Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2682/14.7T8VIS-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: BALDIOS
PATRIMÓNIO COLECTIVO
HONORÁRIOS
EXECUÇÃO
PENHORA
Data do Acordão: 02/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - VISEU - INST. CENTRAL - SECÇÃO DE EXECUÇÃO - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.82 CRP, LEI Nº 68/93 DE 4/9, LEI Nº 72/2014 DE 2/9
Sumário: 1. Abandonada desde há várias décadas (porventura desde meados do século XX) a tradicional função económico-social dos baldios – que o art.º 1º do DL n.º 39/76, de 19.01, definia como “os terrenos comunitariamente usados e fruídos por moradores de determinada freguesia ou freguesias, ou parte delas” –, passou a entender-se, numa nova “leitura” da realidade e no contexto das transformações operadas em Portugal na segunda metade do século XX, de algum modo acolhidas na Lei n.º 68/93, de 04.9, que a única forma (legal) de fazer a administração dos baldios é através dos órgãos democraticamente eleitos (art.º 11º, n.º 1), sendo que a administração dos baldios só poderia ser “devolvida” aos compartes (cf. art.ºs 3º, do DL n.º 39/76 e 11º, n.º 2, da Lei n.º 68/93) se estes se organizassem para o exercício dos actos de representação, disposição e fiscalização, “através de uma assembleia de compartes, um conselho directivo e uma comissão de fiscalização”.

2. Os baldios são terrenos que só podem ser usados ou fruídos, para satisfação de necessidades privadas, pelos indivíduos pertencentes a determinada comunidade local; pertencem aos próprios utentes ou compartes, em regime de propriedade colectiva (também denominada comunhão de mão comum e que existe quando a dois ou mais indivíduos pertença, em contitularidade, um direito único sobre um património global afectado a certo fim).

3. O património colectivo é determinado por uma causa ou escopo, sendo que relativamente à prossecução desse escopo pode gerar-se um passivo, um conjunto de dívidas, de que são sujeitos passivos os membros do grupo titular do património colectivo - respondem com os bens colectivos e, esgotados estes, solidariamente com os seus bens pessoais.

4. Atenta a dita hierarquia de responsabilidades, tendo-se gerado uma dívida de honorários forenses em acções judiciais envolvendo os povos que reclamam a posse e a usufruição de determinados terrenos baldios, ficam afectados ao pagamento daquela dívida, numa primeira linha, o património colectivo em causa (se existente, individualizado e penhorável) e, esgotado este, os bens pessoais de quem possa e deva ser responsabilizado pela actuação que originou a dívida.

5. Na falta de um património colectivo que possa/deva ser atingido, será necessário concretizar os factos que permitam indicar quem assumiu a obrigação, não sendo razoável ou defensável a geral e indiferenciada responsabilização de todos os “compartes”.

6. E tal deverá ocorrer ainda que exista execução fundada em sentença condenatória movida pelo credor (de honorários) à respectiva Assembleia de Compartes (demandante naquelas acções e aí representada pelo Conselho Directivo), ficando assim viabilizada a instauração e/ou o prosseguimento da execução (em virtude do alargamento da força executiva do título ou da formação de um título executivo compósito), possibilitando-se a tais executados o efectivo exercício do contraditório, mormente quanto à dita “hierarquia de responsabilidades” e ao fundamento da sua responsabilidade individual.

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

            I. Na execução de sentença para pagamento de quantia certa que J (…) move a Assembleia de Compartes do Baldio de M (…) representada pelo respectivo Conselho Directivo[1], indeferido, por despacho de 16.6.2015, o requerimento de 03.3.2015 [visando a pesquisa e subsequente penhora de bens dos compartes que integram o dito Conselho Directivo] com o fundamento de que “as pessoas em causa não são executados no âmbito dos presentes autos (artigo 53º, n.º 1 do Código do Processo Civil)”, o exequente interpôs a presente apelação formulando as seguintes conclusões:

            1ª - Os terrenos baldios em questão no Processo Ordinário n.º 133/2001 constituem uma massa patrimonial que “pertence em bloco, e só em bloco, a todas essas pessoas, à colectividade por elas formada”, designadamente aos moradores do lugar de M (…) da freguesia de Caria do concelho de Moimenta da Beira.

            2ª - Foi na defesa desse património comum daquela comunidade de moradores que o “crédito execuído” (sic) cujo pagamento se reclama nestes autos foi constituído.

            3ª - Esse “património colectivo é, pois, determinado por uma causa ou escopo. Relativamente à prossecução desse escopo pode gerar-se um passivo, um conjunto de dívidas. Por essas dívidas, de que são sujeitos passivos os membros do grupo titular do património colectivo, estes respondem com os bens colectivos e, esgotados estes, solidariamente com os seus bens pessoais”.

            4ª - Pelo pagamento do “crédito execuído” em questão subsidiaria e solidariamente responde o património dos moradores daquela comunidade, designadamente o integrante da esfera jurídico-patrimonial daqueles que fazem parte dos órgãos daquele baldio, mormente dos que fazem parte do seu Conselho Directivo.

            5ª - Não se tendo logrado descobrir bens, direitos ou créditos pertencentes à executada, passíveis de ser penhorados, nem tendo esta pago ou nomeado bens à penhora, deve garantir o pagamento do “crédito execuído” o património pessoal das pessoas acima identificadas.

            Remata dizendo que se deve revogar a decisão em reapreciação, a substituir por outra que admita a pesquisa, para futura penhora e venda, do património de moradores do lugar de M (...) , designadamente dos que integrando o Conselho Directivo dos terrenos baldios daquela comunidade local, assinaram a procuração que constituiu o exequente mandatário da executada nos acima referidos autos de Processo Ordinário e Procedimentos apensos.

            Não houve resposta.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar, apenas, se deve ser admitido o pedido formulado no dito requerimento, prosseguindo os autos, também, contra os cidadãos agora indicados.


*

            II. 1. Para a decisão do recurso releva o seguinte quadro fáctico:

            a) M (…), H (…) e F (…) , residentes no lugar de M (...) , freguesia de Caria, concelho de Moimenta da Beira, na qualidade de membros do Conselho Directivo dos Baldios do referido lugar de M (...) - respectivamente, Presidente, Vice-Presidente e Vogal -, por documento particular, de 09.02.2001, por eles assinado, declararam constituir “bastantes procuradores” daquele Conselho Directivo, J (…) – Sociedade de Advogados, com escritório na vila e Comarca de S. Pedro do Sul, conferindo-lhes os mais amplos poderes forenses gerais.

            b) Na qualidade de Advogado constituído pela executada, o exequente subscreveu a petição inicial (p. i.) da Acção Ordinária interposta no Tribunal Judicial da Comarca de Moimenta da Beira (Processo Ordinário n.º 133/2001), em 21.3.2001, patrocinando-a nesses autos e nos respectivos apensos.

            c) Consta da p. i. da mencionada acção que “A Assembleia de Compartes do Baldio de M (…) da freguesia de Caria, do concelho de Moimenta da Beira, foi constituída em reunião de compartes realizada no dia 26 de Outubro de 2000” (art.º 1º)[2], na qual, “para além  de ter sido eleito o Conselho Directivo, foi aprovada a revogação dos poderes de administração dos baldios de M (...) na Junta de Freguesia e, bem assim, o recurso a Tribunal relativamente a situações de abuso ou atropelos e ingerência sobre os baldios de M (...) por parte de interesses ou órgãos estranhos à Assembleia” (art.º 2º).

            d) Em 01.9.2006, e por apenso àqueles autos de Acção Ordinária, o exequente instaurou contra a executada acção para cobrança de honorários no montante de € 30 686,51 [processo n.º 278/06.6TBMMB].[3]        

            e) Refere-se, nesta última acção, que a sociedade de advogados referida em II. 1. a) substabeleceu, sem reserva, os poderes que lhe haviam sido conferidos em J (…), sendo que, na acção ordinária mencionada em II. 1. b), foi sempre o exequente o advogado responsável, praticando todos os actos discriminados na acção de honorários (art.ºs 139º e 140º da respectiva p. i.).

            f) E, ainda, que a acção ordinária n.º 133/2001 “versava sobre a questão da titularidade de um conjunto de 13 prédios que formavam um terreno baldio com a área de 2 045 250 m2, com grandes capacidades produtivas, designadamente a nível da exploração florestal e de pedreiras” (art.º 118º), que na sentença proferida nessa acção “foi declarada nula e de nenhum efeito a escritura de justificação[4], foram os 13 prédios em questão declarados baldios, foi ordenado o cancelamento dos registos, foi declarado nulo o contrato de arrendamento que as Rés[5] haviam outorgado e foram declarados improcedentes os pedidos reconvencionais formulados contra a Autora” (art.º 122º) e que o terreno em litígio valeria € 2 556 562,50 (art.º 135º).

            g) Por sentença lavrada nos autos de Embargos de Terceiros n.º 133-D/2001, confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09.12.2014, foram julgados procedentes os Embargos deduzidos pela ali Embargante[6] quanto à penhora das árvores e demais vegetação existente nos terrenos baldios inscritos na matriz predial rústica da freguesia de Caria/Moimenta da Beira, sob os art.ºs 4875º, 4887º, 4889º, 4891º, 4931º, 4998º, 5050º, 5150º, 5152º, 5191º, 5205º, 5232º e 5433º [aludidos em II. 1. f), supra][7], consequentemente se determinando que não se realizasse tal penhora.

            h) Na contestação, o embargado/exequente afirmou que “os moradores do lugar de M (...) exercem actos de posse sobre os prédios a que respeitam os créditos e as árvores nomeadas à penhora e, como tal, são contitulares dos mesmos” (fls. 59 verso).

            i) Nesses embargos foi dado como provado, nomeadamente, que na acção ordinária aludida em II. 1. b), o tribunal considerou que “há mais de 100 anos, além de outros moradores de outras povoações da freguesia de Caria (designadamente de Caria e de Vila Cova), os moradores da povoação de M (...) roçam o mato, apanham pinheiros secos e lenha, apascentam gado e retiram pedra” nos prédios aludidos em II. 1. f) e g), e que “todos os moradores (…) praticam em conjunto os referidos actos (…) na convicção de que tais prédios são bens de toda a comunidade de Caria[8]”.

             j) O título dado à execução nos presentes autos é a sentença de condenação da Assembleia de Compartes do Baldio de M (...) , proferida na acção referida em II. 1. d).

            k) O agente de execução deslocou-se a Caria para efectuar a penhora das árvores mas não realizou a diligência de penhora por desconhecer os limites dos aludidos terrenos baldios (fls. 61 verso).

            l) No que diz respeito à também requerida penhora dos créditos da executada, por terem sido qualificados, naquela sentença, de litigiosos[9], o exequente acabou por desistir da mesma, através de “email” que remeteu ao Sr. Agente de Execução, datado de 24.02.2015.

            m) Em 21.01.2015, o Sr. Agente de Execução informou o exequente do resultado (negativo) das pesquisas feitas às bases de dados disponíveis, relativamente ao Conselho Directivo dos Baldios de M (...) e à Assembleia de Compares de M (...) (fls. 82 verso a 84).

            n) Na sequência da sentença e do acórdão aludidos em II. 1. g) - decidindo-se, aí, que “os direitos de crédito das Embargantes resultantes dos contratos de cessão de exploração e de arrendamento celebrados (…) insusceptíveis de serem afectados pela penhora” e que “para obter a cobrança de tais créditos, teria o exequente ou adjudicatário desses créditos litigiosos que instaurar uma acção declarativa autónoma com vista à obtenção de um título executivo contra o devedor” - o Sr. Agente de execução solicitou ao exequente que informasse se desistia da penhora realizada ou se pretendia a adjudicação dos “créditos litigiosos” (cf. fls. 93).[10]

            o) Em 03.3.2015, o exequente requereu, na execução, “que o Sr. Agente de Execução faça buscas nas bases de dados disponíveis no sentido de apurar se em nome de M (…), H (…) e F (…)  se encontrava inscrita a propriedade de bens imóveis, móveis sujeitos a registo, direitos, créditos ou depósitos bancários, de modo a se poder nomear à penhora os mesmos”, tendo justificado aquele pedido no facto de terem sido aqueles cidadãos quem, em nome da executada, outorgaram a procuração que o constituiu mandatário na Acção Ordinária n.º 133/2001.

            p) O Sr. Agente de Execução, tendo “dúvidas”, solicitou ao Tribunal despacho sobre o dito requerimento (fls. 85). 

            q) Pretensão que mereceu o seguinte despacho (de 16.6.2015): “Na medida em que as pessoas em causa não são executados no âmbito dos presentes autos (artigo 53º, n.º 1 do Código do Processo Civil), indefere-se a requerida pesquisa.” (fls. 88)

            2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

            A questão do presente recurso, não isenta de dificuldades, encontrou em 1ª instância uma resposta baseada nas regras adjectivas e, cremos, que será de acolher tendo presentes os elementos disponíveis [cf. II. 1., supra], o actual e invocado regime jurídico em matéria de baldios e, por último, pelo menos, a necessidade de uma melhor e prévia explicitação da pretendida responsabilização em sede executiva dos cidadãos agora indicados e individualizados como executados, desde logo, para efectivo e atempado exercício do contraditório.

            3. A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor (art.º 53º, n.º 1, do Código de Processo Civil/CPC, sob a epígrafe “legitimidade do exequente e do executado”).

            À luz do princípio estabelecido pelo referido normativo, têm legitimidade como exequente e executado quem no título figura, respectivamente, como credor e como devedor.[11]

            Sabendo-se que o título dado à execução é a sentença de condenação da Assembleia de Compartes do Baldio de M (...) , proferida na acção referida em II. 1. d) [cf. II. 1. j), supra], no confronto (directo e imediato) entre as partes e o título executivo, nada será de objectar ao decidido pelo tribunal recorrido, porquanto os ora indicados “não são executados no âmbito dos presentes autos”.

            Ademais, como se explicitará de seguida, ainda que se conclua estarmos perante “compartes” que integram a dita “Assembleia”, tal como os autos se encontram configurados, nem por isso será lícito prosseguir na execução como requerido pelo exequente [cf. II. 1. o), supra].

            4. Nos termos do art.º 1º, n.ºs 1 e 2, da (actual) Lei dos Baldios (Lei n.º 68/93, de 04.9)[12], são baldios os terrenos possuídos e geridos por comunidades locais (n.º 1), sendo que, para os efeitos da referida lei, comunidade local é o universo dos compartes (n.º 2).

            São compartes todos os cidadãos eleitores, inscritos e residentes nas comunidades locais onde se situam os respectivos terrenos baldios ou que aí desenvolvam uma actividade agroflorestal ou silvopastoril (n.º 3, do art.º 1º, na redacção conferida pela Lei n.º 72/2014, de 02.9[13]).[14] São ainda compartes os menores emancipados que sejam residentes nas comunidades locais onde se situam os respectivos terrenos baldios. Os compartes usufruem os baldios conforme os usos e costumes locais e gerem de forma sustentada, nos termos da lei, os aproveitamentos dos recursos dos respectivos espaços rurais, de acordo com as deliberações tomadas em assembleia de compartes. O baldio segue o regime do património autónomo no que respeita à personalidade judiciária e tributária, respondendo pelas infracções praticadas em matéria de contra-ordenações nos mesmos termos que as pessoas colectivas irregularmente constituídas, com as devidas adaptações (n.ºs 4, 5 e 6, do mesmo art.º, introduzidos pela Lei n.º 72/2014, de 02.9).

            O uso, a fruição e a administração dos baldios efectivam-se de acordo com os usos e costumes locais e as deliberações dos órgãos competentes das comunidades locais, sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes (art.º 5º, n.º 1, na redacção introduzida pela Lei n.º 72/2014)[15]. Aos compartes é assegurada a igualdade de gozo e exercício dos direitos de uso e fruição do respectivo baldio.

            Relativamente à administração dos baldios, prevê o art.º 11º da mesma lei que os baldios são administrados, por direito próprio, pelos respectivos compartes, nos termos dos usos e costumes locais, através de órgãos democraticamente eleitos (n.º 1); as comunidades locais organizam-se, para o exercício dos actos de representação, disposição, gestão e fiscalização relativos aos correspondentes baldios, através de uma assembleia de compartes, um conselho directivo e uma comissão de fiscalização (n.º 2); os membros da mesa da assembleia de compartes, bem como do conselho directivo e da comissão de fiscalização, são eleitos pelo período de quatro anos, renováveis, e mantêm-se em exercício de funções até à sua substituição (n.º 3).[16]

            A assembleia de compartes é constituída por todos os compartes (art.º 14º).

            Compete à assembleia de compartes, nomeadamente: eleger e destituir, em caso de responsabilidade apurada com todas as garantias de defesa, os membros do conselho directivo e os membros da comissão de fiscalização [art.º 15º, n.º 1, b)]; fiscalizar a actividade do conselho directivo e, no âmbito da delegação a que se referem os artigos 22º e 23º, das entidades em que tiverem sido delegados poderes de administração, bem como emitir directivas a ambos sobre matérias da sua competência, sem prejuízo da competência própria da comissão de fiscalização [n.º 1, alínea m), na redacção conferida pela Lei n.º 72/2014][17]; ratificar o recurso a juízo pelo conselho directivo, bem como a respectiva representação judicial, para defesa de direitos ou legítimos interesses da comunidade relativos ao correspondente baldio, nomeadamente para defesa dos respectivos domínios, posse e fruição contra actos de ocupação, demarcação e aproveitamento ilegais ou contrários aos usos e costumes por que o baldio se rege [alínea o), do mesmo n.º 1 e art.º].

            O conselho directivo é composto por três, cinco ou sete membros eleitos pela assembleia de compartes de entre os seus membros pelo sistema de lista completa (art.º 20º, n.º 1); o conselho directivo elege um presidente e um vice-presidente (n.º 2 do mesmo art.).

            Compete ao conselho directivo, designadamente: dar cumprimento e execução às deliberações da assembleia de compartes que disso careçam [art.º 21º, alínea a)]; recorrer a juízo e constituir mandatário para defesa de direitos ou interesses legítimos da comunidade relativos ao correspondente baldio e submeter estes actos a ratificação da assembleia de compartes [alínea h)]; representar o universo dos compartes nas relações com entidades públicas e privadas, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 16º [alínea i)]; zelar pela defesa dos valores ecológicos e pelo cumprimento das regras legais e regulamentares relativas à protecção da floresta contra incêndios no espaço do baldio [alínea m)].[18]   

            Por último, no que concerne à responsabilidade pela administração e fiscalização do baldio, prevê a Lei dos Baldios, em dois art.ºs aditados pela Lei n.º 72/2014, de 02.9, que o baldio é responsável pelas contra-ordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções, quando estes ajam em nome ou em representação do respectivo baldio (art.º 25º-A, n.º 1), sendo que a responsabilidade do baldio não exclui a responsabilidade individual dos membros dos respectivos órgãos nem depende da responsabilização destes (n.º 2, do mesmo art.º), e ainda, quanto à responsabilidade dos membros dos órgãos das comunidades locais, que os membros dos órgãos das comunidades locais respondem pelos danos causados aos respectivos baldios por actos ou omissões praticados com preterição dos deveres legais ou contratuais, segundo as regras do mandato, com as necessárias adaptações (art.º 25º-B, n.º 1) e, depois, que os membros do conselho directivo são pessoal e solidariamente responsáveis pelo cumprimento das obrigações declarativas dos respectivos baldios perante a administração fiscal e a segurança social (n.º 2 do art.º 25º-B).

            5. Diz o recorrente que os terrenos baldios aludidos em II. 1. f), g) e i), supra, seguem o regime descrito, designadamente, nos citados art.ºs 1º, n.ºs 1, 3 e 6; 5º; 14º; 21º, alíneas a) e h); 25º-A, n.º 2 e 25º-B, n.º 2, da Lei dos Baldios, e que importa ter ainda presente o disposto no art.º 198º do Código Civil/CC [“Pelas obrigações validamente assumidas em nome da associação[19] responde o fundo comum e, na falta ou insuficiência deste, o património daquele que as tiver contraído; sendo o acto praticado por mais de uma pessoa, respondem todas solidariamente” (n.º 1). “Na falta ou insuficiência do fundo comum e do património dos associados directamente responsáveis, têm os credores acção contra os restantes associados (…)” (n.º 2)], bem como o que rezam os art.ºs 512º, n.º 1; 513º; 518º; 519º, n.º 1 e 601º, do mesmo Código.

            6. Independentemente da questão de saber se e em que medida as alterações à Lei dos Baldios introduzidas pela Lei n.º 72/2014, de 02.9, interessam e são convocáveis na dilucidação do caso em análise, mas relevando, necessariamente, os elementos de facto atrás descritos e a dita perspectiva do recorrente, importa agora tecer algumas breves considerações sobre a problemática dos baldios em geral, sem olvidar as especificidades ou particularidades de um regime jurídico que, ao longo dos séculos, sempre foi assaz discrepante da realidade.

            7. A Lei Fundamental prevê o denominado sector comunitário - entre aos sectores de propriedade dos meios de produção e integrado no sector cooperativo e social -, o qual compreende “os meios de produção comunitários, possuídos e geridos pelas comunidades locais” (art.º 82º, n.º 4, alínea b), da Constituição da República Portuguesa).

            Com o sector comunitário pretende-se abranger e individualizar os meios de produção possuídos e geridos por comunidades territoriais sem personalidade jurídica (“povos”, “aldeias”, “lugares”), que são sobrevivências (ou, talvez melhor, resquícios) de antigas formas de propriedade comum da terra e dos meios de produção necessários à vida colectiva/comunitária, entre as quais releva o caso dos baldios, enquanto terrenos originariamente destinados ao uso colectivo (“logradouros comuns dos povos”), sobretudo, para pastagens e colheita de lenhas por parte, naturalmente e principalmente, dos não donos ou possuidores de outras formas de propriedade.[20]  

            Segundo a doutrina mais autorizada e dominante do séc. XX, os baldios eram «uma fortuna de propriedade comunal», pertencendo «à colectividade indivisível dos moradores vizinhos a quem está afecta a respectiva fruição»[21]; os baldios constituíam propriedade comunal dos moradores de determinada freguesia ou freguesias, ou parte delas[22].

            8. Abandonada desde há várias décadas (porventura desde meados do século XX) a tradicional função económico-social dos baldios – que o art.º 1º do DL n.º 39/76, de 19.01, definia como “os terrenos comunitariamente usados e fruídos por moradores de determinada freguesia ou freguesias, ou parte delas” –, passou a entender-se, numa nova “leitura” da realidade e no contexto das transformações operadas em Portugal na segunda metade do século XX, de algum modo acolhidas na Lei n.º 68/93, de 04.9, que a única forma (legal) de fazer a administração dos baldios é através dos órgãos democraticamente eleitos (art.º 11º, n.º 1)[23], sendo que a administração dos baldios só poderia ser “devolvida” aos compartes (cf. art.ºs 3º, do DL n.º 39/76, de 19.01[24] e 11º, n.º 2, da Lei n.º 68/93, de 04.9) se estes se organizassem para o exercício dos actos de representação, disposição e fiscalização, “através de uma assembleia de compartes, um conselho directivo e uma comissão de fiscalização”.[25]

As assembleias de compartes podem abranger toda uma freguesia ou parte dela, como podem abranger povos (habitantes de determinados lugares ou povoações) de mais do que uma freguesia e/ou concelho, mas que, historicamente, formam/formaram uma “comunidade”, para efeito da usufruição e gestão de determinado(s) baldio(s).[26]

E são estas assembleias, conjuntamente com os conselhos directivos - emanação da assembleia de compartes: o seu órgão executivo (art.º 21º)[27] - e as comissões de fiscalização, que detêm todos os poderes de administração, fiscalização e gestão dos baldios (art.º 11º).

9. De notar, ainda, que, em matéria de baldios e ao longo dos séculos, existiram sempre enormes abusos[28] e uma imensa polémica, abusos e polémicas que, aqui e ali, continuarão certamente a verificar-se, de dimensão não despicienda e porventura associados a uma progressiva menor discrepância “law in books - law in action”, quiçá, em linha com o desaparecimento dos baldios enquanto “logradouros comuns dos povos”…

10. É relativamente pacífico o entendimento de que os baldios são terrenos que só podem ser usados ou fruídos, para satisfação de necessidades privadas, pelos indivíduos pertencentes a determinada comunidade local; os baldios pertencem aos próprios utentes ou compartes, em regime de propriedade colectiva (também denominada comunhão de mão comum e que existe quando a dois ou mais indivíduos pertença, em contitularidade, um direito único sobre um património global afectado a certo fim).[29]

            11. Caracterizada a comunhão de mão comum ou propriedade colectiva pelo facto de “o direito dos contitulares não incidir directamente sobre cada um dos elementos (coisa ou crédito) que constituem o património, mas sobre todo ele, concebido com um todo unitário[30] - pois que tal património “pertence em bloco, e só em bloco, a todas essas pessoas, à colectividade por elas formada, (…) cada uma delas não tem qualquer fracção de direito que lhe corresponda individualmente e de que, como tal, possa dispor [Só ao grupo é que compete a massa patrimonial em questão, nenhum direito tendo, de per si sobre ela, nem sobre os singulares elementos que a integram, cada um dos respectivos membros”] -, é também comummente entendido que “o património colectivo tem o seu passivo próprio, que será, dum modo geral, o relacionado com o escopo em vista do qual se formou esse património [Devedores são todos os membros da colectividade, que respondem com os bens colectivos, e ainda com os seus bens pessoais, e em regra (pelo menos) solidariamente”][31]; “o património colectivo é, pois, determinado por uma causa ou escopo”, sendo querelativamente à prossecução desse escopo pode gerar-se um passivo, um conjunto de dívidas e, “por essas dívidas, de que são sujeitos passivos os membros do grupo titular do património colectivo, estes respondem com os bens colectivos e, esgotados estes, solidariamente com os seus bens pessoais”.[32]

            12. Retomando o caso dos autos e suas especificidades, dir-se-á, ressalvado o respeito sempre devido por entendimento contrário, que o mesmo constituirá porventura situação paradigmática da má utilização das previsões legais em matéria de baldios, evidenciando as discrepâncias entre o quadro legal e a realidade que nele se pretende enquadrar.

            Na verdade, além do aparente conflito (levado a tribunal), numa primeira fase, entre determinado lugar/aldeia ou povo e a respectiva autarquia local e/ou, em fase subsequente, entre aquele lugar/aldeia ou povo e outro ou outros povos da mesma freguesia, porventura em comunhão de interesse e propósito com a autarquia local - realidade desconhecida até à segunda metade do séc. XX! -, fica-se por saber, por exemplo, se e em que medida foi “devolvido” ao povo de M (...) determinado terreno baldio[33], e, por essa razão, também, se a “dívida” reclamada na execução se encontra efectivamente relacionada com o escopo em vista do qual se formou um tal património, ou se, pelo contrário, em toda a conhecida actuação determinante da dívida em apreço, dominou, apenas, o propósito de ganância e de poder por parte dalguns habitantes da povoação/aldeia/lugar de M (...) em confronto directo com a respectiva autarquia local e os demais povos/povoações da mesma freguesia [cf., nomeadamente, II. 1. alíneas c), f), g) e i), supra, e respectivas “notas”].[34]

            13. Ao contrário do que parece ser a perspectiva defendida pelo exequente, não existirá, in casu, similitude bastante com a agora prevista responsabilidade contra-ordenacional (art.º 25º-A) e a responsabilidade dos membros das comunidades dos órgãos das comunidades locais (art.º 25º-B), devendo, sim, atender-se ao já descrito regime do passivo de determinado património colectivo e à dita hierarquia de responsabilidades, afectando ao seu pagamento, numa primeira linha, os bens colectivos (se existirem e estiverem devidamente concretizados/autonomizados…) e, esgotados estes, os bens pessoais de quem possa e deva ser responsabilizado pela actuação que originou a dívida cujo pagamento se reclama.

            Na falta de um património colectivo que deva ser atingido [cf., nomeadamente, II. 1. alíneas g), l), m) e n), supra, bem como a limitação decorrente do disposto no art.º 30º, n.º 1/”Os terrenos baldios não são susceptíveis de penhora (…)”/, na redacção conferida pela Lei n.º 72/2104] e para esta definição e conformação da responsabilidade pelo pagamento, importará invocar o “título” aqui dado à execução e concretizar os factos que permitam indicar outros responsáveis (“que tiverem assumido a obrigação[35]), surgindo, assim, uma espécie de título executivo complexo ou compósito (ou ocorrendo o alargamento da força executiva do título[36]), pressuposto processual específico da acção executiva e que viabilizará a sua instauração e/ou o seu prosseguimento, dando a tais executados [em nova execução ou porventura em execução já pendente] a possibilidade de efectivo exercício do contraditório [antolhando-se insuficiente a alegação reproduzida em II. 1. o), in fine, supra], sendo que, no apurado circunstancialismo, não nos parece razoável ou sequer defensável a (pretendida) geral e indiferenciada responsabilização de todos os “compartes”, ou, talvez melhor, de todos os habitantes (maiores ou menores emancipados) da povoação de M (...) (!), porquanto se admite que a muitos deles nada se possa imputar pela existência de todo este imbróglio…

            Na verdade, se, aparentemente, os moradores dos ditos lugares de Caria e Vila Cova são alheios ao “deflagrar” da situação debatida ou mencionada nos diversos processos referidos em II. 1., supra, também - utilizando a expressão do apelante - nem todos “os moradores da comunidade local que possui e gere os terrenos baldios em questão, mormente os do lugar de M (...) ,” poderão/deverão responder, com o seu património, pela dívida reclamada na execução.

            14. Esta a leitura que leva à confirmação do despacho sob censura, pois não vemos como seja possível a imediata penhora dos bens dos referidos membros do Conselho Directivo, sem que tenha lugar, previamente, pelo menos, a mencionada alegação complementar que possibilite, por um lado, a efectiva formação e existência de adequado e eficaz “título executivo” e, por outro lado, a tomada de posição (mormente, quanto à dita “hierarquia de responsabilidades” e ao fundamento da invocada responsabilidade individual) por parte daqueles que, na qualidade de executados, venham a ser afectados.

            15. Improcedem, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.


*

            III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

            Custas pelo exequente/apelante.


*

02.02.2016

Fonte Ramos ( Relator )

Maria João Areias

Fernanda Ventura



[1] Instaurada em 13.3.2011; valor da execução: € 35 479,72 (fls. 89).
   É/foi “interveniente acidental” a Assembleia de Compartes dos Baldios da Freguesia de (…) (cf. certidão de fls. 14).
[2] O documento reproduzido nestes autos como “Doc. n.º 4” respeita a uma certidão da Conservatória do Registo Predial de Moimenta da Beira (fls. 24 e seguintes). 
[3] No arrazoado da alegação de recurso refere-se que se tratou do “apenso B” e que “terminou por sentença, nos termos da qual foi ela [executada] condenada a pagar-lhe a quantia de € 25 146,31 de honorários, acrescida de IVA e de juros de mora, ambos à taxa legal, contados desde 06.9.2006 e as custas de parte na proporção do decaimento (…)”.
[4] Escritura de Justificação Notarial outorgada no Cartório Notarial de Tabuaço, no dia 29.11.2000, na qual a Junta de Freguesia de Caria declarou ser dona e legítima possuidora, entre outros, dos aludidos treze prédios [cf. II. 1. g)., infra e fls. 61].
[5] Freguesia de Caria (1ª Ré), representada pela sua Junta de Freguesia e “AP 2M – Extracção e Comercialização de Granitos, Lda.” (2ª Ré).
[6] Foram embargantes a Assembleia de Compartes dos Baldios da Freguesia de Caria e a Junta de Freguesia de Caria (cf. fls. 65).
[7] Esses os bens que o exequente indicara à penhora no requerimento executivo (cf. fls. 90).
[8] Sublinhado nosso, como os demais a incluir no texto.
[9] As duas sociedades notificadas da penhora de créditos declararam que não eram devedoras desses créditos à executada (fls. 61).

[10] Não consta dos autos a resposta do exequente mas este diz que, em 24.02.2015, enviou um “Email” ao Sr. Agente de Execução “a desistir da penhora sobre os créditos litigiosos” (cf. fls. 9).
[11] Vide, entre outros, J. Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 6ª edição, Coimbra Editora, 2014, págs. 141 e seguinte.
[12] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.
[13] Entrou em vigor em 02.10.2014 (cf. art.º 11º).
[14] Na redacção da lei n.º 68/93, preceituava o mesmo n.º: São compartes os moradores de uma ou mais freguesias ou parte delas que, segundo os usos e costumes, têm direito ao uso e fruição do baldio.
[15] Na redacção primitiva, dispunha o mesmo n.º: O uso e fruição dos baldios efectiva-se de acordo com as deliberações dos órgãos competentes dos compartes ou, na sua falta, de acordo com os usos e costumes, sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes.
[16] Os n.ºs 1 e 3, cuja redacção foi ligeiramente alterada pela Lei n.º 72/2014, de 02.9, tinham a seguinte redacção primitiva: Os baldios são administrados, por direito próprio, pelos respectivos compartes, nos termos dos usos e costumes locais, através de órgãos democraticamente eleitos (n.º 1). Os membros da mesa da assembleia de compartes, bem como do conselho directivo e da comissão de fiscalização, são eleitos pelo período de quatro anos, renováveis, e mantêm-se em exercício de funções até à sua substituição (n.º 3).
[17] Previa a redacção primitiva da mesma alínea: Fiscalizar em última instância a actividade do conselho directivo e das entidades em que tiverem sido delegados poderes de administração, e endereçar a um e a outras directivas sobre matérias da sua competência, sem prejuízo da competência própria da comissão de fiscalização.
[18] A alínea m), alterada pela Lei n.º 72/2014, tinha a seguinte redacção primitiva: Zelar pela defesa dos valores ecológicos no espaço do baldio.  
[19] Trata-se das Associações sem personalidade jurídica (art.ºs 195º e seguintes, do CC).
[20] Vide, entre outros, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, págs. 988 e seguinte.
[21]Vide Rogério E. Soares, Sobre os baldios, in Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XIV, 1967, pág. 295.

[22] Cf. o Parecer n.º 37/87 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, in DR, 2ª série, n.º 39, de 17.02.1988.

[23] Cf., a propósito, a “declaração de voto” do Senhor Conselheiro J. M. Cardoso da Costa junta ao acórdão do Tribunal Constitucional n.º 325/89, de 04.4.1989, publicado no DR, 1ª série, n.º 89, de 17.4.1989 e no BMJ 386º, 129 [aludindo, nomeadamente: aos “baldios que ainda cumpram (ou continuem a cumprir) a sua precípua e tradicional função «comunitária», enquanto bens ´directamente` utilizados e fruídos pelos compartes, em complemento da respectiva economia privada”; aos terrenos baldios ou maninhos “que há muito deixaram de representar um complemento da economia agrária de certas populações, e só têm hoje um destino ou uma função que não é diversa da dos bens que integram o património privado ou o domínio público de uma autarquia”; à “distinção entre baldios que continuam afectos à sua função típica e terrenos sujeitos ao respectivo regime jurídico, mas que já não desempenham essa função”], bem como o acórdão da RP de 10.12.2012-processo 45/11.5TBCDR-B.P1 (relatado pelo aqui relator), publicado no “site” da dgsi.

[24] Preceituava o referido art.º: “São devolvidos ao uso, fruição e administração dos respectivos compartes, nos termos do presente diploma, por cujas disposições passam a reger-se, os baldios submetidos ao regime florestal e os reservados ao abrigo do n.º 4 do artigo 173.º do Decreto-Lei n.º 27207, de 16 de Novembro de 1936, aos quais a Junta de Colonização Interna não tenha dado destino ou aproveitamento.”
[25] Vide, a propósito, Jaime Gralheiro, Comentário à Nova Lei dos Baldios, Almedina, 2002, págs. 136, 145 e 152.
[26] Ibidem, págs. 152 e seguinte e “nota 227”.
[27] Ibidem, pág. 156.
[28] Desses abusos nos dão conta, de entre vários diplomas legais, o Alvará de 06.12.1603 [Através do qual o Monarca quis atalhar à seguinte situação de que tivera conhecimento: ”os Vereadores e Officiaes das Câmaras de muitas Cidades, Villas, e logares deste Reino, repartem, entre si e as pessoas que costumam andar na governança, as propriedades do Concelho, dando-as uns aos outros com titulo de arrendamento, pagando pouco, ou nada, ao Concelho; e que tomam sobre si as rendas das correntes e os sobejos dellas gastam sem ordem alguma”] e o Alvará de 23.7.1766 [Então, o Rei pretendeu pôr cobro ao “abuso, que em muitas Câmaras das Cidades, Villas, e Lugares das Provincias destes Reinos, se tem feito nos aforamentos dos Baldios dos seus respectivos Conselhos, repartindo-os entre si, seus parentes, e amigos, os Vereadores, e mais Pessoas, que costumão andar nas governanças, por fóros, e pensões muito diminutas; praticando estas injustas, e lesivas alienações debaixo de pretextos na apparencia uteis, e na realidade nocivos ao progresso, e augmento da lavoura, á creação dos gados, á subsistência dos Povos (….): Cooperando para relaxação tão perniciosa o descuido dos Ministros em não promoverem a devida observancia das successivas Leis, e Alvarás, que promulgadas em diversos tempos ordenárão as providencias mais justas (…)”].
[29] Vide M. Henrique Mesquita, RLJ, 127º, 351 e, do mesmo autor, Direitos Reais, Sumários das Lições ao Curso de 1966/1967, Coimbra, 1967, págs. 234 e seguinte.
[30] Pires de Lima, apud M. Henrique Mesquita, Direitos Reais, cit., pág. 235, nota (1).

[31] Vide Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. I, Almedina, Coimbra, 1974, págs. 225 e seguinte.

[32] Vide C. A. da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 1980, págs. 239 e seguinte.
[33] E como esclarece Jaime Gralheiro, «(…) mesmo antes de se organizarem as assembleias de compartes, os baldios existem e pertencem às ditas “comunidades”. As assembleias são, apenas, o pressuposto indispensável (obrigatório) da “devolução” dos baldios ´ao uso, fruição e administração` “dos respectivos compartes”, como se dizia nos art.ºs 3º e 6º do DL n.º 39/76, de 19 de Janeiro e resulta do art.º 11º, n.º 2.» (ob. cit., pág. 146).

[34] Com todo o respeito, temos assim por desadequado e, pelo menos, intempestivo (já que, no limite, e porventura, apenas se poderia/deveria reportar a meados do século passado e a tempos mais recuados…) o que, a propósito da legitimidade para a ´defesa` dos baldios, vemos afirmado/comentado por Jaime Gralheiro, que refere a “ganância” das juntas de freguesia que “continuam a apoderar-se dos baldios e dos seus rendimentos, passando por cima dos interesses dos ´compartes`” (ob. cit., pág. 82).

   Vide ainda, a propósito, a citada “declaração de voto” do Senhor Conselheiro J. M. Cardoso da Costa junta ao acórdão do Tribunal Constitucional n.º 325/89, mormente quando, reportando-se aos poucos baldios hoje existentes, sublinha ou destaca: “(…) a função de, nomeadamente através dos rendimentos que os respectivos bens propiciam (é o caso dos baldios florestados), permitirem a prossecução de fins «públicos» gerais, do tipo daqueles que se acham cometidos às autarquias locais. E que assim hoje acontece com grande parte (porventura a maior parte) dos terrenos sujeitos ao regime jurídico dos baldios é facto notório e geralmente conhecido, como sabido é que a própria evolução das condições económicas e sociais do País vem, desde há décadas e inelutavelmente, fazendo reduzir, em extensão e importância, a função ancestral dos baldios; (…) utilização dos «baldios» tão-somente como fonte de rendimentos destinados a realizar nem mais nem menos do que fins próprios das autarquias (e a tal ponto que é mesmo de perguntar se o problema em causa, na «reivindicação» da gestão dos baldios unicamente pelos compartes, não é, no fundo, antes que propriamente esse, o de uma certa forma de «repartição» do poder político no âmbito local)”. Tratar-se-ia, assim, de “uma espécie de administração autárquica «paralela», inteiramente ao arrepio da lógica constitucional do «poder local» democrático”.
[35] Vide Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 190 (anotação ao art.º 198º).
[36] Sobre matéria com alguma similitude, no contexto da responsabilidade pelo pagamento das dívidas das Sociedades em nome colectivo, vide J. Alberto dos Reis, Processo de Execução, Vol. 1º, 3ª edição (reimpressão), Coimbra Editora, 1985, págs. 253 e seguinte.