu « ... rejeita-se assim a aplicação à presente situação do denominado "cúmulo por arrastamento".»
VI- Será questionável e mesmo de refutar o afastamento na douta sentença ora recorrida do cúmulo jurídico realizado a fls. 472 a 475.
VII- Fundamenta o M.mo Juiz a quo a decisão de dar sem efeito o cúmulo jurídico das penas aplicadas nos Proc. 224/05.4 PATNV e 171/06.2 PATNV no facto de o trânsito em julgado da sentença proferida nos autos de Processo Abreviado 912/04.2 GTABF ser anterior.
VIII- O M.mo Juiz a quo alicerça esta decisão no pressuposto que, a data até à qual é possível efectuar o cúmulo, dos crimes entretanto sentenciados, é a data do primeiro trânsito em julgado da primeira condenação por um deles.
Porquanto,
IX- O trânsito em julgado de uma sentença confere-lhe a cominação de solene advertência ao Arguido.
Todavia,
X- No caso em apreço, ainda que se pondere que o trânsito em julgado dos autos de Proc. Abreviado 912/04.2 GTABF ocorreu em 7/12/2005.
Certo é que,
XI- O ora Arguido não esteve presente na audiência de julgamento em 9/11/2005, nem na leitura da sentença respectiva em 21/11/2005.
Na verdade,
XII- Apenas em 22/1/2008, já no Estabelecimento Prisional de Torres Novas, o Arguido foi notificado da sentença que o havia condenado na pena de prisão única de 6 (seis) meses de prisão, proferida nos autos de Proc. Abreviado 912/04.2 GTABF.
Assim,
XII- No caso sub iudice, não pode o trânsito em julgado daquela sentença ser considerado como uma solene advertência para o Arguido, de tal modo que possa agora constituir o limite temporal para a realização do cúmulo jurídico entre as três sentenças.

XIV - Atentos os circunstancialismos do caso concreto, não se poderá considerar que o trânsito em julgado daquela sentença constitua para o Arguido uma solene advertência, de tal modo que fique arredada a garantia constitucional de realização de cúmulo jurídico entre as penas.
XV- Nem tão pouco poderia configurar um desrespeito por uma ordem judicial.
XVI- Verifica-se um erro notório na interpretação, pelo douto Tribunal a quo, do vertido no artigo 78º do Código Penal, para os efeitos previstos no artigo 412ºn.º2 do C.P.P.
XVII- Não deveria ter o Tribunal a quo ter refutado no caso sub iudice, a aplicação do cúmulo jurídico a todas as penas supra referenciadas.
XVIII- Não poderia o Douto Tribunal a quo ter deixado de subsumir aquelas três condenações ao vertido no artigo 78º do Código Penal, enquanto verdadeira salvaguarda dos direitos e garantias do Arguido.
XIX- Violou o douto Tribunal a quo o disposto no artigo 78º do Código Penal, enquanto verdadeira garantia constitucional dos direitos do Arguido.
XX- No caso em apreço, deveria o douto Tribunal a quo ter considerado que o primeiro trânsito em julgado, não pode constituir de per si o limite temporal para relevância de realização de cúmulo de penas.
XXI- Encontra-se assim a douta sentença ferida de ilegalidade por violação do princípio da igualdade, previsto no artigos 78º do C.P. e artigo 32º n.º2 da CRP, respectivamente.
E,
XXII- Atentos os critérios da prevenção geral, deveria o douto Tribunal a quo, não optando pela realização do cúmulo jurídico entre as penas sentenciadas nos autos Processo Comum Singular 224/05.4 PATNV, Processo Comum Singular 171/06.2 PATNV e Proc. Abreviado 912/04.2 GTABF, ter optado por uma pena inferior a 4 (quatro) anos, atenta a moldura legal abstracta, ponderada na sentença ora recorrida.

Pelo exposto e pelo mais que for doutamente suprido, deve conceder-se provimento ao presente recurso, e em consequência revogar-se a sentença recorrida e ordenar-se a sua substituição por outra que considere os motivos expostos.
Assim decidindo farão V.as Ex.ªs costumada,
JUSTIÇA! ”

*
5. Em resposta, nos temos do disposto no artigo 413º, n.º 1, do Código de Processo Penal o Ministério Público veio dizer o que consta de fls. 464/472, concluindo do seguinte modo:

“1.º
O arguido foi condenado nos presentes autos, por sentença transitada em julgado em 23/04/2006, pela prática de factos ocorridos em 11/07/2005, n pena de 3 anos e 6 meses de prisão e, por outro lado, foi condenado em pena de 18 meses de prisão no âmbito do processo Comum Singular n.º 171/06.2PATNV do 1.º Juízo deste Tribunal, por sentença transitada em julgado em 28/06/2007, pela prática de factos ocorridos em 03/05/2006.
2.º
Por sentença de 15/09/2008, proferida nos presentes autos e transitada em julgado em 22/10/2008, foi efectuado o cumulo jurídico entre as penas parcelares de aplicadas ao arguido nestes autos e no Processo Comum Singular n.º171/06.2PATNV tendo o mesmo sido condenado em cumulo jurídico na pena única de 4 anos e 4 meses de prisão efectiva
3.º
Verificando-se, posteriormente, que o arguido havia ainda sido condenado por sentença transitada em julgado em 07/12/2005, proferida no processo Abreviado 912/04.2GTABF do 2.º Juízo do Tribunal de Albufeira, por factos de 06/08/2004, nas penas parcelares de 3 meses e 5 meses de prisão, foi designada data para reformulação do cumulo jurídico.
4.º
Por sentença de 29/06/2009, foi reformulado o cumulo jurídico das penas aplicadas ao arguido, excluindo deste cumulo a pena de 18 meses de prisão aplicada no Processo Comum 171/06.2PATNV, e operando apenas o cumulo entre as penas de 3 anos e 6 meses e a penas de 3 meses e 5 meses de prisão aplicadas ao arguido nestes autos e no processo Abreviado n.º 912/04.2GTABF, aplicando-se a pena única de 4 anos de prisão efectiva - determinando-se o cumprimento desta pena e subsequentemente a pena de 18 meses de prisão pelo arguido
5.º
Tal decisão é contrária aos princípios que subjazem ao instituto do cúmulo jurídico tal como se encontra consagrado no nosso sistema jurídico.
Sintetiza o recente Ac. do S.T.J. de 18.04.2007 Todos os Acórdão citados no presente recurso se encontram disponíveis em www.dgsi.pt: «O cúmulo jurídico funda-se, pois, em razões de segurança jurídica, e da sua realização nunca pode haver agravamento da situação do arguido, face ao limite das penas que o determinam e, por regra, a pena dele resultante não se traduz em acumulação material das penas parcelares.(..)"
6.º
Na medida em que redunda num agravamento substancial da situação processual do arguido, a decisão recorrida viola necessariamente o preceituado no artigo 77.º e 78.º do C.P ..
7.º
Pelo que, perante a opção em efectuar novo cumulo jurídico ou manter o anteriormente realizado - na medida em que se considerou que a nova pena a cumular apenas estaria em concurso com uma das penas parcelares incluída em anterior cumulo - deveria ter-se optado pela solução menos gravosa para o arguido e não, por aquela que se traduz num substancial agravamento da sua situação.
8.º
Pelo que, nessa parte merece provimento o recurso do arguido.
9.º
No que concerne à determinação da medida concreta da pena decorrente do cumulo jurídico, foram levados em consideração os critérios legais, pelo que, a haver alguma alteração a realizar, deverá ser sempre em função da alteração da decisão nos termos atrás expostos.
Assim decidindo, V. Ex.as farão
JUSTIÇA! ”
*
6. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto, no douto parecer que emitiu, manifestou-se no sentido da procedência do recurso do arguido.
Foram colhidos os vistos legais.

Procedeu-se à conferência, com observância do formalismo legal, cumprindo, agora, apreciar e decidir.


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II. Fundamentação:

1. Delimitação do objecto dos recursos e poderes de cognição do tribunal ad quem:
Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no artº 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR, 1-A de 28-12-1995).
No caso sub judice, as questões postas à consideração deste tribunal ad quem pelos recorrentes são as seguintes:

A) Se deve ou não alterar-se a decisão recorrida e ordenar-se a cumulação das penas referidas na sentença e a do Processo Comum nº 171/06.2PATNV, em ordem a aplicar ao arguido uma pena única – artº 77, nº 1 "ex vi", art° 78, nº 1, ambos do C.P, aceitando a aplicação do chamado cumulo por arrastamento, ou não.

B) Se a decisão recorrida deve ser alterada, relativamente ao quantum da pena aplicada em cúmulo, que o arguido/recorrente, entende ser muito elevada.


***

Vejamos então.

2. Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos (transcrição):

“O arguido J… foi condenado nos presentes autos pela prática de um crime de ofensas à integridade física graves, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, como se extrai do acórdão onde foi proferida esta decisão, junto de fls. 390 a 421. Os factos em causa nos presentes autos em que esteve envolvido este arguido terão ocorrido em 11 de Julho de 2005. Por sua vez, a decisão condenatória foi proferida nos presentes autos em 23 de Abril de 2008, como se extrai de fls. 441, e transitou em julgado em 2 de Junho de 2008.
Extrai-se, por sua vez, da certidão junta aos autos de fls. 549 a 556, que o arguido J… foi condenado no Processo Abreviado nº 912/04.2GTABF, que corre termos no 2° Juízo do Tribunal Judicial de Albufeira, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 3 meses de prisão, e de um crime de condução de veículo sem habilitação legal na pena de 5 meses de prisão. Os factos em causa nesse processo ocorreram em 6 de Agosto de 2004. A decisão condenatória foi, por sua vez, proferida em 21 de Novembro de 2005, e transitou em julgado em 7 de Dezembro de 2005 (como se extrai de fls. 549).
Resulta ainda da certidão junta aos autos de fls. 261 a 274, que o arguido J… foi condenado no Processo Comum Singular nº 171/06.2PATNV, que corre termos neste 1º Juízo do Tribunal de Torres Novas, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 18 meses de prisão. Os factos em causa nesse processo ocorreram em 3 de Maio de 2006. A decisão final foi, por sua vez, proferida em 8 de Junho de 2007, e transitou em julgado em 26de Junho de 2007 (como se extrai de fls. 261).
O arguido encontra-se desempregado há algum tempo.
Não tem companheira, nem filhos.
Do certificado de registo criminal do arguido consta:
a)Uma condenação no Processo Comum Singular nº 187/92, da 3a secção, do Tribunal Judicial da comarca de Torres Novas, por factos ocorridos em 1-2-1992, pela prática de um crime de furto de uso de veículo na pena de 6 meses de prisão, e de um crime de furto qualificado na pena de 12 meses de prisão. Depois de efectuado o cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 15 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 2 anos. A decisão condenatória foi proferida em 27-9-1993.
b)Uma condenação no Processo Comum Singular nº 46/96, do 1 ° Juízo, do Tribunal Judicial da comarca de Torres Novas, pela prática de um crime de roubo agravado, ocorrido em 6-6-1995, na pena de 3 anos e 6 prisão. A decisão condenatória foi proferida em 27-5-1996.
c)Uma condenação no Processo Comum colectivo nº 133/96, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Torres Novas, pela prática de um crime de furto, ocorrido entre Junho e Agosto de 1995, na pena de 8 meses de prisão. A decisão condenatória foi proferida em 9-12-1996.
d) Uma condenação no Processo Comum Singular nº 129/02.0PATNV, do 2° Juízo, do Tribunal Judicial da comarca de Torres Novas, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, ocorrido em 20-12-2001, na pena de 100 dias de multa. A decisão condenatória foi proferida em 29-11- 2002.
* *
MOTIVAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO:
A prova dos factos referidos supra resultou da análise dos elementos de prova e documentos juntos aos autos. “
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3. Apreciando.
3.1. Relativamente ao cúmulo.

Há que ver, então, se a sentença recorrida, merece ou não qualquer reparo. Ou seja há que apurar se o cúmulo de fls. 569/574 vº, se mostra correcto, isto é, se deveria ou não englobar a pena do Processo Comum Singular nº 171/06.2PATNV, que corre termos neste 1º Juízo do Tribunal de Torres Novas.
Vejamos então.
O artº 30º do Código Penal, sob a epígrafe Concurso de crimes e crime continuado, dispõe o seguinte:
1 - O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
Por seu lado, nos termos do artigo 77º nº 1 do Código Penal “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena (…)”.
Por seu turno o artigo 78º do CP, na sua redacção anterior dispunha que: nº 1 “se, depois de uma condenação transitada em julgado, mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta, se mostrar que o agente praticou anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis a regras do artigo anterior”. Enquanto que o nº 2 previa que “o disposto no número anterior é ainda aplicável no caso de todos os crimes terem sido objecto separadamente de condenações transitadas em julgado”.
Após a alteração do Código Penal, introduzida pela Lei nº 59/2007 de 4 de Setembro, o artigo 77º nº 1 manteve a mesma redacção, sendo que já o artigo 78º passa agora a dispor o seguinte: nº 1 “se, depois de um a condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes”, enquanto que o nº 2 estipula que “o disposto no número anterior apenas é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado”.
Face a tal temos de concluir que, no essencial, o regime da punição do concurso e conhecimento superveniente do mesmo se mantém, sendo que a principal alteração se prende, em nosso entender, com o facto de o legislador deixar de ter como requisito para a realização do cúmulo jurídico, que as penas não se mostrem extintas (como acontecia na anterior redacção), de modo a poderem ser também incluídas as penas já cumpridas ou extintas, o que pode assumir relevância.
A primeira destas normas define o que é concurso de crimes e a segunda estabelece as regras para a sua punição, dizendo claramente que, para serem punidos como concurso, é preciso que os crimes respectivos tenham sido cometidos antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles.
Do confronto destas duas normas retira-se que, por oposição às situações de sucessão de crimes, isto é, às situações em que o agente comete um ou mais crimes depois do trânsito em julgado de outra ou outras condenações (a contrario, pois, do que se dispõe no nº 1 do artº 77º), as demais situações só podem ser qualificadas como concurso de crimes, aplicando-se, por opção do legislador, uma única pena.
A razão de ser desta opção radica essencialmente nos princípios estabelecidos no artº 40º e tem em atenção o facto de o agente não ter cometido outros crimes imediatamente depois do trânsito em julgado de outra ou outras condenações e, por isso, de alguma forma, se mostrar mais suavizada a sua culpa e bem assim a necessidade de punição.
Trata-se, de certa forma, de consideração semelhante à que é feita para a punição do crime continuado, ainda que, ali, a pena possa atingir, com certos limites, a soma material das penas e no caso do crime continuado se exijam, expressamente, algumas condições que diminuam consideravelmente a culpa.
Ponto assente, pois, para a punição como concurso, nos termos dos artºs 77º, é que, relativamente aos crimes a considerar na pena única, eles tenham ocorrido antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles.
No caso do artº 78º - Conhecimento superveniente do concurso -, exige-se, além da superveniência do conhecimento a ocorrência do trânsito em julgado de todas as decisões (cf. o nº 2).
São assim pressupostos da aplicação do concurso, os seguintes:
- que se trate de um concurso de infracções tal como o define o artº 30º (isto é, de pluralidade de infracções cometida pelo mesmo agente antes de qualquer delas ter sido objecto de uma condenação transitada em julgado);
- que o conhecimento superveniente ocorra depois de julgadas todas as infracções concorrentes;
- que o crime ou crimes não incluídos na anterior condenação (porque desconhecidos) tenham sido praticados antes do crime ou crimes considerados naquela, medindo-se essa anterioridade pela data da condenação;
- que a pena aplicada na anterior condenação tenha transitado em julgado;
***
Face a tal, vejamos então o que se passa no caso dos autos.
Conforme se alcança dos autos, o arguido J…, foi condenado:
1- nos presentes autos pela prática de um crime de ofensas à integridade física graves, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão.
Os factos em causa nos presentes autos em que esteve envolvido este arguido terão ocorrido em 11 de Julho de 2005. Por sua vez, a decisão condenatória foi proferida nos presentes autos em 23 de Abril de 2008 e transitou em julgado em 2 de Junho de 2008.
2 - No Processo Abreviado nº 912/04.2GTABF, que corre termos no 2° Juízo do Tribunal Judicial de Albufeira, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 3 meses de prisão, e de um crime de condução de veículo sem habilitação legal na pena de 5 meses de prisão. Os factos em causa nesse processo ocorreram em 6 de Agosto de 2004. A decisão condenatória foi, por sua vez, proferida em 21 de Novembro de 2005, e transitou em julgado em 7 de Dezembro de 2005.
3 – No Processo Comum Singular nº 171/06.2PATNV, que corre termos neste 1º Juízo do Tribunal de Torres Novas, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 18 meses de prisão. Os factos em causa nesse processo ocorreram em 3 de Maio de 2006. A decisão final foi, por sua vez, proferida em 8 de Junho de 2007, e transitou em julgado em 26de Junho de 2007”.
Daqui constatamos, sem margem para qualquer dúvida, que quando ocorreram os factos que constam do Processo Comum Singular nº 171/06.2PATNV (3 de Maio de 2006), já o arguido havia sido julgado, no Processo Abreviado nº 912/04.2GTABF e essa decisão transitado em julgado, pois que essa decisão condenatória foi proferida em 21 de Novembro de 2005 e transitou em julgado em 7 de Dezembro de 2005.
Por isso, entendemos estarem numa relação de concurso somente as penas aplicadas nos presentes autos e no Processo Abreviado nº 912/04.2GTABF.
Na verdade, conforme é referido no douto Ac do STJ Proc. nº 08P3772, de, 14-01-2009, relatado pelo Conselheiro, Dr Fernando Fróis, “I-Uma pluralidade de infracções/crimes cometidas pelo mesmo arguido/agente pode dar lugar ou a um concurso de penas (quando os vários crimes/infracções tiverem sido cometidos antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles) ou a uma sucessão de penas (nos demais casos de pluralidade de crimes/infracções cometidos pelo mesmo arguido/agente).
II - Elemento relevante e fundamental para determinar a possibilidade de efectivação de cúmulo jurídico das penas é o trânsito em julgado da condenação pelo primeiro crime.
III - Na verdade, a jurisprudência mais recente e dominante deste STJ vai no sentido de que não poderá haver cúmulo jurídico de penas respeitantes a crimes praticados uns antes e outros depois da primeira condenação transitada em julgado. Depois daquele trânsito haverá sucessão de crimes e de penas.”
O que sucede é que, e citando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18-06-2009, Processo: 678/03.3PBGMR,Nº Convencional: 3ª SECÇÃO, Relator: ARMÉNIO SOTTOMAYOR, in www.dgsi.pt, “Fala-se em “cúmulo por arrastamento”, quando «a condenação por crimes cometidos antes e depois de condenações entretanto proferidas, implica a efectivação de um cúmulo jurídico, por arrastamento, das penas aplicadas e a aplicar a todos esses crimes». Dito de outro modo: mesmo que alguns dos crimes não sejam anteriores às condenações de cada um dos processos em concurso, os que o são e constituem cúmulo com as condenações anteriores fazem cúmulo com os restantes, acarretando o cúmulo de todas as penas.
Como é sabido, “a punição do concurso de crimes com uma «única pena» pressupõe a existência de uma pluralidade de crimes praticados pelo mesmo agente que tenham de comum um determinado período de tempo, delimitado por um ponto de referência ad quem estabelecido na norma - o trânsito em julgado da condenação por qualquer deles; todos os crimes praticados antes de transitar em julgado a condenação por um deles devem determinar a aplicação de uma pena única, independentemente do momento em que seja conhecida a situação de concurso, que poderá só ocorrer supervenientemente por facto de simples contingências processuais.” (cfr. ac. STJ de 17-03-2004 – Proc. 4431/03).
Criticando o “cúmulo por arrastamento, Paulo Dá Mesquita (O Concurso de Penas, pág. 64), refere que, nos arts. 77º e 78º do Código Penal, na redacção de 1995, “visa-se punir os casos de concurso de penas com uma pena conjunta, que tem como limite superior a soma das várias penas concretas e limite inferior a pena parcelar mais greve, em que se considerem, em conjunto, os factos e a personalidade do agente
E continua: “Como já foi sublinhado, caso não existissem essas normas, os casos que são punidos através do cúmulo jurídico das penas parcelares seriam resolvidos através de uma mera acumulação material destas penas. … Contudo, esse sistema de cúmulo jurídico das penas não pode ser aplicado em todos os casos em que um agente tenha em diversas ocasiões sido condenado em diferentes penas parcelares, mas tão só no caso de concurso de penas e já não nos de sucessão de penas. … Existe outra razão que torna inadmissível a aplicação indiscriminada do sistema do cúmulo jurídico de penas a todos os casos de concursos de crimes, pois essa solução seria incompatível com a pretendida análise conjunta dos factos quando uns são anteriores e outro(s) posterior(es) à solene advertência constituída por uma condenação transitada em julgado”.
A corrente que considera possível o “cúmulo por arrastamento” encontra-se hoje abandonada pelo Supremo Tribunal de Justiça.”
Ou seja, contrariamente ao alegado pelo recorrente, actualmente a corrente dominante dos nossos Tribunais Superiores, maxime, STJ, vai no sentido de que, para a verificação de uma situação de concurso de infracções a punir por uma única pena, se exige, desde logo, que as várias infracções tenham, todas elas, sido cometidas antes de haver transitado em julgado a condenação imposta por qualquer uma delas, isto é, o trânsito em julgado da condenação imposta por uma dada infracção obsta a que, com essa infracção ou com outras cometidas até esse trânsito, se cumulem infracções que venham a ser praticas em momento posterior a esse trânsito.
Assim, o momento determinante para a sujeição de um conjunto de crimes a uma pena única é, nos termos do artº 77º, nºs 1 e 2, aplicável por força do artº 78º, nº2, do CP, o trânsito em julgado da primeira condenação, pois os crimes praticados posteriormente a essa decisão transitada em julgado não estão em relação de concurso, devendo ser encarados e punidos na perspectiva da sucessão criminal.
Neste sentido, defende também o Ac do Tribunal da Relação de Guimarães, processo 1709/04-1, de 15-11-2004, relatado pelo Desembargador Dr Tomé Branco, in www.dgsi.pt, onde se refere que “I – Tem vindo a ser entendido no STJ, sem discrepância, que resulta directa e claramente dos art°s 77° e 78° do C. Penal que, para a verificação de uma situação de concurso de infracções a punir por uma única pena, se exige, desde logo, que as várias infracções tenham, todas elas, sido cometidas antes de haver transitado em julgado a condenação imposta por qualquer uma delas.
II - Isto é, o trânsito em julgado da condenação imposta por uma dada infracção obsta a que, com essa infracção ou com outras cometidas até esse trânsito, se cumulem infracções que venham a ser praticas em momento posterior a esse trânsito.
III – Assim sendo, o trânsito em julgado de uma condenação penal é um limite temporal intransponível, no âmbito de concurso de crimes, à determinação de uma pena única, excluindo desta os crimes cometidos depois.
IV – Consequentemente, tem também entendido o STJ que o cúmulo dito “por arrastamento”, não só contraria os pressupostos substantivos previstos no art° 77°, n° 1 do C. Penal, como também ignora a relevância de uma condenação transitada em julgado como solene advertência ao arguido, quando relativamente aos crimes que se pretende abranger nesse cúmulo, uns são anteriores e outros posteriores a essa condenação, pelo que como tal, não deve ser aceite.”.(cfr. por significativo o Ac. STJ de 7.02.02, CJSTJ, Ano X, Tomo I-2002, pág. 203, o qual temos vindo a seguir de perto).
Diremos, por isso, que a jurisprudência dominante entende, contrariamente ao defendido pelo recorrente, que não há fundamento legal para o chamado cúmulo por arrastamento que conheceu alguma aplicação no STJ até 1997, mas que constituía uma forma de, divergindo dos termos legais, aniquilar a teleologia e a coerência interna do sistema. (Neste sentido citam-se, entre muitos outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, in www.dgsi.pt, Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente, Proc 08P4032, de 03-05-2006, relatado pelo Conselheiro, Dr Raul Borges; Proc 06P1173, de 27-01-2009, relatado pelo Conselheiro, Dr Soreto De Barros; processo n.º 2739/01-5ª, CJSTJ 2002, tomo 1, pág. 180; de 07-02-2002, processo 118/02-5ª, CJSTJ 2002, tomo 1, pág. 202; de 23-01-2003, processo n.º 4431/03-3ª, CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 229; de 18-03-2004, processo n.º 1391/04-3ª, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 217; de 17-06-2004, processo n.º 1713/06 - 3ª; de 09-11-2006, CJ.STJ 2006, tomo 3, pág. 226 e mais recentemente, o Ac do STJ de 10-09-2009, Processo: 458/08.0 GAVGS.C1-A.S, 5ª SECÇÃO, Relator: SOUTO DE MOURA)
Por sua vez, na doutrina, também no sentido do afastamento do cúmulo por arrastamento, podem ver-se Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, volume II, pág. 313, Paulo Dá Mesquita, Concurso de penas, pág. 45, Vera Lúcia Raposo, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 13, n.º 4, Outubro/Dezembro de 2003, em comentário ao acórdão do STJ de 7 de Fevereiro de 2002, de págs. 583 a 599, que a págs. 592 diz: “O cúmulo por arrastamento aniquila a teleologia e coerência internas do ordenamento jurídico-penal, ao dissolver a diferença entre as figuras do concurso de crimes e da reincidência”.
Igual posição foi por nós defendida, embora com outro adjunto, no Proc. nº 237/06.9JAAVR.C2, deste Tribunal da Relação.
Assim sendo, impõe-se reconhecer que, como bem se defendeu na decisão impugnada, as penas em que o arguido foi condenado no Processo Comum Singular nº 171/06.2PATNV, não se encontra em relação de concurso para aplicação de uma pena única, em cúmulo jurídico, com a decretada nos presentes autos e que engloba as penas dos presentes autos e no Processo Abreviado nº 912/04.2GTABF.
Daí que não mereça qualquer censura a decisão recorrida, devendo, em consequência improceder, nesta parte, o recurso do arguido.

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3.2. Relativamente ao quantum da pena aplicada, em cúmulo.

O recorrente veio ainda, por mera cautela, recorrer da medida da aplicada. Em cúmulo, entendendo o recorrente que a decisão recorrida deve ser alterada, por ser muito elevada.

Vejamos.

Conforme resulta do art.º 77.º, nºs 1 e 2, do CP, para o qual remete o art.º 78.º, a pena aplicável ao concurso de crimes tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos de prisão e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

Compulsados os autos constatamos que a sentença justificou assim a fixação da pena unitária:
De acordo com o disposto no nº2, do artigo 77°, do Código Penal a medida abstracta da pena única a aplicar no caso concreto terá como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada dessas penas aplicadas em concreto. Na presente situação essa medida abstracta variará entre 3 anos e 6 meses e 4 anos e 2 meses.
Estabelece a parte final do nº1, do artigo 77°, do Código Penal que para a determinação da medida concreta da pena serão levados em consideração, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Como refere o Prof. Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crimes, Aequitas, pág. 291: tudo deve passar-se ... como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível/ a uma tendência criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade ... De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente.
Ponderando então os factores estabelecidos na lei para a determinação da medida concreta da pena verifica-se que:
Nos presentes autos encontra-se em causa um crime grave, na medida em que está em
causa um crime de ofensas à integridade física grave. No processo n° 912/04.2GTABF
encontra-se em causa dois crimes de média gravidade, como acontece com o de condução de veículo em estado de embriaguez e de condução de veículo sem habilitação legal. Conclui-se assim que a prática de um dos ilícitos e a instauração do processo crime respectivo não constituiu meio preventivo e dissuasor para o arguido.
Para além disso, resulta do certificado de registo criminal junto aos autos que o arguido já havia anteriormente sido condenado pela prática de outros crimes. Nessas situações para além de crimes de gravidade pouco significativa, como condução sem habilitação legal, estiveram igualmente em causa crimes bastantes graves, como acontece com os crimes de furto qualificado e de roubo. No que diz respeito a este último crime o arguido acabou por ser condenado na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva, que cumpriu na sua maior parte. Além disso, o arguido demonstra tendência para a prática de crimes contra o património.
Para além disso, o arguido encontrava-se desempregado antes de ser preso e não tinha qualquer fonte de rendimento conhecida.
O crime que está em causa nos presentes autos de ofensas à integridade física graves provocam bastante impacto negativo na sociedade.
Ponderando todos estes elementos expostos o tribunal considera adequado aplicar ao arguido a pena única de 4 anos de prisão.
Conclui-se assim que a pena única pela qual o arguido J… será condenado nos presentes autos, na sequência do cúmulo que foi efectuado com a pena aplicada no Processo nº 912/04.2GTABF será de 4 anos de prisão.”
Ora, na medida da pena unitária deverão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Como ensina Figueiredo Dias, (in Dtº Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Aequitas, 1993, pags 291/292) nesse esforço de determinação “Tudo deve passar-se ... como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária – do agente relevará, entretanto, a questão se saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência, ou eventualmente mesmo a uma “carreira” criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”
Ou seja, a determinação da pena deve ser aferida em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo ainda, numa segunda fase, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, rodearam o mesmo, antes ou depois do seu cometimento, quer resultem a favor ou contra o agente.
Assim e retomando os critérios para a determinação concreta da pena, temos, duas regras centrais: a primeira consiste em ter presente que a culpa é o fundamento para a concretização da pena; a segunda, é de que deverá ter-se em conta os efeitos da pena na vida futura do arguido na sociedade e a necessidade desta defender-se do mesmo, mantendo a confiança da comunidade na tutela da correspondente norma jurídica que foi violada.
Perante isto, podemos dizer que nesta acção a pena serve primacialmente, por um lado, para a retribuição justa do ilícito e da culpa (função retributiva), contribuindo ainda, por outro lado e ao mesmo nível, para a reinserção social do arguido, procurando não prejudicar a sua situação social mais do que estritamente necessário (função preventiva especial positiva) – como aludia Kohlrausch “Na determinação da pena o tribunal deve considerar principalmente que meios são necessários para que o réu leve de novo uma vida ordenada e conforme a lei” (vide “Mitt IKV Neue Folge”, t. 3, p. 7, citado por H.-H. Jescheck, in “Tratado de Derecho Penal”, Vol. II, p. 1195).
Ou ainda, como refere Figueiredo Dias (Consequências Jurídicas do Crime, pág. 227 e seg) a propósito da questão da medida da pena, a finalidade da aplicação desta reside primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível na reinserção do agente na comunidade. A determinação da medida da pena é, assim, a conjugação da expectativa da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida que se consubstancia com a ideia de prevenção geral positiva e as exigências derivadas da inserção social e reintegração do agente na comunidade.
Tal conjugação terá como parâmetro a culpa que constitui um limite máximo que não pode ser ultrapassado.
Para a determinação da medida concreta da pena há que fazer apelo aos critérios definidos pelos artigos 71º e 47º, n.º 1 do Código Penal, nos termos dos quais, tal medida será encontrada dentro da moldura penal abstractamente aplicável, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo ainda a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente.
Percorrendo a decisão na mesma encontram-se tais factos, bem como os relativos às condições em que o arguido cometeu os crimes, permitindo interligá-los ao ponto de afirmar tendência criminal, com reflexos na sua personalidade.
Mais, se encontram nela factos relativos às suas condições de vida, seja no plano familiar, seja no plano profissional, seja relativamente a comportamentos aditivos contemporâneos dos factos e posterior evolução.
Também se apurou que a postura perante a censura criminal, o arguido actuou com indiferença e não interiorizou o desvalor da conduta.
Ora, sendo a decisão cumulatória não só um novo julgamento, mas corresponde ao momento em que o legislador pretende ver reunido o conjunto de elementos caracterizadores mais completo possível do arguido e dos «pedaços de vida» que integram as condenações sofridas pelo mesmo, concluímos que bem andou o tribunal “a quo”.
Ponderados todos esses factores somos levados a considerar como adequada a pena conjunta, aplicada pelo tribunal a quo, como correcta, pelo que se mantém a pena de 4 anos de prisão.
Termos em que o recurso, também nesta parte, não merece provimento.

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III – Decisão.

Posto o que precede, acordam os Juízes que compõem esta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, em negar provimento ao recurso do arguido J…, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 6 UCs.

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(Processado e revisto, pelo relator, o primeiro signatário.
Consigna-se que o verso de todas as folhas vai em branco)


Coimbra, 04 de Novembro de 2009.


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Calvário Antunes


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Mouraz Lopes