Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
778/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARDOSO DE ALBUQUERQUE
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
LEGITIMIDADE PASSIVA
CAPACETE DE PROTECÇÃO
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
Data do Acordão: 07/05/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE COVILHÃ - 2ºJUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 29º, NºS 1, AL. A), 2 E 3, DO D.L. Nº 522/85, DE 31/12 ; 82º, Nº 3, DO C. DA ESTRADA DE 1994; 570º, Nº 1, DO C. CIV.
Sumário: I – Existindo seguro obrigatório de responsabilidade civil estradal e estando o pedido confinado ao limite dessa responsabilidade civil, determina o artº 29º, nº 1, al. a), do D.L. 522/85, de 31/12, que só a seguradora tem legitimidade passiva para intervir no pleito, sem prejuízo de, se assim o entender, o autor poder fazer intervir o tomador do seguro, conforme nº 2 desse dito preceito .
II – Todavia, prevenindo a lei a hipótese de não ser possível ao autor da acção identificar a seguradora ou de apurar mesmo a existência de seguro, determina o nº 3 desse preceito que pode o autor demandar directamente o civilmente responsável, devendo o tribunal notificar oficiosamente este último para que indique ou apresente documento que identifique a seguradora do veículo interveniente .

III – Isto no caso de acidentes com veículos matriculados no nosso país, pois no caso de veículos matriculados no estrangeiro deve ser demandado o Gabinete Português de Carta Verde, o qual gere os acidentes ocorridos em Portugal com estes veículos, podendo no caso de estarem segurados no país da matrícula ser demandada a seguradora ou a sua representante ou correspondente conjuntamente com aquele .

IV – O capacete de protecção para utilizadores de motociclos é um acessório de segurança cuja obrigatoriedade tem a ver com as velocidades excessivas e a menor estabilidade destes veículos, geradores de um perigo acrescido de lesões graves, em caso de acidentes, para quem os conduz ou neles é transportado .

V – A falta de capacete de protecção no passageiro do motociclo pode gerar a produção e o agravamento dos danos, nos termos do artº 570º do C. Civ., em caso de acidente sem envolver terceiros .

VI – O despiste isolado de um veículo faz sempre presumir uma condução inábil e imperita, competindo ao próprio condutor a prova de que assim não aconteceu.

VII – Tendo o condutor de um motociclo permitido o seu despiste, sem justificação e por certo determinado pela não adequação da velocidade à estrada, e tendo o seu passageiro concorrido culposamente para a produção dos efeitos danosos na sua pessoa, por não levar capacete de protecção na cabeça, como a lei lhe impunha, impõe-se a graduação das culpas de ambos pelos danos verificados, devendo ser fixada essa proporção em 70% para o condutor do motociclo e em 30% para o passageiro .

Decisão Texto Integral: Acordam na Relação de Coimbra:

I - A..., residente na Estrada da Fábrica Velha, n.º 4, 2º Dtº, Cantar Galo – Covilhã propôs no Tribunal Judicial da Covilhâ acção ordinária para efectivação da responsabilidade civil estradal contra B..., residente na Rua Augusto Lopes Teixeira, n.º 5, r/ch, Pousadinha – Cantar Galo - Covilhã; C..., residente na Rua 30 de Junho, Cantar Galo - Covilhã e o FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, do Instituto de Seguros de Portugal, com sede na Av. de Berna, 19, Lisboa, pedindo a condenação solidária de todos eles a pagarem- lhe a quantia global de 7.119.942$00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros legais vencidos até integral pagamento, bem como todas as despesas emergentes do internamento, tratamento e medicação já efectuadas e a efectuar, aos Hospitais da Universidade de Coimbra e Centro Hospitalar da Cova da Beira na Covilhã.
Para tanto, alega, em resumo, que sofreu um acidente de viação em 13 /Dez /1998, quando era transportado num motociclo, conduzido pelo réu B..., por empréstimo do proprietário, o R C..., imputando a culpa ao condutor, por o fazer em velocidade excessiva para o local, sem ser titular de carta de condução e não conseguindo manter a marcha do motociclo, na parte direita da semi-faixa de rodagem, sendo que o proprietário não tinha seguro válido e o condutor não tinha carta de condução, nem seguro que tutelasse a situação, conforme averiguações a que procedeu, não logrando, sequer apurar a matrícula, por o veículo ter sido retirado logo do local, não tendo, de resto, qualquer deles, possibilidades económicas de solver as obrigações decorrentes do acidente em causa, pretendendo ser indemnizado, pelos danos que sofreu, quer por aqueles, quer pelo Fundo de Garantia Automóvel.
Juntou, ainda, documento comprovativo da concessão de apoio judiciário com a máxima amplitude que a lei prevê.
Na contestação, defende-se o Fundo de Garantia Automóvel, por impugnação, invocando o desconhecimento e alegando ser exagerado o valor peticionado a título de indemnização por danos não patrimoniais.
O R C..., na sua contestação, alega, que possuía seguro válido e eficaz do motociclo em causa e que o A bem sabia existir e não o emprestou na ocasião, pois foi o outro R e o lesado que o utilizaram sem sua autorização expressa ou tácita, tendo, mesmo tentado impedir o início da sua marcha, sustentando ainda o exagero dos valores peticionado a título de indemnização e pretendendo ver o A condenado como litigante de má fé.
Justificou este pedido acessório uma vez, que foi indevidamente chamado à acção, com as inerentes despesas, agravadas por estar a trabalhar na Suiça.
O R B..., defende-se por impugnação e alega que a acção deveria ter sido intentada contra o Gabinete Português da Carta Verde, em caso de inexistência de seguro, por se tratar de veículo matriculado em país estrangeiro.
Na resposta, o A rebate que lhe tivesse sido dito pelos réus que o motociclo tinha seguro e que pratique musculação, ou exerça a profissão de porteiro, depois do acidente, impugnando o facto de existir contrato de seguro e o de o motociclo estar a circular sem autorização do proprietário.
Findos os articulados, depois de o A ter sido convidado a suprir a excepção dilatória da ilegitimidade do lado passivo pois que a acção deveria ter sido intentada contra o Gabinete Português de Certificado Internacional de Seguro, a quem compete satisfazer as indemnizações, no âmbito da responsabilidade civil, por danos causados por veículos matriculados em outros Estados membros da CEE, ( aliás EU) veio aquele, nos termos do artigo 320º C P Civil, requerer a intervenção, na qualidade de “co-réus”, do Gabinete Português da Carta Verde e da D..., através da sua representante em Portugal Companhia de Seguros E..., ambas com sede em Lisboa no pressuposto de existir uma probabilidade séria de ter ela segurado a responsabilidade civil do 1º R.
Admitido o incidente da intervenção principal provocada, foi ordenada a citação das requeridas.
Apresentaram contestação, ambas, em conjunto, alegando a prescrição, depois deduzindo impugnação por desconhecimento e terminando por referir ser desproporcionado o valor pedido a título de indemnização pelos danos não patrimoniais.
O autor respondeu, refutando a tese da prescrição.
No despacho saneador o processo foi tido como isento de nulidades, excepções ou questões prévias, que cumprisse conhecer e obstassem à apreciação do mérito, tendo-se julgado o R Fundo de Garantia Automóvel parte ilegítima e legítimas os restantes, sem prejuízo do que se viesse a decidir a final, e julgado improcedente a excepção da prescrição e na mesma ocasião, deixaram-se exarados os factos assentes e elaborou-se a base instrutória, que veio a merecer reclamação, atendida e ampliação, ordenada oficiosamente pelo Tribunal.
O processo veio a seguir para julgamento, ao qual se procedeu, com observância de todos o legal formalismo, conforme da respectiva acta, melhor consta, tendo o autor requerido a ampliação do pedido, no que se refere a € 10 000.00 relativamente a danos patrimoniais, pela incapacidade temporária e permanente, pretendendo agora ser o pedido de € 45 514.00, o que veio a ser admitido.
Respondeu-se, finda a produção de prova, à base instrutória, agora, sem reclamações.
No final, foi exarada douta sentença que entrando de imediato na questão do mérito, decidiu que o A falira na prova que lhe cabia sobre se as lesões que sofreu, em consequência da queda do veículo em que era transportado também as sofreria se levasse na cabeça o capacete de protecção, o que sempre determinaria a improcedência da acção.
Mas e voltando atrás, disse que sempre haveria ilegitimidade das RR chamadas, por ser contraditório o requerimento para a sua intervenção como associados dos RR iniciais, havendo uma contradição entre as suas posições, pelo que nunca lhes assistiria legitimidade para o pleito, enquanto devendo ser elas e apenas elas que deveriam ser demandadas e nunca na qualidade de chamadas.
Inconformado , o A recorreu de apelação e na respectiva alegação , fez inserir as seguintes conclusões :
1 – Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou improcedente a pretensão do A-
2 – O A no dia 13 de Dezembro de 1998 foi vítima de um acidente de viação resultante de um despiste do motociclo marca Kawasaky de 750 cm3
3 . – O motociclo pertencia a ao R C... e encontrava-se segurado na R E... /Suiça
4 – Na altura o motociclo era conduzido pelo R B... e que não dispunha de licença de condução.
5 – O A seguia como “pendura” no motociclo sendo certo que não tinha capacete de protecção.
6 – O proprietário do motociclo autorizou o condutor B... a circular com o mesmo e a transportar pessoas, sabendo que aquele não dispunha de conhecimentos teóricos e práticos que o habilitassem a conduzir tal veículo. Agiu com imprudência e falta de cuidado
7 – O condutor do motociclo conduziu o mesmo sem estar hablilitado . 8 – Conduziu de forma negligente, não adequou a velocidade da moto às características da via ( local com piso irregular) e perdeu o domínio da mesma .
9 – Agiu com desatenção, imprudência e falta de destreza , violando as mais elementares regras estradais, tendo cometido um crime .
10 – Também foi imprudente o A de seguinte de boleia sem capacete de protecção.
11 – O tribunal “a quo” deveria ter optado pela repartição de culpas entre o proprietário e o condutor da moto e o A
12 – Não considerando provada a culpa do condutor do veículo despistado, nem a do seu proprietário, no que não se concede, o tribunal deveria ter optado pela repartição de culpas ou
13 – Ou podia integrar a situação em termos de responsabilidade pelo risco.
14 – È entendimento pacífico que um veículo automóvel ou um motociclo cria riscos .
15 – E que um motociclo com 750 m3 de cilindrada tem peso e potência consideráveis para criar riscos se conduzida por quem o não sabe fazer
16 – A sentença recorrida violou o disposto nos artºs 483º, 487º, 493º, 505º e 570º do CCivil e artºs 13-º, nº1, 24º, 25º, aln c), g f) eds h) , 27º e 121º e ss do C Estrada em vigor à data do acidente
17 – E o disposto nos artºs 483º,nº2, 495º, 496º, 499º, 503º, nº1 504º, 506º, 507º e 508º do CCivil , por os não ter aplicado,devendo os RR ser condenados solidariamente a satisfazer os montantes de danos provados.
Não houve contra alegação dos RR.
Nesta instância foram corridos os vistos legais.
Por despacho do Relator foram ouvidas as partes, no tocante à questão da legitimidade das RR, que o recorrente mau grado a omissão das conclusões da alegação abordou no respectivo texto, criticando a posição tomada na sentença, poder ela ter outro tratamento, precedendo aliás a apreciação do mérito
Cumpre, pois, decidir.

II – Os factos apurados na 1ª instância são os seguintes:
Assentes:
1. O motociclo marca Kawasaki, 750 m3, com a matrícula suíça, 303.351.371, era em 13 de Dezembro propriedade do R C..., o qual tinha transferido a responsabilidade civil emergente da circulação do dito motociclo para a Companhia de Seguros E.../Suisse, representada em Portugal por E... - Companhia de Seguros SA.
B. Resultantes da base instrutória
2. Na madrugada do dia 13 de Dezembro de 1998, cerca das 2.00 horas, no sítio da Pousadinha, na Rua Augusto Lopes Teixeira, o 1º R B..., conduzia o motociclo aludido, levando como passageiro o autor, A....
3. O motociclo, ao chegar à zona do Relvão, despistou-se.
4. O autor foi projectado, pelo ar, e caiu desamparado no asfalto.
5. No local o piso era irregular
6. O motociclo foi retirado do local, antes que chegassem as autoridades policiais.
7. O condutor da moto não dispunha de Licença de Condução.
8. Como consequência directa do acidente o autor foi prontamente socorrido nas urgências do Hospital Distrital da Covilhã.
9. O autor depois do acidente teve perda de consciência e ficou com uma ferida inciso-contusa no couro cabeludo e hematoma palpebral esquerdo.
10. O autor foi transferido para os HUC, ainda no mesmo dia do acidente
11. Aí foi submetido a tratamentos vários.
12. De seguida foi reencaminhado para o Hospital Distrital da Covilhã.
13. O autor foi suturado com vários pontos na cabeça e o olho esquerdo ficou negro e com sangue no interior.
14. O autor no hospital, recebeu soro durante algum tempo e esteve com perda de consciência.
15. O autor esteve internado no Hospital até ao dia 24 de Dezembro de 1998, indo passar o Natal a casa mas devidamente medicado.
16. Após a data da alta deslocou-se inúmeras vezes em tratamentos médico ao Hospital da Covilhã.
17. Realizou inúmeras sessões de fisioterapia numa clínica da Covilhã, sita no Centro Cívico.
18. Não obstante sempre ter realizado os tratamentos e observado as indicações médicas que lhe foram dadas, o autor continua a sofrer, em determinadas alturas do dia, fortes dores de cabeça.
19. O autor deslocou-se ao hospital, para ser assistido e medicado, quando sentia dores na cabeça.
20. O autor já acordou durante a noite com dores na cabeça.
21. Depois do acidente o autor exalta-se com mais facilidade.
22. O autor depois do acidente tem menos paciência para brincar com a filha, menor.
23. O autor ficou com incapacidade temporária total, durante 2 dias, parcial de 10%, durante 300 dias e com incapacidade permanente parcial de 5%, depois da alta clínica.
24. O autor em consequência do acidente, despendeu Esc. 18 552$00, em despesas médicas e medicamentosas.
25. O autor efectuou despesas em deslocações ao hospital, de valor não apurado
26. O autor não pediu autorização ao proprietário do motociclo, para nele se fazer transportar.
27. O autor praticou musculação nos meses de Abril a Julho e de Outubro a Dezembro no ano de 2002 e nos meses de Maio, Junho, Novembro e Dezembro de 2003 e trabalhou, entretanto como porteiro.
28. O autor não precisava de ser transportado para sua casa, porque junto ao local onde subiu para o motociclo, tinha o seu veículo estacionado.
29. O autor na ocasião não tinha capacete.

Além disto considero também provado, por ter sido conferida a sua idade pelo b.i. a quando da perícia a quer foi submetido no IML e conforme os dados constantes no relatório final :
30 – O A nasceu em 13/11 1971
E ainda por prova documental :

31 – A motorizada envolvida no acidente tinha matrícula suiça e fora objecto de seguro de responsabilidade civil pela companhia representada pela co-Ré E...

III – Como se vê das antecedentes conclusões do recurso e que balizam o “thema decidendum”, discute o A a solução dada pelo tribunal “a quo” à matéria de fundo, pretendendo a condenação solidária das RR a satisfazer a indemnização peticionada.
Mas precedentemente a esta apreciação, sempre terá que se dar uma solução à questão da legitimidade dos RR pois todos eles foram ou deveriam ter sido absolvidos da instância, sendo que na sentença se decidiu inverter a ordem normal do conhecimento das questões que ao tribunal cumpria apreciar, ordem essa definida no artº 660ºnº1 do CPC, justificada para que se não dissesse que estava encontrada a forma de não enfrentarem aspectos controversos atinentes ao mérito.
A excepção dilatória da legitimidade é de conhecimento oficioso e tanto quanto se pode perceber, o recorrente discordou da solução dada na sentença, para que foi relegada a sua apreciação em vista de terem sido inicialmente demandados o proprietário e o condutor do motociclo em que o A se fazia transportar e que deu causa ao acidente que o vitimou e só depois chamados o Gabinete Português de Carta Verde e a representante da Seguradora estrangeira do veículo, entendendo o Mmo Juiz que não podiam estar todos eles associadas em litisconsórcio, pois só estas tinham de ser demandadas e não aqueles.
Mas apesar de discordar não levou o apelante às conclusões da sua minuta esse entendimento, razão pela qual e tratando-se de questão de conhecimento oficioso, decidiu o Relator ouvir ambas as partes, apenas o recorrente opinando que deviam ao invés , ser as chamadas consideradas partes legítimas.
Ora, sem quebra do devido respeito, nada obstava em nosso entender a que as RR representantes da seguradora da “moto” de matrícula suiça fossem consideradas partes legítimas, não obstante não terem sido inicialmente demandadas pelo A.
Com efeito este na petição, demandou o proprietário e o condutor do motociclo por estar convencido não ter aquele seguro válido e desconhecer a origem da matrícula o que o mesmo proprietário desmentiu na contestação pretendendo que o A ao invés era conhecedor dessa situação.
No entanto, este contrariou na réplica a dita arguição , afirmando que o motociclo foi retirado do local, o que o impediu de apurar a sua matrícula, apenas identificando o tipo de veículo e a marca e só depois de notificado das contestações e é que tomou conhecimento da necessidade de intervenção da seguradora estrangeira e do Gabinete Português de Carta Verde.
E no despacho saneador, ainda que sem prejuízo do que se viesse a entender a final, decidiu-se que a acção deveria prosseguir contra as chamadas que aliás não discutiram a sua legitimidade e só se decretou – como não podia deixar de ser - a absolvição da instância do Fundo de Garantia Automóvel.
È verdade que em termos gerais, o incidente de intervenção principal provocada previsto nos artºs 330º e ss do CCivil não pode servir para colocar na posição de réu, quem em lugar da pessoa inicialmente demandada nela deveria figurar.
Mas importa ter em conta as particularidades da acção para efectivação da responsabilidade civil estradal a que alude o diploma do seguro obrigatório.
Existindo este seguro e estando o pedido confinado ao limite da responsabilidade civil obrigatória, determina o artº29ºnº1 , aln a)do DL nº522/85 de 31/XII que só a seguradora tem legitimidade passiva para intervir no pleito, sem prejuízo de se assim o entender, fazer intervir o tomador do seguro, conforme o seu nº2 .
Todavia prevenindo a lei a hipótese de não ser possível ao autor da acção identificar a seguradora ou apurar mesmo a existência de seguro, determina o nº3 que pode o mesmo demandar directamente o civilmente responsável, devendo o tribunal notificar oficiosamente este ultimo para indicar ou apresentar documento quer identifique a seguradora do veículo interveniente.
Isto no caso de acidentes com veículos matriculados no nosso pais, pois no caso de veículos matriculados no estrangeiro, deve ser demandado o Gabinete Português de Carta Verde, (v. A Convenção Inter-Gabinetes e o artº2º do DL122-A/86 de 30 de Maio)o qual gere os acidentes ocorridos em Portugal com estes veículos, podendo no caso de estarem segurados no país da matricula ser demandada a seguradora ou a sua representante ou correspondente conjuntamente com ele ( v. entre outros os Acs do Supremo de 8/02/1994, BMJ 434º, 559 e da RP de 6/01/94 CJ Ano XIX, Tº1º, 204)
Acontece que no presente caso, foi por exclusiva iniciativa do tribunal, mediante o despacho de fls 96 e em função dos documentos juntos a fls 55 e 74 e 75 pelos 1ºs e 2ºs RR, comprovativas de que o motociclo estava matriculado na Suiça e aí seguro que o A decidiu chamar através do incidente de intervenção, as referidas seguradora suiça e o Gabinete Português de Carta Verde, as quais, não arguiram a sua ilegitimidade, sendo do antecedente admitido o incidente por despacho que transitou em julgado.
Deste modo, cremos que terá ficado adquirida a plena legitimidade passiva das ditas duas intervenientes, não podendo deixar de entender-se como coberta pela norma especial do nº3 do artº 29ºdo diploma do seguro obrigatório o seu chamamento à lide e sendo certo que o A justificou a razão pela qual optou quase no limite do prazo de prescrição por demandar directamente o dono e condutor do motociclo, aquele emigrante na Suiça e onde terá adquirido o mesmo em vista de estes se recusarem a identificar a “moto” que logo foi retirada do local e depois, supomos levada de novo para aquele país.
Nestas condições, sem prejuízo de apenas deverem figurar na acção como responsáveis pela satisfação do pedido indemnizatório formulado pelo A, as sobreditas intervenientes, parece-nos justificado o accionamento directo inicial dos responsáveis civis, ( proprietário e condutor) donde não podermos concordar com a sentença proferida, na parte em que absolveu todos eles, devendo sim excluir-se da acção, apenas o 1º e 2RR em vista da comprovação do seguro.

IV -Isto posto, passemos, então a abordar a questão de fundo suscitada pelas conclusões da peça alegatória do recorrente e em que este sustenta o seu desacordo com a posição da sentença.
De facto e pese embora ter considerado a sentença que o condutor da “moto” foi culpado do acidente, mas em termos de culpa presumida por não ser detentor de licença de condução, acabou o Mmo juiz por excluir a indemnização e isto por as lesões sofridas pelo recorrente resultarem de também ele imprudentemente não levar capacete de protecção, competindo-lhe a prova que não fez, que mesmo com capacete as sofreria, culpa essa que excluiria a do agente lesante, nos termos do nº2 do artº 570º.
Tese esta que o recorrente contesta dizendo que o tribunal devia ter optado pela repartição de culpas ou, pelo menos, enquadrado o sinistro em termos de responsabilidade pelo risco.
Vejamos se o recorrente tem, neste ponto, razão.
Recapitulemos o que a respeito da etiologia do acidente ficou provado
- Na madrugada do dia 13 de Dezembro de 1998, cerca das 2h e no sítio da Pousadinha , na R Augusto Lopes Teixeira , o 1º R B... conduzia o motociclo de marca Kawasaki, 750 cms 3 e propriedade do 2º R C... , levando como passageiro ( “pendura”) o A;
- O motociclo ao chegar à zona do Relva, despistou-se;
- O A foi projectado pelo ar e caíu desamparado no asfalto;
- No local , o piso era irregular;
- O condutor da moto não dispunha de licença de condução;
- Por seu turno o A não trazia capacete de protecção.
- O A sofreu perda de consciência e ficou com uma ferida inciso-contusa no couro cabeludo e hematoma palpebral esquerdo, tendo logo sido transferido para os HUC e aí submetido a vários tratamentos e reencaminhado de seguida para o Hospital Distrital da Covilhã
- Foi suturado com vários pontos na cabeça e o olho esquerdo ficou negro e com sangue no interior.

Após produzir várias considerações de resto apropriadas sobre os pressupostos, em abstracto, da obrigação de indemnizar no âmbito da responsabilidade civil subjectiva e anotar que não ficou esclarecida a causa do despiste da moto, imputada na versão do A a excesso de velocidade e ao piso irregular da via, ( facto este provado) ponderou o Mmo Juiz sem deixar de equacionar que a falta de habilitação do R condutor faria presumir pelas regras de experiência a sua imperícia no tocante ao domínio de marcha do veículo, que igualmente sobre o lesado recaía o ónus de prova -por não trazer capacete de protecção ( como estava obrigado pelo artº 82º, nº3 do CE então em vigor) - de que as lesões por ele sofridas não deixariam de se verificar mesmo que tivesse a cabeça com ele protegida.
E isto para depois concluir que essa falta de prova e por todas as lesões se situarem no couro cabeludo e na face sempre determinaria, conjugado com a natureza de culpa do condutor, a exclusão da responsabilidade dos RR nos termos previstos no artº 570º nº2 do CCivil.
Com efeito, dispõe o artº 570º, nºs 1 e 2 o seguinte:
1 . Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade de culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida , reduzida ou mesmo excluída.
2 – Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.”
Não se discute, por certo que o A enquanto passageiro do motociclo, deveria usar de capacete de protecção, tendo em conta o disposto na norma referida do Cod da Estrada de 1994.
Trata-se de um acessório de segurança cuja obrigatoriedade tem a ver com as velocidades excessivas e a menor estabilidade dos veículos de duas rodas, geradores de um perigo acrescido de lesões graves em caso de acidente para quem os conduz ou neles se transporte.
E cuja falta pelo passageiro pode gerar em caso de acidente sem envolver terceiros, a produção e o agravamento dos danos nos termos do artº 570º do CCivil, como se decidiu no Ac do Supremo de 15/12/98, in CJ /S , VI, Tº III., 155.
Com efeito, não faria sentido que um terceiro culpado do acidente, viesse a beneficiar de uma norma que se destina à protecção da vítima, já que esta não estaria nas circunstâncias, em situação diferente de um condutor de velocípede simples, ao qual a lei não impõe, como se diz em tal acórdão, o uso do capacete protector.
De todo o modo, relevando a falta de capacete de protecção quando o acidente seja imputável ao condutor do próprio veículo de duas rodas para efeito da norma do artº 570ºnº1do CCivil, importa indagar se ao caso terá aplicação o disposto no nº2 disposição nos termos da qual se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, por falta da disposição em contrário, exclui a obrigação de indemnizar.
Ora é neste ponto ainda que com diferente fundamentação que assenta a nossa discordância, pois julgamos que o normativo em causa reporta os casos de presunção de culpa que a lei estabelece e não a culpa decorrente do uso de meras presunções judiciais.
Ao anotarem o preceito indicado P de Lima e A Varela referem no seu CCivil Anotado , Vol 1ª, 4ª ed, que a culpa não se presume conforme o artº 487º do mesmo Código mas casos há de presunção legal de culpa, como por ex. os dos artºs 491º , 492º, 493º e 503º.
Ora são coisas diferentes as presunções legais previstas genéricamente no artº 350º do CCivil que podem ser ilidíveis ( presunções “juris tantum”) ou inilidíveis ( presunções “jure et de jure”), consoante admitam ou não prova em contrário e que ocorrem quando o facto principal é inferido por lei de outro facto eleito como base da presunção e as presunções judiciais, naturais ou de facto ( “praesumptionis homini” ) a que alude o artº 351ºque são aquelas que se fundam em regras práticas da experiência e que permitam ao julgador estabelecer factos desconhecidos a partir de outros conhecidos e que com aqueles estão numa relação lógica necessária.
É sabido que o acto de conduzir uma viatura como acto voluntário que é , acarreta a ilação de que tudo o que se passa na condução é atribuível ao condutor ( por acção ou omissão) derivado daquela vontade.
E por isso, o despiste isolado de um veículo faz sempre presumir uma condução inábil e imperita, ao próprio competindo a prova de que assim não foi.
Nada tendo sido demonstrado que afastasse a ilação, corroborada pelo facto do condutor não ter a devida habilitação legal segue-se ficar suficientemente demonstrada a culpa do mesmo não por mero efeito de uma presunção legal, mas com recurso à chamada prova de primeira aparência.
Ora estas provas de primeira aparência integram-se no ónus de prova que o lesado suporta, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual e nos termos gerais do nº1 do artº 487º e visam, em suma, facilitar o exercício desse ónus, situação diferente da sua dispensa directamente determinada por lei.
Aliás isso mesmo foi reconhecido na douta sentença ao acentuar-se que em matéria de acidentes de viação, inexistindo uma presunção legal, o ónus de prova do lesado, na ausência de contraprova deve ser facilitado com o recurso ás presunções simples, de primeira aparência, citando-se um acórdão de RP de 26/03/92 in CJ II, 201.
E no caso, para além do mais, o facto culposo concorrente do A por não trazer capacete também decorreu do uso de uma presunção natural, a de que as lesões traumáticas e corto-incisas que sofreu porque localizadas no couro cabeludo e na face que o uso da capacete ( devidamente ajustado) visaria proteger, em virtude de choque, colisão ou capotamento de um veículo de duas rodas, não as sofreria pelo menos todas ou com a gravidade que assumiram, acaso levasse o dito acessório de segurança.
Logo não faria sentido, excluir-se a responsabilidade dos RR por baseada na culpa exigível nos termos gerais do artº 487ºnº1, por o transporte do A ser de mera cortesia ( v. a este propósito V Serra, RLJ, 11º, 265 e Ac.s da RE de 8/02/72, BMJ 276º,324 do Supremo de 30/11/78, BMJ281º, 319, da RP de 1/07/77, CJ 1977,4º, 1152, da RP de de 22/03/90, BMJ395º, 675 e de 20/02/95,BMJ444º,699, inter alia ) posto que com uso de uma mera presunção judicial ou natural do condutor da motorizada segura usada no transporte, para ficar a prevalecer um facto culposo do lesado e passageiro da mesma também estruturado por uma outra presunção judicial ou natural.
Assim no nosso entender salvaguardado o devido respeito, julgamos não poder enquadrar-se o acidente dos autos na previsão normativa do nº 2 , mas antes na do nº1 do citado artº 570º, tendo ambos, o 1º R demandado condutor da motorizada que a deixou despistar sem justificação plausível e por certo determinada pela não adequação da velocidade ao piso irregular da via e falta de perícia e destreza na condução da mesma e o A seu passageiro que não levava capacete, como a lei impõe, concorrido culposamente para a produção dos efeitos danosos na pessoa deste impondo-se na sua graduação ponderar a gravidade relativa das normas estradais violadas que no caso jogam mais em desfavor do condutor/transportador do que do passageiro, donde julgarmos ajustado, seguindo aqui o critério definido no Ac do Supremo atrás citado e de 1998, fixar as proporções em 70% para aquele e 30% para este
Demonstrada assim a culpa do condutor e que não resulta de nenhuma presunção legal, recai também sobre o proprietário da motorizada e que como tal detinha – presunção que não foi ilidida - a sua direcção efectiva, sendo porém essa responsabilidade civil e de que beneficia o lesado, enquanto pessoa transportada, ainda que limitada aos danos pessoais ( artº 504º nºs 1e 3 do CCivil) assumida pela co-ré E... – Companhia de Seguros S.A, representante em Portugal da companhia com sede na Suiça e que emitiu a apólice documentada nos autos, dentro dos limites do seguro obrigatório, paralelamente com o Gabinete Português de Carta Verde a quem competia em primeira linha a representação da mesma por força do artº 2º do DL nº122-A/86 de 30/05.

V -Desta feita, teremos de apreciar os demais pressupostos da responsabilidade civil justificativos da indemnização peticionada e que passam pela análise da real extensão dos danos patrimoniais e não patrimoniais reclamados pelo A em consequência das lesões traumáticas e sequelas permanentes que para ele decorreram do acidente.
De facto, quem estiver obrigado a repara um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação- artº 562º do CCivil.
Esta obrigação só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão- artº 563º
O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão- artº 564º - devendo o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis- nº2 do mesmo artº564º
A indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.- eraº 566º, nº1
E sem prejuízo do preceituado noutras disposições legais, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos- artº 566º,nº2.
E se não puder ser averiguado o valor exacto destes, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados, artº 566º,nº3

No caso, o A começou por pedir uma indemnização por danos não patrimoniais que quantificou em 7.000.000$00 a que fez cumular com uma verba de 19.942$00 respeitante a despesas com tratamentos médicos e medicamentos que adquiriu e uma outra de 100.000$00 com outras despesas de deslocação que não especificou .
E deixou ainda ver a possibilidade da ampliar o pedido, de harmonia com a evolução clínica que não concretizou, tendo em sede de audiência pedido apenas a ampliação do mesmo para mais € 10.000,00 por forma a cobrir os prejuízos decorrentes da incapacidade temporária e permanente de que ficou a padecer, o que foi deferido e não teve a oposição dos RR.

VI - Concentremo-nos, por ora, na verba pedida a título de danos não patrimoniais a que A tem jus nos termos do artº 496ºnº3 do CCivil
Como se sabe, o critério para a fixação destes danos ( que abarcam toda a panóplia de lesões aos bens de personalidade física ou moral do atingido pelo acidente envolvendo prejuízos de ordem biológica, espiritual, no seus sistemas fundamentais de sentimentos, inteligência e vontade ou nas suas energias morais e de fruição plena dos prazeres da vida desde que com gravidade que justifiquem o seu atendimento) que assumem um cariz compensatório ainda que revestindo também carácter sancionatório, consta do artº 494º do CC por remissão do nº3 do artº496ºe no fundamental o legislador faz aqui apelo à equidade, de harmonia com as circunstâncias do caso.
Na determinação da mencionada compensação deve por isso atender-se ao grau de culpabilidade do responsável e à sua situação económica, bem como à do lesado que no caso se provou ser modesta.
E a apreciação da gravidade do referido dano embora tenha de assentar no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar um critério objectivo, para evitar na medida do possível derivas de um arbítrio no atendimento e graduação das afectações experimentadas pelo lesado nos bens de personalidade concretamente atingidos.
Atrás se disse já que o A pede nada menos do que 7.000.000$00 pelos danos não patrimoniais e salvo o devido respeito, trata-se de uma verba exorbitante, bastando relembrar que à data da propositura da acção era em geral atríbuída e por vezes abaixo desse valor ao dano da própria perda da vida, bem supremo por excelência e nem vale a pena estarmos a citar as decisões jurisprudenciais por bem conhecidas serem.
Ora a este propósito o que ficou assente é que o A para além de ter perdido a consciência e de ter suportado um longo período de convalescença ( 302 dias até à sua alta clínica) teve um internamento hospitalar curto e os seus males, fora os incómodos e transtornos do período de tratamento e sessões de fisioterapia a que foi sujeito, circunscrevem-se a experimentar cefaleias e perturbações de sono que naturalmente afectam o seu bem estar interior, posto que passíveis de alívio com medicação apropriada e lhe causam dissabores no trato social e familiar.
A leitura do relatório da perícia em que assentou em parte a fundamentação das respostas é elucidativa em situar no plano da dificuldade de concentração, cefaleias e perturbações de sono os efeitos irreversíveis do forte traumatismo craniano que o acidente lhe causou, o que em literatura médica se designa por “síndroma post traumático”
Não se discute que o A jovem , então de 27 anos com presumida boa saúde terá natural desgosto com essa situação, ainda que longe do cenário sombrio traçado na petição, permitindo-nos apenas mencionar os aspectos nela focados e sintomáticos da instabilidade psíquica e neurológica justificativos do “quantum indemnizatório “ avançado e que não logrou provar.
Assim , não resultou provado que o A :
- Tivesse sofrido além de traumatismo e feridas no couro cabeludo, outros ferimentos no pescoço e no pé esquerdo e que até tivesse caído uma unha;
- A sua memória se encontre afectada;
- As boas relações com a família se tivessem deteriorado;
- Não consiga manter uma conversa prolongada;
- Revele impaciência e até alguma confusão mental;
- Deixasse de dormir o suficiente, acordando sempre de madrugada;
- Tenha medo de passear de moto ou motorizada, o que era antes o seu passatempo favorito;
- Sofra de vertigens e não consiga andar em zonas de grande declive, nem passar em pontes aéreas:
- Não consiga dormir de costas;
- Não possa permanecer muito tempo de pé;
- Revele grande dificuldade em apanhar objectos do chão e tenha de fazer um esforço redobrado para se soerguer da cama;
- Fique com tonturas para apanhar um objecto e lhe cause dores de cabeça fazer o seu trabalho em oficinas de tear onde trabalha.
Dito isto, o que sobressai no que concerne a estes danos é portanto uma diminuição moderada do seu bem estar psico-orgânico pela maior incidência de cefaleias e de perturbações de sono indutoras de acrescida irritabilidade e impaciência sem sinais de um qualquer previsível agravamento ( cfr o relatório de perícia) e que por isso mesmo e conjugadamente com o abalo do acidente os incómodos e dores derivados do alongado período de tratamento ambulatório com sucessivas sessões de fisioterapia concitam, ponderado tudo o mais provado e segundo os padrões da jurisprudência a reduzir aquele montante por desfazado da realidade das coisas, no plano do nível de vida médio do nosso país, para € 7.500,00 (correspondente, em termos aproximados e na antiga moeda a esc 1.500.000$00)

VII Vejamos, agora, a situação no que tange ao cálculo da indemnização dos danos patrimoniais, que são além os decorrentes das despesas com tratamentos e taxas devidas nos centros hospitalares que se cifram em esc 18.552$00 ( e que corresponde a € 92,54) os derivados da incapacidade geral atribuída parcial, temporária e permanente, nos termos do ponto 23 da fundamentação de facto e conforme a ampliação formulada em plena audiência de julgamento em 31 de Maio de 2005
Dúvidas não restam que ao A assiste o direito de ser indemnizado pela privação ( primeiro) e pela diminuição (depois) da capacidade e rendimentos do trabalho, tanto no que concerne aos danos pretéritos, como aos futuros, conforme o citado artº 564º nº2, bastando quanto a estes que sejam previsíveis e determináveis.
Não se ignora que a incapacidade permanente para o trabalho é susceptível de afectar e diminuir a potencialidade de ganho por via da perda da remuneração correspondente ou da mera implicação para o lesado de um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho ou exercer as várias tarefas do quotidiano.
Ora mesmo considerando e nada foi alegado e provado nesse sentido que a afectação aliás diminuta da capacidade geral de trabalho de que padece o A não se traduziu, em termos de previsibilidade em perda dos seus rendimentos profissionais, fora a perda dos 300 dias em que esteve de baixa médica em 1999, dano esse já verificado e não futuro, deve relevar o dano da ligeira menor aptidão para as tarefas normais do dia a dia e profissionais, no fim de contas um dano biológico e que justifica a indemnização de cariz profissional, independentemente da sua valoração a título da dano não patrimonial.
No caso vertente e considerando a situação em que o recorrente ficou , tendo em conta as regras de probabilidade normal do curso das coisas , a conclusão deve ser no sentido de que para além dos salários perdidos com a baixa médicas existe um dano futuro, previsível dadas as dificuldades de concentração enunciadas no relatório pericial e que propiciaram a determinação da dita incapacidade permanente parcial de 5%.
A dificuldade na reparação destes danos é, porém e no caso patente , já que o apelante não indicou que remuneração auferia à data do acidente na invocada qualidade de operário têxtil, apenas tendo sido apurada a sua idade de 27 anos à data do acidente.
Contudo a efectiva perda de rendimentos nos dez meses de baixa médica, durante o ano de 1999 pode ser calculada, em termos de equidade, na base do salário mensal mínimo fixado para esse ano de 61.300$00, correspondendo ela à quantia de 613.000$00, o que fazendo a conversão à moeda em curso, dá. € 3.057,63.
Assim, ponderando que o lesado teria ainda mais uns 37 anos de vida activa e considerando a presente data, mais 31 anos ( na base do limite dos 65 anos no regime geral da segurança social) a exigir algum esforço suplementar, posto que em grau muito diminuto ( o que convém sublinhar) não custa em termos de equidade, sem necessidade de recorremos ao uso de tabelas financeiras, atribuir-lhe a esse título pelos danos pretéritos e futuros, o montante final actualizado de € 9.000,00 a que se tem de somar os atrás apontados € 92, 56 , assim totalizando a indemnização o valor final de € 16. 592, 56.( = 7.5000,00 + 9.000.000,00 + 92,56)
No entanto, há que reduzir este valor na proporção da sua culpa concorrente, o que vale por dizer ter ele apenas direito à quantia líquida actualizada de € 11.614,79 ( = a 70%) a que acrescerá a quantia não apurada de despesas que efectuou em deslocações para tratamentos – ponto 25 – a liquidar em execução de sentença, mas até ao limite de 70.000$00 ( 70% do apontado limite desses gastos, conforme o peticionado) i.e. a € 349,16, sendo os juros de mora devidos apenas a partir da data do presente acórdão, por não serem cumuláveis com a actualização operada, nos termos do Acórdão Uniformizador nº4/2002 de 9/05/2002 ( in DR IA de 27/06/2002 .

IX – Nos termos e pelas razões expostas, acorda-se em revogar a aliás douta sentença e, nessa conformidade:
a) Absolver da instância, por ilegitimidade os 1ºs e 2º RR por o pedido se confinar ao limite do seguro obrigatório da responsabilidade civil;
b) Considerar partes legitimas a Seguradora E... e o Gabinete Português de Carta Verde;
c) Julgar em parte procedente e provada a acção, condenando as mesmas como representantes da seguradora do motociclo a solver solidariamente ao A atrás bem identificado, a quantia indemnizatória líquida de € 11. 614, 79 ( onze mil seiscentos e catorze euros e setenta e nove cêntimos ) e a que se venha a liquidar em execução de sentença quanto às despesas com deslocações para efeitos de tratamento até ao limite definido de € 349,15 ( trezentos e quarenta e nove euros e quinze cêntimos);
d) Condenar as mesmas nos juros de mora devidos a partir da data da presente decisão;
e) Absolver as mesmas E... e Gabinete do mais pedido.
As custas serão pagas na proporção do decaímento pelo A e RR E... e Gabinete, tendo-se porém em conta que o A delas está dispensado, por litigar com o benefício do apoio judiciário.
Relega-se, por último para a 1ª instância a fixação dos honorários devidos ao ilustre patrono do A, mantendo-se o decidido na atribuição dos honorários ao patrono dos 1º e 2ºs RR.