Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
81/18.0PBFIG-C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE JACOB
Descritores: AMEAÇA AGRAVADA
ELEMENTOS TÍPICOS
MAL FUTURO
Data do Acordão: 01/29/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DA FIGUEIRA DA FOZ)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 153.º, N.º 1, E 155.º, N.º 1, AL. A), DO CP
Sumário: I – O mal futuro indispensável à verificação do crime de ameaça não se situa necessariamente num futuro longínquo ou mais ou menos distante. É futuro todo o mal que não se inicia com a ameaça ou imediatamente a seguir a ela.

II – Contudo, nem toda a ameaça com um mal futuro é susceptível de constituir o crime tipificado no artigo 153.º, n.º 1, do CP, inexistindo o ilícito referido quando o mal ameaçado é de tal modo longínquo e improvável que não tem aptidão para causar aquele mínimo de inquietação justificativo da tutela penal da tranquilidade e paz interior do ameaçado.

III – A expressão “vou ao carro buscar uma navalha e corto-te o pescoço”, dirigida, em voz alta e com foros de seriedade, pelo arguido a outrem, reúne todos os requisitos do crime p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do CP, por ser de molde a perturbar o ofendido nos seus sentimentos de segurança e liberdade, suscitando-lhe o receio de que o arguido concretizasse a ameaça feita, atingindo a sua integridade física ou mesmo causando-lhe a morte, sendo irrelevante o tempo verbal utilizado, reportado ao momento presente, posto que o mal ameaçado não se concretizou (de imediato).

Decisão Texto Integral:






Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO:

Nos autos de processo comum supra referenciados, que correram termos pelo Juízo Local Criminal da Figueira da Foz, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência foi proferida sentença decidindo nos seguintes termos:

(...)

            Pelo exposto, na parcial procedência da acusação, decide-se:

1. Absolver o arguido A., em autoria material e sob a forma consumada, pela prática de um crime de crime agravada [1], na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 153.º e 155.º n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal na pessoa de (…).

2. Condenar o arguido A, em autoria material e sob a forma consumada, pela prática de um crime agravada[2], previsto e punido pelo artigo 153.º e 155.º n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pessoa de (…), numa pena de 14 (catorze) meses prisão.

3. Determinar a suspensão da execução da pena referida em 2), nos termos do artigo 50.º do Código Penal, pelo mesmo período, com regime de prova, assente em plano de reinserção social a elaborar e supervisionar pela DGRSP a incidir nas vertentes mais convenientes para a ressocialização do arguido em que se contemplem acções tendo em vista a sua abstinência de estupefacientes e de postura activa de colocação profissional e à regra de conduta da continuidade do seu tratamento psiquiátrico, frequentando com regularidade as consultas de psiquiatria e cumprindo a terapêutica prescrita, com o apoio e fiscalização da Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (artigos 50º, 52.º n.º 3, e n.º 4 e 53.º, e 54º, do Código Penal).

(…)

           

Inconformado, recorre o arguido, retirando da motivação do recurso as seguintes conclusões:

1. Foi o ora Recorrente condenado, na pena de 14 meses de prisão suspensa na sua execução, pela prática de um pela prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelo artigo 153.º e 155.º n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pessoa de (…).

2. Ora, entende o Arguido que deveria ter sido absolvido da prática de tal crime.

3. Uma vez que, foram julgados como provados e não provados os seguintes factos: - No dia 31-01-2018, pelas 11h55, na Farmácia (…), sita no Largo (…), n.º (…), (…), área deste concelho e comarca, o arguido A. disse, em voz alta e com foros de seriedade, para o ofendido (…), id. a fls. 17: “Vou ao carro buscar uma navalha e corto-te o pescoço”. - As referidas palavras, proferidas pelo arguido e dirigida ao ofendido (…), foram-no de molde a perturbar este nos seus sentimentos de segurança e liberdade, provocando-lhe o receio de que o arguido concretizasse a ameaça feita, nomeadamente que o atingisse fisicamente de forma grave ou até que o matasse. - O arguido agiu, bem sabendo que aquelas palavras assim proferidas, nas descritas circunstâncias, provocariam no ofendido, uma perturbação nos seus sentimentos de segurança e liberdade. - O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, na sua conduta acima descrita. - Bem sabia também que a sua descrita actuação lhe implicava responsabilidade criminal.

4. Face ao teor dos factos provados, e face ao teor da prova testemunhal, composta pelo Depoimento dos Ofendidos (…) e (…) e ainda da testemunha (…).

5. Diremos nós que, jamais estarão preenchidos os pressupostos do crime de ameaça, e muito menos, do crime de ameaça agravada, p. e p. pelas disposições conjugas dos artigos 153 nº 1 e 155º n.º 1 al. a), todos do Código Penal.

6. Porquanto, Estabelece o art.º 153º do Código Penal, que quem ameaçar outra pessoa com a prática de um crime contra a vida, integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação, ou a prejudicar a sua liberdade de determinação.

7. Exige-se pois que, para este tipo de crime se verifique, a promessa de um mal futuro que constitua um crime e que essa promessa seja adequada a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação do visado.

8. Implicando, por isso o conhecimento da ameaça por parte do sujeito passivo, não importando já porque forma chega ao seu conhecimento.

9. Assim, para constituir o crime de ameaça, a expressão proferida tem de prenunciar ou como refere o Acórdão da Relação do Porto, de 12-12-1984, em Coletânea de Jurisprudência, Tomo II, página 291, anunciar um grave e injusto dano, necessariamente futuro.

10. E anunciar a prática de um mal, no futuro, é que é ameaçar.

11. Como se refere no Comentário Conimbricense do Código penal, tomo I, PAG. 342-343, “são três as características essenciais do conceito de ameaça: mal, futuro, cuja ocorrência dependa da vontade do agente… o mal tem de ser futuro. Isto significa que o mal objeto da ameaça não pode ser iminente, pois que, neste caso, estar-se-á diante de uma tentativa de execução do respetivo ato violento, isto é, do respetivo mal. Esta característica temporal da ameaça é um dos critérios para distinguir, no campo dos crimes de coação, entre ameaça (de violência) e violência. Assim por exemplo haverá ameaça quando alguém afirma: “hei dei-te matar”. Já se tratará de violência, quando alguém afirma: “vou-te matar já”.”

12. Trata-se todavia de um crime de perigo e não de um crime de resultado, uma vez que não se exige que em concreto se tenha provocado o medo ou inquietação.

13. Na análise do critério de adequação da ameaça a provocar o referido medo ou inquietação terá que ter-se em conta que este apesar de ter em conta as características individuais do ameaçado e designadamente as suas características psíquicas e mentais, não nos poderemos afastar do conceito do homem comum e consequentemente aferir se nas circunstâncias em que foi efetuada e tendo em conta a personalidade do agente teria a capacidade de intimidar qualquer pessoa.

14. Concluímos, pois, que o mal alegadamente verbalizado pela Arguido, não é futuro mas eminente, configurando a prática de um ato de execução de um crime que o agente acabou por desistir de levar a cabo (vd., neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25 de Setembro 2002 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25 de Janeiro de 2006, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

15. Assim sendo, e face à factualidade descrita, a conduta alegadamente praticada pela Arguido, não é anúncio de um mal futuro, pelo que não integra o tipo do crime de ameaça. Pelo que se conclui que deverá o Arguido ser Absolvido, da prática do crime pelo qual foi condenado.

16. Foi o ora Recorrente condenado na pena de 14 meses de prisão suspensa na sua execução sujeita a deveres e regras de conduta.

17. Não se conforma o Recorrente, nem se poderia de modo algum, conformar, com a Douta Decisão proferida, no que tange à pena concretamente aplicada. Uma vez que, no entendimento do ora Recorrente a mesma ser manifestamente excessiva, tendo em conta as penas aplicadas em casos semelhantes e o seu grau de culpa.

18. De facto, o Arguido reconhece a gravidade da conduta levada a cabo nos presentes autos.

19. Contudo, não podemos olvidar, que os factos decorreram durante um período turbulento da vida do Arguido, tal como o Arguido e o próprio ofendido referiram em sede de julgamento.

20. Aliás o Ofendido referiu, conhecer o Arguido há muitos e nunca ter tido qualquer problema com este, tendo conhecimento que naquela altura aquele não estava bem e consumia excessivamente, medicamentos, álcool e drogas.

21. O Recorrente, não olvida os seus já antecedentes criminais, constantes do seu CRC, junto aos presentes autos, contudo a prática desses mesmos factos remontam aos anos de 2002, 2003, 2008 e 2011. Ou seja, crimes cometidos há mais de 10 anos, à exceção do praticado em 2011, há mais de cinco anos.

22. Os demais crimes de ameaça e extorsão, uns já transitados e outros não, remontam todos ao mesmo período turbulento da vida do Arguido.

23. Acresce que, todas as penas (à exceção destas últimas) aplicadas ao Arguido se encontram já extintas pelo cumprimento.

24. Assim, a prevenção geral positiva traduz-se na confiança que a sociedade precisa de manter na vigência da norma, é o mínimo exigível da pena, ora no presente caso do ora Recorrente, ainda, que as necessidades de prevenção geral positiva, possam ser consideradas elevadas, tendo em conta que o grau de ilicitude dos factos.

25. Pois à data dos factos, e pelo menos no que toca ao Recorrente, este encontrava-se com problemas de adição.

26. Atualmente o Arguido, encontra-se a seguir tratamento psiquiátrico, procura inserção laboral, e encontra-se a estudar.

27. Deste modo, as necessidades de prevenção quer geral quer especial, ainda que sejam elevadas, encontravam-se fortemente diminuídas.

28. Mais acresce que pela Ofendida foi referido, nunca mais, ter ocorrido qualquer episódio. A medida da pena, não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa.

29. Ora, no modesto entendimento do Recorrente, tal limite foi claramente e grosseiramente ultrapassado, nas penas parcelares e na pena única que concretamente foram aplicadas ao ora Recorrente 14 meses de prisão.

30. Face ao supra exposto, o Arguido ora Recorrente, entende que para que lhe seja aplicada uma pena justa, adequada e proporcional, a qual não exceda o seu grau de culpa e participação nos factos ora em apreço, esta não poderá ser em caso algum superior a 6 meses de prisão nos crimes de ameaça.

31. Esta medida concreta da pena que a ora Recorrente pretende que agora lhe seja aplicada por este Alto.

32. Por outro lado, e em nome do princípio da Igualdade previsto no artigo 13º da CRP, reclama-se que a pena aplicada ao aqui recorrente seja reduzida se a mesma for comparada com a pena aplicada em casos semelhantes ao do Arguido.

33. Demonstrou encontrar-se a fazer um esforço para alterar a sua vida e as suas condições, nomeadamente, de empregabilidade.

34. Assim, e por todo o exposto, e independentemente da pena de prisão que for concretamente aplicada por vós, Venerandos Juízes, a verdade é que a mesma deverá ser, sempre, inferior à pena aplicada pelo Tribunal a quo.

Nestes termos, e nos mais em Direito consentidos que vós, Venerandos Juízes, muito doutamente suprireis, se requer seja o presente recurso julgado procedente nos exatos termos supra expostos.

(…)

            O M.P., na sua resposta, pronunciou-se pela improcedência do recurso.

Nesta instância, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer aderindo parcialmente aos argumentos do M.P. em 1ª instância, pronunciando-se também pela improcedência do recurso.

Foram colhidos os vistos legais.

O âmbito do recurso, segundo jurisprudência constante, afere-se e delimita-se pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo do que deva ser oficiosamente conhecido, donde se segue que no caso vertente há que conhecer do seguinte:

- Falta de verificação dos elementos constitutivos do tipo de crime de ameaça agravada;

- Excesso da pena aplicada;

II – FUNDAMENTAÇÃO:

           

            O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:

1. No dia 31-01-2018, pelas 11h55, na Farmácia (…), sita no Largo (…), n.º (…), (…), área deste concelho e comarca, o arguido A. disse, em voz alta e com foros de seriedade, para o ofendido (…), id. a fls. 17: “Vou ao carro buscar uma navalha e corto-te o pescoço”.

2. As referidas palavras, proferidas pelo arguido e dirigida ao ofendido (…), foram-no de molde a perturbar este nos seus sentimentos de segurança e liberdade, provocando-lhe o receio de que o arguido concretizasse a ameaça feita, nomeadamente que o atingisse fisicamente de forma grave ou até que o matasse.

3. O arguido agiu, bem sabendo que aquelas palavras assim proferidas, nas descritas circunstâncias, provocariam no ofendido, uma perturbação nos seus sentimentos de segurança e liberdade.

4. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, na sua conduta acima descrita.

5. Bem sabia também que a sua descrita actuação lhe implicava responsabilidade criminal.

Outros Factos Provados:

6. O arguido nasceu a 02.07.1977 (40 anos), é solteiro, mas tem dois filhos de anteriores relações, de 22 e 14 anos de idade, este último residindo com a ex-companheira.

7. O seu agregado familiar é composto por ele, pelo filho mais velho e pela mãe idosa, vivendo em casa desta, embora continue arrendatário de um apartamento da (…), com o valor da renda social de 7,00€.

8. O arguido frequentou uma Acção de formação do curso profissional de “Micro-Empreeendedorismo”, na (…), de 275 horas, que decorreu entre 04/12/2018 e 15/02/2019, em que auferiu uma bolsa de formação no valor de 147,46€, acrescido de subsidio de alimentação de 4,52€/dia, prevendo reiniciar outra formação no próximo dia 26 de Fevereiro, por mais dois meses e meio, que lhe dará equivalência a escolaridade superior (tinha a 3ª classe).

9. O arguido recebe ainda 155,78 € mensais de subsídio de social de inserção.

10. Encontra-se averbado em seu nome nas bases de dados do registo automóvel, um veiculo Ford Fiesta, matricula (…), sobre o qual incidem ónus.

11. O arguido já sofreu as seguintes condenações:

i. Pela prática do crime de ameaça praticado em 22/08/2002, por sentença transitada em julgado em 30/09/2002, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de 4€, o que perfaz o total de 800,00€, já extinta [PS 829/02.5 PBFIG].

ii. Pela prática do crime de condução em estado de embriaguez praticado em 13/04/2003, por sentença transitada em julgado em 14/04/2003, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 2,00€, o que perfaz o total de 240,00€ e na pena acessória de proibição de conduzir veículos sem motor por quatro meses, já extinta [PS 393/03.8PBFIG].

iii. Pela prática do crime de detenção de arma proibida, praticado em 11/02/2008, por sentença transitada em julgado em 12/03/2008, na pena de 300 dias de multa à taxa diária de 5,00€, o que perfaz o total de 1.500,00€, já extinta [PCS 693/04.0JACBR].

iv. Pela prática do crime de detenção de arma proibida e de tráfico de quantidades diminutas praticado em 28/11/2011, por sentença transitada em julgado em 30/09/2003, na pena única de dois anos e seis meses de prisão suspensa por igual período, com regime de prova assente em plano de reinserção social, já extinta em 30/03/2016 [PCS 949/10.2JACBR].

v. Pela prática em autoria material, em 20 de Maio de 2017, foi o arguido condenado por sentença proferida em 17/07/2018, já transitada em julgado, de um crime de crime de extorsão, na forma tentada, previsto e punível pelo artigo 223.º, n.º 1, com referência ao artigo 22.º, ambos do Código Penal, numa pena de doze meses prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período de tempo, ainda que com regime de prova, assente em plano de reinserção social a elaborar e supervisionar pela DGRSP em que se contemplem ações de sensibilização do arguido para que adote uma postura ativa de colocação profissional [No âmbito do P.C.S. nº 301/17.9PBFIG, deste juízo Criminal].

vi. Por sentença proferida em 14/01/2019, ainda não transitada em julgado, em autoria material e sob a forma consumada, e em concurso efectivo, pela prática 29 de Dezembro de 2017, de um crime de crime de extorsão, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 223.º, n.ºs 1, 22.º e 23.º, todos do Código Penal na pena de 14 (catorze) meses de prisão, e pela prática de dois crimes de ameaça agravada, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 153.º e 155.º n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, numa pena de 12 (doze) meses prisão, para cada um dos crimes, e na pena única, após cúmulo jurídico de penas, de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, com regime de prova, assente em plano de reinserção social a elaborar e supervisionar pela DGRSP a incidir nas vertentes mais convenientes para a ressocialização do arguido em que se contemplem acções de tendo em vista a sua abstinência de estupefacientes e de postura activa de colocação profissional e sujeita a deveres e regras de conduta (artigos 50.º, n.ºs 1, 2, 4 e 5, 51.º e 52.º do Código Penal), devendo a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais apoiar e fiscalizar o cumprimento dos referidos deveres e regras de conduta (cfr. artigo 51.º, n.º 4, do Código Penal): obrigação do arguido se continuar a submeter as consultas de psiquiatria e sujeitar-se ao acompanhamento/tratamento psiquiátrico que lhe seja eventualmente prescrito ou qualquer outro que se revele necessário; cumprimento do dever/obrigação de pagamento de 300,00€ no prazo de um ano, por sentença [No âmbito do P.C.S. nº 803/17.7PBFIG deste juízo Crimina].

2. O arguido está a ser acompanhado em consultas de psiquiatria, pela Equipa de Psiquiatria Comunitária do Centro Hospitalar e Universitário de (...) .

3. O arguido, ainda consome, pontualmente, produtos estupefacientes.

4. O comportamento do arguido foi motivado por um intuito de pressionar pelo medo a efectuar o pagamento da reparação do automóvel, por si sinistrado após ter ingerido ansiolíticos em excesso adquiridos naquela farmácia.

5. O arguido consentiu em continuar a frequentar/receber tratamento médico-psiquiátrico e a seguir terapêutica adequada prescrita ou a prescrever.


Relativamente ao não provado foi consignado o seguinte:

Não ficou provado:

- Que o arguido (…) nas circunstâncias referidas em 1) também tivesse dito, em voz alta e com foros de seriedade, para a ofendida (…), id. a fls. 19, que “a furava.”.
Quanto à restante matéria resultante da discussão da causa, que não foi levada aos factos provados e não provados, tal resulta de não revestir interesse algum para a boa decisão da causa, dentro das diversas soluções de direito, tratando-se de conclusões, constatações, considerações ou discussão de questões eminentemente jurídicas.

O julgamento de facto foi fundamentado nos seguintes termos:
(…).

            Vejamos então as questões suscitadas pelo recorrente, começado desde logo pela verificação dos elementos típicos do ilícito.

            Sustenta o recorrente que a afirmação “Vou ao carro buscar uma navalha e corto-te o pescoço” não tem aptidão para preencher a tipicidade do crime de ameaça, por não cominar um mal futuro, mas antes um mal iminente.

            Vejamos se lhe assiste razão:

            Dispõe o art. 153º, nº 1, do Código Penal, que “quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias”.

            Por seu turno, a al. a) do nº 1 do art. 155º dispõe que “quando os factos previstos nos artigos 153º e 154º forem realizados: a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos; (…) o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, no caso do art. 153º, (…)”.

            Resulta linearmente do texto do nº 1 do art. 153º que a criação de um sentimento de inquietação na pessoa do ofendido é só por si suficiente para a verificação do crime, suposto, obviamente, estarem verificados os demais requisitos do tipo, nomeadamente, a ameaça, pressupondo a cominação de um mal (configurando um tipo legal de crime), futuro (porque se o mal se iniciar imediatamente após a concretização da ameaça, estaremos já no domínio do início da execução do crime ameaçado ou, pelo menos, da tentativa) e de concretização dependente da vontade do agente ou que pelo menos se apresente como tal, aos olhos do homem médio (sob pena de a ameaça não se apresentar como credível e portanto, não poder ser punível como tal).

            Citando Taipa de Carvalho, diremos que o “bem jurídico protegido pelo art. 153º é a liberdade de decisão e de acção. As ameaças, ao provocarem um sentimento de insegurança, intranquilidade ou medo na pessoa do ameaçado, afectam, naturalmente, a paz individual que é condição de uma verdadeira liberdade” [3].

            O critério de aferição do conceito de futuro no âmbito do crime de ameaça tem sido frequentemente discutido na doutrina, como na jurisprudência, sendo hoje pacificamente assumido que o mal futuro cominado na ameaça integradora do tipo de crime a que nos reportamos não se situa necessariamente num futuro longínquo ou mais ou menos distante. É futuro todo o mal que não se inicia com a ameaça ou imediatamente a seguir a ela, independentemente do tempo verbal utilizado. Assim, se A… dirigindo-se a B… afirma com foros de seriedade quando te apanhar sozinho dou-te um murro, reporta-se a um futuro que poderá ser mais ou menos próximo, dependente da verificação de uma circunstância possível e plausível, cometendo por essa forma um crime de ameaça.

Diversamente, se A… dirigindo-se a B… afirma ainda levas um murro e de imediato desfere um murro que atinge B, não pratica qualquer crime de ameaça, mas sim um crime de ofensa à integridade física, uma vez que por força da quase simultaneidade entre o mal ameaçado e o mal causado, aquele é exaurido por este, não intercorrendo um período que permita a assimilação da ameaça e sofrimento interno com a possibilidade da sua execução. A vítima não chega a ter tempo para assimilar o sentimento de insegurança ou medo e sofrer de modo relevante com esse sentimento, por força da imediata consumação do mal ameaçado.

Contudo, nem toda a ameaça com um mal futuro é susceptível de constituir crime de ameaça. Assim, se A…, emigrante na Holanda e transitoriamente em Portugal, dirigindo-se a B…, que nem sequer costuma viajar para fora do país, no auge de uma discussão, lhe diz se te apanho na Holanda dou-te uma sova, não há crime de ameaça porque o mal ameaçado é de tal modo longínquo e improvável que não tem aptidão para causar aquele mínimo de inquietação que justificaria a tutela penal da tranquilidade e paz interior do ameaçado.

            Revertendo ao caso dos autos e à luz das considerações e exemplos de escola que se referiram, evidencia-se que a ameaça proferida pelo arguido, em voz alta e com foros de seriedade, para o ofendido (…), “vou ao carro buscar uma navalha e corto-te o pescoço”, reúne todos os requisitos do crime de ameaça agravada, nomeadamente aquele que o recorrente afirma não se verificar, a saber, a natureza futura do mal ameaçado. As palavras proferidas pelo arguido foram de molde a perturbar o ofendido nos seus sentimentos de segurança e liberdade, suscitando-lhe o receio de que o arguido concretizasse a ameaça feita, atingindo a sua integridade física ou mesmo causando-lhe a morte, sendo irrelevante o tempo verbal utilizado pelo arguido, reportado ao momento presente, posto que o mal ameaçado não se concretizou (de imediato). Ainda que o receio sentido pelo ofendido se possa ter desvanecido com o termo do episódio em que ocorreu a verbalização da intenção da prática de um mal atingindo a sua vida ou integridade física, houve tempo para que o ofendido experimentasse um sentimento de intranquilidade susceptível de afectar a sua liberdade de decisão e de acção, bem jurídico essencialmente tutelado pela norma penal a que nos reportamos. Na verdade, para a verificação do crime de ameaça numa tal situação, basta que não haja iminência de execução, no sentido em que esta expressão é tomada para efeitos de tentativa (cfr. art. 22º - 2, c) [4]. Em sentido coincidente se decidiu no Acórdão desta Relação de Coimbra, de 09/09/2009 [5], onde se escreveu que «… o mal anunciado terá a característica de “mal futuro” desde que não se trate já duma tentativa criminosa, nos termos em que o art.º 22º do Código Penal a caracteriza».

            Posto isto, sendo manifesto que não assiste razão ao recorrente no que concerne à suposta falta de verificação dos requisitos do tipo, apreciemos a segunda questão suscitada, que se prende com o excesso da medida da pena.

            Como se viu, o recorrente foi condenado pela prática de um crime de ameaça agravado, nos termos previstos pelas disposições conjugadas dos arts. 153º, nº 1 e 155º, nº 1, al. a), ambos do Código Penal, crime punível com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, tendo a pena sido concretizada em 14 (catorze) meses prisão, cuja execução foi suspensa por igual período, com regime de prova, assente em plano de reinserção social a elaborar e supervisionar pela DGRSP a incidir nas vertentes mais convenientes para a ressocialização do arguido em que se contemplem acções tendo em vista a sua abstinência de estupefacientes e de postura activa de colocação profissional e à regra de conduta da continuidade do seu tratamento psiquiátrico, frequentando com regularidade as consultas de psiquiatria e cumprindo a terapêutica prescrita, com o apoio e fiscalização da Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.

            No direito penal português contemporâneo, sobretudo desde a revisão do Código Penal operada pelo DL nº 48/95, de 15 de Março, o fundamento legitimador da pena, qualquer que ela seja, residir na prevenção. Este diploma abraçou decididamente finalidades exclusivamente preventivas para a aplicação das penas e das medidas de segurança, deixando à culpa o papel de pressuposto da pena e de limite máximo da sua medida, consagrando assim uma concepção preventivo-ética da pena (preventiva, por ser a prevenção o fim legitimador da pena; ética, por esse fim preventivo ser condicionado e limitado pela exigência da culpa).

            Em consonância com essa opção dispõe o art. 40º, nº 1, do Código Penal (diploma a que se reportam todas as normas citadas sem menção de origem), que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Partindo dos limites definidos na lei, a pena é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, todavia deponham a favor do agente ou contra ele, ponderando, nomeadamente, as exemplificativamente previstas nas alíneas a) a f) do nº 2 do art. 71º.

As exigências de prevenção afirmam-se numa dupla vertente, as de prevenção geral e as de prevenção especial, assumindo cada uma delas uma específica função.

Destinatários da prevenção geral são todos os membros da comunidade jurídica, (excluído o arguido, especificamente visado pela prevenção especial) e é por recurso às exigências decorrentes da prevenção geral positiva  que se determina o limite mínimo da pena admissível para o caso concreto, visto que a garantia da manutenção da confiança da comunidade na validade da norma  e a dissuasão de potenciais infractores exige um mínimo de punição, variável em função do contexto e do momento histórico, capaz de satisfazer aquela dupla função.

Por seu turno, a prevenção especial, respeitante ao próprio arguido, acumula uma função de ressocialização do delinquente a uma outra, de dissuasão da prática de futuros crimes. Intervém na graduação da pena, funcionando entre o mínimo reclamado pelas exigências de prevenção geral e o máximo consentido pela culpa (cfr. arts. 40º, nº 2 e 71º, nº 1), como factor de determinação do quantum   de pena necessário à ressocialização (entendida como adesão do agente aos valores comunitariamente postergados) e à prevenção da reincidência (que se atinge através duma pena doseada em moldes de representar um sacrifício de tal forma penoso que o agente não quererá repetir).

Assim, desde logo, há que atender à circunstância de o arguido ter actuado com dolo, na sua modalidade mais grave - dolo directo – ainda que a intensidade do dolo não ultrapasse a mediania.

A ilicitude dos factos evidencia-se num grau também mediano (a circunstância de se tratar de crime agravado está já reflectida na moldura do tipo).

O modo de execução do crime, tal como ficou plasmado na matéria de facto, é revelador de uma personalidade belicosa e agressiva.

O quadro clínico de tratamento e acompanhamento psiquiátrico não originou situação de inimputabilidade ou de imputabilidade diminuída, tendo-se demonstrado que apesar da sua situação clinica o recorrente consome pontualmente estupefacientes.

Quanto aos seus antecedentes criminais, tal como se tiveram por provados, evidenciam uma conduta anterior aos factos ora em análise que em nada beneficia o recorrente, dando corpo às exigências de prevenção especial.

Por seu turno, as razões de prevenção geral relativamente ao crime de ameaça são significativas, tanto quanto é certo que segundo o Relatório de Segurança Interna 2018 (o mais recente disponível; o relativo a 2019 só deverá ser publicado dentro de alguns meses) no domínio dos crimes de ameaça e coacção registaram-se em 2018 um total de 14.407 ocorrências.

Posto isto, sabido que o processo de concretização da pena não é aritmético, mas jurídico, os tribunais superiores, ao sindicarem a medida da pena imposta não verificam se a pena corresponde a um rigoroso quantum, mas sim se a pena se encontra dentro da estreita faixa penal determinadas por recurso aos critérios legais. Nesta linha de desenvolvimento, uma primeira constatação é a de que as exigências de prevenção geral positiva relativamente ao tipo de crime ora em análise, ponderada a frequência da sua verificação, reclamam para a tutela dos valores jurídico-criminais protegidos um mínimo de pena situado entre 1/4 e 1/3 da moldura penal. Por seu turno, a medida da culpa, aferida à luz das circunstâncias concretas do caso, atendidas ainda as demais circunstâncias, nomeadamente, as referentes às condições pessoais do arguido tal como descritas na matéria de facto, no caso concreto admitiria uma pena que poderia ir até às proximidades dos 3/5 da moldura penal. Dentro destes limites, as exigências de prevenção especial decorrentes essencialmente do passado criminal do arguido e da resistência que vem evidenciando às tentativas de ressocialização decorrentes da anterior imposição de penas aconselham no caso vertente uma pena que, ponderados os dois parâmetros antes apontados, se situe próximo do limiar imposto pela culpa. Nessa medida, a pena de 14 meses determinada pelo tribunal a quo, suspensa na sua execução sob regime de prova orientado para o tratamento e acompanhamento do recorrente reflecte integralmente as preocupações de prevenção e de ressocialização subjacentes à aplicação da pena, pelo que não merece qualquer censura.

III – DISPOSITIVO:

Nos termos apontados, acordam nesta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso.

Condena-se o recorrente na taxa de justiça de 3 UC

Coimbra, 29 de Janeiro de 2020

(texto processado pelo relator, revisto por ambos os signatários e assinado electronicamente)

Jorge Miranda Jacob (relator)

Maria Pilar Oliveira (adjunta)


[1] - Manifesto lapso de escrita; ter-se-á pretendido escrever crime de ameaça agravada.
[2] - idem
[3] - in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, tomo I, pág. 342.
[4] - Taipa de Carvalho, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, tomo I, pág. 343.
[5] - Proc. 363/08.OOGAACB.1, disponível www.dgsi.pt