Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
261/17.6T8VIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
GUARDA COMPARTILHADA
RESIDÊNCIA ALTERNADA
Data do Acordão: 06/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JUÍZO FAM. MENORES - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.36 CRP, 1878, 1905, 1906 CC
Sumário:
1. Desde que haja uma relação de boa colaboração e compromisso entre os pais no que respeita aos assuntos da vida do filho, e vinculação afectiva forte entre este e os seus progenitores, a guarda compartilhada (com residências alternadas) configura-se como a solução “ideal”.

2. Se após a separação do casal, os elementos fácticos dos autos demonstram uma equivalência das condições oferecidas por cada um dos progenitores, o superior interesse do menor imporá a opção pelo regime da guarda compartilhada.

Decisão Texto Integral:
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I – Relatório

1. Corre incidente de Regulação do Exercício das Responsabilidade Parentais relativamente a M (…), nascido em ….2013, filho de N (…) e C (…) ambos residentes em Viseu, por apenso ao Processo de Divórcio por Mútuo Consentimento 261/17.6T8VIS.
No âmbito de tentativa de conciliação realizada nos autos de divórcio, acordaram os progenitores da criança convolar o divórcio para mútuo consentimento, tendo sido fixado, após acordo, um regime provisório relativamente ao exercício das responsabilidades parentais, nos seguintes termos:
- a criança M (…) fica a residir com a mãe, competindo a ambos os progenitores o exercício das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da criança, designadamente a escolha de estabelecimento de ensino, tratamentos médicos e intervenções cirúrgicas não urgentes, opções religiosas, escolha de actividades extracurriculares, alteração do concelho de residência, etc., e competindo ao progenitor com o qual a criança se encontrar o exercício das responsabilidades parentais, relativas aos actos da vida corrente desta.
- o pai poderá visitar livremente a criança, sem prejuízo dos períodos de descanso, alimentação e obrigações escolares, avisando previamente a mãe com 24 horas de antecedência.
- o pai poderá falar livremente com o filho, diariamente, por telefone, no período compreendido entre as 19h e as 20 horas.
- a criança pernoitará com o pai de domingo para segunda-feira, entregando o pai a criança na escola na segunda-feira de manhã e de quarta para quinta feira, entregando a criança na escola na quinta feira de manhã.
- O pai passará com a criança os fins-de-semana, de quinze em quinze dias, indo buscá-la ao sábado casa da mãe, entregando-a na escola na segunda-feira de manhã.
- no Natal e passagem de ano a criança passará os dias 24/12 e 31/12 com um dos progenitores e o dia 25/12 e 1/1 com o outro, alternadamente, iniciando-se os próximos dias 24/12 e 31/12 com a mãe, e os dias 25/12 e 1/1 com o pai, indo o pai buscar a criança a criança a casa da mãe pelas 11 horas, ali a entregando pelas 19.30 horas.
- quando os dias 24 e 31/12 forem passados com o pai, este vai buscar a criança a casa da mãe pelas 16 horas, entregando-a em casa da mãe, no dia seguinte, pelas 11 horas.
- no período da Páscoa, a criança passará a Sexta-feira Santa e o sábado com um dos progenitores, e o Domingo e Segunda-feira de Páscoa com o outro, iniciando-se em 2017 o primeiro período com o pai.
- a criança passará o dia do pai e o dia de aniversário do pai com o pai.
- a criança passará o dia da mãe e o dia de aniversário da mãe com a mãe.
- no dia de aniversário da criança, esta tomará uma refeição com cada um dos progenitores.
– nas férias escolares de verão, a criança passará um período de quinze dias consecutivos de férias com cada um dos progenitores, a acordar entre ambos até ao dia 31 de maio.
- o progenitor contribuirá, mensalmente, a título de pensão de alimentos devidos à criança, com a quantia de 185 €, a pagar entre o dia 1 e o dia 8 do mês a que diga respeito, com início no presente mês de Fevereiro, por transferência bancária para a conta da mãe da criança, a actualizar anualmente, com início em Janeiro de 2018, de acordo com a taxa de inflação publicada pelo INE e referente ao ano civil anterior, mas em montante nunca inferior a dois por cento.
- cada um dos progenitores suportará metade das despesas médicas, medicamentosas e de educação (livros, material escolar, creche/infantário, ATL, actividades extracurriculares), a pagar no prazo de dez dias a contar da apresentação do respectivo comprovativo, com a descrição dos bens e serviços prestados, contendo o nome e NIF da criança, por transferência bancária para a conta da mãe da criança e a apresentar mensalmente por email ou carta e as despesas são apresentadas mensalmente.
- os progenitores obrigam-se a comunicar de imediato ao outro qualquer alteração da morada, contactos telefónicos, email ou número de IBAN da conta bancária.
Decorrida a audição técnica especializada sem que se alcançasse acordo, os mesmos apresentaram alegações.
A progenitora, referiu que o regime provisório em vigor desde 02.02.2017 deverá no essencial ser mantido uma vez que o mesmo salvaguarda os interesses superiores do menor e, a prática, tem demonstrado isso mesmo o que até é reconhecido por ambos os pais.
O progenitor, alegou que o regime que melhor acautela o superior interesse do M (…)é o regime de residência alternada/partilhada entre os progenitores nos moldes 3-2 dias com cada um dos progenitores em semanas alternadas, distribuindo-se os fins-de-semana também de modo alternado de 15 em 15 dias com cada um dos progenitores, sendo de manter o exercício conjunto das responsabilidades relativas às questões de particular importância para a vida da criança e competindo ao progenitor com o qual a criança se encontrar o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente desta. Neste caso, no que respeita aos alimentos não se justificará o pagamento da pensão de alimentos, cabendo a cada um dos progenitores prover pela satisfação das necessidades da criança, salvo quanto a despesas médicas e medicamentosas e de educação, em que se deverá manter a situação actual. Acaba propondo o regime concreto a estabelecer.
*
A final foi proferida sentença que regulou o exercício das responsabilidades parentais da criança M (…)da seguinte forma:
- Fixa-se a residência oficial da criança com a mãe.
- A criança passará alternada e sucessivamente, sete dias seguidos com cada um dos progenitores, com a alternância ao domingo, indo o progenitor com quem a criança passará essa semana buscá-la a casa do outro pelas 19.00 horas.
- A mãe será a encarregada de educação da criança, junto do estabelecimento de ensino.
- O progenitor com quem a criança não esteja a residir nessa semana poderá falar diariamente com a criança por telefone, no período compreendido entre as 19.00 horas e as 20.00 horas, podendo ainda os progenitores visitarem, livremente a criança e visitá-la livremente, sem prejuízo dos períodos de descanso, alimentação e obrigações escolares desta, avisando com uma antecedência de doze horas.
- Na semana em que a criança esteja a residir com cada um dos progenitores, o outro poderá jantar com ela, num dia da semana, a acordar entre ambos, na falta de acordo será à 4ª feira.
- No Natal e passagem de ano a criança passará o período desde as 11.00 horas do dia 24/12 e as 11.00 horas do dia 25/12 com um dos progenitores e desde as 11.00 horas do dia 25/12 e as 11.00 horas do dia 26/12 com o outro, alternadamente e desde as 11.00 horas do dia 31/12 e as 11.00 horas do dia 01/01 com um dos progenitores e desde as 11.00 horas do dia 01/01 e as 11.00 horas do dia 02/01, com o outro, nos mesmos moldes, iniciando-se em 2018 o primeiro período com o pai.
- A criança passará o Domingo de Páscoa alternadamente, com cada um dos progenitores, iniciando-se o Domingo de Páscoa em 2018 com a mãe.
- A criança passará o dia do pai e o dia de aniversário do pai com o pai.
- A criança passará o dia da mãe e o dia de aniversário da mãe com a mãe.
- No dia de aniversário da criança, esta tomará uma refeição com cada um dos progenitores, a acordar entre ambos.
- Nas férias escolares de verão, a criança passará dois períodos de quinze dias consecutivos de férias com cada um dos progenitores, a acordar entre ambos até ao dia 30 de Abril, podendo ser seguidos ou interpolados por períodos de uma semana ou de quinze dias das férias do outro progenitor.
- As férias escolares de Carnaval serão passadas com o progenitor com quem a criança esteja a residir nessa semana, assegurando-se que passe o dia de Carnaval (3ª feira) com o outro, no período compreendido entre as 11.0horas e as 18.00 horas.
- Os progenitores obrigam-se a comunicar de imediato ao outro qualquer alteração da morada, contactos telefónicos, email ou número de IBAN da conta bancária.
- Os progenitores obrigam-se a comunicar de imediato ao outro qualquer situação de doença ou situação relevante ao nível escolar da criança ou outras questões relevantes, bem como os locais e contactos onde esta se irá encontrar nos períodos de férias ou fins-de-semana passados fora da residência dos pais.
*
2. A progenitora C (…) recorreu, tendo apresentado as seguintes conclusões:
(…)
3. O progenitor N (…) contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
(…)

II – Factos Provados

1. A criança, M (…) nasceu no dia … de 2013 e é filho de N (…) e C (…).
2. N (…) e C (…) casaram catolicamente e sem convenção antenupcial no dia … de 2012.
3. Os requerentes requereram a convolação do divórcio a correr nos autos apenso em divórcio por mútuo consentimento.
4. Foi acordado provisoriamente, na conferência que teve lugar no dia 02.02.2017 que:
- a criança M (…) fica a residir com a mãe, competindo a ambos os progenitores o exercício das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da criança, designadamente a escolha de estabelecimento de ensino, tratamentos médicos e intervenções cirúrgicas não urgentes, opções religiosas, escolha de atividades extracurriculares, alteração do concelho de residência, etc., e competindo ao progenitor com o qual a criança se encontrar o exercício das responsabilidades parentais, relativas aos atos da vida corrente desta.
- o pai poderá visitar livremente a criança, sem prejuízo dos períodos de descanso, alimentação e obrigações escolares, avisando previamente a mãe com 24 horas de antecedência.
- o pai poderá falar livremente com o filho, diariamente, por telefone, no período compreendido entre as 19h e as 20 horas.
- a criança pernoitará com o pai de domingo para segunda-feira, entregando o pai a criança na escola na segunda-feira de manhã e de quarta para quinta feira, entregando a criança na escola na quinta feira de manhã. O pai passará com a criança os fins de semana, de quinze em quinze dias, indo buscá-la ao sábado casa da mãe, entregando-a na escola na segunda-feira de manhã.
- no Natal e passagem de ano a criança passará os dias 24/12 e 31/12 com um dos progenitores e o dia 25/12 e 01/01 com o outro, alternadamente, iniciando-se os próximos dias 24/12 e 31/12 com a mãe, e os dias 25/12 e 01/01 com o pai, indo o pai buscar a criança a criança a casa da mãe pelas 11 horas, ali a entregando pelas 19.30 horas.
- quando os dias 24 e 31/12 forem passados com o pai, este vai buscar a criança a casa da mãe pelas 16 horas, entregando-a em casa da mãe, no dia seguinte, pelas 11 horas.
- no período da Páscoa, a criança passará a Sexta-feira Santa e o sábado com um dos progenitores, e o Domingo e Segunda-feira de Páscoa com o outro, iniciando-se em 2017 o primeiro período com o pai.
- a criança passará o dia do pai e o dia de aniversário do pai com o pai.
- a criança passará o dia da mãe e o dia de aniversário da mãe com a mãe.
- no dia de aniversário da criança, esta tomará uma refeição com cada um dos progenitores.
– nas férias escolares de verão, a criança passará um período de quinze dias consecutivos de férias com cada um dos progenitores, a acordar entre ambos até ao dia 31 de maio.
- o progenitor contribuirá, mensalmente, a título de pensão de alimentos devidos à criança, com a quantia de € 185,00 (cento e oitenta e cinco euros), a pagar entre o dia 01 e o dia 08 do mês a que diga respeito, com início no presente mês de fevereiro, por transferência bancária para a conta da mãe da criança, a atualizar anualmente, com início em janeiro de 2018, de acordo com a taxa de inflação publicada pelo INE e referente ao ano civil anterior, mas em montante nunca inferior a dois por cento.
- cada um dos progenitores suportará metade das despesas médicas, medicamentosas e de educação (livros, material escolar, creche/infantário, ATL, atividades extracurriculares), a pagar no prazo de dez dias a contar da apresentação do respetivo comprovativo, com a descrição dos bens e serviços prestados, contendo o nome e NIF da criança, por transferência bancária para a conta da mãe da criança e a apresentar mensalmente por email ou carta e as despesas são apresentadas mensalmente.
- os progenitores obrigam-se a comunicar de imediato ao outro qualquer alteração da morada, contactos telefónicos, email ou número de IBAN da conta bancária.
5. O progenitor durante a relação matrimonial sempre manteve uma forte vinculação afetiva com o filho M (…) que encontrava expressão em pequenos gestos do dia-a-dia, como o de acordar o filho, vesti-lo, alimentá-lo, levá-lo à escola, para além de dispor também o progenitor de mais tempo para passear e brincar com o M (…).
6. Mesmo após a separação dos progenitores, o requerente N (…)o continuou a procurar manter o nível de vinculação que sempre teve com o filho, pese embora a redução do tempo de convívio que sofreu em virtude da separação.
7. Desde a separação de ambos os progenitores, que ocorreu em Março de 2016, o N (…) tem vindo a colaborar com a progenitora C (…) e sempre com o consentimento desta, no sentido de manter as melhores rotinas possíveis para o filho M (…)
8. A progenitora C (…) é professora a lecionar na Guarda, e durante o ano letivo 2016/2017 e 2017/2018, às segundas e quintas-feiras, necessitava sair de casa pelas 7h, para ir trabalhar, motivo pelo qual ambos acordaram que N (…) se deslocaria a casa de C (…) às segundas e quintas-feiras de manhã, pelas 7h20, a fim de aguardar pela hora de despertar do M (…) (8h30) para seguidamente o acordar, proceder à rotina de asseio pessoal, dar o pequeno-almoço e levá-lo ao infantário, tendo sido essa a razão pela qual ficou desde logo plasmado na regulação provisória que o M (…) pernoitaria com o Pai de domingo para segunda-feira e de quarta para quinta-feira.
9. A criança M (…) demonstra vinculação e afeto pelos avós paternos,
10. Ambos os progenitores demonstram beneficiar de competências parentais e capacidades pessoais para o exercício das responsabilidades parentais.
11. Em ambas as residências o M (…) encontra as condições físicas de conforto, tendo também o seu próprio quarto com brinquedos roupas e outros itens essenciais em casa do progenitor.
12. Os progenitores têm mantido entre si uma relação de colaboração, proximidade e dialogo no que respeita aos assuntos da vida do filho M (…)
13. Os progenitores combinam entre si quem leva o M (…) ao médico ou à vacina, sendo também prática habitual os progenitores irem juntos às reuniões de pais, e assistirem juntos, todas as semanas aos sábados à tarde, à aula de natação do M (…)
14. O progenitor tem ainda um trabalho com um horário que lhe permite tempo livre suficiente para estar e acompanhar o filho M (…) na sua rotina diária, dispondo também de flexibilidade no que respeita a férias.
15. Nos períodos em que o mesmo está com o pai, a criança pernoita por vezes em casa dos avós paternos, que o vestem, lhe dão de comer e lhe dão o banho.
16. Enquanto casados, foi a mãe da criança que assumiu quase em exclusivo tais tarefas diárias relativamente à criança.
17. Desde o seu nascimento e até á presente data, a mãe da criança sempre dedicou e dedica a sua inteira proteção e afeto ao menor M (…), sendo, por isso, a ligação afetiva e emocional entre ambos muito forte.
18. A requerente tem condições pessoais, afetivas e económicas para ter o menor M (…) a residir consigo, de forma a proporcionar-lhe todo o bem-estar e conforto necessários.
19. A requerente tem presentemente horários laborais que lhe permitem ir levar e buscar a criança à escola, à exceção da Segunda-feira e tem um amplo suporte familiar de apoio quer da sua mãe quer da sua irmã.
20. O pai da criança vive sozinho em apartamento arrendado.
21. O agregado familiar da progenitora é composto por esta, e pela criança.
22. A progenitora é professora e encontra-se a lecionar na cidade da Guarda.
23. O progenitor é sócio-gerente de uma empresa de ferragens que explora com o seu pai.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.
Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.
- Alteração da matéria de facto.
- Fixação de residência do menor exclusivamente em casa da progenitora.

2. A recorrente impugna os factos provados 12. e 13., considerando que devem ser dados por não provados. Igualmente pretende que sejam dados como provados dois novos factos que especifica sob 1. e 2. (vide conclusões de recurso 2. a 9
(…)
Começamos por analisar o facto provado 13., porquanto a impugnação está destinada a improceder, só por si.
(…)
2.2.1. Dos depoimentos conjugados da tia materna e dos avós paternos decorre com toda a certeza que o menor nos períodos em que está com o pai aos fins-de-semana dorme em casa dos referidos avós, pelo que a impugnação deve ser deferida e reflectida na redacção do aludido facto provado 15., substituindo-se “por vezes” por frequentemente (ficando o anterior facto 15. em letras minúsculas e o actual a negrito).
15. Nos períodos em que o mesmo está com o pai, a criança pernoita frequentemente em casa dos avós paternos, que o vestem, lhe dão de comer e lhe dão o banho.
(…)
Há, assim que, deferindo parcialmente a impugnação apresentada, reflectir esta realidade apurada, quer no facto provado 12. quer num novo facto, atinente ao facto 2. especificado pela recorrente (ficando aquele a negrito e o anterior em minúsculas e este sob 12A., também a negrito).
12. Os progenitores têm mantido entre si uma relação de colaboração e diálogo no que respeita aos assuntos da vida do filho M(...).
12A. Os progenitores da criança têm algumas dificuldades de relacionamento interpessoal.
3. Na sentença recorrida escreveu-se que:
Basilar nesta matéria é o princípio da igualdade dos progenitores, ínsito no artigo 36.º n.º 3 e 5 da C. R. P., nos termos do qual incumbe a ambos os pais prover pela manutenção e educação dos filhos.
No mesmo sentido, o ponto 6 da exposição de motivos da Recomendação R (84) 4 sobre as responsabilidades parentais dispõe que “os pais, em pé de igualdade entre si e em concertação com os filhos são investidos de uma missão de educação, de representação legal, de manutenção, etc. Para tanto exercem poderes para desempenharem deveres no interesse do filho e não em virtude de uma autoridade que lhes seria conferida no seu próprio interesse”, e o ponto 7 do mesmo texto dispõe que “as responsabilidades parentais incumbem em todos os casos a ambos os pais. Mesmo no caso de dissolução do casamento, de separação entre os esposos ou de filhos nascidos fora do casamento, as responsabilidades parentais pertencem a ambos os pais. O que importa é afirmar a unidade da responsabilidade dos pais em relação ao filho, mesmo quando não vivem juntos, e encorajar a colaboração entre eles, quando se trata de assegurar o bem estar moral e material deste”.
Também a Convenção sobre os Direitos da Criança, no seu artigo 18º n.º 1 prevê a responsabilidade comum dos pais na educação e desenvolvimento da criança.
Do art. 1878.º do Código Civil resulta que o poder paternal é um complexo de poderes-deveres funcionais que abrange os poderes-deveres de guarda, de educação, de auxílio e assistência, de representação e de administração, cujo exercício está vinculado à salvaguarda, promoção, e realização do interesse do menor, pois são atribuídos para a prossecução dos interesses pessoais e patrimoniais de que aquele titular.
O requerente, pai da criança, veio requerer a fixação da residência alternada.
Já a mãe da criança pretende que a residência desta seja fixada consigo.
A questão a decidir nos presentes autos prende-se em saber se o superior interesse da criança permite ao tribunal concluir ser do seu interesse ir viver com a sua mãe ou se o seu superior interesse reclama que a criança fique a residir com o pai e a mãe, em regime alternado.
Cumpre pois decidir, nos termos da lei e atendendo ao interesse da criança que é o critério fundamental regulador da atividade jurisdicional nesta matéria, (cfr. artigo 1905.º n.º 2 do C. C.).
A residência da criança
Importa antes do mais, por ser a questão fundamental, e todas as outras resultarem desta primeira, decidir com quem fica a criança a residir, se com a mãe ou se com ambos os progenitores, ou até com o pai.
Consabidamente o processo de regulação das responsabilidades parentais tem por objeto decidir da fixação da residência dos filhos, fixar os alimentos devidos, forma da respetiva prestação e ainda fixar o regime de visitas no tocante ao progenitor que não tem a seu cargo as crianças – cf. art.1906º do C.Civil.
Na prossecução das aludidas finalidades deverá sempre que possível privilegiar-se uma solução de consenso com respeito pelo interesse da criança, devendo o Tribunal recusar uma solução que não defenda adequadamente tal interesse, sendo que, na falta de consenso, decidirá o Tribunal sempre orientado por aquele escopo, devendo atentar especialmente no interesse em que a criança mantenha o contacto com o progenitor que não tem a residência com a criança ou com ambos os progenitores.
Ora, no que toca à residência da criança, e analisando alguma jurisprudência quanto a esta matéria, “desenham-se duas vias de resolução do problema em causa, a saber, o da “guarda única” e o da “guarda conjunta”: no primeiro caso o exercício das responsabilidades parentais é atribuído a um dos progenitores ficando o outro com o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício (cf. art. 1906º, nº6 do C.Civil); a segunda via de regulação das responsabilidades parentais passa pela “guarda conjunta” de ambos os pais.
De referir que o primeiro figurino corresponde à orientação tradicional, enquanto o segundo começou por ser uma criação jurisprudencial procurando vir ao encontro de certos casos em que ambos os pais pretendem continuar de uma forma efetiva a dirigir a educação do menor, sem embargo de que a opção por este último modelo exige à partida o preenchimento de um certo número de requisitos e que a Jurisprudência vem sendo particularmente prudente na adoção do mesmo, desde logo porque a “guarda conjunta” (ou mesmo alternada) supõe que os desentendimentos entre os progenitores sejam eliminados ou minimizados, colocando os interesses da criança acima dos mesmos, para além de que pressupõe uma convivência estreita entre ambos os progenitores e a possibilidade de tomada de decisões em comum. – (Ac. TRP; proc. n.º 3850/11.9TBSTS-A.P1, Relator: LUIS CRAVO; 28/06/2016)”.

“A fixação da guarda conjunta (de exercício das responsabilidades parentais) com residências alternadas é admissível, desde que se faça um juízo de prognose favorável quanto ao que será a vida do menor, suportada em elementos de facto evidenciados no processo afigurando-se-nos que, em regra, a fixação desse regime só é compatível com uma situação em que se verifica uma particular interacção entre os progenitores, um relacionamento amistoso entre ambos, bem como uma razoável proximidade entre os locais onde os progenitores habitam. Nos termos do art. 1906º, nº1 do Cód. Civil, a regra é a da atribuição a ambos os progenitores do exercício das responsabilidades parentais (guarda conjunta), salvo os casos em que essa atribuição não salvaguarda o interesse do filho, hipótese em que, por decisão fundamentada, o tribunal deve determinar qual dos progenitores assegurará o exercício dos poderes-deveres que integram o poder paternal - nº 2 do preceito.
O tribunal a quo estabeleceu um regime de guarda conjunta do exercício das responsabilidades parentais, o que significa que ambos os progenitores asseguram e decidem quanto à prestação de cuidados ao filho, em matéria de educação, saúde, sustento etc…, administrando os seus bens, fazendo-o concertadamente, sem prejuízo dos aspectos relacionados com a vivência da criança no dia a dia serem atribuídos apenas ao progenitor com quem a criança reside.
Quanto a este aspecto, o exercício conjunto das responsabilidades parentais pode ser praticado associando a residência do menor a um dos progenitores ou fixando a residência do menor, alternadamente, com cada um deles sendo que, neste último caso, estamos perante a denominada guarda conjunta com residência alternada.
Saliente-se que esta hipótese não se confunde com outro modelo de regulação, que se contrapõe à guarda conjunta, a saber, a guarda alternada.
“Este conceito [guarda alternada] caracteriza-se pela possibilidade de cada um dos pais deter a guarda da criança alternadamente de acordo com um ritmo definido por estes, o qual pode ser anual, mensal, quinzenal, semanal, etc. Durante cada turno o progenitor guardião exerce exclusivamente o poder paternal enquanto o outro beneficia de um direito de visita e de vigilância. No termo de cada período, os papéis invertem-se. A guarda alternada funciona portanto num quadro de exercício unilateral do poder paternal, em que as decisões importantes relativas à criança são tomadas exclusivamente por cada um sem necessitar do consentimento do outro. Consequentemente, são maiores os riscos de contradição e de bloqueio nesta última hipótese, podendo as decisões de um dos pais, durante o período em que detém o exercício do poder paternal, frustrarem ou anularem as decisões do outro. O exercício conjunto com alternância de residência, diferentemente, exige, por parte dos pais, uma cooperação constante, sendo todas as decisões relativas à educação da criança tomadas conjuntamente. No entanto, o efeito traumático da mudança constante de residência mantém-se. Consequentemente, defendemos que uma tal medida não pode ser aprovada pelo juiz, sem que este tenha em conta, através da observação da criança por peritos, a personalidade, a idade e o temperamento de cada criança concreta, pois bem pode acontecer que apesar de os pais estarem de acordo, tal solução não seja no interesse da criança. A mudança de residência, mesmo num contexto de exercício conjunto do poder paternal, é prejudicial para algumas categorias de crianças, em função da sua idade e variáveis da sua personalidade”.
No caso, o tribunal fixou a guarda conjunta fixando a residência do menor junto do pai.
A apelante pretende que se fixe estadias (ou residências) alternadas, não se alcançando inteiramente se propõe uma guarda conjunta ou alternada, como infra melhor se aludirá.
Ora, entendemos que a fixação da guarda conjunta com residências alternadas é admissível, desde que se faça um juízo de prógnose favorável quanto ao que será a vida do menor, suportada em elementos de facto evidenciados no processo afigurando-se-nos que, em regra, a fixação desse regime só é compatível com uma situação em que se verifica uma particular interacção entre os progenitores, um relacionamento amistoso entre ambos, bem como uma razoável proximidade entre os locais onde os progenitores habitam.
Sofia Pappámikail da Costa Marinho em breve referência a estudos (de cariz sociológico) da coparentalidade na residência alternada, refere:
“A existência de modos de cooperação parental diversificados, que incluem os paralelos, viria a ser confirmada por autores como Smyth, Caruana e Ferro (2003), Brunet, Kertudo e Malsan (2008). As primeiras fizeram uma pesquisa qualitativa que visou captar os motivos e as reflexões sobre o relacionamento com a criança e a colaboração coparental de 27 mães e 29 pais, que partilhavam equitativamente os tempos de residência com a criança. Neste estudo encontraram uma «coparentalidade paralela» e outra «cooperativa»: a primeira, pautada pela separação da relação educativa de cada progenitor com a criança, interacções e comunicação restritas ao necessário, bem como por regras rigorosas de rotatividade da residência com a criança e de divisão dos cuidados, que mantêm o funcionamento da cooperação e das rotinas quotidianas sem percalços nem conflitos; a segunda é desenhada por um relacionamento entre progenitores centrado nas necessidades da criança e numa partilha baseada em interacções alargadas, assim como na comunicação frequente. As autoras concluem que a residência alternada tende a ser uma prática restrita, porque o seu funcionamento exige a reunião de um conjunto de factores: proximidade geográfica entre as casas dos progenitores; relacionamento contratual entre estes que mantenha a criança de fora dos eventuais desentendimentos; rotatividade residencial que respeite as várias necessidades da criança; empregos flexíveis, particularmente para o pai, e alguma independência financeira, principalmente das mães. Contudo, estes são pressupostos criticados por Côté (2000b, 140), pois no seu estudo encontrou situações de residência alternada, apesar de aqueles factores não estarem sempre reunidos” [.
A mesma autora dá conta de estudos indicativos de que na «parentalidade cooperativa», a que tem maior expressão na residência alternada, os progenitores conversam sobre os problemas da criança, constroem estratégias educativas conjuntas, que são coordenadas nas duas casas, e apoiam-se mutuamente”.
Ora, no caso em apreço, os progenitores não têm qualquer tipo de relacionamento um com o outro – (…) –, dividindo a vida do menor consoante está em casa do pai ou em casa da mãe – (…) –, mantendo aliás, como ressalta do processo, uma relação conflituosa – subsequentemente à decisão, já se suscitaram questões de (in)cumprimento.
Aliás, é até questionável se o regime de facto que tem vigorado depois da separação do casal tem sido o da guarda conjunta ou o da guarda alternada, uma vez que nos parece que resulta da factualidade assente que cada progenitor mantém a guarda da criança alternada e separadamente, isto é, no período de tempo que compete a cada um – no caso à semana –, cada progenitor exerce individualmente o conjunto dos poderes-deveres que integram o poder paternal, sem qualquer interferência do outro.
Ou seja, quando a apelante sustenta que a sentença deve ser revogada em ordem a que se mantenha o status quo existente, está verdadeiramente a propugnar pela imposição de uma guarda alternada, que não é o regime regra pretendido pelo legislador e vertido no art. 1906º, nº1 do Cód. Civil, não se vislumbrando qualquer fundamento para assim determinar (nº 2 do mesmo preceito).
Acresce que a factualidade apurada não suporta um juízo valorativo positivo quanto às vantagens, para o menor, de uma residência alternada com cada um dos progenitores e essa determinação tinha que estar suportada em elementos de facto que inequivocamente apontassem nesse sentido, de forma a salvaguardar o crescimento saudável e harmonioso da criança.
Por último, tendo o menor, actualmente, seis anos – à data da separação dos pais tinha dois anos –, ressalta da factualidade assente que, residindo com o pai, está bem mais próximo do estabelecimento que frequenta durante o dia e reúne o apoio da família paterna, o mesmo não podendo dizer-se relativamente à mãe, pelo que a opção tomada pelo tribunal não merece censura.” (Ac. TRL, Proc. n.º 4089/10.6TBBRR.L1-1; Relator: ISABEL FONSECA; 24/06/2014).

“Revelando os factos provados que há grande proximidade geográfica entre as residências dos progenitores e que ambos favorecem o contacto da criança com o outro, mostra-se adequado o regime de guarda alternada num caso como o dos autos em que a criança já tem seis anos de idade”. (Ac. TRL, Proc. n.º 6001-11.6TBCSC.L1-6; Relator: ANABELA CALAFATE; 17/12/2015)

“Embora a lei (art.º 1906º do CC) não contemple expressamente a hipótese de guarda partilhada, no sentido de residência alternada com um e outro dos progenitores, cremos também que não a proíbe, apesar da redacção dos nº 3 e 5 sugerir o contrário (residência com um dos progenitores e não com os dois), contanto que haja acordo nesse ponto entre os progenitores ou se demonstre ser a única solução que satisfaz o interesse das crianças.
Ora, no caso em apreço, nem há acordo, nem está demonstrado que essa é a solução conjuntural que melhor satisfaz o interesse das crianças.
Na busca da solução para o caso concreto, não devemos guiar-nos apenas por meras generalidades opinativas ou teses mais ou menos científicas, fruto da “espuma dos dias”, que as há num sentido e noutro – uns dando prevalência à figura materna no que tange a crianças de tenra idade, tese que assenta na profunda ligação biológica da criança, desde o útero materno e que persiste na aleitação, defendendo-se, que, só mais tarde, com a socialização da criança, o papel do pai assume relevância; outros defendendo que essa relação pode ser estabelecida com qualquer progenitor ou terceira pessoa, podendo nem existir uma figura primária de referência, muito menos a maternal.
Há sim que analisar e ponderar as circunstâncias concretas desta família e como se estabeleciam no seu seio as rotinas e distribuíam os papéis.
O interesse dos menores é certamente o de manterem estreito contacto com os progenitores. Mas, apesar do que se diz sobre a fácil adaptabilidade das crianças a novos cenários, é também o da estabilidade possível num contexto já ele conturbado pela separação dos pais.
Estando os progenitores em desacordo no tocante à residência dos menores, pretendendo o requerente a guarda alternada e a requerida continuar com a respectiva guarda e o estabelecimento de um regime de visitas, que o Ministério Público entendeu ser insuficiente, nada impunha a opção por um dos extremos propostos. Entre um e outro há um leque de soluções e certamente alguma que permita assegurar o interesse dos menores na manutenção de estreitos laços afectivos com o pai, sem lhes partir a vida ao meio.
Existindo entre os progenitores, no período que antecedeu a decisão recorrida, um consenso mínimo relativamente ao exercício das respectivas responsabilidades parentais, que permitiu aos menores, apesar de residirem com a mãe, manterem assíduo convívio com o pai, a alteração que a decisão recorrida, meramente provisória, implica nas rotinas dos menores, impondo-lhes residirem alternadamente, semana sim semana não, com cada um dos progenitores, não tem sustentação nos elementos colhidos nos autos, nem serve o interesse dos menores.” – (Ac. TRG, proc. n.º 96/16.0T8BCL-D.G1; Relator: EVA ALMEIDA; 12/01/2017)

“Uma passagem pela jurisprudência dos tribunais superiores permite-nos concluir ser posição dominante a admissibilidade da guarda compartilhada, inclusivamente por imposição do tribunal (ou seja, na falta de acordo entre os pais, porquanto ambos pretendem a residência exclusiva), colocando, contudo, como requisito que haja uma boa relação entre os pais ou que, pelo menos, os conflitos entre os pais possam ser de algum modo amenizados[9].
Já ao nível da doutrina, com exceção de Maria Clara Sottomayor[10] – face aos novos dados da investigação científica e das novas tendências ao nível dos demais ordenamentos jurídicos europeus –, se constata uma quase unanimidade na assunção da guarda compartilhada como a solução ideal (embora nem sempre possível, como é o caso de famílias com histórico de violência doméstica ou de os progenitores residirem em diferentes localidades) em caso de dissociação familiar.
Na solução da residência alternada tem ganhado força pela consciência de que os laços afetivos se constroem dia-a-dia e não se compadecem com o tradicional regime de fins de semana quinzenais – a fixação da residência junto de um só dos progenitores leva ao progressivo esbatimento da relação afetiva com o outro progenitor, fazendo com que o menor se sinta uma mera “visita” em casa deste, levando a que o progenitor desista de investir na relação por se sentir excluído do dia-a-dia da criança.
Haverá que promover um tempo de qualidade com ambos os progenitores, de modo a que, cada um deles possa acompanhar o dia-a-dia do seu filho, nos trabalhos escolares, nas brincadeiras, no momento de deitar, etc., levar e ir buscar à escola, conhecer os professores, os amigos, etc., de modo a que o menor continue a ter um pai por inteiro e uma mãe por inteiro.
O argumento base dos opositores da guarda compartilhada prende-se com a estabilidade da criança.
Contudo, tal ideia sobrevaloriza a estabilidade que possa advir de um só espaço físico a que possa chamar casa, face ao conforto emocional de ter ambos os progenitores junto de si: deste modo “tem dois espaços físicos a que chama casa e tem pai e mãe, em doses reduzidas de tempo, é certo, mas emocionalmente por inteiro, pois partilha as pequenas e as grandes coisas com ambos, no período que passa com esse progenitor”.
A ideia de que a guarda partilhada expõe a criança ao conflito tem implícita a afirmação de que, em caso de conflito a criança fica mais protegida se confiada a um deles, o que é extremamente discutível: a confiança a um só dos progenitores ao atribuir a este um poder de facto sobre a criança (progenitor que, na prática tudo decide) em detrimento do outro, que assim se vê afastado do dia-a-dia da criança, alimentando a posição de irredutibilidade do progenitor guardião (que, face ao poder que a guarda exclusiva lhe dá não se vê na necessidade de fazer concessões) e aumentando o sentido de frustração do outro, é potenciador da conflitualidade entre os progenitores.
Como salienta Joaquim Manuel da Silva, havendo conflito entre os progenitores, a residência exclusiva agrava-o, consolida-o, aumentando-o muitas vezes, gerando um grande número de abandonos, de “órfãos de pais vivos”, que, quando não ocorrem, por força da exposição da criança a este stresse tóxico, permanente e intenso, gera nelas profundos problemas de desenvolvimento emocional e cognitivo, que são na sociedade atual um problema grave de saúde.
Já a guarda ou residência alternada ou compartilhada favorece o atenuar do conflito entre os progenitores: colocando-os em condições de igualdade, levará precisamente a que, qualquer um deles, como tem por contraponto um período de tempo em que o menor estará longe de si e entregue ao outro, terá todo o interesse em facilitar ao outro os contactos com o menor no período em que é ele a deter a guarda, precisamente porque é isso que espera e deseja que lhe seja proporcionado quando o menor está com o outro.
Concordamos, assim, com Ana Teresa Leal quando afirma que a mudança de paradigma impõe que a residência alternada surja hoje não só como uma das soluções a equacionar mas ainda que na tomada de decisão sobre a entrega da criança se deva avaliar, em primeiro lugar, a aplicação do regime de residência alternada e, só se a mesma não se mostrar adequada ao caso concreto e não aquela que melhor salvaguarda os interesses da criança, ponderar se a residência deve ser fixada junto do pai ou da mãe.
Jorge Duarte Pinheiro defende que a regra deve ser a concessão a cada um dos progenitores de igual tempo de contacto ou residência, com o filho, e a atribuição da titularidade do exercício de todas as responsabilidades parentais a cada um dos progenitores que estiver, e enquanto estiver, com o filho, indicando as seguintes quatro fortes razões em abono do exercício alternado das responsabilidades parentais:
1. É um modo de tentar dar à criança dois pais em vez de um só ou de um meio.
2. É uma forma de organização que contribui para criar uma cultura autêntica de partilha das responsabilidades entre os pais.
3. É a modalidade que satisfaz o princípio da igualdade dos progenitores, imposto pelos artigos 36º, nº5 e 13º, da CRP e pelo artigo 18º da Convenção Sobre os direitos da Criança.
4. É a forma de organização que melhor se adequa ao princípio de que os filhos não devem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles (art. 36º, nº6, da CRP). Perante esta factualidade, a solução de optar por um só dos pais (a entendermos que a residência alternada não era possível por imposição do tribunal) deixava-nos, desde logo, perante um grave dilema: a qual dos dois entregar a menor, quando ambos são pais zelos e interessados? Por moeda ao ar? Ou por critérios de somenos importância, como o facto de a mãe ter um horário mais alargado que o do pai, ou o facto de o pai se mostrar mais flexível a permitir contatos entre a progenitora e a menor “fora dos dias especificados”, demonstrando a requerente uma posição mais rígida nessa matéria?
Por outro lado, como salienta Ana Teresa Leal, “inverter a tendência de entrega das crianças à mãe para as passar a entregar ao pai, em nome da igualdade dos progenitores, nada mais é do que deslocar o problema, mantendo-o”.
Partindo de um conceito indeterminado – interesse da criança – enquanto critério para determinação da residência do menor e dos direitos de visita (artigos 1906º, ns. 5 e 6, do Código Civil e artigos 180º e 177º da OTM), o legislador aponta alguns elementos concretizadores de tal conceito: “todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais da criança com o filho” (artigo 1906º, nº 5); o interesse da criança de manter uma relação de grande proximidade com ambos os progenitores (artigo 1906º, nº7).
A fim de minorar a subjetividade das decisões naqueles casos em que ambos os pais se encontram efetivamente ligados à criança e igualmente capazes de cuidar dela, Clara Sottomayor aponta o seguinte conjunto de fatores a ter em causa pelo juiz: i) relação afetiva da criança com cada um dos pais; ii) disponibilidade de cada um deles para prestar à criança os cuidados necessários à sua saúde, alimentação e educação social, cultural e moral; iii) o grau de desenvolvimento da criança e as suas necessidades; iv) a preferência da criança e a continuidade das relações afetivas e do ambiente em que tem vivido.
No caso em apreço sobressai uma quase equivalência de condições oferecidas por cada um dos progenitores, quer pela ligação afetiva que ambos os progenitores mantêm com a menor, quer pela capacidade de qualquer um deles para desempenhar o papel de “cuidador primário” ou de “referência” da menor[20] (sem que se consiga discernir se algum deles se apresenta como a figura parental de referência), quer pelas condições socioeconómicas (ambos residem numa casa onde a menor dispõe de um quarto adequado à sua idade e ambos gozam do apoio da família alargada, nomeadamente dos avós).
O caso em apreço será precisamente um daqueles em que a residência alternada surge como perfeitamente adequada, até porque, de um modo perfeitamente espontâneo e natural, e sem qualquer intervenção externa, foi esse a que os pais, por si só chegaram e que têm sabido gerir (de tal modo, que a 1ª instancia nem sequer sentiu necessidade de, a título cautelar fixar qualquer regime, continuando a vigorar o regime que eles próprios definiram).
É certo que ao longo do processo nenhum deles propôs a guarda compartilhada, confiante e no pressuposto de que, a ser confiada só a um o seria a ele próprio, como se confirma pela reação da progenitora que, face à decisão da primeira instância de alterar o regime vigente por acordo dos pais, em sede de alegações de recurso já admite a guarda partilhada, formulando tal pretensão, embora a título subsidiário (significativo é ainda o facto de o progenitor não ter apresentado contra-alegações). Note-se ainda que, após sua audição, fez-se constar do Relatório Social ser a seguinte a posição assumida por cada um dos progenitores relativamente a tal questão:
“Os progenitores concordam que os convívios com o progenitor não guardião ocorram em fins de semana alternados, bem como no convívio em épocas festivas de forma alternada e na divisão equitativa das férias escolares. Neste ponto a mãe propõe que os fins de semana com o pai ocorram de 5ª a 2ª feira, bem como a pernoita de 2ª para 3ª feira na semana que se segue ao fim de semana da mãe. O progenitor, apesar de referir os fins de semana alternados mostra flexibilidade em a N (...) estar com a mãe quando ambas o desejem e atendendo à disponibilidade horária desta última”.
Atentar-se-á em que o regime proposto pela mãe (posição que igualmente assume nas alegações por si proferidas ao abrigo do artigo 39º da OTM) se aproxima mais de uma guarda compartilhada do que uma guarda exclusiva com regime de visitas ao outro progenitor.
Poderemos, assim, afirmar pode-se extrair dos autos a vontade presumida de ambos os progenitores no sentido de que, entre a entrega da guarda exclusiva ao outro e a guarda compartilhada, a opção é claramente pela segunda.
No caso em apreço, será mesmo essa a solução que se nos afigura corresponder ao interesse da criança: essa solução foi experimentada pelos pais, está a correr bem, a menor, quer antes quer depois da separação dos progenitores, sempre manteve intacta a relação integral com ambos e cada um dos pais, constituindo uma violência a alteração de tal situação de facto, em nome de uma “instabilidade” não cientificamente comprovada e cada vez mais questionada pelos estudos científicos.
“A residência alternada permite que os pais continuem a dividir atribuições, responsabilidades e tomadas de decisões em iguais condições, reconhecendo as suas diferenças e limitações bem como o valor do papel de cada para com a criança. Esta diferença clara e coerente de papéis materno e paterno é fundamental para os saudável crescimento dos filhos pois permite uma estruturante identificação aos modelos parentais, fundamental para um normal desenvolvimento da sua identidade pessoal.
A guarda partilhada com residência alternada será mesmo a solução natural quando a criança tem um convívio normal com ambos os progenitores, no âmbito do que se designa por relação positiva com ambos os progenitores: “este tipo de relação é a que se encontra na maioria das situações das crianças cujos pais já não vivem ou nunca viveram maritalmente, em que valorizam a relação com ambos os seus progenitores e claramente desejam partilhar o seu convívio com os dois, de um modo significativo e, muitas vezes, em tempo igual”.
Quanto ao relevo dado à conflitualidade entre os progenitores pela 1ª instância, os elementos constantes dos autos levam-nos a considerá-los perfeitamente ultrapassáveis, não só porque, sem qualquer intervenção externa, lograram chegar a um acordo de guarda partilhada que souberam gerir e que se mantêm há mais de dois anos, como se encontra dado como provado que ambos os progenitores participam nas reuniões e festas escolares, manifestando-se publicamente pacíficos nessas ocasiões.” – (Ac. TRC; proc. n.º 4147/16.3T8PBL-A.C1; Relator: MARIA JOÃO AREIAS; 27/04/2017).

“- A lei n.º 61/2008 de 31 de Outubro acolheu grande parte dos princípios do Direito da Família Europeu Relativos às Responsabilidades Parentais, publicados em 2007, na sequência do trabalho realizado pela Comissão de Direito da Família Europeu.
- Substituiu o conceito “poder paternal” pelo de “responsabilidade parental” e acolheu a regra do exercício comum das responsabilidades parentais, com a guarda conjunta e consagrando que é excepção o regime de guarda única com a entrega e a confiança do menor a um só dos progenitores, como resulta da redacção actual do art. 1906.º do Código Civil (art. 1906º nº 1 do CC).
- Não havendo acordo dos pais, não podem beneficiar de guarda conjunta nem alternada de responsabilidades parentais.” – (Ac. TRL, proc. n.º 1463/14.2TBCSC.L1-8; Relator: CATARINA ARÊLO MANSO; 14/02/2015).

“I - A vulgarmente denominada “guarda alternada” significa que “cada um dos pais detém a guarda da criança alternadamente”, exercendo, no período de tempo em que detém aquela guarda, “a totalidade dos poderes-deveres integrados no conteúdo do poder paternal, enquanto o outro beneficia de um direito de visita e de vigilância.
II - O artigo 1906º do Código Civil não veda a hipótese de guarda alternada, não existindo outrossim impedimento à existência de dois domicílios do menor, assim como sucede com qualquer pessoa que resida alternadamente em diversos lugares (artigo 82º nº 1 do Código Civil).
III - Mas ainda que se entenda que o tribunal tem de determinar uma única residência do filho, enquanto “ponto de referência da vida jurídica da criança”, com consequências que se não compadecem com alterações periódicas, não há incompatibilidade entre essa determinação e uma situação de estadias alternadas.” – (Ac. TRL, proc. n.º 2526/11.1TBBRR.L1-1 ; Relator: GRAÇA ARAÚJO; 19/06/2012)
Como ensina Maria Clara Sottomayor (Exercício do Poder Paternal Relativamente à Pessoa do Filho após o Divórcio ou a Separação Judicial de Pessoas e Bens, Universidade Católica Portuguesa-Editora, Porto, 1995:290/295), a vulgarmente designada “guarda conjunta” inclui uma componente jurídica – traduzida no exercício conjunto do poder paternal (ou das responsabilidades parentais) por ambos os progenitores – e uma componente material, que respeita à vivência diária do filho. Nesta sede, o menor pode residir com um dos progenitores, gozando o outro de um amplo direito de visita, ou pode habitar alternadamente com ambos, de acordo com determinado ritmo temporal. Nesta última situação, “as decisões imediatas do dia-a-dia relativas à disciplina, dieta, actividades, contactos sociais, cuidados urgentes, etc. pertencem ao progenitor com quem a criança reside no momento”.
Já a também vulgarmente denominada “guarda alternada” significa que “cada um dos pais detém a guarda da criança alternadamente”, exercendo, no período de tempo em que detém aquela guarda, “a totalidade dos poderes-deveres integrados no conteúdo do poder paternal, enquanto o outro beneficia de um direito de visita e de vigilância”.
(…)
A residência do filho que o tribunal há-de determinar corresponde, materialmente, à atribuição da guarda ao progenitor com quem o filho reside habitualmente (veja-se o nº 3 do artigo 1906º do Cód. Civ.).
Mas, sendo o domicílio do menor o do progenitor a cuja guarda estiver (artigo 85º nº 1 do Cód. Civ.), não cremos existir impedimento à existência de dois domicílios do menor, assim como sucede com qualquer pessoa que resida alternadamente em diversos lugares (artigo 82º nº 1 do Cód. Civ.).
Mas ainda que se entenda que o tribunal tem de determinar uma única residência do filho, enquanto “ponto de referência da vida jurídica da criança”, com consequências que se não compadecem com alterações periódicas, não há incompatibilidade entre essa determinação e uma situação de estadias alternadas (Maria Clara Sottomayor, Regulação das Responsabilidades Parentais nos casos de Divórcio, Almedina, Coimbra, 2011, 5ª edição:273).
D) A inexistência de obstáculos à homologação do acordo dos requerentes em termos de legalidade estrita, não implica, contudo e automaticamente, que o mesmo mereça a chancela judicial.
Com efeito, ninguém ousa questionar que o exercício das responsabilidades parentais deve ser regulado de harmonia com o “interesse do menor”. Expressão de conteúdo indefinido e indefinível, abrangente e complexa, tão variável em função dos tempos, tão moldável às convicções de quem a invoca.
Não obstante, a lei incluiu no citado interesse do menor um aspecto fundamental (eleito de entre muitos outros que poderia ter considerado), que não pode deixar de constituir orientação vinculativa para o intérprete/aplicador: a manutenção de uma relação de grande proximidade entre o menor e os seus progenitores, traduzida em amplas oportunidades de contacto e em partilha de responsabilidades, que o tribunal deve estimular e/ou favorecer (artigo 1906º nº 7 do Cód. Civ.).
Igualmente não deve o intérprete/aplicador menosprezar a referência que em tal preceito se faz à promoção e aceitação de acordos, antes de nele se considerar, também, a tomada de decisão. Com efeito, numa perspectiva técnico-jurídica, tal referência afigurar-se-ia desnecessária (ou até incorrecta), posto que a aceitação de um acordo envolve sempre uma decisão. A importância da menção está, porém, na ideia que lhe subjaz: a de que o acordo dos pais nas questões que envolvem os filhos é, desde logo e só por si, significativo factor de estabilidade e de desenvolvimento psíquico estruturado para o menor.
Tal ideia é, da mesma forma, aflorada no nº 5 do artigo 1906º do Cód. Civ., quando se prescreve que o tribunal tenha em atenção o acordo dos pais quanto à residência do menor e ao estabelecimento do regime de visitas.
É certo que os requerentes alcançaram um dado acordo, que submeteram ao crivo do tribunal, que decidiu homologá-lo “considerando a proximidade da residência dos progenitores (…) e o interesse do menor em manter um relacionamento de grande proximidade com ambos os progenitores”.
E) Não cremos, porém, que a circunstância de os requerentes se mostrarem concordantes não é, ainda, suficiente para concluir que o acordo corresponde ao interesse da C .
À data em que o acordo foi apresentado no tribunal, a C tinha cerca de três anos e meio de idade, fase da vida em que mais se fazem sentir necessidades de segurança e estabilidade, tendencialmente comprometidas com situações de residência alternada.
Desconhece-se quanto tempo viveram os requerentes em união de facto e como, durante tal período, se processavam as relações familiares, mormente no que toca ao modelo educativo perfilhado, ao envolvimento na educação da C , à prestação dos cuidados à criança, ao acompanhamento do seu dia-a-dia.
Desconhece-se o grau de vinculação da C relativamente a cada um dos pais.
Desconhece-se se os requerentes se separaram por vontade de ambos ou de apenas um deles e porque razão, já que são aspectos susceptíveis de influir na concretização de efectivos consensos na sua qualidade de pais.
Desconhece-se há quanto tempo os requerentes se separaram e como tem a criança reagido à alternância de residência.
Desconhece-se qual o tempo que cada um dos requerentes consegue dedicar à filha nos períodos em que a tem consigo, se em cada uma das casas são idênticas as rotinas da menor, como se processa a situação no que toca a aspectos concretos, como, por exemplo, a alimentação, os cuidados de higiene, o vestuário ou os brinquedos.
Desconhece-se a motivação dos requerentes no tocante à concepção de um acordo deste tipo e a sua predisposição para o respectivo cumprimento.
Desconhece-se a capacidade de adaptação da C , o seu grau de desenvolvimento, as suas características de personalidade.
Desconhecem-se as capacidades financeiras de cada um dos pais e o nível de vida que irão (ou cada um deles irá) proporcionar à filha nos períodos em que com ela estiverem.
Ou seja, os autos não contêm elementos que permitam “apostar” com um mínimo de segurança que viver alternadamente com cada um dos pais, por períodos de dois ou três dias consecutivos, acautela suficientemente o interesse da C.
Importa, pois, obtê-los (autora e obra citada em último lugar:32/33)”.

Analisada alguma da jurisprudência, temos apenas como assenta e que a decisão de fixar a residência com um dos progenitores ou com ambos, em regime de residência alternada, terá de ter sempre e só em conta o superior interesse da criança.
Questão é, e bem difícil no caso, de saber qual dos modelos assegura de forma mais satisfatória o superior interesse da criança.
Resulta provado que ambos os progenitores nutrem forte carinho e afeto pela criança e esta beneficia de grande rede e apoio familiar, quer por parte da família alargada materna quer por parte da família alargada paterna.
Ambos os progenitores, após a separação, procuraram conciliar as suas rotinas de forma a acautelar os interesses do filho e ambos têm, um sincero interesse em ter a criança o máximo de tempo consigo, não por uma questão de disputa parental, que não existe, apesar de alguma conflituosidade existente, fruto da separação, mas por uma questão de amor ao filho e necessidade de cuidar e estar com este.
A criança poderia residir com qualquer um dos progenitores, pois que dúvidas não restam ao tribunal que ambos assegurariam o melhor a esta criança, ao nível dos cuidados básicos, alimentação, educação, etc.
Ambos os progenitores estão aptos a assegurar as rotinas e bem estar da criança e são empenhados, muito empenhados em assegurar o bem estar desta.
Ora, como escolher o progenitor com quem a criança fica a residir.
Com o progenitor com quem tem vindo a residir, para evitar quebrar rotinas instaladas?
É defensável e acautela o superior interesse da criança manter uma situação estável, a que a criança se encontra adaptada, evitando mudanças e separações.
Mas tal decisão poderá não assegurar o superior interesse da criança no que concerne à sua relação com os pais e afetividade. A criança tem direito a estar o máximo de tempo possível com ambos os progenitores. A criança tem direito a ter as suas dinâmicas diárias com ambos os progenitores. A criança deveria até estar diariamente com ambos os progenitores, o que no entanto não é possível em face da separação destes.
A criança deverá residir com a pessoa que mais garantias dê de valorizar o desenvolvimento da sua personalidade e de lhe poder prestar mais assistência e carinho, tendo em conta a própria vontade manifestada pela criança.
A criança não foi ouvida uma vez que atenta as sua idade não possui maturidade para se manifestar quanto à solução que melhor acautela os seus direitos e interesses.
Ambos os pais dão garantias de mais garantias de valorizar o desenvolvimento da sua personalidade e de lhe poder prestar mais assistência e carinho.
O pai revela-se cuidador da criança, sendo auxiliado nessa tarefa pelos avós paternos que, por vezes se assumem como primeiros cuidadores da criança.
Também a mãe se revela cuidadora da criança, que sempre foi, sendo auxiliado nessa tarefa pela tia materna da criança, tendo a mãe assegurado tosos os cuidados da criança desde bebé.
Pese embora resulte que a mãe, durante a pequena infância da criança, era a cuidadora de referência, o pai é também ele cuidador e não importa aqui sancionar o progenitor pela sua atuação anterior quando delegava os cuidados do filho na pessoa da mãe ou dos avós ou tia materna, mas sim assegurar que a decisão a proferir acautele o superior interesse do M (…) e só dele.
Considera-se que, no caso concreto, em face da forte relação de afetividade da criança com ambos os pais, a forte vinculação afetiva, a forte capacidade de adaptação do M (…) atenta sua idade e o facto de já pernoitar, para além dos fins de semana, alguns dias da semana com o pai; em face da proximidade da residência dos progenitores entre elas e dos equipamentos escolares e de lazer, se encontram reunidas as condições para que a criança beneficie do maior contacto possível com ambos os progenitores, o que aconselha estabelecer-se um regime de guarda partilhada, com ambos os progenitores a tomarem em conjunto as decisões quanto à vida do filho, mas no âmbito de uma residência alterada, pois que criança ficará numa situação adequada, segura, estável e com afetos residindo com qualquer um dos progenitores e cabendo a ambos o investimento de tempo e de afetos no filho.
(…)
Tendo em conta que a criança ficará a residir alternadamente com cada um dos progenitores, por iguais períodos de tempo, …..
As despesas médicas e medicamentosas, despesas escolares (livros, materiais escolares, infantário e outras despesas relacionadas com a frequência escolar, ATL e explicações), bem como as despesas com atividades extracurriculares (que a criança já se encontre a frequentar ou desde que, quanto a outras que venham a ocorrer, haja o consentimento prévio de ambos os progenitores), serão suportadas em partes iguais por ambos os progenitores, mediante a apresentação mensal pelo progenitor que suportou as despesas dos respetivos documentos comprovativos com identificação da identificação da criança e dos bens ou serviços prestados, a pagar por transferência bancária no prazo de vinte dias após o recebimento do comprovativo, sendo a comunicação das despesas efetuado mensalmente e por e-mail.
Desde já avançamos que a sentença não merece censura, devendo ser confirmada. Para compreensão do que vamos expor e defender, torna-se previamente necessário distinguir conceitos, relativos à problemática da guarda dos menores, e que emergem da fundamentação recorrida. E que também são usados na doutrina e na jurisprudência.
A “guarda exclusiva” corresponde ao exercício exclusivo das responsabilidades parentais com residência exclusiva. A “guarda conjunta” corresponde ao exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência exclusiva a um dos progenitores e um regime de visitas a outro. A “guarda alternada” será a residência alternada com exercício exclusivo nos respectivos períodos de residência de cada um dos pais. E a “guarda compartilhada” é vista como o exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência alternada.
A decisão apelada ponderou estas realidades, citando vários acórdãos que tiveram em conta estas noções para aplicação aos respectivos casos concretos (no 1º aresto da Rel. Porto, optou-se pela guarda única; no 2º aresto da Rel. de Lisboa, optou-se pela guarda conjunta; no 3º da mesma Relação, optou-se pela guarda compartilhada; no 4º da Rel. Guimarães, pela guarda conjunta; no 5º desta Rel. Coimbra, pela guarda compartilhada; no 6º da Rel. Lisboa, rejeita-se a guarda alternada e compartilhada, salvo acordo dos pais; no 7º e último da Rel. Lisboa, não se rejeita a guarda alternada).
Na doutrina, constata-se que igualmente a mesma escolhe diversas soluções: Maria Clara Sottomayor, salvo casos contados, defende a solução da guarda conjunta (vide Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos casos de Divórcio, 5ª Ed., págs. 232/246 e 251/264), enquanto Jorge Duarte Pinheiro (em O Direito da Família Contemporâneo, 5ª Ed., págs. 236/249, particularmente nesta última página, notas 579 e 580, citando também nesse sentido C. Pamplona Corte-Real, em D. Família, 2ª Ed., págs. 26/27 e 203/206) propugna pela solução da guarda alternada.
A lei, como decorre do art. 1906º, nº 1 e 2, do CC, estabelece, em regra, as soluções de guarda conjunta ou compartilhada. Por nós, e seguindo de perto as ideias base do acórdão desta Relação, acima referido (e relatado pela actual 2ª adjunta), aderimos ao entendimento que, em tese, o sistema da guarda compartilhada é o que melhor satisfaz a necessidade de equilibrar os valores em jogo, designadamente porque os laços afectivos se constroem dia-a-dia, não se compadecendo com o tradicional regime de fins-de-semana quinzenais, que leva, muitas vezes, ao progressivo esbatimento da relação afectiva com o outro progenitor, havendo, pois, que promover um tempo de qualidade com ambos os progenitores, de modo a que, cada um deles possa acompanhar o dia-a-dia do seu filho, nos trabalhos escolares, nas brincadeiras, no momento de deitar, levar e ir buscar à escola, conhecer os professores, os amigos, etc., de modo a que o menor continue a ter um pai por inteiro e uma mãe por inteiro.
Esta solução reforça mesmo o conforto emocional de ter ambos os progenitores junto de si, desse modo tendo dois espaços físicos a que chama casa e tem pai e mãe, em tempo não pleno, mas emocionalmente por inteiro, pois partilha as pequenas e as grandes coisas com ambos, no período que passa com esse progenitor.
Assim, a guarda compartilhada é uma das soluções a equacionar no momento da tomada de decisão sobre a entrega da criança e, só se a mesma não se mostrar adequada ao caso concreto ponderar se a residência deve ser fixada junto do pai ou da mãe. A guarda compartilhada permite que os pais continuem a dividir atribuições, responsabilidades e tomadas de decisões em iguais condições, reconhecendo as suas diferenças e limitações bem como o valor do papel de cada para com a criança. Esta diferença clara e coerente de papéis, materno e paterno, é fundamental para o saudável crescimento dos filhos, para um normal desenvolvimento da sua identidade pessoal. A guarda compartilhada com residência alternada será mesmo a solução natural quando a criança tem um convívio normal com ambos os progenitores, no âmbito de uma relação positiva com ambos os progenitores.
É claro que a preferência por esta solução exige que o caso concreto que esteja em apreço revista os adequados pressupostos fácticos para aplicação dessa solução, visto que a lei, partindo de um conceito indeterminado – interesse da criança – enquanto critério para determinação da residência do menor e dos direitos de visita manda atender (mencionado art. 1906º, nº 5 e 7, do CC) a todas as circunstâncias relevantes, designadamente a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais da criança com o outro progenitor e ao interesse da criança em manter uma relação de grande proximidade com ambos os progenitores.
Descendo ao caso em análise, os factos provados mostram que previamente à decisão apelada já havia um pernoitar bi-semanal em casa do pai; os progenitores entenderam-se em diversos pontos no regime provisório a adoptar; há uma forte relação afectiva da criança com cada um dos pais; ambos têm demonstrado disponibilidade para prestar à criança os cuidados necessários à sua saúde, alimentação e educação social e cultural, e têm sido cuidadores; ambos têm exibido capacidade de colaboração e cooperação na prossecução da defesa dos interesses e necessidades do seu filho; ambos têm apoio familiar, mantendo a criança com tais familiares relações de carinho e afectividade; ambos têm condições económicas e habitacionais regulares para ter o filho, não vivendo longe um do outro.
Desta maneira, sobressai uma equivalência de condições oferecidas por cada um dos progenitores, quer pela ligação afectiva que ambos os progenitores mantêm com o menor, quer pela capacidade de qualquer um deles para desempenhar o papel de “cuidador primário” ou de “referência” do menor, sem que se consiga afirmar que só um deles se apresenta como a figura parental de referência. De sorte que no nosso caso, a solução adoptada na 1ª instância, de guarda compartilhada, como expressamente referiu, é a que melhor se nos afigura corresponder ao superior interesse da criança, não sendo obstáculo de monta a isso algumas dificuldades de relacionamento interpessoal que existem entre os pais. Decisão que portanto vai ser mantida.
Há, agora, a terminar, que deixar duas notas.
A primeira é que na sua fundamentação o tribunal a quo menciona que ambos os progenitores tomarão em conjunto as decisões de particular importância quanto à vida do filho, no âmbito de uma residência alterada, mas não expressa isso no segmento decisório. O mesmo acontecendo com a determinação das despesas médicas e medicamentosas, despesas escolares (livros, materiais escolares, infantário e outras despesas relacionadas com a frequência escolar, ATL e explicações), bem como as despesas com actividades extracurriculares (que a criança já se encontre a frequentar ou desde que, quanto a outras que venham a ocorrer, haja o consentimento prévio de ambos os progenitores), que deverão ser suportadas em partes iguais por ambos os progenitores. O que deverá ser acrescentado.
A segunda nota respeita à conclusão 14. do recurso da recorrente, relativa à impossibilidade da apelante entregar o seu filho na escola à 2ª feira de manhã, o que os factos 8. e 19. comprovam. Na decisão recorrida fixou-se a alternância semanal de residência ao Domingo. Acontece que seja qual for o dia semanal fixado para tal alternância o “problema” prático da 2ª feira sempre se manterá. Salvo se a entrega do menor pela mãe ao pai, na semana dela, fosse feita às 7,20 h da manhã de 2ª feira como antes acontecia, mas com prejuízo para a hora de despertar do menor, sendo que na semana do pai, este teria de entregar a criança à 2ª feira não directamente à mãe, mas sim no infantário. Nestas circunstâncias, ambas as soluções são possíveis, ou manter o regime fixado, impondo-se colaboração dos pais, designadamente do pai para resolver o “problema” da 2ª feira de manhã, ou ir pela outra aventada.
Neste momento entendemos não fixar um regime concreto, sem prejuízo de os pais alcançarem um entendimento neste ponto específico, ou, em última instância, da intervenção do tribunal de 1ª instância para fixação concreta do que tiver, na altura, por mais adequado.
4. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):
i) Desde que haja uma relação de boa colaboração e compromisso entre os pais no que respeita aos assuntos da vida do filho, e vinculação afectiva forte entre este e os seus progenitores, a guarda compartilhada (com residências alternadas) configura-se como a solução “ideal”;
ii) Se após a separação do casal, os elementos fácticos dos autos demonstram uma equivalência das condições oferecidas por cada um dos progenitores, o superior interesse do menor imporá a opção pelo regime da guarda compartilhada.


IV – Decisão


Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, assim se confirmando a decisão recorrida, de cujo segmento passa a constar, ainda, dois outros items, e que foram fixados na sua fundamentação, a saber:
- Ambos os progenitores tomarão em conjunto as decisões de particular importância quanto à vida do filho;
- As despesas médicas e medicamentosas, despesas escolares (livros, materiais escolares, infantário e outras despesas relacionadas com a frequência escolar, ATL e explicações), bem como as despesas com actividades extracurriculares (que a criança já se encontre a frequentar ou quanto a outras que venham a ocorrer, com o consentimento de ambos os pais), deverão ser suportadas em partes iguais por ambos os progenitores.
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Custas pela recorrente.
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Coimbra, 12.6.2018
Moreira do Carmo ( Relator )
Maria João Areias
Alberto Ruço