Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1962/2000
Nº Convencional: JTRC5169
Relator: ROSA MARIA RIBEIRO COELHO
Descritores: CRIME CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
Data do Acordão: 12/13/2000
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: .
Área Temática: PENAL
Legislação Nacional: ARTº 3º Nº2 DO D.L. 2/98 DE 3.1; ARTº 28º DO C.PENAL.
Sumário: I - O ílícito de condução sem habilitação legal é um crime de mão própria, pois a condução de veículo motorizado em via pública ou equiparada só é criminosa quando o seu condutor não está habilitado nos termos legalmente previstos.
II - A conduta do arguido ao ceder o lugar de condutor e a direcção do veículo a outrém, seu filho, que sabia não ter carta de condução, integra a prática daquele ilícito como cúmplice, impondo-se a sua condenação uma vez que não se verifica a excepção prevista na parte final do nº1 do artº 28º do C.Penal.
Decisão Texto Integral:
I - RELATÓRIO
Os arguidos A. e B. foram julgados, sob acusação do Exmo. Magistrado do Ministério Público, como co-autores de um crime de condução sem habilitação própria, p. e p. pelo art. 3º, nº 2 do Dec. Lei nº 2/98, de 3.1, tendo o primeiro sido condenado na pena de 40 dias de multa à taxa diária de 700$00, o que perfaz a multa de 28.000$00, e tendo o segundo sido absolvido.
Desta decisão interpôs recurso a Exma. Magistrada do Ministério Público pedindo a elevação da pena aplicada ao arguido A. para 100 dias de multa à taxa diária de 1.000$00 e a condenação do arguido B., como seu co-autor.
Da motivação apresentada, extraiu as seguintes conclusões:
I - O ilícito de condução sem habilitação legal não é ilícito de mão própria. A conduta do arguido B. ao ceder o lugar de condutor e a direcção do veículo ao arguido A, seu filho, que sabia não ter carta de condução, integra a prática daquele ilícito em co-autoria, nos termos do art. 26º do C. Penal, devendo em consequência ser condenado.
II - A pena de multa aplicada ao arguido A. não se adequa quer à gravidade do ilícito quer às necessidades de prevenção, violando-se assim o disposto no art. 71º do C. Penal.
III - Fez-se incorrecta aplicação do art. 47º, nº 2 do C. Penal, na fixação do montante da taxa diária da multa.
IV - Foram violados os arts. 26º, 47º, nº 2 e 71º do C. Penal, e 3º, nº 2 da Lei nº 2/98, de 3.1.
Responderam os arguidos, pugnando pela manutenção do decidido na sentença recorrida.
Nesta Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, no sentido de que a pena aplicada a A. deve ser elevada nos termos pedidos no recurso e de que o arguido B. deve ser condenado, como cúmplice, em pena não inferior a 50 dias de multa à razão diária de 1.000$00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis por período não inferior a um mês.
II - FUNDAMENTOS DE FACTO
Os factos dados como provados na sentença são os seguintes:
1 . Em 24.11.98, pelas 10H00, no IP5, Km 17, na zona de Cacia, o arguido A. conduzia o veículo ligeiro de mercadorias, de marca X, propriedade de seu pai, o arguido B., sem que estivesse habilitado com qualquer título válido que a tal o autorizasse, tendo sido mandado parar pela BT da GNR porque seguia em excesso de velocidade, tendo então sido autuado.
2 . O B. sabia que o A., seu filho, não possuía carta de condução ou qualquer outro título válido que o habilitasse a conduzir aquele veículo, tendo-lhe cedido o lugar de condutor e a direcção do mesmo, viajando a seu lado, no percurso em que seguiam da casa onde ambos residem para uma obra onde estavam a trabalhar juntos , o primeiro na qualidade de estucador e o segundo como aprendiz de estucador.
3 . Foi o A. quem insistiu com o pai para conduzir aquele veículo.
4 . O B. possui carteira de motorista profissional, tendo habilitação própria desde 24.9.70, com validade até 19.10.07, para conduzir veículos das categorias A-A, B, E-B e E-C.
5 . Os arguidos agiram voluntariamente, bem sabendo que estava proibido ao A. conduzir e que tal conduta era punida por lei.
6 . A. confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe foram imputados, conforme já descritos, e demonstrou algum arrependimento.
7 . Os arguidos não possuem quaisquer antecedentes criminais, conforme resulta dos respectivos certificados de registo criminal a fls. 41 e 42, emitidos em 8.2.2000 e que aqui damos por reproduzidos para todos os efeitos legais, sendo certo que os mesmos declararam em conformidade e em juízo também não lhe são conhecidas quaisquer condenações.
8 . Ao tempo referido em 1, o arguido B. trabalhava exercendo a sua profissão de estucador, juntamente com o seu filho, o arguido A, e presentemente não desenvolve qualquer actividade lucrativa, encontrando-se a aguardar a realização de inspecção médica para que lhe seja deferida a reforma por invalidez que requereu por não ter força muscular para realizar o seu trabalho de estucador. Está separado de facto de sua mulher.
9 . O arguido A. é ajudante de estucador, conforme já sucedia ao tempo referido em 1, actividade com a qual aufere mensalmente 60.000$00, contribuindo com metade do seu ordenado para as despesas domésticas, pois vive ainda na casa de seu pai, onde ainda reside também uma irmã, que trabalha como operária na fábrica da Primos Vitória e que contribui também para as despesas domésticas com cerca de 15.000$00 a 20.000$00.
10 . Desde há cerca de três meses que o arguido A. se encontra a tirar a carta de condução , não tendo ainda sequer realizado o exame de código.
E julgaram-se não provados os seguintes factos:
A) Que o A. nunca tinha anteriormente conduzido aquele veículo e só havia experimentado conduzir veículos automóveis em "rallies paper" realizados em zonas fechadas;
B) Que o B. fora acometido de fortes enxaquecas e por tal razão o filho trocou de lugar consigo , passando a conduzir o veículo referido em 1 apenas para levar o seu pai até um posto médico;
C) Que o B. foi, depois da autuação referida em 1 e antes de ir trabalhar na obra, ao Posto Médico , onde lhe foram receitados uns comprimidos para lhe aliviar as dores.
Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir.
III – FUNDAMENTOS DE DIREIT0
As questões sujeitas à apreciação deste tribunal são, como se extrai das conclusões da motivação do recorrente, as seguintes:
1 . Saber se o arguido B. é comparticipante no crime cometido pelo arguido A.;
2 . Em caso afirmativo, saber qual a pena que lhe deve ser aplicada;
3 . Saber se a pena infligida já ao arguido A. deve ser aumentada, e em que medida.
Quanto à questão enunciada em primeiro lugar:
O art. 3º do Dec. Lei nº 2/98, de 3.1, pune a condução de veículo a motor na via pública ou equiparada por quem não estiver para tal habilitado nos termos do C. Estrada, estabelecendo para essa actuação, no seu nº 1, uma pena de prisão até 1 ano ou de multa até 120 dias.
Mas tratando-se de motociclo ou automóvel, rege o seu nº 2, que prevê a pena de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias.
É este último preceito o que tem aplicação no caso, visto que era um automóvel ligeiro de mercadorias - arts. 105º e 106º, nº 1, al. a) e nº 2, al. b), do C. Estrada.
A sua condução só pode ser feita por quem tiver carta de condução válida para a categoria a que esse veículo pertence - arts. 121º, nº 1 e 122º, nº 1 e 3 do mesmo diploma.
Atenta a factualidade apurada, é manifesto que o arguido A. praticou o ilícito de que era acusado e por que foi condenado.
Não tendo o arguido B. conduzido o veículo, para o que, aliás, estava habilitado, questiona-se se pode ser qualificado como comparticipante no crime cometido pelo arguido A.
Pela negativa se pronunciou a sentença quanto a esta questão.
Sendo a comparticipação a designação comum de todas as formas pelas quais mais do que um agente intervém na prática de um crime, interessa começar por determinar que forma de comparticipação seria imputável ao arguido B..
De acordo com os arts. 26º e 27º do C. Penal - diploma a que respeitam as normas que de ora em diante se refiram sem menção de diferente proveniência -, o agente que responde por um crime pode ser um seu autor ou um seu cúmplice.
Será autor quando executar esse facto por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou quando tomar parte directa nessa execução por acordo ou juntamente com outro ou outros, ou ainda quando determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou o seu começo.
Aqui se abrange uma figura que nada tem a ver com a comparticipação - a do autor material singular - e outras que a pressupõem: a dos co-autores materiais, a do instigador e a do autor mediato.
Porque não interessa aqui escalpelizar estes conceitos, basta dizer que em todos estes agentes têm de assumir uma actuação que se revele determinante da prática do crime em termos de causalidade adequada - sem a qual o crime não seria cometido -, sendo que o instigador é aquele que determina a formação da resolução criminosa no espírito de quem o vem a cometer.
Será cúmplice o agente que, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática de um facto doloso por outra pessoa, colaborando, sem efeito determinante, nessa prática - que sempre ocorreria sem tal colaboração, embora em circunstâncias e por forma diversas.
O que acaba de dizer-se evidencia que o arguido B. não deve, ao invés do defendido pela Exma. Magistrada do Mº Pº recorrente, ser tido como instigador, ou autor moral, do crime em apreço.
Pelo contrário, e como bem assinala o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, tendo o A. conduzido o veiculo na sequência de, por insistência sua, o arguido B. lhe ter cedido o lugar de condutor e a direcção do veículo, não se vislumbra que este o tenha determinado à prática do crime, designadamente contribuindo de forma decisiva para a formação da sua resolução criminosa. Limitou-se a auxiliar materialmente aquele, comparticipando como cúmplice na prática do ilícito.
A cumplicidade - como sucede também, aliás, com as verdadeiras formas de autoria em comparticipação - conduz à punição do agente que nessa posição actua pelo crime que outra pessoa comete; e fá-lo incorrer numa pena cuja moldura abstracta corresponde à fixada para o autor, embora especialmente atenuada.
No entanto, a par de incriminações de condutas que podem ser realizadas por qualquer pessoa, a lei prevê outras que, contrariamente, pressupõem a intervenção de um núcleo restrito de agentes, detentores de determinadas qualidades ou relações pessoais.
Trata-se dos chamados crimes próprios, ou especiais, nos quais a existência de uma determinada qualidade do agente é necessária, umas vezes para que haja ilicitude, outras vezes para que esta tenha um grau de gravidade diferente do comum, assumindo então, consoante os casos, uma modalidade qualificada ou privilegiada.
Porém, não é necessária a presença dessa qualidade em qualquer agente do crime para que possa haver lugar à sua punição.
Em princípio, quer se esteja perante um "intraneus" - aquele que a detém -, quer perante um "extraneus" - alguém que a não detém -, a sua punição resulta do art. 28º, nº 1, que estatui a incriminação de todos os participantes a partir e em função da qualidade detida por um só deles.
Por isso, como diz expressivamente Eduardo Correia, em Direito Criminal, Problemas Fundamentais da Comparticipação Criminosa, Colecção Studium, 1953, pg. 124, os crimes próprios são "... aqueles de que imediata e isoladamente só pode ser agente quem pertença a um certo círculo de pessoas, o que não impede, em princípio, que mediatamente e através da utilização de quem a tal círculo pertença sejam levados a cabo por sujeitos que dele não façam parte" (sublinhado nosso). E, a pg. 125, salienta que, impondo a lei a intervenção de uma pessoa com certa qualidade jurídica, isso não permite afirmar "... que a norma só quer proibir que cause a violação quem nela tem necessariamente de intervir. Até porque, se a lei a quer evitar, terá que necessariamente ameaçar e punir quem quer que a cause e, portanto, considerá-lo seu autor, embora mediato".
Só assim não será nos casos em que a interpretação da norma revelar que a lei apenas quis incriminar aquele em cuja pessoa a dita qualidade determinante da incriminação - ou da sua forma especial - se verifica, como prevê a parte final do referido nº 1.
Tem sido vista nesta ressalva uma referência aos crimes de mão própria - aqueles que, como disse Figueiredo Dias, Direito Penal (Sumários), 1976, pg. 54, "... tipicamente exigiriam a execução corporal do crime pela própria pessoa do agente" ou, segundo Teresa Pizarro Beleza, Ilicitamente Comparticipando, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, III, 1984, pg. 641, "...aqueles cuja definição legal torna impensáveis em qualquer forma de autoria que não seja directa, imediata, material, dado que a acção descrita só é susceptível de ser praticada por «mão própria», isto é, com o próprio corpo".
A técnica legal não se compadece, a nosso ver, com essa afirmação abstracta e geral de que a dita ressalva se refere aos crimes de mão própria, na medida em que remete a exclusão da aplicabilidade da regra contida no nº 1 do art. 28º (1ª parte) para o que for o resultado de um trabalho de interpretação da norma incriminadora.
Nesta linha, uma incriminação que se reconduza àquele género - os crimes de mão própria - poderá significar, apenas, que, ao contrário do que sucede na generalidade dos crimes próprios ou especiais, o "intraneus" tenha que ser, em qualquer caso, o seu executor, ou autor material, mas sem excluir que alguém comparticipe ilicitamente com ele; e aquela exclusão de comunicação da ilicitude à conduta de um "extraneus" comparticipante pressuporá uma conclusão interpretativa no sentido de que a lei entendeu que tal comparticipação não é censurável, ou - o que vem a ser o mesmo - de que ao "extraneus" não é exigível o respeito do interesse violado.
É esta, aliás, a opinião expressa por Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, II, pg. 274, onde, referindo uma intervenção de Eduardo Correia na Comissão de Revisão do C. Penal, diz: "... admitindo-se que esses crimes não impedem a comparticipação - e não se vê motivo para a não admitir - não há razão que obste a que a qualidade se transmita. Tudo será, pois, questão de interpretação das normas em concreto".
Sempre se dirá, em todo o caso, que quem adoptar a afirmação abstracta e geral que acima deixámos aflorada – que aquela ressalva se refere aos crimes de mão própria – sempre terá de reconhecer, de acordo com a lição de Jescheck e Mezger - citados em acórdãos invocados em seu favor na sentença recorrida, um proferido em 11.11.92 pelo STJ e publicado na Col Jur., 1992, Tomo V, pg. 11, outro proferido em 13.3.96 por esta Relação e publicado na Col. Jur., 1996, Tomo II, pg. 51 -, que nos delitos de mão própria a exigência de verificação da qualidade juridicamente relevante não vale para o instigador nem para o cúmplice.
No caso em apreço parece estarmos, de facto, perante um crime de mão própria, pois a condução de veículo motorizado em via pública ou equiparada só é criminosa quando o seu condutor não está habilitado nos termos legalmente previstos.
Buscando o interesse tutelado pela norma em referência, dir-se-á ser ele a segurança das pessoas e coisas que circulam na via pública e bem assim a regularidade do trânsito e a observância das regras que o disciplinam.
A todos os utentes das vias públicas - sejam ou não condutores e tenham ou não a necessária habilitação legal para conduzir - se exige a mesma postura de cuidado e disciplina tendente a acautelar aqueles interesses.
Por isso, não se afigura como admissível um entendimento segundo o qual aquele que determinou outrem a conduzir em violação daquela exigência legal, ou que tenha simplesmente facilitado a efectivação dessa conduta, não mereça a censura da lei por ofender o interesse criminalmente tutelado.
Daí que a interpretação do art. 3º do Dec. Lei nº 2/98 não revele a intenção da lei no sentido da não punibilidade de quem é, simplesmente, um cúmplice.
Deste modo, não se verificando, no caso em apreço, a excepção prevista na parte final do nº 1 do art. 28º, impõe-se a condenação do arguido B., enquanto cúmplice.
Quanto às questões enunciadas em segundo e terceiro lugares:
No que respeita ao arguido B.:
Em causa está uma moldura penal abstracta de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias, a ser atenuada especialmente, por força do art. 27º, nº 2.
Segundo o estatuído no art. 70º, deverá dar-se preferência à pena de multa se esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, que são a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade - art. 40º, nº 1.
Não se vislumbra a existência de circunstâncias que levem a excluir esta preferência no tocante a este arguido, considerando a falta de antecedentes criminais e a sua integração social.
Pode afirmar-se a existência de um grau de dolo significativo, visto que, se é certo que cedeu às insistências do filho - o que pode concorrer no sentido de uma relativa desculpabilização da sua conduta -, também o é que, pela sua idade - 56 anos - e até pela circunstância de, estando habilitado a conduzir, lhe ser exigível uma especial percepção do perigo criado, devia ter impedido a ocorrência do crime.
São elevadas as exigências de prevenção neste tipo de ilícito.
Assim sendo e considerando que, por força da atenuação especial, a moldura penal abstracta da pena de multa que lhe é aplicável vai de 10 a 160 dias – art. 73º, nº 1, al. c) -, considera-se adequado aplicar-lhe a pena de 60 dias de multa, à razão diária de 1.000$00.
Contra o que sugere o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, a este arguido não é aplicável também a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados.
O art. 69º, nº 1, al. a) prevê que esta pena seja infligida a quem é punido por crime cometido no exercício daquela condução com grave violação das regras de trânsito rodoviário.
Não é de pôr em dúvida que a condução sem carta está aqui abrangida.
Porém, este arguido, tendo sido um simples cúmplice, embora responda também pelo crime cometido pelo outro arguido, não conduziu o veículo, ou seja, não exerceu a condução.
Reconduzi-lo, pois, à previsão daquela norma traduziria uma interpretação extensiva de preceito que comina uma pena, alargando-o aos casos em que o arguido de algum modo contribuiu para que outra pessoa procedesse a essa condução irregular.
Mas para tanto seria necessário que o intérprete se convencesse de que o legislador quis dizer mais do que aquilo que efectivamente disse, com a especialidade de que, como vem sendo entendido, a interpretação extensiva, neste campo, não pode exceder o sentido possível das palavras da lei, o que é menos amplo do que "o mínimo de correspondência verbal" com que se satisfaz o art. 9º, nº 2 do C. Civil - cfr. a anotação nº 4 ao art. 1º que se lê em Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado e Comentado, 13ª edição, pgs. 51-52.
E, neste caso, não se nos afigura, pela razão apontada, que seja possível dizer que esse sentido possível é respeitado.
Quem contribui para a condução não habilitada por parte de outra pessoa não está com isso a exercer, ele próprio, a condução.
Quanto ao arguido A:
A moldura penal abstracta cominada para o crime cometido por este arguido é a de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias – art. 3º, nº 2 do Dec. Lei nº 2/98.
O arguido, autor material do crime, tinha à data dos factos 18 anos de idade, já que nasceu em 20.12.79.
Por força do nº 2 do art. 1º do Dec. Lei nº 401/82, de 23.9, há que equacionar, em relação a ele, a aplicação do regime próprio dos jovens delinquentes.
De acordo com o seu art. 9º, na fixação da multa aplicar-se-ão os princípios da lei geral, mas por forma a que seja afectado tão somente o seu património.
O art. 71º manda que na graduação da pena se atenda à culpa do agente e às exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo do crime, deponham a favor ou contra o agente.
Se no plano da ilicitude a actuação do arguido A. se não revestiu de especial gravidade - designadamente porque conduziu um automóvel ligeiro, naturalmente menos perigoso que um pesado -, já no plano da culpa se pode dizer que agiu com dolo intenso, revelado pelo facto de ter insistido junto de seu pai no sentido de este o deixar guiar. As exigências de prevenção são elevadas.
Assim, não obstante não lhe serem conhecidos antecedentes criminais, a graduação da pena em 40 dias de multa é escassa e insuficiente, revelando-se adequada a sua fixação em 80 dias.
E quanto ao quantitativo a adoptar, de entre os limites gerais de 200$00 a 100.000$00 diários, é escassa a taxa diária de 700$00 fixada na sentença recorrida, mesmo considerando que é modesta a situação económica do arguido. É que a pena de multa, como vem entendendo este tribunal, tem de assumir-se como verdadeira sanção pecuniária que é, representando para quem nela é condenado um sacrifício, só assim atingindo o seu efeito punitivo e de prevenção geral e especial. Adequada se mostra uma taxa diária de 1.000$00, como defende a recorrente.
IV - DECISÃO
Nestes termos, dando procedência ao recurso, revoga-se a sentença recorrida e condena-se:
1- O arguido A., como autor material de um crime p. e p. pelo art. 3º, nº 2 do Dec. Lei nº 2/98, de 3.1, na pena de 80 dias de multa à razão diária de 1.000$00;
2- O arguido B., como cúmplice do mesmo crime, na pena de 60 dias de multa, à razão diária de 1.000$00.
Sem tributação.
Coimbra, 13.12.00