Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
9/05.8TAAND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE GONÇALVES
Descritores: PROVA
ACAREAÇÃO
DOCUMENTAÇÃO AUDIÊNCIA
FALTA OU DEFICIÊNCIA
NULIDADE
PRAZO DE ARGUIÇÃO
Data do Acordão: 06/02/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ARTIGOS 105º. 123º, 2,363º E 364º DO CPP
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 105º. 123º, 2,363º E 364º DO CPP
Sumário: 1. A acareação é um meio de prova admissível que depende de duas condições:
haver contradição entre as declarações e a diligência afigurar-se útil à descoberta da verdade.
2. Este meio de prova é subsidiário dos meios de prova declaratórios e o seu valor probatório é de apreciação livre pelo tribunal.
3. A existência de contradição entre depoimentos não determina, obrigatória e necessariamente, a realização de acareação, impondo-se a necessidade da mediação de um juízo sobre a utilidade dessa diligência probatória.
4. No caso de o tribunal não proceder, pura e simplesmente, à documentação da prova a nulidade respectiva deve ser arguida pelo interessado no próprio acto, nos termos do disposto no artigo 120.º, n.º1 e 3, alínea a), do C.P.P., por se tratar de omissão que é pública e patente.
5. Diferentemente, quando se trate de documentação deficiente, por inaudibilidade dos depoimentos gravados, só quando se procede, posteriormente, à análise das gravações é que a deficiência poderá ser detectada, já que enquanto decorre a gravação é ao funcionário do tribunal que incumbe averiguar se o aparelho de gravação está a funcionar correctamente.
6. Neste caso prazo de arguição, na falta de disposição legal em contrário, terá de ser o prazo legal de 10 dias (artigo 105.º, n.º 1, do C.P.P.).
7. O termo inicial do prazo de 10 dias ocorre no dia em que os suportes técnicos com o registo das gravações ficam à disposição dos sujeitos processuais, visto que só nesta data poderão os interessados tomar conhecimento da omissão ou deficiência da gravação do registo da prova, estando a partir desta data habilitados a arguir o respectivo vício.
Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO
1. No processo comum com intervenção do tribunal singular registado sob o n.º9/05.8TAAND, a correr termos no Tribunal Judicial da Mealhada, o arguido A..., melhor identificado nos autos, foi submetido a julgamento pelos factos constantes da acusação pública contra si deduzida, em que lhe foram imputados factos susceptíveis de integrar a autoria material, na forma consumada, de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos arts. 180.º, n.º 1 e 184.º, por referência à al. j) do n.º 2 do art. 132.º, do Cód. Penal.
O assistente/demandante J… formulou pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado, peticionando a condenação deste no pagamento, a título de ressarcimento pelos danos não patrimoniais por si sofridos, da quantia global de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que decidiu:
- Condenar o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos arts. 180.º, n.º 1 e 184.º, por referência à al. j) do n.º 2 do art. 132.º, do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 7,00 (sete euros), o que perfaz o quantitativo global de € 1.400,00 (mil e quatrocentos euros), e a que corresponderão, sendo caso disso, 133 (cento e trinta e três) dias de prisão subsidiária.
- Condená-lo, igualmente, no pagamento ao demandante de uma indemnização no valor de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), a título de ressarcimento pelos danos não patrimoniais por aquele sofridos.

2. O arguido interpôs nos autos os seguintes recursos, formulando, nas respectivas motivações, as seguintes conclusões (de que se faz transcrição):

2.1. Recurso da sentença
1- O registo da prova da Audiência de Julgamento foi feito de forma deficiente, havendo por isso incompletude de gravação, o que impossibilita um verdadeiro segundo grau de jurisdição no que respeita à matéria de facto.
2- É o registo da prova que permite efectivo recurso em matéria de facto.
3- Só conhecendo a prova produzida e os seus termos é possível sindicar o Juízo do Tribunal sobre os factos. Daí que, nos termos do n.º 4 do artigo 412.° do C.P.P., as especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3, daquele preceito, fazem-se por referência aos suportes técnicos, havendo lugar à transcrição.
4- Nos termos do art. 364.º n.ç 1 do C.P.P. a documentação da prova em Audiência de Julgamento é obrigatória.
5- No caso em apreço, a prova produzida em audiência de julgamento foi gravada.
6- Sendo que, posteriormente à douta sentença proferida, o Arguido requereu a cópia das gravações da Audiência de Julgamento para recorrer da matéria de facto.
7- No entanto, ao proceder à audição das cópias das gravações, verifica-se que, alguns depoimentos não estão gravados, sendo que, em alguns depoimentos não são audíveis as questões colocadas pela Meritíssima Juiz, pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público e pela Defensora Oficiosa do arguido e pela Mandatária do assistente.
8- Ora, tal falha técnica só aos serviços que procederam à gravação pode ser imputada.
9- A incompletude da gravação constitui nulidade susceptível de influir decisivamente no Julgamento da causa (art. 201.º, n.º 1 do C.P.C.) subsidiariamente aplicável (art. 4.º do C.P.P.) e que pode afectar a decisão da causa (art. 123.º do C.P.P.)
10- Assim, não estando as gravações completas, está afectado o exercício do direito de defesa do Arguido, no caso concreto, o seu recurso sobre a matéria de facto.
11- O Tribunal da Relação com a prova que se encontra gravada não pode ouvir e reapreciar os depoimentos integralmente prestados, reapreciação essa a que o recorrente tem direito.
12- Foi omitida pelo menos em parte, um acto prescrito na Lei.
13- Porque tal deficiência pode influir na apreciação do objecto do recurso, e por isso afectar a decisão da causa, torna-se necessário anular o Julgamento realizado, e bem assim a sentença proferida, com vista à repetição daquele, para que tenha lugar a efectiva e comprovada gravação dos depoimentos a ser prestados, como decorre do disposto nos artigos 201.°, n.º 1 e n.º 2 do C.P.C., aplicável subsidiariamente ao processo penal, nos termos do artigo 4° do C.P.P., e também do próprio artigo 123.° do C.P.P. já que pode o acto ser afectado (a arguição não necessita de ser feita no próprio acto, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 203/2004 de 24/03/04).
14- Só anulando o Julgamento realizado e, bem assim a sentença proferida se pode assegurar o direito a recorrer da matéria de facto, direito este garantido constitucionalmente.
Sem prescindir,
15- Ora, sem prejuízo de tudo o que foi dito acerca da deficiente gravação da Audiência de Julgamento e, apenas por cautela de patrocínio, o recorrente impugna a matéria de facto dada por provada
Com efeito,
16- O Tribunal "a quo" foram incorrectamente julgados os factos dados como provados no ponto 5, 6, 8, 9 e 10 da douta sentença proferida (fls. 383 e 384 dos autos)
17 - Deveria o Tribunal "a quo" ter valorizado o depoimento das testemunhas de defesa D... e do H... que acompanharam o arguido no dia 18/12/2004 ao Posto da GNR de Anadia, uma vez que os seus depoimentos merecem toda a credibilidade, sendo que a instâncias ambas as testemunhas foram advertidas que se mantivessem o seu depoimento, seria extraído certidão para processo-crime, e ambas as testemunhas mantiveram o seu depoimento.
18- Assim, deveria ter o Tribunal "a quo" ter deferido o pedido formulado pelo Recorrente relativamente à acareação entre estas testemunhas e os militares da GNR para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa.
19- Além disso, o Arguido nega os factos ilícitos que lhe são imputados - cujo depoimento se encontra gravado na cassete n.º 809, Lado A - entre os n.º 0001 e 1287.
20- Assim, de acordo com o depoimento do Arguido, das testemunhas D... e H… resulta que esta matéria de facto foi incorrectamente julgada, uma vez que resulta claramente dos depoimentos das testemunhas D... e H… que acompanharam o Arguido ao posto da GNR de Anadia, e que confirma que o Arguido não proferiu quaisquer expressões injuriosas contra o Sr. Juiz do Tribunal Judicial de Anadia.
21- Acresce ainda, que os depoimentos foram claros, objectivos, coerentes e imparciais.
22- Pelo que, o Tribunal "a quo" deveria ter dado como não provado os factos constantes no ponto 6, 8, 9 e 10 da douta sentença proferida (fls. 383 e 384 dos autos).
E Relativamente ao ponto n.º 5 deveria ter dado como provado apenas: "Aí chegado, o arguido interpelou em voz alta os militares da GNR que ali se encontravam, querendo saber a razão, pela qual a GNR havia removido a viatura em questão para aquelas instalações"
23- Não devem ser renovadas quaisquer provas em segunda Instância.
24- Além disso, o tribunal "a quo", deu como provado que o Recorrente «(…) praticou voluntariamente os factos descritos nos autos, que o seu comportamento foi ilícito, e ainda, que actuou dolosamente. »
25- No entanto, salvo o devido respeito pela opinião contrária, os factos dados como provados são insuficientes para concluir que o Recorrente tenha praticado o crime de Difamação nomeadamente na pessoa do ora Assistente. Na verdade, mesmo que se considere que o Recorrente proferiu as expressões constantes dos factos provados (o que este repudia), as mesmas são generalizadas, abstractas e em momento algum dirigidas especificamente ao ora Assistente.
Senão vejamos,
26- Deu-se como provado que o Recorrente proferiu as seguintes expressões:
"Os Juízes do Tribunal de Anadia são todos uns corruptos. Eu provo. Eles vão ver o que vai acontecer. O que mandaram fazer é um abuso de autoridade. Vou-me queixar à Procuradoria e vai-lhe acontecer o que aconteceu à Juíza do 2. º Juízo do Tribunal de Anadia.
Queixei-me à Procuradoria e foi castigada, por isso agora essa Juíza anda a perseguir-me, quer-se vingar de mim. Ela é uma corrupta dos grandes, mas eu já lhe tratei da saúde e segunda-feira vou apresentar outra queixa na Procuradoria.
Quando chegar a casa vou mandar um fax para o Tribunal de Anadia a dizer que os Juízes do Tribunal de Anadia são uns grandes corruptos, principalmente a Juíza do 2.º Juizo."
27- Ora, a considerar que estas expressões foram efectivamente proferidas pelo Recorrente, as mesmas não permitem concluir pela intenção específica do Recorrente de ofender o assistente na sua honra e consideração.
28- Refira-se aliás, que nenhuma das expressões é directamente dirigida ao Assistente, mas, pelo que se percebe, a uma Juíza do 2. Juízo do Tribunal de Anadia.
29- Assim, não estão preenchidos todos os elementos típicos do crime de difamação.
30- Acresce ainda que, de acordo com o plasmado no n. 1 do art. 180.º, conjugado com o disposto no art. 13.º do Código Penal, para efeitos do tipo legal do crime de difamação só a actuação dolosa é punível.
31- Ora entende o Recorrente, com o devido respeito pela opinião contrária, que da matéria de facto provada, não resulta que o Recorrente tenha proferido as expressões em causa com vista a ofender a honra e consideração do assistente em concreto, uma vez que me momento algum se dirige ou faz referência ao mesmo.
32- Pelo que, mesmo a considerar que o Recorrente proferiu as expressões em causa, estas não seriam adequadas à prática de um crime de Difamação relativamente à pessoa do Assistente.
33- Na verdade, considera o Recorrente com o devido respeito pela opinião contrária, não ser possível da análise das expressões dadas como provadas, concluir com segurança pela existência de um dolo específico de concretizar ofensas à honra e consideração do Assistente. Este pressuporia que o arguido tivesse proferido as afirmações em causa com o objectivo de atingir a honra e consideração do assistente - vide Acórdão da Relação de Coimbra de 18/10/06 e Acórdão da Relação de Coimbra de 15/03/06.
34- Consequentemente, não existindo esse dolo, deveria o arguido ter sido absolvido da prática do Crime de Difamação Agravado de que vem acusado.
35- Acresce que, mesmo que se considere haver dolo do arguido, este não poderia ser afirmado com certeza, pelo facto de nenhuma das expressões dadas como provadas se refere directamente ao Assistente. Assim, não sendo possível afirmar com segurança e certeza, a intenção do Recorrente de ofender a honra e consideração do Assistente, deve atender-se ao Principio do In Dubio Pro Reo.
36- Pelo que, também ao abrigo deste princípio deveria o Recorrente ter sido absolvido da prática do Crime de Difamação Agravado.
37 - E consequentemente deveria o arguido ter sido absolvido do Pedido de Indemnização Cível.
38- Além disso, com o presente recurso deve subir o recurso interposto do despacho que não admitiu a acareação.
39- Assim, foram violadas as normas previstas nos artigos 180.°, n.º 1 e 184.°, por referência à ali j) do n.º 2 do art. 132.º do C. Penal e artigos 483.°, n.º 1, 494.° e 496.° do Código Civil e artigo 37.° da CRP.
40- Além disso, com o presente recurso deve subir o recurso interposto do despacho que não admitiu a acareação
Nestes Termos e Melhores de Direito aplicável, Sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso ser julgado procedente por provado, devendo a decisão recorrida ser revogada, anulando o julgamento pelas razões expostas e consequentemente a sentença.
Se assim não se entender deve o arguido ser absolvido.
Mais se Requer, que com o presente Recurso deve subir o Recurso interposto do despacho que não admitiu a acareação das testemunhas.

2.2. Recurso dos despachos interlocutórios que indeferiram as requeridas acareações (fls. 452 a 459):
1- Em sede de Audiência de Julgamento realizada no dia 7 de Abril de 2008, o arguido requereu a acareação entre a testemunha D… e as testemunhas V..., M... e L....
2- Tendo a Meritíssima Juiz do Tribunal "a quo" proferido o seguinte despacho:
- "Ao abrigo do disposto no art. 146. º do C.P.P. é admissível, como meio de prova, a acareação entre testemunhas desde que, por um lado haja contradição entre as suas declarações, e por outro lado tal diligência se afigure útil à descoberta da verdade.
No caso em apreço e no que concerne ao teor das declarações prestadas pela testemunha D..., em confronto com as declarações prestadas pelas testemunhas V..., JC..., N... e B... existe de facto indubitável contradição entres as mesmas.
No entanto, não se vislumbra a utilidade para a descoberta da verdade da realização da diligência de prova pelo arguido, quer considerando o teor da referida declaração, quer atendendo ao princípio base consagrado pelo art. 127.°, do C.P.P., qual seja, a livre apreciação da prova.
Pelo exposto entende o tribunal indeferir a realização da acareação entre a supra referenciada testemunha, nos termos requeridos pela defesa. "
3- Ainda em sede de Audiência de Julgamento o arguido requereu a acareação entre a testemunha H... e as testemunhas V..., M... e L....
4- Tendo a Meritíssima Juiz do Tribunal "a quo" indeferido tal requerimento proferindo o seguinte despacho:
- “No caso em apreço e no que concerne ao teor das declarações prestadas pela testemunha H..., em confronto com as declarações prestadas pelas testemunhas V..., JC..., N... e B... existe de facto indubitável contradição entre as mesmas,
No entanto não se vislumbra a utilidade para a descoberta da verdade da realização da diligência de prova requerida pelo arguido, quer considerando o teor da referida declaração, quer atendendo ao princípio base consagrado pelo art. 127.º, do C.P.P., qual seja, a livre apreciação da prova.
Pelo exposto entende o tribunal indeferir a realização da acareação entre a supra referenciada testemunha, nos termos referidos pela defesa.”
5- Assim, quer no primeiro despacho, quer no segundo despacho proferido pelo Tribunal "a quo", a Meritíssima Juiz reconhece que existe contradição entre os depoimentos das testemunhas.
Com efeito,
6- No primeiro despacho proferido o Tribunal "a quo" reconhece que existe contradição entre as declarações prestadas pela testemunha D... com as declarações prestadas pelas testemunhas V..., JC..., N... e B....
7- No segundo douto despacho proferido pelo Tribunal "a quo" também reconhece haver divergência entre os depoimentos prestados pela testemunha H..., e os depoimentos prestados pelas testemunhas V..., JC..., N... e B....
8- No entanto, em ambos os despachos indefere a acareação das testemunhas por entender que a acareação não tem qualquer utilidade para a descoberta da verdade material.
9- Ora, salvo o devido respeito pela opinião contrária entendemos que a acareação das testemunhas, no caso em apreço é fundamental para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa.
10- Na verdade, confrontando as testemunhas, estas podem ser questionadas sobre vários factos de forma a aferir qual o depoimento que é verdadeiro.
11- Efectivamente, é do conhecimento comum, que é muito mais fácil cada testemunhas mencionar os factos que eventualmente ocorreram e que deram origem aos presentes autos, do que confrontar as duas testemunhas sobre a ocorrência dos mesmos factos e em simultâneo confrontá-las com as versões diversas.
12- Sendo certo que, as testemunhas D… e H...afirmaram convictamente ter estado presente no dia, hora e local dos alegados factos de que o arguido vinha acusado.
13- Ao contrário do que afirmaram ás testemunhas V..., JC..., N... e B....
14- Pelo que, deveria o Tribunal "a quo" ter feito oficiosamente a acareação das referidas testemunhas.
15- No entanto, apesar do Tribunal "a quo" não o ter feito, o arguido requereu a acareação das referidas testemunhas.
16- Porém, o Tribunal "a quo" indeferiu tal pedido.
17- Assim, entendemos que em prol do princípio da descoberta da verdade material o Tribunal "a quo" deveria ter deferido a acareação das referidas testemunhas.
18- Pelo que, houve preterição dos direitos de defesa do arguido.
19- Consequentemente, o Tribunal "a quo" violou o princípio de defesa do arguido previsto no art, 32.º do C.R.P, a alínea g) do n.º1 do art. 61.º do C.P.P e o artigo 146.° do C.P.P.
Nestes Termos e Melhores de Direito aplicável,
Seja os despachos recorridos substituídos por outros que autorize a acareação das testemunhas, de forma que sejam exercidos os direitos de defesa do arguido, fazendo-se deste modo verdadeira objectiva serena JUSTIÇA.

2.3. Recurso do despacho de 25 de Julho de 2008, que indeferiu o requerimento de arguição de nulidade da audiência de julgamento (fls. 554 a 566):
1.O arguido requereu a 06.05.2008, cópia da gravação de audiência de julgamento que teve o seu início em 07.04.2008, a qual decorreu com documentação dos respectivos actos e cuja sentença foi proferida no dia 22.04.2008;
2. Ao proceder à sua audição verificou que alguns depoimentos não estavam gravados, sendo que, alguns deles eram absolutamente inaudíveis;
3. Pelo que, arguiu a nulidade da audiência de julgamento em requerimento apresentado a juízo em 23.05.2008;
4. Tendo a Meritíssima Juiz proferido o seguinte despacho:
- " Assim e em face do que vem de se dizer, julga-se extemporânea a arguição da nulidade consistente na omissão/deficiência da documentação das declarações prestadas oralmente em sede de audiência de julgamento, declarando-se, em consequência, tal nulidade sanada e indeferindo-se totalmente o requerido."
5. Considerando a Meritíssima Juiz que: “(…) o referido prazo de 10 (dez) dias, para a arguição da nulidade da omissão da documentação ou a documentação deficiente das declarações prestadas oralmente em sede de audiência de julgamento se contará a partir da leitura da sentença, altura esta a partir da qual, e na sequência do que for decidido, existirá eventualmente interesse em recorrer a matéria de facto dada como provada. Temos, pois, que a leitura da sentença constitui circunstância a partir da qual pode, razoavelmente, exigir-se que o interessado, agindo com diligência, tome conhecimento da eventual nulidade ocorrida, de tal sorte que passa o mesmo a dispor do prazo de dez dias para proceder à correspondente arguição."
6. Ora, salvo o devido respeito pela opinião contrária, entendemos que este entendimento viola todas as garantias do exercício de defesa do arguido.
7. Aliás e salvo melhor opinião este entendimento configura mesmo a violação do princípio basilar constitucionalmente consagrado do duplo grau de jurisdição para o processo criminal, cfr artigo 32.°, da Constituição da República Portuguesa, de ora em diante abreviadamente designada por CRP;
8. Assim, o arguido, seguindo o douto entendimento, antes mesmo de tomar qualquer decisão sobre a apresentação do recurso da sentença, seria obrigado a obter as ditas gravações no mesmo dia em que é proferida a sentença, percorrer cada uma delas também e confirmar se a documentação - que é um ónus do Tribunal - teria sido correctamente efectuada;
9. Fazendo recair sobre o arguido o controlo prévio da correcta ou incorrecta gravação da audiência de julgamento que deveria desde logo, salvo melhor opinião, ser garantido sempre pelo próprio Tribunal.
10. Na verdade, a possibilidade de existirem falhas na gravação da audiência de julgamento deverá ser sempre não expectável por parte do arguido ou do seu mandatário, considerando o disposto no artigo 364.° do CPP, no qual se lê que: "A documentação das declarações prestadas oralmente na audiência é efectuada, em regra, através de gravação magnetofónica ou audiovisual, sem prejuízo da utilização de meios estenográficos ou estenotípicos, ou de outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas.( ... )" sublinhado nosso.
11. Pelo que, a ser detectada pelo arguido que esta reprodução não foi assegurada - em qualquer momento do prazo que o mesmo dispõe para decidir pelo recurso da sentença e preparar a sua motivação - deverá ser desde esse momento em que se iniciará o decurso de qualquer prazo para arguir a referida nulidade.
12. No entanto, no douto despacho a Meritíssima Juiz não considera que o arguido teve conhecimento das indicadas falhas posteriormente e que foi nesse momento que se iniciou o prazo para arguir a referida nulidade;
13. Na verdade, deverá ser nesse momento - em que são detectadas falhas naqueles registos - que se iniciará o prazo para arguir a indicada nulidade;
14. De facto, o Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, veio estabelecer o regime do registo de prova nas audiências de julgamento, pelo que, salvo melhor opinião é aplicável também ao processo penal, cfr artigo 4.° do CPP;
15. Ora, este Diploma não fixa, nem prevê, quaisquer prazos, quer para que o arguido proceda ao pedido e levantamento dos suportes de registo da prova, quer para que leve a efeito o seu exame e audição para, a partir deles, denunciar vícios de gravação;
16. Aliás, neste sentido podemos encontrar o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 01.07.2008, no processo 120/06.8JAGRD, onde se pode ler que: "1. O recorrente não tem a obrigação de tomar conhecimento da falha da gravação logo que recebe as cassetes.
2. Convicto que a gravação não tinha falhas, bem poderia ele decidir-se por ouvi-la no tempo estritamente necessário à entrega atempada da motivação do recurso, ou seja, nos últimos dias para a apresentação do recurso sem que nisto possa apontar-se-lhe qualquer falta de zelo ou violação do dever de diligência. (... )"
17. Na verdade, o arguido arguiu a nulidade da audiência de julgamento por incompletude na documentação efectuada, logo que de tal facto teve conhecimento;
18.Pelo que, a Meritíssima Juiz ao indeferir o requerimento apresentado violou o princípio de defesa do arguido previsto no art. 32.° do C.RP, na alínea i) do n..º1 do art. 61 do C.P.P, e no artigo 364.°, n.º1, conjugado com o artigo 411.°, n.º 4 e 412.°, n.º 4 e 6.
19. E ainda o artigo 9.° do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, bem como o disposto no artigo 205.° do CPC e artigo 121.° do CPP.
Nestes Termos e Melhores de Direito aplicável,
Seja o despacho recorrido substituído por outro que anule o julgamento quanto aos depoimentos do arguido e das testemunhas, de forma que sejam exercidos os direitos de defesa do arguido, fazendo-se deste modo verdadeira e material JUSTIÇA.

3. O Ministério Público respondeu aos recursos interpostos pelo arguido, sustentando que lhes deve ser negado provimento, confirmando-se, consequentemente, as decisões recorridas (fls. 578 a 583).

4. O assistente/demandante civil respondeu, igualmente, aos recursos, sustentando a sua improcedência (fls. 568 e seguintes).

5. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º, do Código de Processo Penal, pronunciou-se no sentido de que não merecem provimento (fls. 592 e seguintes)

6. Foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.


Cumpre agora apreciar e decidir.



II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Segundo jurisprudência constante e pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como o são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2 (entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.99, CJ/STJ, Ano VI, Tomo II, p. 196).

Atento o teor das conclusões, identificam-se como questões que o recorrente pretende sejam apreciadas:

Recurso da sentença:
- deficiência do registo da prova gravada;
- impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- princípio in dubio pro reo;
- enquadramento jurídico-penal dos factos.

Recurso dos despachos interlocutórios que indeferiram as requeridas acareações (fls. 452 a 459):
- saber se o indeferimento das requeridas acareações constituiu preterição dos direitos de defesa do arguido/recorrente.

Recurso do despacho de 25 de Julho de 2008, que indeferiu o requerimento de arguição de nulidade da audiência de julgamento (fls. 554 a 566):
- saber se as invocadas deficiências de gravação da prova foram atempadamente arguidas e se determinam a anulação do julgamento, nos termos pretendidos.


2. A sentença recorrida
2.1. Na sentença proferida na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos (transcrição):
1. No âmbito do Proc. n.º 272-A/2002, que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Anadia, foi determinada a apreensão com remoção de um veículo automóvel em que o arguido se fazia habitualmente transportar.
2. A referida apreensão foi ordenada pelo Mm.º Juiz de Direito e Assistente nos presentes autos, Dr. J… .
3. A ordem supra referida foi pelos militares da G.N.R. cumprida no dia 18.12.2004.
4. Descontente com a apreensão efectuada, o arguido, no mesmo dia mencionado em 3., pelas 17h30, e acompanhado pela sua mãe, E..., entretanto falecida, dirigiu-se ao Posto Territorial da G.N.R. da Anadia.
5. Aí chegado, o arguido interpelou em voz alta e e tom agressivo os militares que se ali encontravam, querendo saber a razão pela qual a G.N.R. havia removido a viatura em questão para aquelas instalações.
6. Depois de informado dos fundamentos da apreensão, o arguido, igualmente em voz alta e tom desabrido, proferiu as seguines expressões: “Os Juízes do Tribunal Judicial de Anadia são todos uns corruptos.
Eu provo. Eles vão ver o que vai acontecer. O que mandaram fazer é um abuso de autoridade. Vou-me queixar à Procuradoria e vai-lhe acontecer o que aconteceu à Juíza do 2.º Juízo do Tribunal da Anadia.
Queixei-me à Procuradoria e foi castigada, por isso agora essa Juíza anda a perseguir-me, quer-se vingar de mim. Ela é uma corrupta dos grandes, mas eu já lhe tratei da saúde e segunda-feira vou apresentar outra queixa contra na Procuradoria.
Quando chegar a casa vou mandar um fax para o Tribunal de Anadia a dizer que os Juízes do Tribunal de Anadia são uns grandes corruptos, principalmente a Juíza do 2.º Juízo”.
7. No 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Anadia desempenhava, à data, funções o Mm.º Juiz de Direito e Assistente nos presentes autos, Dr. J….
8. Da forma descrita em 6., agiu o arguido livre, deliberada e conscientemente, com o propósito concretizado de, ao proferir as expressões descritas dirigidas aos Juízes do Tribunal Judicial de Anadia, entre os quais se contavam o Assistente nos presentes autos, Dr. J…, ofender gravemente a honra, dignidade, respeito, consideração e estatuto profissional de que é o mesmo merecedor, nomeadamente no exercício das funções que lhe estão confiadas como Juiz de Direito
9. Bem conhecendo o significado e alcance das expressões que empregou, pretendeu o arguido fazer crer, desde logo a todos quantos se encontravam presentes, que o Assistente ordenava diligências ilegais, não pautando a sua conduta pelo respeito a todos os cidadãos e à Lei.
10. Agiu o arguido com perfeito conhecimento da falsidade das imputações efectuadas e, ainda, ciente de ser a sua conduta proibida e punida por lei.
Factos relativos à personalidade e condições pessoais
11. O arguido é divorciado e tem dois filhos, com 23 e 9 anos de idade.
12. Exerce a actividade profissional de farmacêutico, retirando da mesma um vencimento mensal líquido na ordem dos Eur.: 1.000,00 (mil euros)
13. Reside em casa própria.
14. Foi condenado, no âmbito do Processo Comum Singular com o n.º 490/03.0 GBAND, que correu os seus termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Anadia, por sentença datada de 25.10.2004 e devidamente transitada em julgado, pela prática, aos 30.08.2003, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291.º, n.º 1, al. b) do Cód. Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de Eur.: 6,00 (seis euros) e, bem assim, na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor por um período de 6 (seis) meses, penas essas entretanto declaradas extintas, por despacho datado de 02.05.2006.
15. O arguido é pessoa respeitada e considerada no meio social em que vive e exerce a sua profissão.
Factos atinentes ao pedido de indemnização civil formulado
16. Mercê da actuação do arguido/demandado, descrita em 4. a 6. o Assistente/Demandante sentiu-se, e sente-se até hoje, incomodado e vexado, tanto mais que pauta a sua actuação profissional por um grande sentido de responsabilidade.

2.2. Quanto a factos não provados consta da sentença recorrida (transcrição):
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão a proferir.

2.3. O tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):
Para a formar a respectiva convicção, o Tribunal atendeu, desde logo, para além dos elementos documentais juntos aos autos, nomeadamente constantes de fls. 20-39, ao teor conjugado das declarações prestadas em sede de audiência de julgamento pelo próprio arguido e dos depoimentos das várias testemunhas inquiridas.
Desde logo, o arguido, confirmando ter acorrido ao Posto Territorial da G.N.R. da Anadia, no dia e hora em causa, na sequência da apreensão e remoção de uma viatura automóvel, afirmou que ali o acompanharam, para além de sua mãe, E..., também ela constituída arguida nos presentes autos e contra a mesma tendo sido proferida acusação – , entretanto falecida, D... e o filho desta, de nome F....
Ali chegados, insistindo que, ante a situação que o aborrecera, era sua mãe quem se mostrava revoltada e, até, muito exaltada – na medida em que, segundo explicou, o veículo apreendido pertencia àquela e não a si, executado nos correspondentes autos – depararam-se ainda H..., com quem alegadamente o arguido havia combinado encontrar-se naquele local. Logo interpelaram – ele próprio e sua mãe – os militares da G.N.R. quanto ao motivo pelo qual havia a viatura em causa sido apreendida e removida para as instalações daquele Posto.
Ante a situação de tensão gerada entretanto – e que o arguido insistentemente atribuiu ao estado exaltado da mãe, a qual, “furiosa”, procurou acalmar – nega aquela alguma vez ter proferido as expressões que lhe são imputadas. Aliás, entende que as acusações que lhe são feitas pelos militares da G.N.R. - os quais acusa de propositadamente omitirem a presença no local das testemunhas D..., F... e H... – só terão explicação na tentativa de colmatar erros pelos mesmos cometidos no cumprimento da ordem de apreensão da viatura no âmbito do processo executivo competente.
Mais, acrescenta ter profundo respeito pelos magistrados em geral e, em particular, pelo ofendido nos presentes autos, que jamais pretendeu atingir.
Numa tentativa de – forçadamente, adiante-se – compor a versão apresentada pelo arguido, depuseram entretanto as testemunhas pelo mesmo apresentadas, D... (amiga do mesmo) e H… (que com aquele mantém relação comercial).
A primeira, afirmando ter, juntamente com o seu filho F..., acompanhado o arguido e sua mãe, na data em questão, até ao Posto da G.N.R., o que fizeram a pedido daquele, começou logo por referir que a segunda “ia alterada”, sendo que, logo à entrada das instalações em causa e dirigindo-se ao militar de serviço, “bateu com a mão no balcão e perguntou «eu quero saber porque é que levaram o meu carro»”.
Dali, e como espontaneamente começou por referir, “foram lá para trás”, para logo corrigir e referir “fomos todos lá para trás”, querendo referir-se às traseiras das instalações, onde se situa o parqueamento automóvel, para onde se terá dirigido atravessando o interior do Posto. Ali, encontrando-se outros militares da G.N.R., esclarecendo “não me lembro da cara das pessoas”, afirma terem-se mantido todos na conversa junto à viatura em causa. Sobre as expressões que o arguido é acusado de haver proferido afirmou “eu não ouvi nada”, “não disse nada”.
No fim, e apenas quando directamente questionada pelo Tribunal nesse sentido, é que a testemunha recordou a presença no local igualmente da testemunha H… .
Inquirido este, entretanto, referiu que no dia em questão o arguido lhe telefonou pois precisava de um trabalho com urgência, tendo então ambos combinado um encontro junto ao Posto Territorial da G.N.R. da Anadia. Já ali se encontrava quando o arguido ali chegou, acompanhado pela sua mãe, pela testemunha D… e pelo filho desta, de nome F....
Referindo “na altura não sabia o que se passava”, afirmou que todos foram avançando para o parque, ali entrando por um portão directo de acesso. “Fiquei um pouco a falar com o filho da D. D... ... depois fui avançando para junto do carro”, tendo referido haver avistado o arguido e sua mãe do mesmo se aproximarem contornando o edifício em questão. No referido parque encontravam-se vários militares da G.N.R. e, ali, afirmando não ter ouvido o arguido proferir quaisquer das expressões que lhe são imputadas, referiu “ouvi, de facto, a mãe dele, muito exaltada, a ralhar... a barafustar”, mas ele “nervoso, limitava-se a lamentar a situação”.
Em sentido diametralmente oposto com a versão apresentada pelo arguido e que o depoimento das testemunhas D... e H... tentou – sem sucesso, adiante-se, nomeadamente atendendo às claras contradições entre os mesmos existentes e evidenciáveis pela síntese dos mesmos supra exposta – sufragar, depuseram, de forma consonante, objectiva e isenta – e, portanto, por forma a merecer a credibilidade do Tribunal – os militares da G.N.R. inquiridos em sede de audiência de julgamento, quais sejam V…, C…, M... e L....
Do teor conjugado dos depoimentos prestados pelos referidos militares resulta, pois, que, no dia e hora descritos na acusação, o arguido se dirigiu ao Posto da G.N.R., acompanhado pela sua mãe, com vista a esclarecer a situação atinente à apreensão de uma viatura que, alegadamente, pertenceria à segunda. Tendo-se apresentado ambos exaltados, desde logo, perante o Cabo JC..., o qual se encontrava de serviço, no respectivo balcão de atendimento ao público, acompanhou-os – e apenas aos dois – este até às traseiras das instalações, onde se situa o respectivo parque automóvel e cavalariças, fazendo-o pelo interior do Posto, área restrita aquela à qual se poderá apenas ter acesso com o devido acompanhamento.
A caminho já o arguido manifestara o seu desagrado com a situação, afirmando que a mesma configurava um “abuso de autoridade”, ante o que, desde logo, pelo militar em referência lhe foi explicado que a apreensão resultava de ordem judicial nesse sentido.
De seguida, já junto à viatura apreendida, e do interior da qual o arguido acabou por retirar alguns objectos pessoais, com a autorização dos militares presentes. Ali, o arguido, cada vez mais exaltado, “começou a disparatar”, em tom arrogante, proferindo, insistente e repetidamente, o rol de expressões constantes dos factos provados, só tendo parado quando advertido para o efeito pelo Cabo B..., que, desabafou “já estava cansado de o ouvir”.
Ouvido foi, ainda, o Assistente que, entre o mais, referiu ter tomado conhecimento dos factos, primeiro verbalmente e depois por escrito, na sequência de ofícios remetidos pela G.N.R. Tendo-se sentido directamente atingido pelas expressões proferidas pelo arguido – pese embora as mesmas o tenham sido no plural – salientou que as que mais o marcaram foram a insinuação de “abuso de autoridade” da sua actuação profissional e a da alegada “corrupção” da sua conduta, enquanto magistrado.
Em especial com relação do pedido de indemnização civil, atendeu o Tribunal, para além do teor das declarações prestadas pelo próprio Assistente/Demandante, aos depoimentos das testemunhas G... e I…, as quais exerciam igualmente à data dos factos funções como magistrados, respectivamente judicial e do Ministério Público, no Tribunal Judicial de Anadia e que conviveram, de perto, com o ofendido.
No que se refere à personalidade, às condições sócio-económicas do arguido, a convicção do Tribunal estribou-se, respectivamente, nas declarações por aquele prestadas, corroboradas pelos depoimentos das testemunhas por si arroladas – nomeadamente JM… (tendo este prestado o depoimento escrito constante de fls. 365), CJ… (irmã do arguido), AJ…., FA… e NA… .
No que toca aos antecedentes criminais do arguido, o Tribunal considerou o teor do respectivo certificado de registo criminal junto aos autos a fls. 247/248.


3. Apreciando
Seguindo uma ordem lógica de conhecimento das questões suscitadas nos recursos, passaremos a apreciar, primeiramente, o recurso dos despachos interlocutórios relativos às acareações, de seguida o recurso do despacho que indeferiu o requerimento de arguição de nulidade, com base na deficiência do registo da prova e, finalmente, o recurso da sentença condenatória.


1. No decurso da audiência de julgamento, no dia 7 de Abril de 2008, a defensora oficiosa do arguido requereu a realização de acareação entre a testemunha D... e as testemunhas V..., M... e L..., militares da G.N.R. (num primeiro momento) e entre a testemunha H... e os referidos militares (num segundo momento), ao abrigo do disposto no artigo 146.º, n.º1, do C.P. Penal.
Em ambos os casos, a M.ma Juíza indeferiu a realização das requeridas acareações, por entender que, por um lado, em função do teor dos depoimentos em causa e, por outro, em razão do princípio da livre apreciação da prova, não se vislumbrava a utilidade para a descoberta da verdade da realização das diligências de prova requeridas.
O Título II do Livro III do C.P.P., que tem como epígrafe «Dos meios de prova», nos seus sete capítulos, trata sucessivamente: da prova testemunhal; das declarações do arguido, do assistente e das partes civis; da prova por acareação; da prova por reconhecimento; da reconstituição do facto; da prova pericial e da prova documental.
Dispõe o n.º 1 do artigo 146.º do C.P. Penal:
«É admissível acareação entre co-arguidos, entre o arguido e o assistente, entre testemunhas ou entre estas, o arguido e o assistente, sempre que houver contradição entre as suas declarações e a diligência se afigurar útil à descoberta da verdade.»
Em face de tal normativo, conclui-se que a acareação é um meio de prova admissível que depende de duas condições:

1- Haver contradição entre as declarações;
2 - A diligência afigurar-se útil à descoberta da verdade.

Este meio de prova é subsidiário dos meios de prova declaratórios e o seu valor probatório é de apreciação livre pelo tribunal.
Como refere Marques Ferreira, «Raramente se extraem resultados directos da acareação quanto à indagação da verdade relevando esta mais pelas indicações que pode fornecer no âmbito da razão de ciência dos acareados e da forma mais ou menos desapaixonada com que depõem e pela importância que, futuramente, poderá revestir na fundamentação da convicção do tribunal» (“Meios de Prova”, Jornadas de Direito Processual Penal – O Novo Código de Processo Penal, Almedina, 1988, p. 251).
Germano Marques da Silva realça que a acareação tem por finalidade o esclarecimento de depoimentos divergentes sobre o mesmo facto. Com efeito, a divergência de depoimentos pode resultar de naturais divergências na apreensão das sensações, retenção na memória e sua transmissão pelo depoimento. Sendo as divergências, muitas vezes, tão-só aparentes, resultando de omissões involuntárias ou de deficiências de expressão nos depoimentos, a acareação poderá, eventualmente, permitir o seu esclarecimento (cfr. a este propósito, o referido autor, Curso de Processo Penal, II, Verbo, 4.ª edição, pp. 209 a 211).
Não bastando, para que se lance mão a este meio de prova subsidiário, a mera verificação da existência de contradições entre declarações ou depoimentos, o juízo sobre a utilidade desta diligência probatória compete ao julgador.
No caso concreto, os requerimentos indeferidos limitavam-se a dizer que, considerando as declarações prestadas «e por se afigurar útil à descoberta da verdade», se requeria a acareação, sem nada mais especificar.
Os despachos recorridos, ainda que sem se alongarem na fundamentação, assinalaram a existência de depoimentos contraditórios, mas não reconheceram utilidade na realização das diligências probatórias requeridas, quer considerando o teor das próprias declarações, quer o princípio da livre apreciação da prova.
Como se disse, a acareação, como meio de prova, tem uma função subsidiária e não é imposta por Lei, já que o tribunal pode não realizar essa diligência se não se lhe afigurar útil à descoberta da verdade
Em situações como a dos autos, em que se contrapõem versões totalmente opostas e inconciliáveis, não se visando, por conseguinte, esclarecer possíveis divergências aparentes, normalmente os acareados mantêm a sua versão dos factos, revestindo-se a acareação de muito escassa utilidade.
Acresce que os requerimentos em causa também nada tinham especificado quanto à concreta utilidade que se pretendia alcançar através das pretendidas acareações dos militares da G.N.R. com a referidas testemunhas D... e H..., em relação às quais o Ministério Público havia pedido cópia dos registos da prova para instauração de inquérito.
Afigura-se-nos, pois, que ao tribunal de 1.ª instância, a quem incumbe apreciar e valorar a prova no quadro do princípio da livre apreciação, cabia ajuizar sobre a relevância da realização das acareações em causa, em ordem à descoberta da verdade, de acordo com um juízo de utilidade, o que não envolve qualquer preterição dos direitos de defesa, ao contrário do que é invocado pelo recorrente.
Aliás, o recorrente parece partir do pressuposto, equivocado, de que a existência de contradição entre depoimentos determina, obrigatória e necessariamente, a realização de acareação, olvidando a necessidade da mediação de um juízo sobre a utilidade dessa diligência probatória.
Ainda que se admita a sindicabilidade desse juízo, entendemos que, no caso vertente, não existem razões que impusessem a realização das pretendias acareações, não decorrendo dos despachos recorridos, como consequência, qualquer preterição dos direitos de defesa do recorrente.
Termos em que, nesta parte, improcede o recurso.

2. É objecto de recurso o despacho proferido em 25 de Julho de 2008 que indeferiu o requerimento em que fora arguida a nulidade da audiência de julgamento por deficiências de gravação da prova.
Nesse requerimento, remetido ao tribunal por fax no dia 23 de Maio de 2008, tendo carimbo de registo de entrada datado de 26 de Maio de 2008, o arguido, ora recorrente, invocava, em síntese: que as suas declarações eram perceptíveis, não o sendo as perguntas colocadas pela M.ma Juíza, pelo Ministério Público e pelas advogadas; que relativamente ao depoimento da testemunha JC..., é perceptível apenas o seu depoimento no lado A da cassete n.º 809, entre as rotações 2438 e 2440, porém não são perceptíveis as questões efectuadas, sendo que o depoimento continua no lado B mas não é audível até ao fim; o depoimento da testemunha AJ… é completamente imperceptível; do depoimento da testemunha D... apenas são perceptíveis algumas expressões; do depoimento da testemunha H... apenas são audíveis algumas frases.
A fls. 534, a secção informou nos seguintes termos:
«CONC. - 10-07-2008, com a informação a V.ª. Ex.ª, que tendo questionado o Escrivão-Auxiliar – Y…, que esteve nessa altura aquando das gravações na sala de audiência de julgamento, pelo mesmo foi dito que se verifica que a gravação foi efectuada, sendo audível mas com dificuldade porque o som é baixo, com ruído de fundo, mas perceptível, mas também se reconhece que mesmo assim depende das cassetes, porque algumas ouvem-se bem, como eu próprio verifiquei, decerto porque certas pessoas falam mais alto, e também depende do timbre da voz, devendo estar concentrado quem pretende ouvir a referida gravação, das cassetes em causa, tendo em conta que se procedeu à audição das mesmas no gravador portátil de marca "Sony", uma vez que o sistema de gravação que existia na altura da realização dos julgamentos, foi retirado e substituído por um sistema digital, o que permitiria uma audição das cassetes de forma diferente com uma qualidade melhor, porque foi nesse sistema que se procedeu à gravação do julgamento
O despacho que recaiu sobre o requerimento de arguição de nulidade – e que é o despacho recorrido – tem o seguinte teor:
«Fls. 469-471:
O arguido A... veio, a fls. 469-471 e pelas razões aí invocadas, requerer, em síntese, que seja declarada a verificação de deficiência na gravação dos actos produzidos em sede de audiência de julgamento, o que, sustenta, constitui circunstância determinante de nulidade processual, precisamente por se apresentar como susceptível de influir decisivamente no Julgamento e afectar a justa decisão da causa.
Atento o teor de requerimento em epígrafe, foi pelo próprio tribunal apreciada a qualidade dos suportes magnéticos da prova produzida em sede de audiência de julgamento, tendo entretanto sido declarados interrompidos os prazos em curso (cfr. fls. 130).
Notificados os demais intervenientes para se pronunciarem, querendo, nada foi pelos mesmos dito.
Isto posto e com relevância para a apreciação e decisão da questão em sujeito, importa considerar a seguinte factualidade:
a) No dia 07.04.2008 teve nos presentes autos início a audiência de discussão e julgamento, a qual decorreu com documentação dos respectivos actos, razão pela qual se procedeu à gravação da prova produzida oralmente;
b) Aos 22.04.2008, foi proferida sentença nos autos em curso, a qual foi de imediato depositada na respectiva Secretaria;
c) Em 02.05.2008, foram entregues ao arguido os suportes de registo magnético da prova produzida em sede de audiência de julgamento;
d) Foi remetido a juízo, via fax, datado de 26.05.2008, requerimento de interposição de recurso da matéria de facto, apresentado pelo arguido;
e) O requerimento que ora se aprecia foi remetido a juízo, por via fax datado de 23.05.2008;
f) Encontra-se inaudível parte dos suportes de registo magnético da prova oralmente produzida em sede de audiência de julgamento, respeitante às questões colocadas pelo tribunal, Ministério Público e Ilustres Advogadas ao arguido e, bem assim, aos depoimentos prestados pelas testemunhas JC... (em parte), AJ…, D... e H....
Enunciados os factos a considerar, importa atender, com relevância para a decisão a proferir, que, em conformidade com o disposto no art. 118.°, n.º 1 do Cód. Proc. Penal, a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei. A referida previsão normativa consagra o denominado princípio da legalidade relativamente às nulidades processuais, com o alcance de que as mesmas se têm por verificadas apenas nos casos em que resultarem expressamente tipificadas como tal pela lei, em concretização do princípio positivista "pas de nulités sans texte".
O enunciado princípio da tipicidade abrange a própria qualificação da nulidade como insanável ou sanável, de tal sorte que apenas são passíveis de revestir o primeiro dos referidos atributos aquelas que como tal forem classificadas por lei - cfr. arts. 119.° e 120.° do Cód. Proc. Penal.
Definido o mencionado princípio basilar, dele resulta que a violação ou a inobservância de disposições da lei de processo penal nos casos em que a lei as não cominar com nulidade, confere ao acto correspondentemente praticado o atributo de meramente irregular - cfr. n.º 2 do art. 118.° do Cód. Proc. Penal. Pode, assim, dizer-se que a irregularidade constitui uma categoria atípica e residual relativamente à nulidade [neste sentido, António Augusto Tolda Pinto, "in" A Tramitação Processual Penal, 2.ª ed., 2001, Coimbra Editora, Coimbra, p. 253; e Germano Marques da Silva, "in" Curso de Processo Penal, Vol. II, 3.ª ed., Verbo, 2002, p. 86].
Entretanto, com relevância para a questão a decidir, importa considerar a previsão dos arts. 363.° e 364.°, n.º 1 do Cód. Proc. Penal, na redacção entretanto introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29.08, de acordo com os quais "as declarações prestadas oralmente em audiência são sempre documentadas, sob pena de nulidade", documentação essa que é efectuada, em regra, através de gravação magnetofónica ou audio-visual.
Delineado o quadro normativo a considerar, temos que, ouvidos os suportes de registo magnético da prova, verifica-se, efectivamente, que parte da prova oralmente produzida não ficou registada.
Aqui chegados, e atento o quadro normativo actualmente vigente, verifica-se que a omissão da documentação ou a documentação deficiente das declarações prestadas oralmente (sendo deficiente a documentação que não permita ou impossibilite a captação do sentido das palavras dos declarantes) constitui uma nulidade sanável – desde logo porque não cabe na previsão legal das nulidades insanáveis –, nestes termos ficando prejudicada a jurisprudência fixada no Ac. ST J n.º 5/2002, que entendia existir uma irregularidade neste caso e cuja não inconstitucionalidade foi confirmada pelo Ac. TC n. ° 208/2003 (neste sentido, veja-se Paulo Pinto de Albuquerque, in «Comentário ao Código de Processo Penal», Un. Católica Portuguesa, pág. 906). E, a nulidade pode ser total ou parcial, neste caso se for omitida a documentação de parte da prova produzida na audiência ou se a documentação deficiente disser respeito a parte da prova produzida na audiência, sendo que em qualquer destes casos a repetição da produção de prova só terá lugar em relação à parte omitida ou deficientemente documentada, por força do princípio do máximo aproveitamento dos actos processuais inválidos - cfr. art. 122.°, n.º 1 do Cód. Proc. Penal.
Desta feita, a nulidade sana-se se não for tempestivamente arguida, no prazo de 10 (dez) dias, colocando-se aqui, precisamente, a questão de saber desde quando começa a contar-se tal prazo de arguição. De acordo com uma corrente de entendimento, de entre a qual destacamos Paulo Pinto de Albuquerque (ob. cit., o referido prazo de arguição da nulidade contar-se-á "a partir da audiência, acrescido do tempo que mediou entre a entrega do suporte técnico pelo sujeito processual interessado ao funcionário e a entrega de cópia do suporte técnico ao sujeito processual que a haja requerido". E, ainda de acordo com aquele mesmo autor, "se a audiência de julgamento se prolongar por várias sessões, o prazo conta-se a partir de cada sessão da audiência, acrescido do tempo que mediou entre a entrega do suporte técnico pelo sujeito processual interessado ao funcionário e a entrega de cópia do suporte técnico ao sujeito processual que a haja requerido".
Partindo do entendimento supra explanado, adoptamos, porém, uma posição mais moderada, considerando que o referido prazo de 10 (dez) dias, para a arguição da nulidade resultante da omissão da documentação ou a documentação deficiente das declarações prestadas oralmente em sede de audiência de julgamento se contará a partir da leitura da sentença, altura esta a partir da qual, e na sequência do que for decidido, existirá eventualmente interesse em recorrer a matéria de facto dada como provada. Temos, pois, que a leitura da sentença constitui circunstância a partir da qual pode, razoavelmente, exigir-se que o interessado, agindo com diligência, tome conhecimento da eventual nulidade ocorrida, de tal sorte que passa o mesmo a dispor do prazo de dez dias para proceder à correspondente arguição.
Dito isto e vertendo ao caso, temos que, no dia 07.04.2008 teve nos presentes autos início a audiência de discussão e julgamento, a qual decorreu com documentação dos respectivos actos, razão pela qual se procedeu à gravação da prova produzida oralmente, tendo aos 22.04.2008, sido proferida sentença nos autos em curso, a qual foi de imediato depositada na respectiva Secretaria. Entretanto, em 02.05.2008, foram entregues ao arguido os suportes de registo magnético da prova produzida em sede de audiência de julgamento, tendo por requerimento remetido a juízo, por via fax datado de 23.05.2008, sido arguida a nulidade resultante da omissão/deficiência da documentação das declarações prestadas oralmente em sede de audiência de julgamento.
Assim e em face do que vem de se dizer, julga-se extemporânea a arguição da nulidade consistente na omissão/deficiência da documentação das declarações prestadas oralmente em sede de audiência de julgamento, declarando-se, em consequência, tal nulidade sanada e indeferindo-se totalmente o requerido.
Notifique, sendo que os restantes intervenientes processuais deverão sê-lo, ainda, para efeitos de reinício do prazo para a apresentação das contra-alegações de recurso.
D.N.»

2.1. Preceituava o artigo 363.º do C.P.P., antes das alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto:
«As declarações prestadas oralmente na audiência são documentadas na acta quando o tribunal puder dispor de meios estenotípicos, ou estenográficos, ou de outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas, bem como nos casos em que a lei expressamente o impuser.»
Debateu-se, amplamente, a finalidade da documentação das declarações, tendo em vista o disposto no referido artigo 363.º, e bem assim no artigo 364.º do C.P.P., discutindo-se, entre outras questões, a obrigatoriedade da documentação da prova produzida perante tribunal colectivo, questão que não obteve uma resposta unânime da jurisprudência, incluindo a do S.T.J.
Entretanto, foi publicado o Acórdão do S.T.J. n.º 5/2002 (D.R., I Série-A, de 17 de Julho de 2002), que fixou jurisprudência nos seguintes termos:
«A não documentação das declarações prestadas oralmente na audiência de julgamento, contra o disposto no artigo 363.º do Código de Processo Penal, constitui irregularidade, sujeita ao regime estabelecido no artigo 123.º do mesmo diploma legal, pelo que, uma vez sanada, o tribunal já dela não pode conhecer.»
Temos, então, que a documentação era obrigatória e que a sua falta constituía uma irregularidade processual.
Não se pense, porém, que a jurisprudência fixada resolveu todas as querelas, pois subsistiram divergências jurisprudenciais quanto à possibilidade de conhecimento oficioso pelo tribunal da irregularidade traduzida na falta de gravação ou gravação deficiente, ao abrigo do disposto no artigo 123.º, n.º2, do C.P. Penal.
A Lei n.º 48/2007 alterou a redacção do artigo 363.º, do qual passou a constar:
«As declarações prestadas oralmente na audiência são sempre documentadas na acta, sob pena de nulidade.»
O artigo 364.º, por sua vez, estabelece, sobre a forma da documentação, que as declarações prestadas oralmente na audiência são documentadas, em regra, através de gravação magnetofónica ou audiovisual, sem prejuízo da utilização de meios estenográficos ou estenotípicos, ou de outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas.
Com esta alteração legislativa, caducou a jurisprudência fixada pelo S.T.J. no referido Acórdão 5/2002.
Assim, não pode subsistir qualquer dúvida quanto à obrigatoriedade da documentação das declarações prestadas oralmente na audiência e quanto à consequência jurídico-processual para o caso da não documentação – que é a nulidade.
Tal consequência é desencadeada não apenas nos casos de falta ou ausência de documentação, mas também nas situações de deficiência de documentação.

2.2. Configurada como nulidade a falta ou ausência de documentação, assim como a deficiência de documentação – e esta será aquela deficiência que não permite que a documentação realize as suas finalidades, por inaudibilidade da gravação ou outro motivo relevante –, afigura-se-nos que se trata de uma nulidade sanável e dependente de arguição, porquanto não integra o elenco das nulidades insanáveis.
E, naturalmente, a sua arguição deverá ser feita por meio de requerimento formulado perante o tribunal de 1.ª instância, dentro do prazo legal previsto no artigo 105.º, n.º1, do C.P.P., e não directamente na motivação de recurso interposto da sentença.
Mantém-se actual a jurisprudência a que Alberto dos Reis aludia, em sede de processo civil, quando citava o postulado «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se».
Só a nulidade de sentença penal pode ser arguida em sede de recurso da decisão final e, portanto, em prazo superior àquele prazo legal supletivo, sendo certo que a nulidade por falta ou deficiência de documentação reporta-se a actos ocorridos numa fase prévia à sentença e que não a inquinam com qualquer nulidade das previstas no artigo 379.º do C.P.P., pelo que se submete ao regime geral sobre nulidades processuais.
Da decisão proferida sobre o requerimento de arguição de nulidade caberá recurso, nos termos gerais.

2.3. Ainda quanto à arguição da nulidade perante o tribunal de 1.ª instância, importa identificar situações distintas.
No caso de o tribunal não proceder, pura e simplesmente, à documentação da prova – o que acontecerá raramente, pois todos os tribunais estão apetrechados com os equipamentos de gravação –, a nulidade respectiva deve ser arguida pelo interessado no próprio acto, nos termos do disposto no artigo 120.º, n.º1 e 3, alínea a), do C.P.P., por se tratar de omissão que é pública e patente.
Diferentemente, quando se trate de documentação deficiente, por inaudibilidade dos depoimentos gravados, só quando se procede, posteriormente, à análise das gravações é que a deficiência poderá ser detectada, já que enquanto decorre a gravação é ao funcionário do tribunal que incumbe averiguar se o aparelho de gravação está a funcionar correctamente.
Já se disse supra que o prazo de arguição, na falta de disposição legal em contrário, terá de ser o prazo legal de 10 dias (artigo 105.º, n.º 1, do C.P.P.).
Como contar tal prazo?
Paulo Pinto de Albuquerque sustenta que a nulidade em causa sana-se «se não for tempestivamente arguida, contando-se o prazo de dez dias (artigo 105.º, n.º1) a partir da audiência, acrescido do tempo que mediou entre a entrega do suporte técnico pelo sujeito processual interessado ao funcionário e a entrega da cópia do suporte técnico ao sujeito processual que a tenha requerido. Se a audiência de julgamento se prolongar por várias sessões, o prazo conta-se a partir de cada sessão da audiência, acrescido do tempo que mediou entre a entrega do suporte técnico pelo sujeito processual interessado ao funcionário e a entrega da cópia do suporte técnico ao sujeito processual que a tenha requerido (…)» (Comentário do Código de Processo Penal, UCE, 1.ª edição, p. 906).
É certo que os sujeitos processuais podem ter acesso, no final de cada sessão de julgamento, às respectivas cassetes ou CD`s, devendo o funcionário, sempre que for realizada gravação, entregar no prazo de 48 horas uma cópia a qualquer sujeito processual que a requeira e forneça ao tribunal o suporte técnico necessário, de harmonia com o disposto no artigo 101.º, n.º3, do C.P. Penal.
Em todo o caso, parece-nos que esse será um ónus excessivo e desproporcionado, imposto aos sujeitos processuais, que só têm interesse no registo da prova, na grande maioria das vezes, para ponderar a necessidade de interpor recurso visando a reapreciação da matéria de facto.
A circunstância de qualquer sujeito processual poder requerer, como se disse, em cada sessão, cópia da gravação, não significa que fique impedido de actuar de outro modo, fazendo apenas tal pedido posteriormente ou mesmo tão-só após a leitura da sentença ou acórdão.
Por isso, entendemos, em consonância com o já decidido pela Relação do Porto, em acórdão de 29 de Outubro de 2008 (processo: 4934/08-4, www.dgsi.pt), que o prazo de dez dias para arguir a referida nulidade inicia-se no dia em que os suportes técnicos com o registo das gravações ficam à disposição do sujeito processual interessado.
Em conclusão, o termo inicial do prazo de 10 dias ocorre no dia em que os suportes técnicos com o registo das gravações ficam à disposição dos sujeitos processuais, visto que só nesta data poderão os interessados tomar conhecimento da omissão ou deficiência da gravação do registo da prova, estando a partir desta data habilitados a arguir o respectivo vicio.

2.4. Regressando ao caso em apreço, importa salientar que o cerne das deficiências de documentação apontadas tem a ver com a inaudibilidade de perguntas feitas ao arguido e testemunhas.
A informação da secção dá conta de dificuldades de audição, mas dizendo que, ainda assim, a gravação é audível, exigindo concentração por parte de quem a pretende ouvir.
O despacho recorrido, por seu turno, atesta que parte dos suportes de registo magnético da prova oral, respeitantes às questões colocadas pelo tribunal, Ministério Público e advogados ao arguido e às testemunhas JC..., AJ…, D... e H... se encontra inaudível.
Da nossa parte, ouvidas as cassetes que nos foram remetidas, constatámos que, por vezes, é efectivamente difícil, ou mesmo impossível, ouvir as questões colocadas.
Porém, ainda que carecendo de grande concentração e de colocação do som no volume máximo, é possível perceber as declarações do arguido e os depoimentos das testemunhas JC... (com excepção de alguns segmentos do lado B da cassete 309), AJ… – desde que o som seja colocado no máximo e que se escute de forma particularmente atenta –, e bem assim, sem dificuldades de maior, das testemunhas D... e H.... Ignoramos se tal audibilidade se deve ao esforço que fizemos na audição das gravações ou à qualidade das cópias das cassetes que nos foram remetidas.
A circunstância de, por vezes, as perguntas não serem perceptíveis, não é, a nosso ver, particularmente relevante, se, como é o caso, as respostas forem audíveis e, por via delas, ser perfeitamente compreensível o contexto a que se referem.
Porém, mesmo admitindo que as cópias a que o recorrente teve acesso estavam em piores condições do que as cassetes a que tivemos acesso, importa reter que está documentada nos autos a entrega ao arguido, em 2 de Maio de 2008, dos suportes de registo magnético da prova produzida em sede de audiência de julgamento.
O requerimento de arguição de nulidade foi remetido ao tribunal recorrido, por via fax, no dia 23 de Maio de 2008.
Aplicando o critério supra definido quanto ao termo inicial do prazo de arguição de nulidade, conclui-se, facilmente, que a arguição não foi tempestiva.
Por conseguinte, conclui-se que o recurso, nesta parte, também não merece provimento, sem que se vislumbre que o despacho recorrido haja violado o artigo 32.º da C.R.P., a alínea i) do n.º1 do artigo 61.º, o artigo 364.º, n.º1 e os artigos 411.º, n.º 4 e 412.º, do C.P.P., invocados pelos recorrente, ou o artigos 9.º do DL n.º 39/95, de 15 de Fevereiro e 205.º do C.P. Civil, estes últimos, salvo melhor opinião, sem qualquer pertinência.

3. Recurso da sentença

3.1. O recorrente retoma a invocação da deficiência do registo da prova.
Já dissemos que a nulidade decorrente de falta ou ausência de documentação, assim como de deficiência de documentação, tem de ser objecto de arguição junto do tribunal de 1.ª instância e não suscitada directamente ao tribunal superior por via de recurso da sentença ou acórdão.
Tal nulidade foi efectivamente arguida na 1.ª instância, apreciada e decidida, sobre tal despacho recaiu recurso sobre o qual já nos pronunciámos.
Assim, não tem que ser retomada no âmbito do recurso da sentença condenatória.
O mesmo acontece com a questão relativa às acareações, também já apreciada.

3.2. Muito embora tenha arguido a deficiência da documentação da prova, certo é que o recorrente não deixou de impugnar a decisão sobre a matéria de facto.
Dispõe o artigo 428.º, n.º 1, do C.P.P., que os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito.
A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de “revista alargada”; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.º3, 4 e 6, do mesmo diploma.
No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410.º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento.
No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do C.P. Penal.
Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. Tal recurso não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados (sobre estas questões, os Acordãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, de 3 de Julho de 2008, Processo 08P1312, a consultar em www. dgsi.pt).

3.3. Como realçou o S.T.J., em acórdão de 12 de Junho de 2008 (Processo:07P4375, www.dgsi.pt), a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:
- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do ónus de especificação a que se refere o artigo 412.º, n.º3, do C.P.P., pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações;
- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso;
- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º – também neste sentido o Ac. da Relação de Lisboa, de 10.10.2007, proc. 8428/2007-3, disponível para consulta em www.dgsi.pt].

3.4. No caso em apreço, o recorrente indica como factos incorrectamente julgados os que constam dos n.º 5, 6, 8, 9 e 10 dos factos provados.
Como se alcança da motivação de recurso, o essencial da discordância reside na credibilidade que o recorrente reconhece aos depoimentos das testemunhas D... e H....
Sempre se dirá que, quanto ao depoimento de AJ…, na cassete 811, lado A, que o recorrente diz ser completamente imperceptível, este tribunal, procedendo à audição do registo gravado, de forma muito atenta e com o volume no máximo, logrou entender tal depoimento, verificando-se que a testemunha em causa disse, essencialmente: não ter conhecimento directo dos factos; na altura do factos, a mãe do arguido telefonou à testemunha, mostrando-se bastante indignada pelo que havia ocorrido com a apreensão da viatura, considerando que se tratava de uma injustiça, sem base legal; a testemunha limitou-se a dizer à sua amiga que esses assuntos seriam resolvidos com paciência e nunca emocionalmente e que o mais fácil seria fazer um requerimento ao processo; por aquilo que conhece do arguido, pessoa que conhece muito bem, «como a palma das minhas mãos», não acredita que este fosse capaz de, perante um agente da autoridade, «ter atitudes que possam ser incriminadas».
Como se vê, quanto aos concretos factos imputados, esta testemunha nada disse porque nada presenciou.
Quanto à testemunha D..., também o tribunal logrou ouvir bem mais do que as expressões isoladas que o recorrente invoca.
Assim, a testemunha disse, no essencial: que estava em casa quando o arguido foi pedir ao seu filho (da testemunha, entenda-se) para o levar à G.N.R.; no carro do filho da testemunha seguiu esta, o seu filho, o arguido e respectiva mãe; quando chegaram ao posto, a testemunha nem era para entrar, mas acabou por fazê-lo; a mãe do arguido estava alterada e bateu com a mão na mesa onde estava o militar da G.N.R., dizendo que queria saber a razão de lhe terem apreendido o carro; depois foram lá para trás onde estava o carro; estiveram lá «um bocadinho»; quanto a palavras ofensivas que o arguido tenha dito, respondeu «eu não ouvi nada nem ele disse nada»; esteve perto do carro, mas não viu o arguido ir buscar alguma coisa que estivesse dentro da viatura, dizendo «não sou obrigada a ver tudo» e «tenho dois olhos não posso ver tudo». Advertida pelo Ministério Público – e ouve-se perfeitamente tal advertência – quanto ao dever de dizer a verdade, manteve que estava a falar verdade. Questionada sobre o propósito que o arguido tinha ao ir ao posto da G.N.R., atrapalhou-se um pouco, dizendo que foi por causa do carro, mas não saber porquê. Questionada sobre a razão de ter ido às traseiras, onde se encontravam os carros apreendidos, respondeu que foi «para ver o carro», sem outra explicação. A dada altura, o filho disse-lhe para se irem embora, ao que a testemunha respondeu que esperassem mais um bocado para saírem todos juntos. Disse que viu lá um cavalo, ao que a M.ma Juíza observou que não é preciso ir ao posto da G.N.R. de Anadia para saber que existem no local cavalos.
Saliente-se que a testemunha começou por referir, “foram lá para trás”, para depois corrigir e referir “fomos todos lá para trás”, querendo referir-se às traseiras das instalações, onde estava o veículo apreendido.
Como se vê, com persistência e trabalho, ainda que algumas perguntas não sejam perceptíveis, foi possível colher muitos elementos do depoimento gravado da testemunha, e não apenas expressões soltas.
Quanto ao depoimento da testemunha H..., extrai-se, essencialmente, da audição da gravação (ouvida com a mesma persistência e atenção): a testemunha tem uma relação comercial com o arguido; este telefonou-lhe quando a testemunha estava em Aveiro, dizendo-lhe que tinha um trabalho para ele com uma certa urgência; combinaram encontrar-se no posto da G.N.R. de Anadia; a testemunha chegou, estacionou o seu automóvel e aguardou; a dada altura, chegou o arguido, com a mãe e a testemunha D... e o filho desta, F..., em cuja viatura vinham todos; a testemunha não sabia o que se passava; a testemunha ficou a falar com o referido F..., no exterior do posto; os restantes foram «tratar dos assuntos»; não sabe explicar se o arguido, a mãe e a testemunha D... entraram no edifício do posto; foi inteirado do que se passava com a apreensão da viatura através da conversa mantida com o filho da testemunha D...; disse que a dada altura foi-se aproximando do carro apreendido – aparentemente, não tendo entrado no posto, contornou-o para alcançar o local onde estaria esse veículo –; que estavam junto do carro o arguido, a respectiva mãe e a testemunha D...; esteve junto do carro e depois retirou-se mais para trás, a conversar com o mencionado F...; a mãe do arguido estava exaltada e o arguido nervoso; não ouviu nada e não acredita que o arguido tenha dito alguma coisa; a testemunha andava por ali, mas não estava interessado porque o assunto não era com ele; vieram-se embora todos juntos.
Também quanto a este depoimento, ocorre fazer a mesma observação que já fizemos a propósito do depoimento de D...: com persistência e trabalho, ainda que algumas perguntas não sejam perceptíveis, foi possível colher muitos elementos do depoimento da testemunha, e não apenas palavras ou expressões soltas.
Lê-se na sentença recorrida:
«Numa tentativa de – forçadamente, adiante-se – compor a versão apresentada pelo arguido, depuseram entretanto as testemunhas pelo mesmo apresentadas, D... (amiga do mesmo) e H... (que com aquele mantém relação comercial).
A primeira, afirmando ter, juntamente com o seu filho F..., acompanhado o arguido e sua mãe, na data em questão, até ao Posto da G.N.R., o que fizeram a pedido daquele, começou logo por referir que a segunda “ia alterada”, sendo que, logo à entrada das instalações em causa e dirigindo-se ao militar de serviço, “bateu com a mão no balcão e perguntou - eu quero saber porque é que levaram o meu carro”.
Dali, e como espontaneamente começou por referir, “foram lá para trás”, para logo corrigir e referir “fomos todos lá para trás”, querendo referir-se às traseiras das instalações, onde se situa o parqueamento automóvel, para onde se terá dirigido atravessando o interior do Posto. Ali, encontrando-se outros militares da G.N.R., esclarecendo “não me lembro da cara das pessoas”, afirma terem-se mantido todos na conversa junto à viatura em causa. Sobre as expressões que o arguido é acusado de haver proferido afirmou “eu não ouvi nada”, “não disse nada”.
No fim, e apenas quando directamente questionada pelo Tribunal nesse sentido, é que a testemunha recordou a presença no local igualmente da testemunha H....
Inquirido este, entretanto, referiu que no dia em questão o arguido lhe telefonou pois precisava de um trabalho com urgência, tendo então ambos combinado um encontro junto ao Posto Territorial da G.N.R. da Anadia. Já ali se encontrava quando o arguido ali chegou, acompanhado pela sua mãe, pela testemunha D... e pelo filho desta, de nome F....
Referindo “na altura não sabia o que se passava”, afirmou que todos foram avançando para o parque, ali entrando por um portão directo de acesso. “Fiquei um pouco a falar com o filho da D. D... ... depois fui avançando para junto do carro”, tendo referido haver avistado o arguido e sua mãe do mesmo se aproximarem contornando o edifício em questão. No referido parque encontravam-se vários militares da G.N.R. e, ali, afirmando não ter ouvido o arguido proferir quaisquer das expressões que lhe são imputadas, referiu “ouvi, de facto, a mãe dele, muito exaltada, a ralhar... a barafustar”, mas ele “nervoso, limitava-se a lamentar a situação”.»
Seguidamente, lê-se ainda na motivação da decisão sobre a matéria de facto:
«Em sentido diametralmente oposto com a versão apresentada pelo arguido e que o depoimento das testemunhas D... e H... tentou – sem sucesso, adiante-se, nomeadamente atendendo às claras contradições entre os mesmos existentes e evidenciáveis pela síntese dos mesmos supra exposta – sufragar, depuseram, de forma consonante, objectiva e isenta – e, portanto, por forma a merecer a credibilidade do Tribunal – os militares da G.N.R. inquiridos em sede de audiência de julgamento, quais sejam V…, JC…, M... e L...
Importa realçar que, ouvida a gravação no que toca às declarações do arguido e aos depoimentos das referidas testemunhas V..., JC…, M... e L..., nada existe que infirme o juízo efectuado pelo tribunal recorrido, sendo o relato constante da motivação coincidente com a prova gravada, devendo apenas assinalar-se que a gravação do depoimento da testemunha JC… tem algumas falhas de registo. As testemunhas militares da G.N.R. depuseram com clareza e objectividade e não evidenciaram – ou pelo menos a documentação da prova não o denota – qualquer falta de isenção. Algumas dúvidas sobre o número de militares da G.N.R. que estavam no local (mais concretamente, sobre a presença ou não do militar Aguiar) e sobre o tempo que a testemunha JC... se manteve nas traseiras do posto – a testemunha admitiu que não esteve lá todo o tempo, pois a dado momento teve que ir para a porta onde não estava mais ninguém – não colocam minimamente em crise a credibilidade que foi reconhecida aos depoimentos prestados e que fundamentam a matéria de facto provada agora questionada. Todos foram inequívocos quanto à circunstância de, nas traseiras do posto, terem estado apenas o arguido e a sua mãe, para além dos militares, tendo relatado as expressões que ouviram dizer ao arguido.

3.5. Como se vê, a questão central que a motivação coloca é a da credibilidade relativa dos depoimentos.
O artigo 127.º do C.P.P. consagra o princípio da livre apreciação da prova, que se traduz na não sujeição do julgador às regras rígidas da prova tarifada. Tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.
Porém, nessa tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre a 1.ª instância e o tribunal de recurso, beneficiando aquela da imediação e da oralidade e estando este limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos.
A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão” (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232), confere ao julgador em 1.ª instância meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe.
É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc. As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.
Assim, a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, tem por base uma valoração do julgador fundada na imediação e na oralidade, que o tribunal de recurso, em rigor, só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum (cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 21 de Abril de 2004, Processo: 0314013, www.dgsi.pt).
Tal não significa que o tribunal superior não deva analisar os depoimentos prestados e ajuizar sobre a sua verosimilhança e plausibilidade.
Na falta da imediação, o que podemos dizer é que a audição da prova gravada, com os limites acima assinalados, não desmente, minimamente, o juízo efectuado pela 1.ª instância quanto à credibilidade dos depoimentos.
A convicção do tribunal forma-se com base na credibilidade que os depoimentos lhe merecem e não com base no número de depoimentos feitos em determinado sentido.
Não se verificando que o juízo de credibilidade efectuado pelo tribunal recorrido conflitue, de algum modo, com a boa lógica e a experiência comum, não será a circunstância de se contraporem, pela prova pessoal (declarações e testemunhos), versões contraditórias, a impor que o julgador seja conduzido, irremediavelmente, a uma situação de dúvida insuperável. Por outras palavras: a existência de versões divergentes não significa que o tribunal tivesse de ficar, forçosamente, numa situação de dúvida insolúvel e que não lhe fosse legítimo, no quadro da livre apreciação da prova, dentro de parâmetros de racionalidade e experiência comum, determinar como os factos se passaram.
No caso concreto, o tribunal firmou a sua convicção, justificando-a, tendo decidido com base na certeza alcançada sobre a realidade dos factos, no quadro de uma verdade histórico-prática e processualmente válida.
Por um lado, não resulta da sentença que o tribunal tenha ficado num estado de dúvida – dúvida razoável, objectiva e motivável – e que, a partir desse estado dubitativo, tenha procedido à fixação dos factos provados desfavoráveis ao arguido; por outro, não se encontrando o tribunal a quo nesse estado de dúvida, razão pela qual não havia que apelar ao princípio in dubio, também nada nos permite concluir que o devesse estar.
Em suma: não há razões para alterar a matéria de facto provada com base nas provas indicadas.

3.6. Estabelece o art. 410.º, n.º 2 do C.P.P. que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova.
Trata-se de vícios de conhecimento oficioso.
Em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.).
Quanto à “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, este vício, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão. Saliente-se que este vício reporta-se à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.
Quanto à “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Ocorrerá, por exemplo, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Finalmente, quanto ao “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, tal vício verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das leges artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes).
Do texto da sentença recorrida, por si só ou conjugado com os ditames da experiência comum, não resulta a verificação de qualquer dos apontados vícios.

3.7. Alega o recorrente que as expressões que lhe são imputadas são insuficientes para concluir no sentido da prática do ilícito criminal por que foi condenado, por serem generalizadas e abstractas.
Além disso, faltaria a intenção específica de ofender o assistente na sua honra e consideração, o dolo específico.
Consta da sentença recorrida:
«Ao arguido é imputada a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos arts. 180.º, n.º 1 e 184.º, por referência à al. j) do n.º 2 do art. 132.º, do Cód. Penal.
Em conformidade com o que vai disposto no art. 180.º, n.º 1 do Cód. Penal, incorre na prática do crime nele previsto e punível, todo aquele que, perante terceiros, imputar a outra pessoa, ainda que sob a forma de suspeita, um facto ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal afirmação ou juízo.
É entendimento pacífico que a honra se reporta, essencialmente, ao sentimento de auto-estima, de dignidade subjectiva ou, por outras palavras, à imagem que o indivíduo tem de si mesmo; enquanto que a consideração designa a reputação, a boa fama e a estima de que o indivíduo é merecedor por parte da comunidade na qual se insere [Nelson Hungria citado in Código Penal Anotado, Simas santos e Leal-Henriques, 2º vol., 1996, Lisboa, Rei dos Livros, p. 317].
A verificação dos elementos típicos do crime em análise, basta-se com o carácter objectivamente difamatório dos factos imputados ou dos juízos formulados. Ou seja, é suficiente, para que tal crime se tenha por verificado, que os factos imputados ou os juízos formulados, nos termos acima delineados, atentas as regras de experiência comum e de normalidade social.
Por isso mesmo, não se exige, para que a conduta seja punível, uma especial intenção de ofender – dolo específico –, bastando que o agente tenha a consciência de que a imputação feita ou o juízo formulado são objectivamente idóneos a produzir uma ofensa à honra ou à consideração alheias [vd., neste sentido, a título de exemplo, Ac. R.P. de 03/02/88, C.J., 1988, Tomo I, p. 233; Ac. do S.T.J. de 01.07.87, BMJ 369º-593].
O referido ilícito penal, assim, reveste do ponto de vista subjectivo, natureza dolosa, compatível com qualquer das formas que o dolo pode revestir – directo, necessário ou eventual (cfr. art. 14.º do Cód. Penal)
À difamação verbalmente produzida equipara a lei qualquer forma de expressão, designadamente, escrita, por gestos, imagens ou outro meio – cfr. art. 182.º do Cód. Penal.
No que respeita, ainda, ao tipo legal previsto pelo art. 180.º do Cód. Penal, resulta da respectiva análise hermenêutica, encontrarem-se compreendidas duas realidades objectivas distintas, muito embora equiparadas quanto à punição que a lei lhes reserva. Assim e por um lado, temos a imputação de factos, mesmo sob a forma de suspeita, e, por outro lado, a expressão de palavras ou a formulação de juízos, exigindo-se e pressupondo-se, para uma e outra situação, o carácter ofensivo inerente à correspondente actuação.
Nalguns casos, a definição da fronteira entre aquilo que representa a imputação de factos, mesmo que sob a forma de suspeita, e a prolação de palavras ou juízos ofensivos não oferece grandes dúvidas. Noutros casos, porém, essa distinção não se afigura tão simples. Assim ocorre quando as palavras proferidas comportem ou possam comportar a atribuição de comportamentos desonrosos ou ofensivos. A qualificação, contudo, do comportamento, como pertinente à imputação de factos ou à prolação de palavras/juízos ofensivas, vai depender do contexto factual concretamente apurado.
A responsabilidade do agente é agravada, nos termos do disposto no art. 184.º do Cód. Penal, elevando-se os limites mínimo e máximo das penas previstas, sempre que, designadamente, a vítima seja uma das pessoas referidas na al. j) do n.º 2 do art. 132.º, no exercício das suas funções ou por causa delas. Entre as mencionadas pessoas contam-se os magistrados, como é o caso.
Considerada a factualidade demonstrada, não temos dúvidas em considerar que o arguido, por via da sua actuação, formulou sobre a pessoa do ofendido um juízo de valor que, objectivamente considerado – ou seja, partindo do padrão do “homem médio” – se mostra idóneo à lesão da honra e consideração alheias, o que efectivamente se verificou, porquanto afecta não só o sentimento de auto-estima do visado como também o expõe à desconsideração por parte dos outros.
Com efeito as expressões empregues – em especial, “ corruptos” e “abuso de autoridade” – vão bem mais além da mera imputação de factos, comportando, na realidade, uma valoração qualificativa que traz inerente a atribuição genérica à pessoa do visado de um juízo claramente apto a atingir a honra e a consideração do mesmo.
Concomitantemente, demonstrou-se que o arguido, ao actuar pelo modo descrito, fê-lo livre e deliberadamente, consciente de que os juízos formulados com relação ao ofendido eram ofensivos da honra e consideração do mesmo. Actuou, assim, o arguido, manifestamente, com dolo directo, nos termos recortados pelo n.º 1 do art. 14.º do Cód. Penal.
Aqui chegados, outra não pode ser a conclusão senão a de que o arguido, com a sua apurada conduta, preencheu os elementos objectivos e subjectivo típicos do crime de difamação agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 180.º, n.º 1 e 184.º, por referência à al. j) do n.º 2 do art. 132.º do Cód. Penal.
Resta, por último, dizer que da factualidade apurada não emerge a verificação de qualquer circunstância passível de excluir a ilicitude dos factos ou a culpa do arguido
A nosso ver, estas considerações não merecem qualquer reparo.
A referência que o recorrente faz ao carácter genérico e abstracto das expressões imputadas e à falta de dolo específico contrasta com o seu teor, objectivamente considerado, que é recorde-se, o seguinte: «“Os Juízes do Tribunal Judicial de Anadia são todos uns corruptos. Eu provo. Eles vão ver o que vai acontecer. O que mandaram fazer é um abuso de autoridade. Vou-me queixar à Procuradoria e vai-lhe acontecer o que aconteceu à Juíza do 2.º Juízo do Tribunal da Anadia. Queixei-me à Procuradoria e foi castigada, por isso agora essa Juíza anda a perseguir-me, quer-se vingar de mim. Ela é uma corrupta dos grandes, mas eu já lhe tratei da saúde e segunda-feira vou apresentar outra queixa contra na Procuradoria. Quando chegar a casa vou mandar um fax para o Tribunal de Anadia a dizer que os Juízes do Tribunal de Anadia são uns grandes corruptos, principalmente a Juíza do 2.º Juízo”.»
E mais se deu como provado: «Da forma descrita em 6., agiu o arguido livre, deliberada e conscientemente, com o propósito concretizado de, ao proferir as expressões descritas dirigidas aos Juízes do Tribunal Judicial de Anadia, entre os quais se contavam o Assistente nos presentes autos, Dr. J…, ofender gravemente a honra, dignidade, respeito, consideração e estatuto profissional de que é o mesmo merecedor, nomeadamente no exercício das funções que lhe estão confiadas como Juiz de Direito», e ainda «bem conhecendo o significado e alcance das expressões que empregou, pretendeu o arguido fazer crer, desde logo a todos quantos se encontravam presentes, que o Assistente ordenava diligências ilegais, não pautando a sua conduta pelo respeito a todos os cidadãos e à Lei» e, finalmente, que «agiu o arguido com perfeito conhecimento da falsidade das imputações efectuadas e, ainda, ciente de ser a sua conduta proibida e punida por lei.»
Não vislumbramos como possa ser minimamente questionado que as expressões utilizadas são gravemente ofensivas da honra e consideração do assistente, como um dos juízes do Tribunal Judicial de Anadia – precisamente o que ordenou a apreensão da viatura contra a qual o recorrente tão veementemente se insurgiu com as mencionadas expressões ofensivas.
No que concerne à questão do dolo, importa salientar que, neste ponto, entra normalmente a prova indirecta, através de inferências, sempre alicerçadas na lógica e nas máximas da experiência, sem o que os factos não confessados nunca poderiam ser dados como provados, nas suas dimensões subjectivas, que são, por definição, insusceptíveis de apreensão objectiva.
Para o crime imputado basta o dolo genérico, ao contrário do que supõe o recorrente ao mencionar a necessidade de dolo específico, sendo que, uma vez que se reconhece ter havido a imputação de factos e a formulação de juízos objectivamente ofensivos da honra e consideração do assistente, sendo o arguido imputável, não se alcança razão para concluir que não soubesse que com a sua conduta lesava o bem jurídico protegido pela norma. Pelo contrário: a objectividade dos factos, conhecendo necessariamente o arguido a sua natureza ofensiva da honra e consideração, e ainda assim não se abstendo de agir, basta para afirmar, com clareza, o elemento subjectivo.

Concluindo: estão preenchidos, efectivamente, os elementos típicos do crime pelo qual o arguido/recorrente foi condenado, improcedendo, por isso, o recurso na sua totalidade, incluindo na parte atinente ao pedido de indemnização civil.


III – Dispositivo
Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se em 4 Ucs a taxa de justiça.


Coimbra,
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94.º, n.º2, do C.P.P.)

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(Jorge Gonçalves)

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(Jorge Raposo)