Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
280/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
QUOTA INDIVISA
PRÉDIO RÚSTICO
COISA ALHEIA
BEM FUTURO
VALIDADE
MORA
Data do Acordão: 03/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE PINHEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 410º, Nº 1; 880º; E 893º, DO C. CIV. .
Sumário: I - O artº 893º do C. Civ. dispõe que a venda de bens alheios fica sujeita ao regime de venda de bens futuros se as partes os considerarem nessa qualidade, isto é, se as partes considerarem os bens objecto do contrato como bens futuros a venda desses bens não será nula .
II – Quando o contrato promessa tenha efeitos meramente obrigacionais (não ocorrendo per si a transferência da propriedade da coisa), poderá incidir sobre coisa alheia, sem que, por isso, se tenha de considerar como nulo .

III – Por maioria de razão se deve dizer que o contrato promessa que incida sobre coisa futura é igualmente válido – artº 893º do C. Civ. .

IV – Estando a realização do contrato definitivo dependente de uma adjudicação dos bens em processo de partilhas (a ter lugar em data indefinida),há que concluir que no momento da efectivação do contrato promessa relativo a esses bens era indeterminada a data de realização do contrato definitivo (prometido), circunstância que o promitente comprador não podia desconhecer, o que não permite que, nestes casos, ocorra mora na realização do contrato prometido .

Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório:
1-1- A..., residente em Santa Luzia, Cucujães, Oliveira de Azeméis, propõe contra B... e esposa C..., residentes na Avª Carneiro Gusmão, 64, 1º Dtº em Pinhel, a presente acção com processo ordinário, pedindo a condenação dos RR. a pagarem-lhe a quantia de 83.129,66 euros acrescida de juros de mora contados desde a citação.
Fundamenta este pedido dizendo, em síntese, que, como promitente comprador, em 10/03/1999 celebrou com os RR. um contrato-promessa de compra e venda de uma terça parte indivisa de determinados prédios rústicos, pelo preço global de Esc. 8.333.000$00 que pagou na data da celebração do contrato. Os RR. promitentes vendedores não eram então, donos daquela quota indivisa, mas comprometeram-se a adquiri-la em 15/4/1999. Os RR., como se haviam comprometido, passaram a favor dele, A., procuração irrevogável para vender os referidos prédios, não tendo, porém, adquirido a quota prometida vender, pelo que ele, A., depois de ter comunicado aos RR. o dia em que se realizaria a escritura pública para outorga do contrato definitivo e de estes lhe terem comunicado que não iriam estar presentes e que pretendiam cumprir a sua promessa, notificou os RR. concedendo-lhes um último prazo de dois meses para adquirirem os prédios que haviam prometido vender e marcarem data para a competente escritura, considerando o contrato-promessa definitivamente não cumprido após aquele prazo. Decorrido tal prazo, os RR. não se dispuseram a cumprir nem adquiriram a quota prometida vender, razão por que pretende que os RR. lhe paguem o dobro do sinal.
1-2- Os RR. contestaram aceitando que celebraram o contrato-promessa com o A., excepcionando a ilegitimidade do A., por litigar desacompanhado da esposa e a sua ilegitimidade passiva, por não ter sido também demandada a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Pinhel, a qual também foi outorgante no referido contrato-promessa. Mais excepcionaram a nulidade do contrato, dado que o A. sabia das “limitações” do negócio e, por impugnação, alegando que não houve culpa da sua parte no incumprimento do contrato promessa e afirmando que o preço pago pelo A. não pode ser considerado sinal.
Terminam pedindo a improcedência da acção.
1-3- O A. respondeu sustentando a improcedência das excepções dilatórias de ilegitimidade e da excepção peremptória de nulidade contratual, a qual, a verificar-se, daria lugar à restituição pelos RR. do preço que receberam e que entregaram à CCAM de Pinhel.
Para a hipótese de se considerar necessária a intervenção da CCAM de Pinhel, requereram a intervenção desta no processo.
1-4- Por decisão de fls. 50, 54 e 55 foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade activa e admitida a intervenção da CCAM de Pinhel como parte principal passiva, assim perdendo utilidade a apreciação da excepção de ilegitimidade passiva, arguida na contestação.
1-5- Citada a interveniente, veio a mesma aos autos dizer que fazia seus os articulados do A. e afirmar que era alheia às relações contratuais havidas entre A. e RR., devendo, por isso, ser considerada parte ilegítima na presente acção.
1-6- O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido despacho saneador, em que no qual se relegou para momento posterior o conhecimento da excepção peremptória da nulidade contratual, se disse, de forma tabelar, inexistirem excepções dilatórias, sem, porém, se fazer expressa menção à alegada ilegitimidade da interveniente, após o que se fixaram os factos assentes e a base instrutória.
1-7- Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e respondeu-se à base instrutória, após o que foi proferida a sentença.
1-8- Nesta considerou-se a acção procedente por provada, e, em consequência, condenaram-se os RR. a pagar aos AA. a quantia de 83,129,66 euros, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.
1-9- Não se conformando com esta sentença, dela vieram recorrer os RR., recurso que foi admitido como apelação e com efeito devolutivo.
1-10- Os recorrentes alegaram, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões, que se resumem:
1ª- O contrato-promessa não previa prazo para a celebração da escritura, por se tratar de coisa alheia.
2ª- AA. e RR. sabiam bem duas coisas, que os prédios não eram dos RR. e que ninguém podia prever a data da conferência de interessados no processo de inventário.
3ª- O contrato promessa era de bens alheios e só passou a ser próprio, em 30-4-2003.
4ª- Quando o A. exigiu dos RR. a celebração da escritura, sabia que ainda não lhes pertenciam e disso foi informado por mais de uma vez.
5ª- A prestação era impossível naquele momento e se o A. queria lançar mão do art. 808º do C.Civil, restava-lhe o instituto do art. 795º, exigir a restituição nos termos do enriquecimento sem causa.
6ª- No caso concreto não há incumprimento, havia sim impossibilidade concreta de cumprimento.
7ª- É nulo o contrato que tenha por objecto coisa alheia, nos termos do art. 892º do C.Civil.
8ª- Ficaria porém sujeita ao regime de venda de bem futuro, se as partes o convencionassem ( art. 893º ).
9ª- Num e noutro caso só haveria que restituir o preço ( arts. 894º ou 795º do C.Civil ).
10ª- O tribunal aplicou mal os arts. 441º, 442º, 777º, 808º e 799º e esqueceu a existência dos arts. 892º, 893º, 894º e 795º do C.Civil.
Termos em que a sentença deve ser revogada, no sentido em que não há incumprimento dos RR., pelo deverá o celebrar a escritura, ou a existir incumprimento, a venda é de bem alheio ou futuro, sendo que não podem ser condenados os RR. em mais do que o preço recebido.
1-11- A parte contrária respondeu a estas alegações sustentando o não provimento do recurso e a confirmação da decisão recorrida.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivos dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas ( arts. 690º nº1 e 684º nº 3 do C.P.Civil ).
2-2- Após a resposta aos quesitos, fixou-se a seguinte matéria de facto:
1) Através de acordo escrito, datado de 10/03/1999, intitulado de "contrato de promessa de compra e venda", subscrito pelos RR. B... e C..., designados de primeiros outorgantes, por A..., identificado como "segundo outorgante" e pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Concelho de Pinhel, designada como "terceira outorgante", o R. marido "declara que nos processos de execução por custas nos 433/A/95 e 572/A/95 do 4° Juízo do Tribunal de Coimbra arrematou o direito e acção do executado, E..., à herança por óbito da sua esposa, D..., casados que eram no regime de comunhão geral, conforme consta de documento junto aos autos de execução 62/95 do Tribunal Judicial de Pinhel";
2) O R. marido, através desse acordo, declara que "acordou com os restantes interessados na herança ilíquida e indivisa por óbito da já referida D... que na conferência de interessados que se encontra designada para o dia 15 de Abril de 1999, 1/3 dos prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos 691°,652° e 705º, da freguesia do Colmeal, concelho de Figueira de Castelo Rodrigo, descritos na Conservatória do Registo Predial sob os números, respectivamente, 15593,9875 e 9876, serão adjudicados ao primeiro outorgante";
3) E através desse acordo o R. marido ("primeiro outorgante") "promete vender e o segundo promete comprar 1/3 dos prédios supra identificados, pelo valor de 8.333.000$00, importância que será entregue pelo segundo ao primeiro e por este será entregue à terceira outorgante, para pagamento duma dívida contraída por E... e seu filho, F...";
4) E na cláusula 4a escreveu-se "a terceira outorgante declara ter recebido aquela importância, assim como o primeiro outorgante declara que se encontra pago e da qual dá plena e definitiva quitação. A terceira outorgante compromete-se a desistir das acções executivas 62/95 e 105/96 que correm seus termos no Tribunal Judicial de Pinhel e em consequência a desistir da penhora que incide sobre o direito e acção dos executados F... e E... à herança por óbito de sua mãe e esposa D....
5) A CCAM de Pinhel recebeu aquele dinheiro referido na cláusula 4a.
6) E através da cláusula 53 convencionou-se que "a terceira outorgante compromete-se a conceder um financiamento a I..., filho do executado E..., no montante de 4.467.000$00, para liquidação da dívida que este e seu filho F... têm para com aquela outorgante ..".
7) Na cláusula 63 dispõe-se: "o primeiro outorgante obriga-se a, juntamente com este contrato, passar a favor do segundo outorgante, uma procuração irrevogável nos termos do preceituado no número dois do artigo mil e cento e setenta do Código Civil e não caduca por morte do mandante nos termos do previsto no artigo mil e cento e setenta e cinco do mesmo Código".
8) E no artigo 7° "a referida procuração concede poderes para proceder a quaisquer actos de administração dos prédios, assim como os poderes para vender pelo preço e condições que entender, passando recibos e dando quitações, outorgando a respectiva escritura e tudo o mais necessário, podendo a venda ser feita a si próprio, de acordo com o previsto no artigo duzentos e sessenta e um do Código Civil ou a terceiros" .
9) Na decorrência desse acordo escrito, os RR. subscreveram documento lavrado em notário, designado de "procuração" e no qual os RR. declararam "que, com a faculdade de substabelecer, constituem seu bastante procurador A..., casado, industrial, natural e residente na freguesia de Vila de Cucujães, concelho de Oliveira de Azeméis, a quem conferem os poderes necessários e especiais para vender, pelo preço e demais condições que entender, passando recibos e dando quitações, outorgando a respectiva escritura e assinando tudo o mais necessário, podendo a venda ser feita a si próprio, de acordo com o previsto no artigo duzentos e sessenta e um do Código Civil ou a terceiros, uma terça parte dos seguintes prédios rústicos, sitos na freguesia do Colmeal, concelho de Figueira de Castelo Rodrigo: a) Prédio rústico composto de terra de vinha e pastagem com oliveiras, amendoeiras e fruteiras, sito no lugar do Abelhão, a confrontar de norte com Joaquim Teixeira, nascente com Maria Jacinta, sul com Frederico Vilar, herdeiros e poente com caminho, inscrito na matriz predial sob o artigo 691 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Figueira de Castelo Rodrigo sob o número 00277. b) Prédio rústico composto de terra de cultura e pastagem, sito no lugar da Espedrada, a confrontar de norte com caminho, nascente com José Maria Almeida. herdeiros, sul com Maria Bordalo Sequeiro Seixas e poente com Eduardo da Silva Redondo e outro, inscrito na matriz predial sob o artigo 652 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Figueira de Castelo Rodrigo sob o número 00275. c) Prédio rústico composto de terra de cultura, videiras, pomar, pastagem com oliveiras, amendoeiras e fruteiras, sito no lugar do Abelhão. a confrontar de norte com Maria Olímpia Seabra M.S.Canotilho, nascente com ribeira. sul com rio Côa e poente com José Faria Almeida, herdeiros, inscrito na matriz predial sob o artigo 705 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Figueira de Castelo Rodrigo sob o número 00276.".
10) Mais se lê nesse escrito que os RR. declararam que "esta procuração, por ser passada também no interesse do mandatário, é irrevogável nos termos do preceituado no número dois do artigo mil cento e setenta do Código Civil e não caduca por morte do mandante nos termos do previsto no artigo mil cento e setenta e cinco do mesmo Código.
11) E ainda que "concede-lhe ainda os poderes" (...) "especiais para proceder, relativamente aos prédios, a registos na Conservatória do Registo Predial, provisórios ou definitivos, seus averbamentos ou cancelamentos, prestando declarações complementares e ainda requerer certidões ou documentos necessários ao mesmo fim, em qualquer Repartição Pública, requerendo, praticando e assinando o que necessário for.".
12) Através da ap. 01/010997 encontra-se inscrita a "aquisição de 1/3 em comum e sem determinação de parte ou de direito a favor de E..., viúvo; G... c.c. H..., na comunhão de adquiridos: I..., solteiro maior; J.... cc. K..., na comunhão de adquiridos e F..., solteiro, maior, todos residentes em Pinhel .- Dissolução, por morte, da comunhão conjugal e sucessão hereditária de D... cc. E..., na comunhão geral," do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Pinhel, sob o n° 00275/0 10997.
13) Através da ap. 01/010997 encontra-se inscrita a "aquisição de 1/3 em comum e sem determinação de parte ou de direito a favor de E..., viúvo; G... c.c. H..., na comunhão de adquiridos: I..., solteiro maior J.... cc. K..., na comunhão de adquiridos e F..., solteiro, maior, todos residentes em Pinhel - Dissolução, por morte, da comunhão conjugal e sucessão hereditária de D... cc. E..., na comunhão geral," do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Pinhel, sob o nº, 00276/0 10997.
14) E também através da ap. 01/010997 encontra-se inscrita a "aquisição de 1/3 em comum e sem determinação de parte ou de direito a favor de E..., viúvo; G... c.c. H..., na comunhão de adquiridos; I..., solteiro maior; J..., cc. K..., na comunhão de adquiridos e F..., solteiro, maior, todos residentes em Pinhel - Dissolução, por morte, da comunhão conjugal e sucessão hereditária de D... cc. E..., na comunhão geral, “do prédio rústico na Conservatória do Registo Predial de Pinhel, sob o n° 00277/0 10997.
15) O A. foi insistindo junto dos RR. no sentido de ser celebrado o "contrato de compra e venda" (Q. 3°).
16) Os RR. iam respondendo que, de momento, ainda não estavam em condições de outorgar a respectiva escritura.
17) Garantindo que queriam cumprir o acordado (Q. 5°).
18) Por carta registada datada de 6.11.2000., o A notificou os RR de que" deverão comparecer no próximo dia 22 do corrente mês de Novembro pelas 11 horas no Cartório Notarial de Pinhel acompanhados dos documentos que lhe competem, a fim de outorgar a escritura de venda que prometeram efectuar pelo contrato promessa atrás referido".
19) Os RR receberam essa carta a 8.11.2000 e comunicaram ao A., por carta de 16 desse mês, que não iriam estar presentes para dar cumprimento ao contrato promessa celebrado.
20) Voltando a protestar a sua intenção de cumprir e de o fazer em breve.
21) O A., por carta registada com aviso de recepção enviada a 03.01.2001 e recebida a 05.01.2001 notificou os RR de que lhes fixava um último prazo de dois meses para adquirirem os prédios que haviam prometido vender e marcarem data para a competente escritura (Q. 9°).
22) E o A. fez-lhes saber que findo esse prazo, consideraria o contrato promessa definitivamente não cumprido.
23) Decorreu esse prazo sem que os RR. se prontificassem a celebrar o contrato definitivo.
24) A R. não teve qualquer intervenção no processo de inventário no sentido de lhe dar andamento e o R. não teve qualquer intervenção daquela natureza no referido processo em data anterior a 30 de Abril de 2003 (Q. 14°).
25) Os RR. sempre quiseram que o contrato definitivo fosse celebrado.
26) Em 30 de Abril de 2003, neste Tribunal, realizou-se conferência de interessados no processo de inventário n° 38/98, aberto por óbito de D....
27) E ficou acordado que seria adjudicado ao R. marido as verbas 8, 9 e 10, que incluíam o remanescente do direito sobre os prédios referidos no acordo a que se alude em A., que os RR. prometeram "vender" ao A. .
28) O que veio a ser homologado judicialmente.------------------------------
2-3- Na douta sentença, para o que aqui importa, considerou-se estar fora de litígio entre as partes e também ser insusceptível de dúvidas, que entre ambas foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda de uma quota indivisa de prédios rústicos. Assim, solução do caso passaria pela definição do regime jurídico do contrato-promessa e das figuras do incumprimento e da nulidade contratuais. Entendeu-se depois que, no caso, nada se via que pudesse ferir de nulidade o contrato promessa celebrado, já que é válido o contrato promessa de compra e venda de coisa alheia, como é unanimemente aceite. Desta forma se concluiu que se não verificava a excepção de nulidade arguida pelos RR., sendo também certo que eles não haviam esclarecido qual fosse a fonte de tal nulidade. Do contrato resultou para os RR. a obrigação de celebração de um contrato de compra e venda ( o contrato prometido ), sendo que os mesmos o não cumpriram definitivamente. Isto porque, depois de o A. ter, ele próprio, marcado a escritura pública pertinente, à qual os RR. não compareceram e depois de lhes ter fixado um prazo de dois meses para marcarem essa escritura, eles nada fizeram, presumindo-se, assim, de forma ilidível, também a culpa dos RR. quanto ao incumprimento ( art. 799° do Código Civil ). Concluiu-se depois que, existindo o incumprimento definitivo, nos termos do art. 442º nº 2 deste Código, tinha o A. o direito a receber o sinal em dobro, pelo que se considerou procedente a pretensão do A. quanto a esse aspecto. No que toca aos juros de mora considerou-se que eles seriam devidos desde a data da interpelação para cumprimento da obrigação de restituição do sinal em dobro, a qual, na falta de prova de momento anterior, coincidiria com a citação, pois seria aí que se iniciaria a mora relativamente a tal obrigação. Por tudo o sustentado, se considerou a acção totalmente procedente.
Diga-se desde já que, salvo o devido respeito pela opinião contrária, os apelantes além de produzirem alegações confusas, apresentam conclusões, na sua maioria, sem relação com as alegações antes produzidas, o que complica a nossa tarefa de apreciação do recurso.
De qualquer forma vejamos:
Das conclusões de recurso que, como se sabe, circunscrevem objectivamente o recurso, parece poder inferir-se que os apelantes sustentam que não há incumprimento do contrato, mas sim impossibilidade concreta de cumprimento, o contrato será nulo por ter objecto coisa alheia e só haverá lugar à restituição do preço em singelo e não em dobro.
Porque a questão da validade do contrato, logicamente, precede as outras questões levantadas, começaremos por a apreciar.
Não existe dúvida que as partes celebraram um contrato promessa ( art. 410º nº 1 do C.Civil ).
O objecto do contrato foi a compra e venda de 1/3 dos prédios identificados ( pelo valor de 8.333.000$00 ).
Do próprio contrato-promessa consta que os primeiros outorgantes ( os RR. ) não eram, à data da celebração do contrato, os titulares da parte dos bens que haviam prometido vender, mas declararam nele que haviam acordado com os restantes interessados ( na herança ilíquida e indivisa por óbito da já referida D... ) que os bens, na dita percentagem, lhes seriam adjudicados.
Será este contrato-promessa com estes contornos, válido ?
Nos termos do art. 892º do C.Civil ( diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem ) “é nula a venda de bens alheios sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar”. Estabelece, por sua vez, o art. 893º que “a venda de bens alheios fica, porém, sujeita ao regime de venda de bens futuros se as partes os considerarem nessa qualidade. Isto é, se as partes considerarem os bens objecto do contrato, como bens futuros, então a venda não será nula, ficando antes sujeita ao regime atinente à venda de bens futuros. Remete, pois a disposição para o regime de venda de bens futuros a que alude o art. 880º.
Estabelece o art. 410º nº 1 que “à convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, pela sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa”.
Quer dizer esta disposição consagra o princípio da equiparação, mas com excepções. A primeira destas, diz respeito às disposições concernentes à prova. A segunda as que, pela sua razão de ser, se não devam considerar extensivas ao contrato-promessa. Focando a nossa atenção sobre esta excepção, daremos a palavra ao Prof. Antunes Varela. Assim, este mestre refere sobre o assunto que “para sabermos se determinada regra do contrato prometido é ou não aplicável ao regime do respectivo contrato-promessa há que apurar, em obediência à directriz traçada, a razão de ser dessa regra, a ratio legis da norma que a consagra. Assim, não é aplicável à promessa de venda que tem eficácia meramente obrigacional, o disposto na alínea a) do artigo 879º ... De igual modo devem considerar-se inaplicáveis ao contrato-promessa a proibição de venda de coisa alheia ( art. 892º )...” ( in Das Obrigações em Geral, 9ª edição, Vol. I, pág. 336 ). Ou seja, segundo este entendimento, a que aderimos sem reservas, quando o contrato-promessa tenha efeitos meramente obrigacionais ( não ocorrendo per si a transferência da propriedade da coisa ), poderá incidir sobre coisa alheia, sem que, por isso, se tenha de considerar nulo ( neste sentido, entre outros, Ac. Rel. de Lisboa de 29-4-1993, BMJ 426º, 515 e sobretudo Ac. do STJ de 23-9-2004 in www.dgsi.pt/jstj.nsf ). E compreende-se que assim seja. É que tendo o contrato (promessa ) efeitos meramente obrigacionais, não ocorre a transferência da propriedade da coisa, existindo, somente, a vinculação das partes a celebrarem o contrato prometido, o contrato de compra e venda definitivo. Existe apenas uma promessa de alienação. O promitente vendedor, somente se obriga a alienar. Daí que não se venha por que tal vinculação não se possa ter como válida. Como se refere no acórdão do S.T.J. mencionado, invocando Galvão Teles ( Direito das Obrigações, 6ª edição, 1989, pág. 109 ) “em consequência, pode dizer-se que a promessa ( de compra e venda ) será válida, visto que o promitente não aliena, apenas se obriga a alienar. A alienação é possível em si, embora não o seja para o promitente. Há, pois, mera impossibilidade subjectiva que não invalida o contrato-promessa. Ou o promitente vendedor vem a estar em condições de pode cumpri, por se ter, entretanto, tornado proprietário da coisa e cumpre; ou tal não acontece. No primeiro caso não incorre em qualquer responsabilidade; no segundo torna-se responsável pelo incumprimento de um compromisso validamente assumido”.
Se assim é em relação ao contrato-promessa de venda de coisa alheia, por maioria de razão se poderá dizer que o contrato-promessa que incida sobre coisa futura é igualmente válido. Note-se que, como já se viu, a lei ( art. 893º ) , em relação à venda de bens alheios que as partes considerem bens futuros, nem sequer considera a venda como nula, ficando antes sujeita ao regime atinente à venda de bens futuros.
Temos pois que o contrato-promessa celebrado pelas partes, como válido.
Sustentam também os apelantes que não há incumprimento do contrato, mas sim impossibilidade concreta de cumprimento.
Em relação a este aspecto, os apelantes nada de, juridicamente substancial em contrário, aduzem, se bem se que se vá entender que a posição assumida pelo A. e aceite no aresto recorrido, não é admissível.
O contrato-promessa não continha prazo para a efectivação do contrato prometido, se bem que se deva entender, atendendo aos seus termos, que a sua realização estava dependente da adjudicação aos prometentes-devedores, em processo de inventário, dos bens objecto do contrato-promessa.
Como entendeu o A. que o contrato não continha prazo para a realização do contrato principal, o mesmo, por carta registada datada de 6.11.2000, notificou os RR para comparecerem em 22 de Novembro seguinte pelas 11 horas no Cartório Notarial de Pinhel a fim de outorgarem a escritura. Os RR receberam essa carta a 8.11.2000 e comunicaram ao A., por carta de 16 desse mês, que não iriam estar presentes para dar cumprimento ao contrato promessa celebrado. O A., por carta registada com aviso de recepção enviada a 03.01.2001 e recebida a 05.01.2001 notificou ( novamente ) os RR de que lhes fixava um último prazo de dois meses para adquirirem os prédios que haviam prometido vender e marcarem data para a competente escritura. O A. fez-lhes saber que findo esse prazo, consideraria o contrato promessa definitivamente não cumprido. Decorreu esse prazo sem que os RR. se prontificassem a celebrar o contrato definitivo.
Isto é, o A. considerou, após a notificações que efectuou aos RR., que os mesmos estavam em mora, tendo-lhes feito a interpelação admonitória a que alude o art. 808º nº 1 e, consequentemente, porque não cumprida no prazo ( razoável ) fixado, entendeu como não cumprida a obrigação.
A esta posição aderiu a sentença recorrida.
Mas será que é correcta ?
Perante os factos provados, a questão que logo num primeiro momento se nos coloca, é a de saber se se pode entender que existiu mora dos RR..
Como se sabe, a mora traduz-se não na falta definitiva, mas, tão só, no retardamento da realização da prestação debitória. Nos termos do art. 804º nº 2 “o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação ainda possível, não foi efectuada no tempo devido”.
Esta disposição faz depender a constituição da mora, do facto de a prestação ( ainda possível ) não ter sido efectuada em tempo devido, por causa imputável ao devedor.
No caso dos autos, como se viu, não foi estabelecido qualquer prazo concreto para a realização do contrato prometido. Por outro lado, porque tal resulta do teor do contrato promessa, o A. não podia ignorar que a realização do contrato definitivo, estava dependente da adjudicação dos bens, em inventário, aos RR.. É certo que, no contrato-promessa se diz que a conferência de interessados para adjudicação dos bens estava designada para 15-4-1999. Mas, a nosso ver, não poderia partir daí o A. para o entendimento de que seria nessa altura que os RR. passariam a ser titulares dos bens visto que, não só seria ( sempre ) necessária a respectiva homologação judicial posterior, como também, como é do conhecimento geral, os processos, designadamente os de inventário, podem sofrer incidências processuais e outras que os podem retardar.
Assim, estando a realização do contrato definitivo dependente da dita adjudicação de bens ( a realizar em data indefinida ), teremos que concluir que, no momento da efectivação do contrato-promessa, era indeterminada ( e tinha que o ser pela própria natureza das coisas ) a data de realização daquele contrato ( definitivo ), circunstância que o A. não podia desconhecer.
Por outro lado, nada alegou o A. ( e se provou ) que tenha sido por culpa dos RR. que a adjudicação dos bens, no inventário, não tenha sido efectuada mais cedo, concretamente antes das datas de notificações efectuadas pelo A. e acima referidas.
Daí que, a nosso ver, se possa, com segurança, entender, que não existiu mora por parte dos RR.. É que por um lado, não se poderá dizer que o contrato (prometido ) não foi realizado em tempo devido ( visto que a data da sua realização era indeterminada ) e pelo outro não se poderá sustentar que existiu qualquer culpa dos RR. pela não realização do negócio.
Poder-se-á dizer sobre a situação, em jeito de síntese, que aquando da elaboração do contrato-promessa resultou para os RR. a obrigação de celebrarem o contrato prometido. Porém, esta obrigação só se tornou exigível, após a aquisição, por banda dos RR., dos bens prometidos vender, o que sucedeu muito depois das ditas notificações feitas pelo A. aos demandados.
Não se poderá, pois, falar em mora dos RR.. Não tendo existido mora, a interpelação admonitória a que alude o art. 808 nº 1, não poderia ter sido realizada. Tendo-o sido, foi-o de forma irregular, pelo que, é evidente, que não pode produzir qualquer efeito.
A acção deveria, por conseguinte, ter sido julgada improcedente. O contrato-promessa mantém-se válido e poderá ( e deverá ) ser cumprido.
De sublinhar que se deu como provado que os RR. sempre quiseram que o contrato definitivo fosse celebrado. O que sucedeu é que lhes era ( materialmente) impossível realizá-lo, sem que os bens prometidos vender lhes fossem adjudicados (judicialmente ). O A., ao celebrar o contrato-promessa ( e ao anuir aos seus termos ) não podia desconhecer esta contingência e não poderia ignorar que essa adjudicação judicial poderia demorar, podendo escapar tal, à vontade dos promitentes-vendedores.
Como os factos provados demonstram, hoje já pode ser realizado o contrato prometido ( factos provados sob os nºs 26, 27 e 28 ).
A apelação, se bem que por estas razões, será procedente e a acção improcedente.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, considera-se procedente o recurso, revoga-se a sentença recorrida, julgando-se improcedente a acção, absolvendo-se do pedido os RR.
Custas na acção e na apelação pelo A., apelado.