Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
289/19.18SRE-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: CAUSA DE PEDIR
CUMULAÇÃO
INCOMPATIBILIDADE
CUMULAÇÃO DE CAUSAS DE PEDIR INCOMPATÍVEIS
EMBARGOS DE EXECUTADO
PETIÇÃO INICIAL
PETIÇÃO DE EMBARGOS DE EXECUTADO
Data do Acordão: 03/03/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - SOURE - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 731º NCPC.
Sumário: 1. O regime da cumulação de causas de pedir incompatíveis, geradora da ineptidão da petição inicial, opera apenas no âmbito da ação declarativa, não se aplicando à petição de embargos de executado porque, não obstante assumir a natureza de “contra-ação”, tem um perfil e características próprias, dada a estrutura e finalidade da oposição.

2. A petição dos embargos de executado tem formalmente a estrutura e conteúdo de uma petição da ação declarativa, mas no plano material a oposição consubstancia uma reação à pretensão executiva, sendo substancialmente uma contestação.

3. Os fundamentos de oposição à execução (art.731º CPC) não estão subordinados a nenhuma hierarquia, nem a lei impede a sua cumulação, porque são todos os que possam ser invocados na defesa (sistema não restritivo), não funcionando para essa defesa o regime da incompatibilidade de causas de pedir, além do mais porque o embargante opõe factos impeditivos, modificativos ou extintivos da obrigação exequenda (oposição de mérito).

4. Não é inepta a petição de embargos de executado na qual o executado alega a falsidade da assinatura do título (aval aposto numa livrança), negando a autoria, e simultaneamente alega a violação do pacto de preenchimento.

Decisão Texto Integral:






Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO

            1.1.A exequente C..., CRL instaurou acção executiva para pagamento de quantia certa, com forma de processo comum, contra os executados P... – Comércio de Automóveis, Lda,      E... e F...

Reclamou o pagamento da quantia de €168,233,18, erigindo como título executivo a livrança subscrita pela executada P..., Lda e avalizada pelos executados E... e F..., emitida em 1/3/2019, que fora dada em garantia no contrato de mútuo celebrado entre a exequente e a executada P..., Lda.

1.2.- Os executados E... e F... deduziram embargos de executado contra a exequente C..., CRL, alegando, em resumo:

            A exequente alegou ter celebrado com a executada um contrato de mútuo, no valor de €127.500,00, tendo os embargantes assumido a qualidade de avalistas em livrança subscrita pela mutuária, dada em garantia.

Os executados impugnam a autenticidade e genuinidade, conteúdo e exactidão da livrança, o respectivo montante, bem como a veracidade das assinaturas.

A exequente violou o pacto de preenchimento, tanto que nunca resolveu o contrato de mútuo.
Pediram a procedência dos embargos e a extinção da execução.
1.2. Por despacho de 14/10/2019 decidiu-se pelo indeferimento liminar parcial dos embargos, com fundamento em ineptidão da petição inicial por contradição de causas de pedir (art.186 nº2 c) CPC).
O despacho contém a seguinte fundamentação:
Na acção executiva de que os presentes autos constituem incidente declarativo processado por apenso a Exequente apresenta como título executivo, à luz do art.º 703.º/1/c)/”Primeira Parte” CPC, um título de crédito (Livrança), alegando que a Livrança se encontra Subscrita/Avalizada pelos Executados/Embargantes e pretende obter dos mesmos o pagamento dessas prestações pecuniárias cambiárias.
 Os Executados/Embargantes deduzem Oposição à Execução com recurso a duas vias distintas.  Por um lado [artigos 18.º e 19.º da petição inicial], impugnam a genuinidade das assinaturas dos seus nomes (factos pessoais) na Livrança apresentada como título executivo e na qual figuram os seus nomes como Avalistas.  Por outro lado, invocam o preenchimento abusivo da Livrança, pretendendo discutir a relação fundamental causal extracambiária da Subscrição/Emissão da Livrança pela sociedade Executada de que são sócios. 
Vejamos:
 Conforme citado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-06-2019 (em www.dgsi.pt – Processo n.º 1025/18.5T8PRT.P1.S1):   “...é hoje posição pacífica da jurisprudência, encontrando-se o título nas relações imediatas (sem entrar em circulação) e tendo o mesmo avalista outorgado no pacto de preenchimento (configurando-se, assim, uma relação tripartida, entre o portador, o subscritor/aceitante e o avalista)... ao avalista é reconhecida legitimidade para efeitos de arguição da excepção de preenchimento abusivo, ainda que lhe caiba, naturalmente, em conformidade com a regra geral prevista nos artigos 342º, n.º 2 e 378º, do Cód. Civil, a alegação e prova dos factos concretos que fundamentam esta excepção material contra o portador do título.”.  No mesmo acórdão, mais à frente, é reafirmado que:  “... para que se coloque uma questão de preenchimento abusivo, enquanto excepção pessoal do obrigado cambiário, é necessário que se demonstre a existência de um acordo, em cuja formação tenham intervindo o avalista e o tomador-portador do título, acordo que este último, ao completar o respectivo preenchimento tenha efectivamente desrespeitado.   ... destruída a cláusula subjacente à obrigação cambiária (de aval) assumida pela oponente, não há relação causal que justifique poder o oponente prevalecer-se da excepção de preenchimento abusivo, por não se poder falar, então, em relações imediatas.  A consequência do posicionamento do Oponente será, então, ao menos a nosso ver, a ineptidão da defesa, por manifesta incompatibilidade entre a pretendida invalidade do pacto e o desrespeito desse mesmo pacto, por aquela via excluído.  Ora, assim sendo, sobra a posição jurídica do Oponente, apenas enquanto avalista, assumindo o aval a sua plena autonomia, ou seja, na pureza da obrigação cambiária fora das relações imediatas.  ... Se o avalista opta por lançar mão da invalidade da cláusula que integra pacto de preenchimento em que interveio, com a respectiva exclusão do contrato, auto-exclui-se da intervenção no acordo de preenchimento e, consequentemente, do posicionamento que detinha no campo das relações imediatas com a beneficiária da livrança, a coberto das quais poderia invocar e fazer valer a excepção do preenchimento abusivo.”.
  Do “supra” exposto resulta claro que os Executados/Embargantes Avalistas apenas podem arguir excepções materiais contra a Portadora da Livrança caso tenham outorgado conjuntamente com a Portadora e a Subscritora/Emitente o pacto de preenchimento da Livrança através do qual se estabelecem relações imediatas entre estes sujeitos.  Ora, a negação da qualidade de Avalistas, isto é, a impugnação da genuinidade das assinaturas na Livrança das quais decorrem as obrigações cambiárias de Aval, exclui radicalmente qualquer relação imediata dos Executados/Embargantes com a Portadora da Livrança.  Os Executados/Embargantes negam a autoria das assinaturas dos seus nomes na Livrança, logo excluem-se de qualquer intervenção na Livrança e, portanto, excluem-se de qualquer pacto à luz do qual a Portadora possa ter efectuado o preenchimento da Livrança na qual não tiveram intervenção [pacto com base no qual apenas aquele que é confessadamente Avalista e subscritor do pacto pode opor à Portadora excepções relativas à relação fundamental causal extracambiária].
 Conclui-se, assim, que existe ineptidão da petição inicial por conter causas de pedir incompatíveis [art.º 186.º/2/c) CPC] ou, na expressão do acórdão, a defesa por Embargos de Executado é inepta por incompatibilidade entre as posições assumidas na Oposição à Execução.  Porém, em nosso entender, deve aproveitar-se a petição inicial na medida do admissível, isto é, quanto à arguição da falsidade das assinaturas dos Executados/Embargantes na Livrança.
 Em tese, poderia ponderar-se formular um convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, permitindo aos Executados/Embargantes optar entre uma das defesas incompatíveis.  Contudo, no caso concreto, tal não é equacionável, pois o Tribunal apenas pode partir do princípio de que as Partes actuam de acordo com o dever de boa fé processual previsto no art.º 8.º CPC, e, colocar aos Executados/Embargantes a opção “supra” referida, seria, ilicitamente, equacionar a possibilidade de que tal dever não foi cumprido pelos Executados/Embargantes.  Com efeito, nessa hipótese, uma eventual opção dos Executados/Embargantes pela assunção da qualidade de Avalistas implicaria, necessariamente, o reconhecimento de que na petição inicial os Executados/Embargantes tinham alterado a verdade quanto a factos pessoais, o que implicaria a sua imediata consideração como litigantes de má fé [art.º 542.º/2/b) CPC].»
  Pelo exposto, o Tribunal decide:  1) Indeferir parcial e liminarmente os Embargos de Executado quanto a todos os fundamentos de Oposição à Execução com excepção da impugnação da genuinidade das assinaturas dos Executados/Embargantes na Livrança que constitui o título executivo.  Notifique.  Notifique o(a) Sr.(a) Agente de Execução.  Após trânsito em julgado, apresente conclusos os autos”
1.3. Inconformados, os embargantes recorreram de apelação, com as seguintes conclusões:
...
A exequente/embargada contra-alegou no sentido da improcedência do recurso.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. delimitação do objecto do recurso
A questão essencial suscitada no recurso consiste em saber se existe fundamento para o indeferimento liminar parcial da petição de embargos de executado por incompatibilidade de causas de pedir, e se há violação do contraditório.
2.2.- O mérito do recurso
 Nos termos do art.10 CPC (anterior art.45)  toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam os fins e os limites da acção executiva.
O título executivo, enquanto documento certificativo da obrigação exequenda, assume uma função delimitadora (por ele se determinam o fim e os limites, objectivos e subjectivos), probatória e constitutiva, estando sujeito ao princípio da tipicidade.
A causa de pedir não se confunde com o título, sendo antes a obrigação exequenda (pressuposto material) nele certificada ou documentada, pelo que a desconformidade objectiva e absoluta entre o pedido e o título situa-se ao nível da inviabilidade por inexistência de título, o que significa a ausência de direito à prestação e consequentemente a absolvição, não da instância, mas do pedido.
São títulos executivos os “títulos de crédito”, nomeadamente as livranças (art.703 nº1 c) actual CPC).
Ao pagamento coercivo exercitado pela exequente, opuseram-se o executados /embargantes através de oposição à execução, funcionando como uma contra-acção do devedor contra o credor para impedir a execução ou destruir os efeitos do título executivo. Trata-se de uma acção declarativa, estruturalmente autónoma, mas instrumental e funcionalmente ligada à acção executiva, com vista ao exercício do direito de defesa face a essa pretensão, não comportando, por isso, a reconvenção. Sendo assim, recai sobre o executado/opoente o ónus de alegação e prova da inexistência da obrigação exequenda ou dos factos que constituiriam matéria de excepção (factos impeditivos, modificativos ou extintivos daquele direito).
Dado o disposto no art.731 CPC, porque a execução não se baseia em sentença condenatória, além dos fundamentos de oposição especificados no art.729 CPC, na parte em que sejam aplicáveis, pode invocar-se quaisquer outros que seria lícito deduzirem-se como defesa no processo de declaração.
Os subscritores e os avalistas de uma livrança são todos solidariamente responsáveis para com o portador, o qual tem o direito de accionar todas as pessoas individual ou colectivamente, sem estar adstrito a observar a ordem por que eles se obrigaram (art.47 e art.77 da LULL.).
Segundo o art.30 LULL, o pagamento de uma livrança pode ser em todo ou em parte garantido por aval, configurando-se a obrigação do avalista como uma obrigação de garantia autónoma, cuja extensão e conteúdo se afere pela obrigação do avalizado (arts.7 e 32 LULL). Com efeito, dada a natureza jurídica do aval, quer o mesmo seja havido como uma “fiança com regime jurídico especial”, quer se lhe atribua o carácter de uma “garantia objectiva”, sempre se trata de uma garantia autónoma, distinta de qualquer outra obrigação cambiária (cf., por ex., Gonsalves Dias, Da Letra e da Livrança, vol.VII, pág.329, Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, III, pá.205).
E o facto de o avalista responder da mesma maneira que o avalizado (art.32 LU), apenas pretende significar que o conteúdo da obrigação do avalista é o mesmo que a da obrigação do avalizado. Daqui resulta que embora a obrigação do avalista seja igual à do avalizado, não assume a mesma figura cambiária deste.
Pelo aval constituem-se dois grupos de relações: as do portador com o avalista e as do avalista com o avalizado e obrigados precedentes.
O avalista não pode opor, como o fiador, os meios pessoais de defesa do devedor principal contra o portador, as excepções pessoais nos termos do art. 17 LULL, já que de contrário seria negar a natureza do aval, como acto cambiário abstracto. Ao avalista apenas é lícito opor as excepções derivadas da relação causal existente entre si e o portador, nos termos gerais do direito cambiário.
Sendo a obrigação do avalista autónoma, em princípio não pode defender-se com as excepções do avalizado atinentes à relação subjacente (por ex., preenchimento abusivo, nulidade ou incumprimento do contrato, etc.), salvo quanto ao pagamento, conforme entendimento jurisprudencial uniforme, porque o avalista presta uma garantia à obrigação cambiária do avalizado (subscritora da livrança) e não directamente à obrigação causal subjacente. Porém, já estará o avalista legitimado a excepcionar o preenchimento abusivo se ele próprio interveio no pacto de preenchimento, cabendo-lhe o respectivo ónus de alegação e prova (art.342 nº2 CC), por se tratar de excepção material (cf., por ex., Ac STJ de 11/2/2010, de 13/4/2011, disponíveis em www dgsi.pt).
Os embargantes alegaram, no essencial, os seguintes fundamentos para a oposição: (i) a falsidade do título, impugnando a genuinidade das assinaturas; (ii) o montante do crédito; (iii) a violação do pacto de preenchimento.
O despacho recorrido indeferiu liminar e parcialmente os embargos com base na incompatibilidade material de causas de pedir, argumentando, em síntese, que a impugnação da genuinidade do título é incompatível com a alegação da violação do pacto de preenchimento.
O despacho recorrido deve ser revogado pelas razões que se passam a expor.
Em primeiro lugar porque sendo uma petição dirigida contra o exequente, está sujeita a despacho liminar, semelhante ao da acção declarativa, mas “vistas as condições peculiares, de mais restrito alcance” (Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, pág.300), significando que os fundamentos do indeferimento liminar são os positivados no art.732 CC nº1  (anterior art.817), embora não de forma taxativa. Isto para dizer que a rejeição não se alicerça em nenhum dos fundamentos das alíneas a), b) e c) do nº1 do art.732 CPC.
Sobre a cumulação de causas de pedir, apenas o art.186 nº2 c) CPC se reporta ao descrever uma causa de ineptidão da petição, como nulidade de todo o processo (“quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis “).
Como doutrinava Alberto dos Reis, “duas ou mais prestações são legalmente incompatíveis quando produzem efeitos contraditórios ou sob o aspecto material ou sob o aspecto processual (…). A incompatibilidade substancial que conta para a ordem jurídica é a que resulta do facto de as pretensões produzirem efeitos jurídicos contraditórios “, exemplificando com o pedido simultâneo de anulação e cumprimento de determinado contrato (Comentário, III, pág. 154, 156 ). No mesmo sentido, Antunes Varela, para quem “devem considerar-se incompatíveis não só os pedidos que mutuamente se excluem, mas também os que assentam em causas de pedir inconciliáveis “ (Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 246).
E a  incompatibilidade substancial de pedidos só releva para a ineptidão da petição inicial “quando coloque o julgador na impossibilidade de decidir por confrontado com a ininteligibilidade das razões que determinaram a formulação das pretensões em confronto, irrelevando, para o efeito, o antagonismo que ocorra no plano legal ou do enquadramento jurídico” (cf., por ex., Ac STJ de 6/5/2008 ( proc. nº 08A966 ), Ac STJ de 3/5/2012 ( proc. nº 2329/06), em www dgs.pt ).
A contradição que conduz à ineptidão (art.186 nº2 c) CPC) tem sido concebida como “contradição lógica”, uma “flagrante oposição”, ou “negação recíproca”.
Ora bem, o regime da cumulação de causas de pedir incompatíveis geradora da ineptidão opera no âmbito da acção declarativa  ( o citado acórdão do STJ que serviu de justificação no despacho reporta-se precisamente uma acção declarativa),  mas não parece que deva adaptar-se à petição dos embargos de executado porque, não obstante assumir a natureza de “contra-acção”, tem um perfil e características próprias dada a estrutura e finalidade da oposição.
Na verdade, destinando-se a oposição a “um acertamento negativo da situação substantiva de sentido contrário ao acertamento positivo consubstanciado no título“, cujo escopo primordial é o de “obstar ao prosseguimento da acção executiva mediante a eliminação por via indirecta da eficácia do título executivo enquanto tal” (Lebre de Freitas , A Acção Executiva, 5ª ed., pág. 189), os fundamentos de oposição à execução (art.731 CPC) não estão subordinados a nenhuma hierarquia, nem a lei impede a sua cumulação, porque “podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração”. Ou seja, ainda que expostos na petição de embargos, à qual se aplica com as “necessárias adaptações” (art.551 nº1 CPC) os requisitos da petição inicial da acção declarativa (art.552 CPC), os fundamentos da oposição são todos os que possam ser invocados na defesa ( sistema não restritivo ), não funcionando para essa defesa o regime da incompatibilidade de causas de pedir, além do mais, porque o embargante opõe factos impeditivos, modificativos ou extintivos da obrigação exequenda (oposição de mérito), funcionando o  princípio da concentração.
 A este propósito, entende-se que “na oposição à execução o embargante tem o ónus de concentrar na sua petição todos os fundamentos que podem justificar o pedido por ele formulado nos embargos (isto é, que podem justificar a concreta exceção deduzida). A inobservância deste ónus de concentração implica a preclusão dos fundamentos não alegados nessa petição “ (Ac STJ de 19/3/2019 ( proc. nº 751/16 ), em www dgsi.pt ).
Na verdade, no plano formal a petição dos embargos de executado tem a estrutura e conteúdo de uma petição da acção declarativa, mas no plano material a oposição consubstancia uma reacção à pretensão executiva, sendo substancialmente uma contestação. Por isso, opera o princípio da concentração da defesa, sendo legitimo cumular os fundamentos de oposição (tanto no sistema restritivo, como não restritivo) e o prazo de 20 dias para os embargos tem natureza processual, semelhante ao  contestação.
Neste contexto, abrindo-se com os embargos de executado uma fase declarativa, não é, porém, uma acção declarativa pura, pois ainda que não se alterem regras da distribuição da prova, trata-se de uma acção de cariz especial, peculiar, porque quer se alegue “oposição de mérito”, quer seja “oposição de forma”, a finalidade é sempre de reacção à pretensão executiva, porque funcionalmente conexa, demonstrando o executado que se trata de uma execução injusta. Como também já se afirmou, “ o embargado, ao defender-se, ou seja, ao  explicar a emergência do título e as suas razões de sustentação, não está a acrescentar qualquer causa de pedir antes está, apenas, como se enunciou, a defender-se” (Ac RL de 5/7/2018 ( proc. nº 09/15), em www dgsi.pt).
Nesta medida, sendo os embargos de executado um meio de defesa, embora formalmente através de petição, em fase declarativa, a verdade é que neles o executado exercita o direito subjectivo processual de contraditar a pretensão executiva, sem que possa opor um pedido autónomo diferente.
Por conseguinte, não tem aplicação a ineptidão da petição de embargos de executado por incompatibilidade de fundamentos de oposição, contrariamente ao decidido. É que eles são alegados, não para sustentar uma pretensão autónoma por parte do embargante, mas para justificar a fata de causa do pedido do exequente.
            Acresce que a alegação da violação do pacto de preenchimento e da falta de exigibilidade da obrigação (arts. 39 e segs.) foi feita a título subsidiário (“sem prescindir…)( cf. art.38 da petição ). Daqui resulta que o pedido é um só (o da extinção da execução), mas baseado em vários fundamentos. Quando se cumulam vários fundamentos nada obsta a que a cumulação seja subsidiária, à semelhança da permissão de pedidos subsidiários (art.554 CPC).
Sendo assim, a alegação da falsidade da assinatura (impugnação da genuinidade) dos avalistas não obsta à alegação da violação do pacto de preenchimento para efeitos de embargos de executado, pelo que não havia fundamento legal para o indeferimento liminar parcial.
2.3.- Síntese conclusiva
1. O regime da cumulação de causas de pedir incompatíveis, geradora da ineptidão da petição inicial, opera apenas no âmbito da acção declarativa, não se aplicando à petição de embargos de executado porque, não obstante assumir a natureza de “contra-acção”, tem um perfil e características próprias dada a estrutura e finalidade da oposição.
2. A petição dos embargos de executado tem formalmente a estrutura e conteúdo de uma petição da acção declarativa, mas no plano material a oposição consubstancia uma reacção à pretensão executiva, sendo substancialmente uma contestação.
3. Os  fundamentos de oposição à execução (art.731 CPC) não estão subordinados a nenhuma hierarquia, nem a lei impede a sua cumulação, porque são todos os que possam ser invocados na defesa ( sistema não restritivo ), não funcionando para essa defesa o regime da incompatibilidade de causas de pedir, além do mais, porque o embargante opõe factos impeditivos, modificativos ou extintivos da obrigação exequenda (oposição de mérito).
4. Não é inepta a petição de embargos de executado na qual o executado alega a falsidade da assinatura do título (aval aposto numa livrança), negando a autoria, e simultaneamente alega a violação do pacto de preenchimento.
III – DECISÃO
Pelo exposto, decidem:
1)
Julgar procedente a apelação e revogar o despacho recorrido.
2)
Condenar a Apelada nas custas.
            Relação de Coimbra, 3 de Março de 2020.
Jorge Arcanjo ( Relator )
Isaías Pádua
Teresa Albuquerque.