Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1405/02.8PBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RIBEIRO MARTINS
Descritores: PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
INTERROGATÓRIO DO ARGUIDO
ARGUIDO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
PRESCRIÇÃO
ACUSAÇÃO
Data do Acordão: 10/18/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 57º, 58º, 60º E 61º DO C. P. PENAL, ARTIGO 119º DO C. PENAL
Sumário: 1. A qualidade de arguido conserva-se enquanto durar o processo.

2. Após a constituição como arguido, um novo interrogatório no processo, mesmo por factos novos entretanto conhecidos, não afecta a qualidade de arguido que se mantém inalterada.

3. O prazo prescricional, contado desde a data do cometimento dos factos, não se interrompe com um novo interrogatório, mesmo pelos factos novos, mas apenas com a notificação da acusação.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal da Relação de Coimbra:
1.1- No processo comum com o n.º 1405/02 do 2º Juízo Criminal de Viseu, A... foi condenado na pena única de 130 dias de multa à taxa diária de €10, resultante do cúmulo jurídico das penas de 100 e 60 dias de multa pela prática, respectivamente, dum crime de ofensas à integridade física simples e dum outro de ameaças p. e p. pelos art.ºs 143º/1 e 153º/1 do Código Penal.

1.2- Foi ainda condenado no pagamento de €3.500 de indemnização por danos não patrimoniais causados ao ofendido; e na quantia de €27,93 e respectivos juros de mora ao Hospital de S. Teotónio de Viseu.

4.1- No decurso do processo também o Ministério Público apresentara recurso do despacho judicial a fls. 200 a 2002 no segmento em que declarou extinto por prescrição o procedimento criminal pelos crimes de injúrias imputados ao arguido na sua acusação por factos ocorridos a 28/2/2003 e 6/3/2003. Concluiu:

a) Ao dar-se por extinto o procedimento criminal por prescrição os 2 crimes de injúria agravada perpetrados a 28.2.2003 e a 6.3.2003, por a constituição do arguido ter ocorrido em 27.02.2003 e a acusação só ter sido deduzida em 04.04.2005, violou-se o disposto no art. 119º/ 1 do C. Penal, pois na data considerada o prazo da prescrição nem ainda se iniciara.

b) Ao não considerar a data de 30.4.2003, como a de constituição de arguido relativamente a tais ilícitos, data em que foi interrogado sobre os factos denunciados susceptíveis de integrar tais ilícitos e em que também lhe foi efectuada a comunicação a que alude o art. 58/ 2 do CPP, com a informação dos direitos e deveres consignados no art. 61º, embora não se lhe entregando o documento a que alude o art. 58/3 do CPP, por desnecessário, uma vez que anteriormente já o tinha sido, no âmbito da constituição como arguido no mesmo processo por factos integradores de outros crimes ocorridos antes, violou-se o art.º 58/ 2 do CPP e o art.º 121/1 alínea a) do C. Penal.

c) Assim, deve revogar-se o despacho que determinou a extinção do procedimento criminal, por decurso do prazo a que alude o art. 118/ 1 alínea d) do C. Penal, quanto aos 2 crimes de injúria agravada que na acusação se reportam a factos de 28.2.2003 e 6.03.2003.

… Recurso do Ministério Público

Não vemos que tenha razão o recorrente que, em suma, veladamente pretende ver interrompido o prazo prescricional com um segundo interrogatório do arguido sobre factos novos entretanto trazidos ao processo

A constituição como arguido opera-se através da comunicação, verbal ou escrita, ao visado [por uma autoridade judiciária ou um órgão de polícia criminal] de que a partir desse momento deve considerar-se arguido no processo ( art.º 58º/2 do CPP); e implica a entrega do documento a que se refere o art.º 58º/3 do CPP.

Quem for constituído num processo penal como arguido, conserva essa qualidade enquanto durar o processo, nele não a perdendo nem a readquirindo.

A qualidade de arguido conserva-se durante todo o decurso do processo e só termina com a resolução deste ou, no caso de vários arguidos, quando como tal deixar de nele figurar.

O visado foi constituído arguido no processo a 27/2/2003, conforme consta do termo de fls. 40.

Não haveria que doravante nele de novo ser constituído como arguido, pois que a primeira comunicação de que se deveria considerar como arguido,conferiu-lhe tal qualidade com todos os direitos e deveres que lhe são inerentes. E essa qualidade conservá-la-á enquanto perdurar o processo (art.º 57º/2 do CPP). A partir do momento em que num processo alguém adquire a qualidade de arguido, é-lhe assegurado o exercício dos direitos e exigido o cumprimento dos deveres processuais –, art.º 60º do CPP.

É a partir desse momento que o até então suspeito adquire a qualidade de sujeito processual e como tal passa a ser titular dos direitos e submetido aos deveres processuais que integram o estatuto de arguido -, cfr. art.º 61º do CPP. Este não se perde nem se readquire enquanto perdurar o processo.

Assim, não é um novo interrogatório no processo, mesmo por factos novos que entretanto nele vieram a ser conhecidos que lhe atribui tal qualidade. Esta afere-se pela existência do processo e pela comunicação que já lhe fora feita de que deveria nele considerar-se como arguido.

O posterior conhecimento no processo de factos novos que lhe são também atribuídos e o seu interrogatório sobre os mesmos não lhe reconferem a qualidade de arguido, pois que já a detinha no processo.

Uma vez atribuída no processo a qualidade de arguido, ela conserva-se por toda a existência do processo, precisamente porque a partir daí o mesmo passa a ser nele sujeito processual e como tal titular de direitos e de deveres processuais.

A constituição como sujeito processual que doravante perdurará no processo, é o polo fundamental da qualidade de arguido já que ,com essa constituição, à pessoa como tal constituída é assegurado o exercício de direitos e impostos deveres processuais ( art.º 60º do CPP) quanto a todas as imputações que nele lhe forem feitas.

Novo interrogatório do arguido no processo por factos novos, ainda que de momento lhe sejam relembrados os seus direitos processuais -, como parece ter sido o ocorrido no interrogatório feito a 30/4/2005 -, não lhe renova a qualidade de arguido.

O recorrido foi constituído como arguido neste processo a 27/2/2003. Os novos factos criminosos são de 28/2/2003 e de 6/3/2003. Contudo, o seu interrogatório sobre os mesmos a 30/4/2003 não é facto interruptivo da prescrição. Sendo o prazo prescricional contado desde o cometimento dos factos ( art.º 119º/1 do CP) só podendo, no caso, ser interrompido com a notificação da acusação já que no processo detinha o estatuto de arguido, temos que a prescrição do procedimento quanto aos mesmos ocorreu dois anos após o seu cometimento, i é, a 28/2/2005 e a 6/3/2005 , ou seja, antes da notificação da acusação -, esta de 4/4/2005 e aquela de 12/4/2005 ( cfr. fls. 142 a 149 e fls. 157 e 160).

Em conclusão, improcede o recurso .

III- Decisão – Termos em que se decide

a) Ter por improcedentes os recursos interpostos pelo Ministério Público e pelo demandante;