Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
445/13.6TLR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: SEGURANÇA NO TRABALHO
AGRAVAMENTO DA RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR
PRESCRIÇÃO
PRAZO APLICÁVEL
Data do Acordão: 06/26/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DO TRABALHO DE LEIRIA – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 18º DA LAT; ARTº 309º DO C. CIVIL.
Sumário: I - O agravamento da responsabilidade originado pela falta de observação, por parte do empregador, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, tem como fonte o contrato de trabalho celebrado entre o sinistrado e a Ré patronal.

II - Estamos perante uma responsabilidade contratual, ou seja, o empregador vê a sua responsabilidade derivada do contrato, agravada, por força da violação das regras de segurança e saúde no trabalho

III - O artigo 18.º da LAT, quando remete para os termos gerais, não estabelece qualquer responsabilidade extracontratual, fá-lo com vista à fixação da indemnização nos termos gerais do direito civil.

IV - Perante uma responsabilidade contratual, o prazo de prescrição é o prazo ordinário de vinte anos previsto no artigo 309.º do CC e não o de três anos estabelecido no n.º 1 do artigo 498.º do CC para o direito de indemnização por factos ilícitos (artigo 483.º e segs. do CC).

Decisão Texto Integral:

Apelação n.º 445/13.6TLR-A.C1

Acordam[1] na Secção Social (6.ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

Os AA.:

1.º - Z..., viúva, contribuinte fiscal nº ..., residente em Rua ...

2.º - J..., solteiro, maior, contribuinte fiscal nº ..., residente em Rua ...

3.º - B..., solteira, maior, contribuinte fiscal nº ..., residente em Rua ...

4.º M..., solteira, menor, contribuinte fiscal nº ..., residente em Rua ..., representada por sua mãe Z..., viúva, contribuinte fiscal nº ..., residente em Rua ...

intentaram a presente ação especial de acidente de trabalho contra

B..., com sede na Avenida ...

alegando, em síntese, que:

O sinistrado foi vítima de um acidente de trabalho quando se encontrava a trabalhar nas instalações da Ré na Polónia, a coordenar a instalação da máquina IS da linha 11 e teve de se deslocar até junto da mesma que continha diversas aberturas que davam para o piso inferior e que estavam protegidas e assinaladas por paletes de madeira e fita de segurança e, ao inspecionar a aludida máquina, caiu numa das aberturas que a ladeavam para o piso inferior daí resultando a sua morte; a Ré não tomou as medidas necessárias para evitar a queda dos trabalhadores nas aberturas feitas no solo; a Ré não observou quaisquer regras de segurança dos trabalhadores, nomeadamente, no que concerne à colocação de guarda corpos junto da máquina, prevenindo a eventual queda nas aberturas e foi a falta do cumprimento destas regras que determinou o acidente e subsequente morte do sinistrado, pelo que, o acidente é da inteira responsabilidade da Ré patronal.

Terminam, dizendo que:

“Nestes termos e nos melhores de direito deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, em consequência, deverá as Ré. ser condenada a pagar aos AA. as seguintes indemnizações:

a) Uma pensão anual e vitalícia no montante de 31.652,68 desde o óbito do sinistrado a pagar aos AA. na proporção de 50% para a 1º A. e 50% para os 2º, 3º e 4º AA. sendo que quando cada um dos 2.º, 3.º e 4.º AA. perderem o direito à pensão esta reverterá para a A. e, se a 1.º A. perder a pensão esta reverterá para os seus filhos.

b) 75.000,00 a titulo de indemnização pela perda do direito à vida.

c) 60.000,00 a titulo de danos não patrimoniais/danos morais próprios à 1.º A.

d) 30.000,00 € a titulo de danos não patrimoniais/danos morais próprios ao 2.º A.

e) 30.000,00 € a titulo de danos não patrimoniais/danos morais próprios à 3.º A.

f) 30.000,00 € a titulo de danos não patrimoniais/danos morais próprios à 4.º A.

g) Aos aludidos valores acrescem juros de mora desde a data do óbito – 31-05-2013 à efectivo e integral pagamento.”

            A Ré patronal contestou alegando, em sinopse, que:

É de aplicar o prazo de prescrição de 3 anos previsto no n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil, contando-se, para esse efeito, o prazo a partir do momento em que ocorreu o acidente e a morte que dele resultou (cf. n.º 1 do artigo 306.º do Código Civil) devendo o Tribunal concluir pela prescrição do direito e, em consequência, absolver a Ré dos pedidos contra si formulados e, ainda, que não ocorreu qualquer inobservância das regras de segurança por parte da Ré.

Termina, dizendo que:

“NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO QUE V. EXA. DOUTAMENTE SUPRIRÁ,

DEVERÁ:

1. SER JULGADA PROCEDENTE A EXCEÇÃO PERENTÓRIA DE PRESCRIÇÃO, SENDO A RÉ ABSOLVIDA DOS PEDIDOS CONTRA SI FORMULADOS PELOS AUTORES;

2. SUBSIDIARIAMENTE, SER JULGADA IMPROCEDENTE, POR NÃO PROVADA, A PRESENTE AÇÃO, ABSOLVENDO-SE A RÉ DOS PEDIDOS CONTRA SI FORMULADOS.”

  Os AA. vieram responder a esta contestação da Ré patronal concluindo como na p. i. e dizendo que deve ser julgada improcedente a exceção deduzida pela Ré, com as legais consequências.

  Foi proferido despacho saneador e no qual foi julgada improcedente a exceção de prescrição invocada pela Ré.

A , notificada desta decisão, veio interpor o presente recurso formulando as seguintes conclusões:

...

Os AA. responderam ao recurso, concluindo que:

...

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

II – Questões a decidir

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (art.º 639.º, n.º 1, do CPC), salvo as que são de conhecimento oficioso.

Cumpre, então, conhecer a seguinte questão suscitada pela Ré recorrente:

Se ocorreu a prescrição do direito de indemnização invocado pelos AA. recorridos.

III – Fundamentação

a) Factos provados:

Os constantes do relatório que antecede e, ainda:

1. A Ré foi notificada nos termos constantes da certidão junta a fls. 15 vº a 19.

2. Os AA. intentaram a presente ação no dia 04/04/2019.

b) - Discussão

Se ocorreu a prescrição do direito de indemnização invocado pelos AA. recorridos.

Como já referimos, o tribunal de 1ª instância julgou improcedente a exceção de prescrição invocada pela Ré, nos seguintes termos:

B) Da alegada prescrição do direito de indemnização:

A ré entidade empregadora vem, ainda, alegar a prescrição dos direitos dos AA pela aplicação das normas da responsabilidade civil extracontratual, nomeadamente do disposto no art 498º, nº 1 do CCivil, atendendo à data do evento, 31.05.2013, tendo os AA interposto a ação apenas no ano de 2019.

Cabe decidir.

Nos presentes autos os Aa imputam à ré a violação de regras de saúde e segurança no trabalho, como causa única e exclusiva da ocorrência do acidente de trabalho.

A obrigação de observância das regras de saúde e segurança no trabalho advém do próprio contrato de trabalho celebrado entre o sinistrado e a ré entidade empregadora.

Sem dúvida que, sendo invocada a atuação ilícita e culposa da ré violadora do direito à vida do sinistrado, estaríamos também perante responsabilidade delitual.

Porém conforme Acórdão proferido pelo STJ em 07.03.2017, no proc nº 6669/11.3TBVNG.S1 (proferido numa situação de responsabilidade médica), nestas situações de concurso de responsabilidades, é de aplicar “o princípio da consunção, de acordo com o qual o regime da responsabilidade contratual consome o da extracontratual, solução mais ajustada aos interesses do lesado e mais conforme ao princípio geral da autonomia privada”.

Em conclusão, o prazo prescricional aplicável é o de 20 anos, conforme art 309º, e não o do art 498º, nº 3 (ambos os preceitos constantes do CCivil), pelo que não ocorreu a prescrição dos direitos invocados pelos AA na presente ação. fim de transcrição.

A Ré não se conforma com esta decisão alegando que não há lugar a qualquer concurso de responsabilidades, a análise da questão objeto do presente litígio situa-se no âmbito da responsabilidade civil extracontratual e, assim, deve aplicar-se o prazo de prescrição de 3 anos previsto no artigo 498.º, n.º 1, do CC.

Mais alega que o artigo 57.º da LAT prevê o pagamento de uma pensão anual e vitalícia em caso de morte do sinistrado, que é devida aos familiares e que não decorre do contrato individual de trabalho, antes constitui um direito próprio dos beneficiários/familiares, tal como ocorre no que toca às indemnizações que os AA. peticionam a título de danos não patrimoniais.

Vejamos, então, se lhe assiste razão.

Conforme resulta do n.º 1 do artigo 18.º da LAT, <<quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, (…), ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais>>.

Por outro lado, <<o direito dos trabalhadores à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde, está consagrado no artigo 59º, n.º 1, alínea c), da Constituição da República Portuguesa, resultando igualmente da alínea f), do n.º 1 do mesmo artigo, o direito dos trabalhadores à assistência e reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais de que sejam vítimas.

Por sua vez, o Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro[14], consagra no artigo 127º, n.º 1, alínea h), que o empregador deve adotar, no que se refere a segurança e saúde no trabalho, as medidas que decorram da lei ou instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, e dispõe no artigo 281.º, nºs 1, 2 e 5, ao enunciar os princípios gerais de segurança e saúde em matéria de segurança e saúde no trabalho, que o empregador deve assegurar aos trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspetos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção e que a lei regula os modos de organização e funcionamento dos serviços de segurança e saúde no trabalho, que o empregador deve assegurar.

De acordo com o previsto no artigo 284º, do CT, a Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro[15], veio estabelecer o regime jurídico da promoção e prevenção da segurança e da saúde no trabalho.

De acordo com o seu artigo 5º, n.º 1, o trabalhador tem direito à prestação de trabalho em condições que respeitem a sua segurança e a sua saúde, asseguradas pelo empregador.

Acresce que o seu artigo 15º, impõe que o empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho (n.º 1) e deve, igualmente, zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta, nomeadamente, os seguintes princípios gerais de prevenção (n.º 2).>>[2]

Significa isto queo agravamento da responsabilidade originado pela falta de observação, por parte do empregador, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, tem como fonte o contrato de trabalho[3] celebrado entre o sinistrado e a Ré patronal.

Estamos perante uma responsabilidade contratual, ou seja, o empregador vê a sua responsabilidade derivada do contrato, agravada, por força da violação das regras de segurança e saúde no trabalho.

Na verdade, a responsabilidade contratual provém do incumprimento das obrigações emergentes, entre outros, dos contratos, ao passo que a extracontratual ou aquiliana resulta da violação de direitos absolutos ou de atos lícitos causadores de danos[4].

Ao contrário do alegado pela recorrente, a fonte da responsabilidade do empregador é o contrato de trabalho celebrado com o trabalhador.

O artigo 18.º da LAT, quando remete para os termos gerais, não estabelece qualquer responsabilidade extracontratual, fá-lo com vista à fixação da indemnização nos termos gerais do direito civil.

Como se refere no acórdão do STJ, de 24/02/2010, disponível em www.dgsi.pt, “há direito a indemnização por danos morais contra a empregadora, a efectuar nos termos gerais do direito civil, o que traduz uma modalidade especial de reparação (…)”.

Acresce que, o direito dos familiares do sinistrado à pensão por morte a que alude o artigo 57.º da LAT, é um direito pessoal daqueles mas que só existe por força da morte do sinistrado trabalhador, parte no contrato de trabalho fonte da responsabilidade da Ré patronal, pelo que, não assiste qualquer razão à recorrente.

Assim sendo, uma vez que estamos perante uma responsabilidade contratual, o prazo de prescrição é o prazo ordinário de vinte anos previsto no artigo 309.º do CC e não o de três anos estabelecido no n.º 1 do artigo 498.º do CC para o direito de indemnização por factos ilícitos (artigo 483.º e segs. do CC).

Improcede, por isso, a invocada exceção da prescrição como consta da decisão recorrida.

                                                             *

Na total improcedência das conclusões formuladas pela Ré recorrente, impõe-se a manutenção da decisão recorrida em conformidade.

IV – Sumário[5]

- O agravamento da responsabilidade originado pela falta de observação, por parte do empregador, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, tem como fonte o contrato de trabalho celebrado entre o sinistrado e a Ré patronal.

- Estamos perante uma responsabilidade contratual, ou seja, o empregador vê a sua responsabilidade derivada do contrato, agravada, por força da violação das regras de segurança e saúde no trabalho

- O artigo 18.º da LAT, quando remete para os termos gerais, não estabelece qualquer responsabilidade extracontratual, fá-lo com vista à fixação da indemnização nos termos gerais do direito civil.

- Perante uma responsabilidade contratual, o prazo de prescrição é o prazo ordinário de vinte anos previsto no artigo 309.º do CC e não o de três anos estabelecido no n.º 1 do artigo 498.º do CC para o direito de indemnização por factos ilícitos (artigo 483.º e segs. do CC).

V – DECISÃO

Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se:

- na total improcedência do recurso da Ré, em manter a decisão recorrida.

  Custas a cargo da Ré recorrente.                                                                                                 Coimbra, 2020/06/26

  (Paula Maria Roberto)

  (Ramalho Pinto)                           

  (Felizardo Paiva)


[1] Relatora – Paula Maria Roberto
  Adjuntos – Ramalho Pinto
                        Felizardo Paiva

[2] Acórdão do STJ, de 01/03/2018, disponível em www.dgsi.pt.
[3] Certo é que o facto que origina a responsabilidade objetiva do empregador é o acidente de trabalho.
[4] Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol. I, 6.ª edição, Almedina, págs. 492 e segs.
[5] O sumário é da exclusiva responsabilidade da relatora.