Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
280/07.0TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
CTT
SUBSCRITOR DA CGA
REGIME JURÍDICO APLICÁVEL
TRIBUNAL COMPETENTE
Data do Acordão: 05/29/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NÃO PROVIDO
Legislação Nacional: ARTºS 9º, Nº 2, DO D. L. Nº 503/99, DE 20/11;
Sumário: I – O Dec. Lei nº 503/99, de 20/11, veio estabelecer o regime jurídico dos acidentes em serviço ocorridos ao serviço da Administração Pública.

II – Porém, os CTT já foram uma empresa pública, pessoa colectiva de direito público, anteriormente ao D. L. nº 87/92, de 14/05, e este diploma assegurou a manutenção dos regimes jurídicos então vigentes e aplicáveis ao pessoal da empresa pública “Correios e Telecomunicações de Portugal” – seu artº 9º, nº 2.

III – Tendo a agravante sido subscritora da CGA e antes da transformação dos CTT em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos (portanto anteriormente à entrada em vigor do D.L. nº 87/92), não pode deixar de entender-se que, enquanto tal, fica abrangida pelo âmbito de aplicação do disposto no D.L. nº 503/99, de 20/11.

IV – Na constância da empresa pública CTT, os seus trabalhadores tinham um estatuto de direito público privativo, próximo do funcionalismo público, no que tange ao domínio previdencial, sendo-lhes então aplicável o regime previsto no D. L. nº 38.523, de 23/11/1951.

IV – O Tribunal competente para conhecer do acidente em serviço ocorrido com este trabalhador é o Tribunal Administrativo (competência absoluta, em razão da matéria).

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:


I –

- Nos presentes Autos com processo especial emergente de acidente de trabalho em que é participante A..., devidamente identificada, e entidade empregadora «B...», esta, notificada para informar sobre elementos relativos ao acidente, veio ao processo indicar que a trabalhadora em causa pertence ao quadro dos trabalhadores subscritores da Caixa Geral de Aposentações, devendo por isso o Tribunal do Trabalho declarar-se materialmente incompetente.

Sob promoção do M.º P.º foi proferido o despacho de fls. 46, no qual – por se ter considerado que o sinistro constitui um acidente de serviço e não de trabalho, uma vez que aquela é subscritora da Caixa Geral de Aposentações – se declarou a incompetência (absoluta) em razão da matéria do Tribunal do Trabalho de Coimbra, com absolvição da instância da requerida patronal.

- Inconformada, a sinistrada veio agravar dessa decisão.
Alegando, concluiu assim:
1. A recorrente é trabalhadora dos B... e subscritora da Caixa Geral de Aposentações;

2. Ora, tal não significa que lhe seja aplicável o Decreto-Lei n.º 503/99, porque este diploma pressupõe, nos termos do n.º1 do seu art. 2.º, a verificação cumulativa de dois requisitos, a saber: exercerem os trabalhadores funções na administração central, local e regional e serem subscritores da Caixa Geral de Aposentações;


3. No caso em apreço não se verifica um destes requisitos, uma vez que a trabalhadora não exerce funções em qualquer organismo pertencente à Administração Pública…

4. Pelo que o acidente ajuizado não é da competência dos Tribunais Administrativos, por não ser aplicável o art. 48.º daquele citado diploma legal;


5. Mas antes da competência dos Tribunais do Trabalho, por força do disposto na alínea c) do art. 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (LOFTJ);

6. O que se requer seja declarado.

Ao decidir assim, violou a decisão recorrida os arts. 2.º e 48.º do Decreto-Lei n.º 503/99 e alínea c) do art. 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (LOFTJ), bem como os arts. 101.º, 102.º, 103 e 105.º/1 do C.P.C.

- O M.º P.º respondeu, concluindo, por seu turno, pela manutenção do sentido da decisão.

Subidos os Autos, com sustentação tabelar, e recebido o recurso, colheram-se os vistos legais devidos, com o Exm.º P.G.A. a emitir Parecer em que propende para a confirmação do decidido.
___

II –
As ocorrências de facto relevantes para o enquadramento e solução da questão em que se analisa o objecto do agravo são todas de natureza e comprovação processual e constam referenciadas, de forma bastante, na exposição esquemática que antecede.

A questão posta é de manifesta simplicidade.
Vejamos então.
Ficando-se pela literalidade da previsão que invoca – o n.º1 do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro – a agravante pretexta que, sendo embora subscritora da Caixa Geral de Aposentações, o acidente participado não é da competência dos Tribunais Administrativos porque a mesma não exerce funções na Administração Central, local ou regional, não sendo por isso funcionária de qualquer organismo pertencente à Administração Pública.

Com o sempre devido respeito, afigura-se-nos que não tem razão, como vamos sucintamente demonstrá-lo.
A norma interpretanda reza, na verdade, que o disposto no presente diploma é aplicável aos funcionários, agentes e outros trabalhadores que sejam subscritores da Caixa Geral de Aposentações e exerçam funções na administração central, local e regional, incluindo os institutos públicos nas modalidades de serviços personalizados e de fundos públicos…
A seguir, o n.º2 prescreve que ao pessoal dos serviços referidos no número anterior, vinculado por contrato individual de trabalho, com ou sem termo, e enquadrado no regime geral de segurança social, aplica-se o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais constante da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro.

É certo que o presente Diploma – que veio estabelecer o regime jurídico dos acidentes em serviço ocorridos ao serviço da Administração Pública – define um âmbito de aplicação em que não cabem, a partir de 1999, os trabalhadores dos B....
Simplesmente as coisas não foram sempre assim no que toca ao estatuto do empregador, como se sabe.
Os B... já foram uma empresa pública, pessoa colectiva de Direito Público, anteriormente ao Decreto-Lei n.º 87/92, de 14 de Maio.
Este diploma assegurou todavia a manutenção dos regimes jurídicos então vigentes e aplicáveis ao pessoal da empresa pública ‘Correios e Telecomunicações de Portugal’ – seu art. 9.º, n.2.

A agravante é subscritora da CGA e já o era seguramente antes da transformação dos B... em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, (alega ser trabalhadora dos B... desde Setembro de 1986)anteriormente, pois, à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 87/92.

(Por tal ‘estatuto’ se têm batido muitos colegas seus, como certamente não ignorará, demandando a R. com vista à promoção da sua inscrição como subscritores daquele subsistema previdencial).

Reunia ao tempo, certamente, os requisitos de que a Lei, (art. 1.º/1 do Decreto-Lei n.º 498/72, na redacção do Decreto-Lei n.º 191-A/79, de 25 de Junho), fazia depender a possibilidade de inscrição de um trabalhador como tal.

(Como bem se diz a fls. 59v.º, na constância da empresa pública B... os seus trabalhadores tinham um estatuto de direito público privativo, próximo do do funcionalismo público, no que tange ao domínio previdencial, sendo-lhes então aplicável o regime previsto no Decreto-Lei n.º 38.523, de 23.11.1951).

Usando uma locução mais abrangente (‘servidores civis do Estado’), o legislador de 1951 apenas excluía da cobertura especial do diploma então institucionalizado os servidores que não fossem subscritores da Caixa Geral de Aposentações, a quem era aplicável a legislação sobre acidentes de trabalho – § único do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 38.523, de 23 de Novembro de 1951, diploma que definia a responsabilidade do Estado por acidentes dos seus servidores.

Prescrevia-se no art. 30.º desse Decreto-Lei n.º 38.523 que ‘Os tribunais do trabalho não darão andamento a processo emergentes de acidente de trabalho contra o Estado e seus organismos ou contra os corpos administrativos sem que previamente a Caixa Geral de Aposentações informe se os sinistrados são ou não seus subscritores…
Na hipótese afirmativa, os processos serão mandados arquivar, sem dependência de qualquer outra formalidade’…
(Veja-se a propósito o Acórdão da Relação de Lisboa, de 12.6.1985, in C.J., Ano X, Tomo III, pg. 218-219.
E também a noção lata de ‘servidores do Estado’ então dilucidada no Parecer da PGR in DR, II Série, de 13.12.1985).

A qualidade do trabalhador pressuposta na admissão como subscritor da Caixa Geral de Aposentações é que é afinal a matriz determinante.
Assim, por força da falada salvaguarda, não pode deixar de entender-se que a sinistrada, enquanto subscritora da Caixa Geral de Aposentações, fica abrangida pelo âmbito de aplicação do disposto no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro.
E as relações entre os subscritores e a Caixa são da competência dos Tribunais Administrativos (cfr. Arestos do S.T.J. de 10.1.2007 e de 14.2.2007, in C.J./S.T.J., Ano XV, Tomo I, pgs. 246 e 263, respectivamente).

Nos termos do art. 48.º/1 do referido Decreto-Lei n.º 503/99 deve ser demandado o Tribunal Administrativo.

Não podem acolher-se as razões que enformam as doutas conclusões.
___

III – DECISÃO

Em conformidade com a fundamentação exposta, delibera-se negar provimento ao agravo, confirmando o despacho impugnado.
Custas pela recorrente.
***

Coimbra,