Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1466/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR.TOMÁS BARATEIRO
Descritores: DELIBERAÇÃO SOCIAL
NULIDADE
Data do Acordão: 09/21/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 5.º JUÍZO CÍVEL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: : ARTº S 62º, NºS 1 E 2 ; 221º E 248º, TODOS DO C. S. C. ; E 671º DO CPC .
Sumário: I – Embora uma sociedade comercial não requeira, em tempo oportuno, prazo para a renovação de deliberações sociais impugnadas, nada impede a possibilidade dessa renovação, designadamente a possibilidade de serem tomadas novas deliberações que tenham um conteúdo igual ao das que foram impugnadas, sem o vício que determinou essa impugnação .
II – A renovação das deliberações sociais pode ser concretizada em nova assembleia geral regularmente convocada, por iniciativa da própria sociedade, de acordo com as regras legais referentes às sociedades comerciais e respectivos estatutos .
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
I – A…, residente na Rua Nossa Senhora das Dores, Boavista, Leiria, intentou esta acção ordinária contra a Ré B…com sede na Rua Nossa Senhora das Dores, Boavista, Leiria.
1 - O Autor alega que é titular de 750 acções ao portador, correspondente a 1,875% do capital social de 40.000.000$00 da Sociedade Ré, correspondentes a uma quota no valor nominal de 750.000$00 de que era titular na sociedade C…, entretanto transformada em sociedade anónima.
Em assembleia geral extraordinária da então C..., de 6 de Maio de 1997, foi deliberado, além do mais, a sua transformação em sociedade anónima, a aprovação do contrato pelo qual se passaria a reger e a eleição dos corpos sociais que a iriam reger durante o primeiro triénio.
Para o efeito e por escritura de divisão e cessão de quotas de 13/6/97, o sócio D... declarou que dividia a quota no valor nominal de 31.000.000$00 de que era titular na transformada C..., em duas novas quotas, sendo uma no valor nominal de 30.980.000$00, que reservou para si e outra no valor nominal de 20.000$00 que cedeu a E....
Por sentença proferida em processo de acção declarativa, a Ré foi condenada a ver declaradas anuladas as deliberações tomadas na assembleia geral datada de 6 de Maio de 1997 e a ver declarada a nulidade da deliberação dos sócios referente à divisão e cessão de quotas mencionadas na escritura datada de 13 de Junho de 1997.
Entretanto, em nova assembleia geral extraordinária, datada de 12 de Outubro de 1999, a Ré deliberou a renovação das deliberações tomadas na assembleia geral de 6 de Maio de 1997, a ratificação dos actos praticados por D... em sede da escritura, a transformação em sociedade anónima, a alteração dos estatutos dos órgãos sociais e eleições destes e o consentimento e a ratificação da cessão e consequente divisão de quotas havida entre D... e E....
Estas deliberações são nulas, por violação do disposto nos artigos 62º e 221º do Código das Sociedades Comerciais e no artigo 671º do Código de Processo Civil.
Por outro lado, a própria assembleia está ferida de nulidade, uma vez que a convocatória não respeitou os requisitos imperativos da lei da sociedade por quotas, mormente o artigo 248º, nº3, do Código das Sociedades Comerciais.
Pede que, com a procedência da acção, a Ré seja condenada a:
a) ver declarada a nulidade das deliberações tomadas na Assembleia Geral datada de 12 de Outubro de 1999;
b) ver ordenado o cancelamento dos registos feitos com base na referida e anulada Assembleia Geral Extraordinária datada de 6 de Maio de 1997, bem como os feitos com base na declarada nulidade da mencionada escritura de divisão e cessão de quotas outorgada em 13 de Junho de 1997 no Cartório Notarial de Porto de Mós, bem como ainda os feitos com base na Assembleia Geral Extraordinária datada de 12 de Outubro de 1999.
2 – Na sua contestação, a Ré sustenta que a presente acção constitui expressão de má fé do Autor, como tal devendo ser condenado, com a correspondente indemnização à Ré.
Invoca a inexistência dos fundamentos por este alegados.
Relativamente à Assembleia Geral Extraordinária realizada no dia 12 de Outubro de 1999, alega que o Autor levantou, previamente, junto da sede da Ré, toda a documentação atinente que se encontrava à disposição dos accionistas. Esta Assembleia teve deliberações renovadoras, mas também novas deliberações, conducentes à aprovação da transformação da sociedade Ré em sociedade anónima, novos estatutos e eleição dos novos órgãos sociais.
Conclui defendendo que a acção deve ser julgada improcedente, com a consequente absolvição da Ré.
Pede ainda a condenação do Autor, por litigância de má fé, numa multa e indemnização a ser fixada pelo Tribunal em termos de juízos de equidade e em montante não inferior a 2.000.000$00, no reembolso das despesas que venham a ser suportadas pela Ré motivadas pela má fé, incluindo os honorários dos mandatários e na satisfação dos prejuízos que a Ré venha a sofrer em consequência daquela má fé, a serem calculados em sede de liquidação de sentença.
3 - O Autor veio responder à contestação, refutando a matéria alegada pela Ré no que concerne à pretendida condenação por litigância de má fé e reiterando os termos da petição inicial.
4 - Foram elaborado o despacho saneador, consignados os factos assentes e organizada a base instrutória, de que reclamou a Ré, reclamação indeferida por despacho de folhas 182/183.
5 – Oportunamente, teve lugar o julgamento, respondendo-se aos quesitos nos termos que constam de folhas 257 a 259.
II - Por sentença de 20/11/03, julgou-se a acção improcedente, absolvendo-se a Ré do pedido.
Desta sentença recorreu o Autor, que conclui nas suas alegações:
1ª - São nulas as deliberações tomadas na Assembleia Geral Extraordinária, datada de 12 de Outubro de 1999, e que renovaram as deliberações tomadas na anterior assembleia de 6 de Maio de 1997, por violação do disposto nos artigos 62 do Código das Sociedades Comerciais e 671 do Código de Processo Civil.
2ª - São nulas as deliberações respeitantes ao consentimento e ratificação da divisão e cessão de quotas, relativamente à escritura outorgada em 13 de Junho de 1997, bem como da transformação da sociedade e alteração dos seus estatutos, por violação do disposto nos artigos 62 e 221 do Código das Sociedade Comerciais e no artigo 671 do Código de Processo Civil.
3ª - A Assembleia Geral Extraordinária de 12 Outubro de 99 é ainda nula por desrespeito dos requisitos imperativos da lei da sociedade por quotas, mormente do artigo 248, nº3, do Código das Sociedade Comerciais, quanto à respectiva convocatória.
4ª - Deverá assim revogar-se a sentença de fls..., substituindo-a por outra que condene a Recorrida no pedido.
Em contra alegações, a Ré entende que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
III – Na primeira instância, consideraram-se provados os seguintes factos:
1 - O Autor é titular de 750 acções ao portador, correspondentes a 1,875% do capital social de 40.000.000$00 da sociedade Ré, Aldeia & Irmão, S.A., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Leiria sob o nº 901/740223, conforme certidão junta a fls. 4 a 8, aqui dada por integralmente reproduzida (alínea A) dos factos assentes).
2 - Tais acções correspondem a uma quota no valor nominal de 750.000$00 de que o A. era titular na sociedade Aldeia & Irmão, Lda, entretanto transformada na ora Ré (alínea B) dos factos assentes).
3 - O restante capital da Sociedade Ré encontra-se distribuído pelas seguintes acções ao portador:
- 30.980 acções de que é titular Manuel Lagoa de Aldeia;
- 7.500 acções de que é titular Maria Alice Barbeiro Aldeia;
- 750 acções de que é titular Filomena Maria Barbeiro Aldeia;
- e 20 acções de que é titular Luís Marto Fernandes Lisboa.
(alínea C dos factos assentes).
4 - Em Assembleia Geral Extraordinária da então Aldeia & Irmão, Lda, datada de 6 de Maio de 1997, foi deliberado, além do mais, a sua transformação em sociedade anónima, a aprovação do contrato pelo qual se passaria a reger e a eleição dos corpos sociais que a iriam reger durante o primeiro triénio (alínea D) dos factos assentes).
5 - Por escritura de divisão e cessão de quotas outorgada em 13 de Junho de 1997 no Cartório Notarial de Porto de Mós, o referido Manuel Lagoa de Aldeia declarou que dividia a quota no valor nominal de 31.000.000$00, de que era titular na transformada Aldeia & Irmão, Lda, em duas novas quotas, sendo uma no valor nominal de 30.980.000$00 que reservou para si e outra no valor nominal de 20.000$00 que cedeu a Luís Marto Lisboa (alínea E) dos factos assentes).
6 - Correu termos no 4º Juízo Cível de Leiria uma acção declarativa, sob a forma ordinária, registada sob o nº 539/99, movida pelo aqui Autor contra a Aldeia & Irmão, Lda, na qual foi proferida douta sentença, transitada em julgado em 15/9/2000, em que se condenou a aí Ré a ver declaradas anuladas as deliberações tomadas na assembleia geral datada de 6 de Maio de 1997 e a ver declarada a nulidade da deliberação dos sócios referente à divisão e cessão de quotas mencionadas na escritura datada de 13 de Junho de 1997, conforme certidão junta a fls. 87 a 102, cujo teor se dá aqui por reproduzido (alínea F) dos factos assentes).
7 - Em Assembleia Geral Extraordinária datada de 12 de Outubro de 1999, a Ré deliberou:
- a renovação das deliberações tomadas em sede da anterior Assembleia Geral de 6 de Maio de 1997;
- a ratificação dos actos praticados por Manuel de Aldeia em sede da escritura exarada em 13 de Junho de 1997 na qualidade de gerente em que interveio, e consequente transformação da Sociedade Aldeia & Irmão, Lda, em sociedade anónima;
- que as novas exigências da Sociedade impõem a sua transformação e alteração dos estatutos com nova composição dos seus órgãos sociais;
- a alteração dos estatutos dos órgãos sociais e eleições destes;
- o consentimento e a ratificação da cessão e consequente divisão de quotas havida entre Manuel de Aldeia e Luís Marto Fernandes Lisboa, conforme documento junto a fls. 9 e segs., aqui dado por reproduzido.
(alínea G) dos factos assentes).
8 - O Autor levantou, previamente a tal Assembleia Geral, junto da sede da Ré, toda a documentação atinente que se encontrava à disposição dos accionistas, nomeadamente relatórios, texto e proposta de estatutos, escritura pública, carta de pedido de consentimento e curriculum dos elementos do proposto Conselho de Administração (alínea H) dos factos assentes).
9 - A Assembleia Geral Extraordinária de 12 de Outubro de 1999 não foi convocada por carta registada dirigida aos sócios com quinze dias de antecedência (resposta ao quesito 1º).
IV – Deverá ter-se presente que a decisão recorrida só poderá ser alterada na parte impugnada pelo recurso, e o âmbito deste se determina em face das conclusões das respectivas alegações, abrangendo as questões aí contidas (artigos 684-nº3 e 690-nº1 do C.P.C.).
1 - Com a conclusão 1ª das suas alegações de recurso, o Autor pretende que são nulas as deliberações tomadas na Assembleia Geral Extraordinária, datada de 12 de Outubro de 1999, e que renovaram as deliberações tomadas na anterior assembleia de 6 de Maio de 1997, por violação do disposto nos artigos 62 do Código das Sociedades Comerciais e 671 do Código de Processo Civil.
No corpo de tais alegações, justifica esta afirmação por tais deliberações não estarem incluídas nas alíneas a) e b) do nº1 do artigo 56 do Código das Sociedades Comerciais, como se alcança da sentença no processo 117/97, e, no caso de poderem ser renovadas, a renovação deveria ter ocorrido na pendência de tal processo
Nos termos do artigo 56-nº1, do Código das Sociedades Comerciais, são nulas as deliberações dos sócios: - a) “tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados”; b) “tomadas mediante voto escrito sem que todos os sócios com direito de voto tenham sido convidados a exercer esse direito, a não ser que todos eles tenham dado por escrito o seu voto”; ... .
Segundo o artigo 58-nº1 do mesmo Código, são anuláveis as deliberações que: a) “violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56º, quer do contrato de sociedade”; b) “sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos”; c) “não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação”.
Como refere Pinto Furtado, em “Deliberações dos Sócios” (página 361), as hipóteses de anulabilidade, mencionadas nas alíneas do nº1 do artigo 58 do C.S.C., reconduzem-se às quatro categorias seguintes: a) violação de lei não enquadrável no artº 56; b) violação de cláusula contratual; c) abuso do direito deliberativo; d) omissão de elementos mínimos de informação.
Acrescenta-se, depois, que a primeira destas matérias, “remetendo para a anulabilidade sempre que o vício de violação de lei não seja enquadrável na nulidade estatuída pelo artº 56, prontamente revela que pressupõe o carácter de regra geral da anulabilidade das deliberações viciadas”.
E, assim, a anulabilidade é “a regra geral dos vícios de deliberações dos sócios em que normalmente irão cair todas aquelas a cujo vício não corresponda qualquer outra sanção específica”.
Prescreve o artigo 62 do C.S.C.: 1- “Uma deliberação nula por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 56º pode ser renovada por outra deliberação e a esta pode ser atribuída eficácia retroactiva, ressalvados os direitos de terceiros”; 2- “A anulabilidade cessa quando os sócios renovem a deliberação anulável mediante outra deliberação, desde que esta não enferme do vício da precedente. O sócio, porém, que nisso tiver um interesse atendível pode obter anulação da primeira deliberação, relativamente ao período anterior à deliberação renovatória”; “O tribunal em que tenha sido impugnada uma deliberação pode conceder prazo à sociedade, a requerimento desta, para renovar a deliberação”.
No caso destes autos, realizou-se no dia 12 de Outubro de 1999 a Assembleia Geral Extraordinária da Ré. Conforme constava na respectiva convocatória (folhas 15), a aludida Assembleia teve a seguinte ordem de trabalhos: - renovação, nos termos dos artigos 62º e 58º do Código das Sociedades Comerciais, das deliberações tomadas em sede da anterior Assembleia Geral de 6 de Maio de 1997; ratificação dos actos praticados por Manuel Lagoa de Aldeia em sede da escritura exarada em 13 de Junho de 1997, na qualidade de gerente em que interveio, e consequente transformação da sociedade “Aldeia & Irmão” em sociedade anónima; as novas exigências da sociedade impõem a transformação da sociedade e a alteração de estatutos com nova composição dos seus órgãos sociais; alteração dos estatutos, dos órgãos sociais e eleições destes; consentimento e a ratificação da cessão e consequente divisão de quotas havida entre Manuel Lagoa Aldeia e Luís Marto Fernandes Lisboa.
Na Assembleia em causa, a Ré deliberou de acordo com a respectiva ordem de trabalhos, aprovando por unanimidade dos accionistas presentes as propostas apresentadas relativamente a cada um dos pontos da ordem de trabalhos (acta certificada a fls. 11 e seguintes, e G) dos factos assentes).
Como resulta da D) dos factos assentes, em Assembleia Geral Extraordinária da então Aldeia & Irmão, Lda, datada de 6 de Maio de 1997, foi deliberado, além do mais, a sua transformação em sociedade anónima, a aprovação do contrato pelo qual se passaria a reger e a eleição dos corpos sociais que a iriam reger durante o primeiro triénio.
Como se vê da F) dos factos assentes, correu termos no 4º Juízo Cível de Leiria uma acção declarativa, sob a forma ordinária, registada sob o nº 539/99, movida pelo aqui Autor contra a Aldeia & Irmão, Lda, na qual foi proferida douta sentença, transitada em julgado em 15/9/2000, em que se condenou a aí Ré a ver declaradas anuladas as deliberações tomadas na assembleia geral datada de 6 de Maio de 1997 e a ver declarada a nulidade da deliberação dos sócios referente à divisão e cessão de quotas mencionadas na escritura datada de 13 de Junho de 1997, conforme certidão junta a fls. 87 a 102, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
Como se diz na sentença recorrida, naquela acção 539/99, (acção que, originariamente e antes da extinção do Tribunal de Círculo de Leiria, aí correu termos sob o n.º 117/97), a Ré não requereu prazo para renovação das deliberações impugnadas, em tempo oportuno, conforme decorre do teor do documento de fls. 68 (cópia do despacho que indeferiu o pedido de concessão de prazo). Contudo, não se afigura que haja impedimento à possibilidade de renovação das deliberações – mais especificamente, à possibilidade de serem tomadas novas deliberações que tenham um conteúdo igual ao das que foram impugnadas, ainda que sem o vício que determinou essa impugnação.
Diz-se, a seguir, que, analisado o teor da decisão proferida no processo supra referido, verifica-se que a ré foi aí condenada a ver declaradas anuladas as deliberações tomadas na assembleia geral de 6 de Maio de 1997, essencialmente porque o aviso de convocatória dessa assembleia violou o prescrito no nº 8 do artigo 377º do Código das Sociedades Comerciais (falta de informação aos sócios); e foi condenada a ver declarada a nulidade da deliberação dos sócios referente à divisão e cessão mencionadas na escritura datada de 13 de Junho de 1997, essencialmente por ausência de convocatória relativamente a tal deliberação, em violação do disposto nos artigos 56º, nº 1, alínea a), e 221º, nº 6, do Código das Sociedades Comerciais.
Ao contrário do pretendido pelo apelante, nem só as deliberações nulas por força das alíneas a) e b) do nº1 do artigo 56 do C.S.C. podem ser renovadas.
A estas se refere o artigo 62-nº1 do C.S.C..
No entanto, por força do nº2 deste artigo “a anulabilidade cessa quando os sócios renovem a deliberação anulável mediante outra deliberação, desde que esta não enferme do vício da precedente”. Assim, também as deliberações meramente anuláveis podem ser renovadas.
Nem seria lógico, que pudessem ser sanados (por renovação) actos afectados por vício mais grave (nulidade), e não o pudessem ser em casos menos graves (mera anulabilidade).
Também a renovação não tinha de ocorrer na pendência do processo anterior, ao contrário do pretendido pelo apelante.
Mesmo que tivesse transitado em julgado a sentença do processo anterior, quando teve lugar A.G. de 12/10/99, o que ainda não tinha acontecido (alíneas F) e G) dos factos assentes), não havia violação de caso julgado material, já que os motivos de nulidade, ou anulabilidade, das deliberações tomadas em A.G. de 6/5/97, não têm correspondência com os invocados na presente acção (quanto às deliberações da A.G. de 12/10/99).
Como se diz na sentença recorrida, a renovação das deliberações sociais pode ser concretizada em nova assembleia geral regularmente convocada, por iniciativa da própria sociedade, de acordo com as regras da legislação referentes às sociedades comerciais e dos respectivos estatutos.
Em “Deliberações dos Sócios”, de Pinto Furtado (páginas 595/596), escreveu-se: - “Numa primeira perspectiva, a renovação pode então fazer-se com uma finalidade preventiva, em que os órgãos da sociedade, temendo pela existência jurídica ou validade duma dada deliberação, se apressam a promover a constituição de outra que preserve a eficácia jurídica da primeira, antes de qualquer contestação. É o que chamamos renovação preventiva ou ex ante”... . “A par de semelhante modalidade preventiva, pode porém ao invés acontecer, e sucede com frequência na prática, vir a sociedade a ser confrontada com uma decisão declaratória de nulidade ou de inexistência jurídica, ou com a anulação de uma deliberação sua – e, perante isso, pretender ainda recuperar a anterior regulamentação de interesses, reeditando uma nova deliberação com o mesmo conteúdo fundamental, mas corrigida do vício em que o tribunal se fundou para cassar a deliberação. A esta, quando nos colocamos em tal perspectiva, chamaremos renovação correctiva ou ex post”.
Como se entendeu na sentença recorrida, era lícito à Ré a renovação da deliberação de 6/5/97, apesar de não ter requerido atempadamente, ao Tribunal, prazo para o efeito; no caso em apreciação e relativamente à generalidade das deliberações tomadas na Assembleia Geral Extraordinária de 12 de Outubro de 1999, verifica-se que não ocorre aqui o vício anteriormente apontado e que determinou a decisão de anulação: especificamente em relação ao Autor, levantou este, previamente a tal Assembleia Geral, junto da sede da Ré, toda a documentação atinente que se encontrava à disposição dos accionistas, nomeadamente relatórios, texto e proposta de estatutos, escritura pública, carta de pedido de consentimento e curriculum dos elementos do proposto Conselho de Administração ( H) dos factos assentes).
Face a tudo o que se expôs neste número, improcede o que em contrário se pretende com a conclusão 1ª das alegações do apelante.
2 – Com a sua conclusão 2ª, entende que são nulas as deliberações respeitantes ao consentimento e ratificação da divisão e cessão de quotas, relativamente à escritura outorgada em 13 de Junho de 1997, bem como da transformação da sociedade e alteração dos seus estatutos, por violação do disposto nos artigos 62 e 221 do Código das Sociedade Comerciais e no artigo 671 do Código de Processo Civil.
Quanto a esta questão, além do que já se referiu no número anterior, há a considerar o que dispõe o artigo 221 do Código das Sociedades Comerciais, na parte referente às sociedades por quotas e sobre divisão de quotas, nos termos do qual: - “uma quota pode ser dividida mediante... transmissão parcelada ou parcial” (nº1); “os actos que importem divisão de quota devem constar de escritura pública” (nº2); “no caso de divisão mediante transmissão parcelada ou parcial e salvo disposição diversa do contrato de sociedade, a divisão de quotas não produz efeitos para com a sociedade enquanto esta não prestar o seu consentimento; no caso de cessão de parte de quota, o consentimento reporta-se simultaneamente à cessão e à divisão” (nº4); “o consentimento para a divisão deve ser dado por deliberação dos sócios” (nº6).
Quanto à transformação da Sociedade e alteração dos seus estatutos, já havia sido deliberada na Assembleia Geral de 6/5/87, deliberação renovada em A.G. de 12/10/99, nada mais havendo a acrescentar ao referido no número anterior.
E, quanto à divisão e cessão de quotas, já não se verifica a falta de consentimento dado por deliberação de sócios, nem a falta de menção de tal assunto na convocatória para a A.G. de 12/10/99.
Como se referiu na sentença recorrida, no que concerne à deliberação dos sócios referente à divisão e cessão de quotas, verifica-se também que não ocorre aqui o vício antes apontado e que determinou a declaração de nulidade: tal deliberação integrava a ordem de trabalhos da assembleia geral extraordinária onde foi tomada.
Improcede também a conclusão 2ª das alegações do apelante.
3 – Com a sua conclusão 3ª, entende que a Assembleia Geral Extraordinária de 12 Outubro de 99 é ainda nula por desrespeito dos requisitos imperativos da lei da sociedade por quotas, mormente do artigo 248, nº3, do Código das Sociedade Comerciais, quanto à respectiva convocatória.
E isto porque o recorrente não foi convocado através de carta registada.
O artigo 248 do C.S.C. estabelece, além do mais, que: - às assembleias gerais das sociedades por quotas aplica-se o disposto sobre assembleias gerais das sociedades anónimas, em tudo o que não estiver especificamente regulado para aquelas (nº1); a convocação das assembleias gerais compete a qualquer dos gerentes e deve ser feita por meio de carta registada, expedida com a antecedência mínima de quinze dias, a não ser que a lei ou o contrato de sociedade exijam outras formalidades ou estabeleçam prazo mais longo (nº3).
Relativamente às sociedades anónimas, além do mais, o artigo 377 do mesmo Código estabelece que: - as assembleias gerais são convocadas pelo presidente da mesa ou, nos casos especiais previstos na lei, pelo conselho geral, pelo conselho fiscal ou pelo tribunal (nº1); a convocatória deve ser publicada (nº2); entre a última publicação e a data da reunião da assembleia deve mediar, pelo menos, um mês (nº4); A convocatória deve conter pelo menos: as menções exigidas pelo artigo 171º (além da firma, o tipo, a sede, a conservatória do registo comercial onde se encontrem matriculadas, o seu número de matrícula nessa conservatória e, sendo caso disso, a menção de que a sociedade se encontra em liquidação; as sociedades por quotas, anónimas e em comandita por acções devem ainda indicar o capital social e, bem assim, o montante do capital realizado, se for diverso); o lugar, o dia e a hora da reunião; a indicação da espécie, geral ou especial, da assembleia; os requisitos a que porventura estejam subordinados a participação e o exercício do direito de voto; a ordem do dia (nº4); O aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada. Quando este assunto for a alteração do contrato, deve mencionar as cláusulas a modificar, suprimir ou aditar e o texto integral das cláusulas propostas ou a indicação de que tal texto fica à disposição dos accionistas na sede social, a partir da data da publicação, sem prejuízo de na assembleia serem propostas pelos sócios redacções diferentes para as mesmas cláusulas ou serem deliberadas alterações de outras cláusulas que forem necessárias em consequência de alterações relativas a cláusulas mencionadas no aviso (nº8).
Como se diz na sentença recorrida, no caso dos autos, é certo que a assembleia geral extraordinária de 12 de Outubro de 1999 não foi convocada por carta registada dirigida aos sócios com quinze dias de antecedência, não foi efectuada de acordo com as formalidades exigidas pelo artigo 248 do Código das Sociedades Comerciais, relativamente às sociedades por quotas; verifica-se que a convocatória seguiu antes as prescrições do artigo 377 do mesmo diploma legal, relativo às sociedades anónimas.
No entanto, como ali se refere, bem vistas as coisas, a Ré, na data em que ocorreu a assembleia geral extraordinária e na da convocatória para a mesma, sem prejuízo da decisão entretanto proferida no âmbito da acção de impugnação, era justamente uma sociedade anónima, por força das deliberações tomadas e que vieram a ser impugnadas. É que a sentença proferida no âmbito da acção de impugnação das deliberações referentes à assembleia geral extraordinária de 6 de Maio de 1997 transitou em julgado no dia 15 de Setembro de 2000; entretanto (e na sequência dessas deliberações) foi outorgada escritura de cessão de quota e transformação de sociedade, em 13 de Junho de 1997, pela qual e na parte que agora interessa, foi declarado que, em execução da deliberação tomada na referida assembleia, a sociedade Aldeia & Irmão, L.da, era transformada em sociedade anónima, com a firma Aldeia & Irmão, S.A.; em 23 de Junho de 1997 foi averbada no respectivo registo a nova denominação e inscrita a alteração do contrato e transformação em sociedade anónima.
Na mesma sentença referiu-se que, sem prejuízo da decisão que posteriormente veio a ser tomada, no âmbito da impugnação, é certo que, na data em que ocorreu a assembleia geral extraordinária aqui em apreciação, a ré era uma sociedade anónima, tendo sido feita a convocação em conformidade com as exigências feitas para estas sociedades.
Segundo Pinto Furtado (em “Deliberações dos Sócios”, páginas 419/420), citado na sentença recorrida “como o negócio jurídico, também a deliberação anulável será dotada, a partir da sua constituição, de uma validade resolúvel: nasce válida mas, através de decisão proferida em acção de anulação que tempestivamente lhe seja oposta, cessa retroactivamente a sua existência e eficácia” (artigo 289º, n.º 1, do Código Civil).
“Quer isto dizer que a sentença que decreta a anulação é uma sentença constitutiva (v. artigo 4º-2, do Código de Processo Civil): é ela que altera a ordem jurídica até aí existente, fundada na validade (resolúvel) da deliberação”.
“Enquanto não houver sentença de anulação, os gerentes, administradores ou directores, tendo a obrigação de agir ‘com a diligência de um gestor criterioso’, nas palavras do artigo 64º, devem portanto obediência às deliberações dos sócios, proferidas ao abrigo do preceituado no artº 246 ou 373-2, ainda que anuláveis, e não poderão ser responsabilizados por esse acatamento (artº 72-4)”.
Assim, neste entendimento, tendo eficácia imediata a deliberação anulável, até que seja anulada por sentença transitada em julgado, face ao que atrás se referiu, a convocatória da Assembleia Geral de 12/10/99 não tinha que ser feita de acordo com as formalidades próprias das Sociedades por Quotas, mas antes em obediência às regras próprias das Sociedades Anónimas, dado serem estas as regras então aplicáveis.
Assim, não se verifica a irregularidade na convocatória (falta de carta registada), apontada nas alegações do apelante.
Não há também que ordenar o cancelamento de qualquer dos registos mencionados no pedido do Autor, nada havendo a alterar à sentença que julgou a acção improcedente.
Improcede também o que em contrário se pretende com as conclusões 3ª e 4ª das alegações do apelante.
V – Em função do exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo Autor (ora apelante).
Coimbra, 21/9/04