Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1580/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERREIRA DE BARROS
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
PROPRIETÁRIO CONFINANTE
CADUCIDADE
Data do Acordão: 06/01/2004
Votação: UNANIMIDADE
Processo no Tribunal Recurso: TORRES NOVAS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTS.1380°, 1410°, 419° E 420°, TODOS DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. O direito de preferência previsto no art. 1380° do CC, porque não estabelecido “intuitu presonae transmite-se ao adquirente do prédio, excepto se o alienante a ele tiver renunciado ou se tiver caducado;
2. A legitimidade para o exercício do direito de preferência deve ser aferida em relação à data em que é exercido tal direito e não em relação à data da alienação, pelo que o direito deve ser exercido pelo titular do direito de propriedade do terreno confinante ao tempo da propositura da acção;
3. Tendo a acção de preferência sido intentada apenas contra o alienante, dentro do prazo de 6 meses, tendo o adquirente sido chamado à demanda para além desse prazo, através do incidente de intervenção provocada, improcede a excepção de caducidade por este invocada.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I)- RELATÓRIO

A instaurou, em 29.10.2002, no Tribunal de Torres Novas, acção de preferência, sob a forma de processo sumário, contra B, C, D, E, Fe G.
Alegou, em síntese, o seguinte:
-O Autor é dono e legítimo proprietário de um prédio rústico, tendo adquirido as duas metades indivisas do mesmo em ocasiões diferentes, através de escrituras públicas que celebrou;
-Teve conhecimento, no mês de Julho de 2002, que um outro prédio rústico que confina com o seu teria sido vendido;
-Os anteriores proprietários desse outro prédio nunca notificaram ao A. o projecto de venda desse outro prédio;
-Por escritura pública, datada de 22.10.2001, os anteriores proprietários desse outro prédio venderam o mesmo a ALEXANDRA MARTINS, pelo preço de 800.000$00;
-A alienação teve lugar sem que o Autor pudesse preferir na mesma;
-Pretende agora exercer esse seu direito de preferência;
--O anterior proprietário alienante do prédio em causa, Leonel dos Santos faleceu entretanto, deixando como seus sucessores os RR.
Termina requerendo que os RR. sejam julgados como sucessores daquele Leonel dos Santos e pedindo que os RR. sejam condenados a reconhecer o direito de preferência do Autor na aquisição do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 135, da secção U, da freguesia de Assentiz, do concelho de Torres Novas, transmitindo-se para o Autor a propriedade do imóvel em causa.

Regularmente citados, nenhum dos RR. veio deduzir contestação.
Por se considerar que deveria intervir nos presentes autos a adquirente daquele prédio inscrito sob o artigo 135/U, sobre cuja aquisição o Autor pretende exercer o seu direito de preferência, ou seja a agora Chamada ALEXANDRA MARTINS, foi proferida decisão a declarar a existência de uma excepção dilatória de ilegitimidade dos RR., por violação do litisconsórcio necessário. Consequentemente, absolveram-se os RR. da instância e decretou-se a extinção da instância.
O Autor recorreu desta decisão, mas tal recurso foi julgado extinto por inutilidade superveniente, como se vê da decisão exarada a fls. 182,
Posteriormente veio o Autor deduzir incidente de intervenção principal provocada daquela Chamada ALEXANDRA MARTINS.
Foi então proferida decisão que declarou procedente este incidente de intervenção principal e ordenou a citação da Chamada ALEXANDRA MARTINS.

A Chamada ALEXANDRA MARTINS interveio, então, nos presentes autos, apresentando contestação, onde não impugna nenhum dos factos alegados pelo Autor, mas deduziu a excepção de caducidade do direito do A., alegando que já havia decorrido o prazo de 6 meses que ele tinha para exercer o seu direito de preferência quando ela foi citada para a presente acção. Mais alegou que na data em que o Autor tomou conhecimento da venda do prédio em causa, aquele era apenas comproprietário de metade indivisa do prédio confinante, razão por que não poderia vir exercer esse direito de preferência.
Concluiu pela improcedência da acção.
O Autor respondeu a esta contestação, concluindo pela improcedência das excepções invocadas pela Chamada.
Seguidamente, foi proferido saneador-sentença a julgar, além do mais, procedente e provada a acção de preferência.
Inconformada, apelou a Chamada ALEXANDRA MARTINS, pugnando pela revogação de tal decisão com a consequente improcedência da acção de preferência, e rematando a sua alegação com as seguintes conclusões:
1ª-É pressuposto da acção de preferência ser proprietário do prédio confinante ao prédio alienado;
2ª- O Autor à data da celebração da escritura de compra e venda do prédio alienado- 22.10.2001- não era proprietário do prédio confinante, quando muito apenas comproprietário, e como tal não lhe é permitido autonomamente intentar acção de preferência de uma metade indivisa;
3ª-As acções de preferência devem ser simultaneamente propostas contra o alienante e o adquirente da coisa, sob pena de ilegitimidade;
4ª-O Autor não requereu a intervenção provocada da compradora, no prazo legalmente estabelecido, e em consequência, no despacho de fls. 82, o Tribunal a quo absolveu os RR. vendedores da instância, por falta de legitimidade;
5ª-Verdadeiramente, o Autor só no dia 09.06.2003, ou seja, passados mais de 10 meses da data em que começara a contar o prazo para o exercício do direito de preferência, requereu a intervenção provocada da compradora;
6ª-Acontece que, nos termos do art. 331º do CC, o reconhecimento do direito relativamente à ora Recorrente para efeitos impeditivos da caducidade tinha de ter lugar antes do direito ter caducado, isto é, antes de 31.01.2003;
7ª-Por todo o exposto, não pode a pretensão do Autor proceder, sob pena de se lhe estar a atribuir um direito, que à data da alienação- 22.10.2001- não lhe era reconhecido, pois só em 13.09.2002, adquiriu a qualidade de proprietário do prédio confinante;
8ª-Foram violados os artigos 416º a 418º, 1380º, n.º4 e 1410º do CC, bem como os arts. 328º a 331º do CPC.

O Autor contra-alegou no sentido da manutenção do julgado.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II)- OS FACTOS
No saneador-sentença impugnado foi considerada assente a seguinte factualidade:
1-No dia 26 de Julho de 2002 faleceu Leonel dos Santos, no estado de casado com a Ré Josefina Sapateiro.
2-No dia 18 de Janeiro de 2001, faleceu Fernando António Seguro dos Santos, no estado de casado com Maria da Conceição Teixeira dos Santos, que era filho de Leonel Gonçalves dos Santos e da Ré Josefina Seguro.
3-Os RR. Leonel Seguro dos Santos e Felismina Maria Sapateiro dos Santos são filhos do referido Leonel Gonçalves dos Santos e da Ré Josefina Sapateiro, que também usa Josefina Seguro.
4-Os referidos Hélder Fernando Conceição Teixeira Santos e Nuno Alberto Conceição Teixeira Santos são filhos dos referidos Fernando António Seguro dos Santos e da Ré Maria da Conceição Teixeira dos Santos.
5-Por escritura de compra e venda de 17 de Março de 2000, lavrada a fls. 69, do livro nº 381, do Cartório Notarial de Torres Novas, Luís Manuel Ferreira Bernardo e mulher Arminda Paula Martins de Oliveira Bernardo ou Arminda Paula de Oliveira Bernardo, declararam que venderam ao Autor, e este declarou que comprou, metade indivisa de um prédio rústico, com a área de 6.160 metros quadrados, sito no Sobral, freguesia de Assentiz, deste concelho de Torres Novas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas, sob o número 1.992, da freguesia de Assentiz, com registo de aquisição, da indicada fracção, a favor do transmitente, nos termos da inscrição G-2, e inscrito na matriz rústica sob o artigo 107, da Secção U, do qual é restante comproprietária: Maria Emília dos Santos Ferreira Seguro.
6-Por escritura de compra e venda de 13 de Setembro de 2002, lavrada a fls. 128, do livro nº 122-F, do 1º Cartório Notarial de Tomar, o Autor, em representação de José Lopes Seguro e Maria Emília dos Santos Ferreira, declarou que vendeu a si próprio, e este declarou que comprou, metade indivisa de um prédio rústico, composto de terra de semeadura, oliveiras, figueiras, citrinos, cultura arvense, sito no Sobral, freguesia de Assentiz, deste concelho de Torres Novas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas, sob o número 1.992, da freguesia de Assentiz, encontrando-se a referida metade registada a favor dos vendedores, nos termos da inscrição G-1, e inscrito na matriz rústica sob o artigo 107, da Secção U.
7-A Chamada Alexandra Martins enviou ao A. uma carta datada de 15 de Julho de 2002, que se encontra junta aos autos a fls. 16, e em que declarava que era proprietária do prédio rústico nº 135, da secção U, da freguesia de Assentiz, concelho de Torres Novas, e vinha informar o mesmo que deveria retirar os seus haveres dessa propriedade no prazo de 8 dias.
8-Em 17 de Julho de 2002, o A. respondeu por carta à Chamada Alexandra Martins informando a mesma que não sairia daquele prédio rústico nº 135, secção U, da freguesia de Assentiz.
9-Por escritura de compra e venda de 22 de Outubro de 2001, lavrada a fls. 95, do livro nº 442, do Cartório Notarial de Torres Novas, Leonel dos Santos e a R. Josefina Sapateiro, declararam que venderam à chamada Alexandra Martins, e esta declarou que comprou, pelo preço de Esc- 800.000$00, correspondente a 3.990,38 euros, um prédio rústico, sito no Sobral, freguesia de Assentiz, deste concelho de Torres Novas, composto de figueiral, olival, mato cultura arvense, horta e solo subjacente de cultura arvense com olival, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas, sob o número 165, da freguesia de Assentiz, com registo de aquisição a seu favor, pela inscrição G-1, e inscrito na matriz rústica sob o artigo 135, da Secção U.
10-Os referidos Leonel dos Santos e Josefina Sapateiro nunca comunicaram previamente ao A. o projecto de venda do prédio rústico 135, da secção U, da freguesia de Assentiz, referido em 9), com as cláusulas do respectivo contrato.
11-O prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia de Assentiz, concelho de Torres Novas, referido em 9), confina com o prédio rústico inscrito sob o artigo 107, da secção U, identificado em 5) e 6).

Não foi impugnada a decisão de facto, nem se justifica a sua alteração oficiosa.

III)- O DIREITO

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 690º, n.º1, 684º, n.º3 e 660º, n.º 2, todos do CPC), a Apelante coloca a julgamento deste Tribunal as seguintes questões:
1ª- Saber se o Autor é único titular do direito de preferência ou se podia exercer isoladamente tal direito.
2ª- Uma vez apurado que é o único titular do direito de preferência, averiguar se o direito do Autor se extinguiu por caducidade.

III-1)- Analisemos a 1ª questão.
Na tese da Apelante, aquando da celebração da escritura de compra e venda do prédio rústico objecto do direito de preferência, o Autor não era proprietário singular mas antes comproprietário (metade indivisa) do prédio rústico confinante. E, apesar de o Autor já ser proprietário singular aquando da propositura da acção, não lhe é permitido autonomamente intentar a acção de preferência de uma metade indivisa, continuando o direito de preferência radicado no conjunto dos comproprietários, como unidade e, portanto, cada um deles não tendo um direito autónomo. E assim deve ser entendido, diz, porque o reconhecimento judicial do direito de preferência tem eficácia ex tunc, devendo o invocado direito do Autor pressupor a propriedade singular do prédio confiante a existir na data da alienação do prédio objecto da preferência.

Assiste razão à Apelante? Ou seja, o direito de preferência invocado do Autor tem necessariamente de já ser exercitável isoladamente no momento da alienação do prédio objecto da preferência?
Determina, na verdade, o n.º1 do art. 419º do CC o seguinte:
“Pertencendo simultaneamente a vários titulares, o direito de preferência só pode ser exercido por todos em conjunto; mas, se o direito se extinguir em relação a alguns deles ou algum declarar que o não quer exercer, acresce o seu direito aos restantes”.
Por seu turno, nos termos do n.º1 do art. 1380º do CC, “os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de quaisquer prédios a quem não seja proprietário confinante”.
Estabelecendo o n.º1 do art. 1403º do CC que “existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa”.
Não sofre, pois, controvérsia, sendo a lei expressa a esse respeito, que o direito de preferência, no caso de compropriedade, deve ser exercido por todos em conjunto ou por todos os comproprietários, sob pena de ilegitimidade activa. Trata-se de um litisconsórcio necessário activo (n.º1 do art. 28º do CPC), litisconsórcio necessário que também se prevê no n.º1 do art. 1405º do CC ao disciplinar que “os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular” (cfr., entre outros, os acórdãos do STJ publicados no BMJ n.º 492, p. 391, BMJ n.º 363, p. 523 e BMJ n.º 376, p. 569 e acórdão desta Relação publicado na CJ 1979, 2º, p. 560 e da Relação do Porto publicado na CJ 1980, 4º, p. 226). Todavia, como preceitua o n.º1 do art. 419º do CC, se o direito de preferência se extinguir em relação a algum dos comproprietários, ou algum declarar que não o quer exercer, acresce o seu direito aos restantes. Tratando-se de um direito de preferência não estabelecido “intuitu presonae” pode tal direito extinguir-se por caducidade ou por declaração expressa ou tácita (renúncia) de não o querer exercer. Se estabelecido “intuitu personae” pode, também, extinguir-se pela morte do titular.
No caso sub judice verifica-se que o Autor, aquando da alienação do prédio objecto da preferência, ocorrida em 22.10.2001, era simples comproprietário (metade indivisa) do prédio confinante, mas vindo a adquirir a outra quota, correspondente a metade, em 13.09.2002, deixando de existir a propriedade em comum. Na data da propositura da acção de preferência (29.10.2002) era, pois, o Autor proprietário singular do prédio confinante, estando assegurada a sua legitimidade. Assim não seria, porém, se na data da propositura da acção, o prédio confinante estivesse submetido ao regime da compropriedade (art. 419º, n.º1 do CC). Na base da exigência processual da legitimidade das partes, está a necessidade e utilidade em que o processo decorra entre todos os verdadeiros interessados na resolução do litígio, para que a decisão produza o seu efeito útil normal, e esses interessados serão os sujeitos da relação material controvertida, ou da relação jurídica de direito substantivo, tal como ela é configurada pelo autor (art. 26º do CPC). Sendo a falta de tal pressuposto processual sanável, na vertente da ilegitimidade plural, mediante intervenção principal espontânea ou provocada (art. 269º e art. 320º e segs. do CPC), sendo, também, sanável a ilegitimidade singular à luz do art. 31º-B do CPC e competindo ao Juiz providenciar pelo suprimento das excepções dilatórias (alínea a) do n.º1 do art. 508º e n.º2 do art. 265º, ambos do CPC). Nesta perspectiva, seria absurdo arguir a excepção de ilegitimidade do Autor, porque na data da propositura da acção a lei não impunha a intervenção de outros interessados na relação material controvertida, sendo o Autor proprietário singular do prédio confinante. No caso concreto, a pessoa que anteriormente alienara a sua quota na comunhão ou a outra metade indivisa ao Autor nenhum interesse teria em demandar, a ela estando legalmente vedado o exercício do direito de preferência.
É certo que o direito de preferência surge com o acto de alienação relativamente ao qual o direito de preferência pode ser exercido, retroagindo o reconhecimento judicial do direito de preferência os seus efeitos (eficácia “ex tunc”) ao momento da verificação dos respectivos pressupostos, isto é, ao momento da venda, tudo se passando, sob o ponto de vista jurídico, como se a coisa tivesse sido transmitida directamente ao preferente, substituindo-se este ao adquirente. O exercício do direito de preferência apenas acarreta a modificação subjectiva do negócio de alienação.
Muito embora se afirme supletivamente, no art. 420º do CC, o carácter pessoal, quer do direito de preferência, quer da obrigação de preferência, estando, porém, aberta a estipulação em contrário, todavia, a preferência legal em apreço (art. 1380º do CC) não foi estabelecida intuitu presonae, uma vez que a transmissibilidade do direito de preferência resulta tacitamente da própria natureza do contrato, no caso a venda ao Autor da metade indivisa. Como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao citado artigo, no “Código Civil Anotado”, vol. 1º, “ se se estabelece a preferência em benefício do dono do prédio vizinho pela conveniência da junção dos dois prédios, ou do dono duma fábrica vizinha, pela necessidade que ela tem de terreno, deve entender-se que o direito deve poder transmitir-se com o terreno vizinho ou com a fábrica. O seu carácter pessoal desaparece para ficar relacionado com um prédio.” Daí que o direito legal de preferência ou o direito real de aquisição de quer era titular a pessoa que alienou a metade indivisa ao Autor, transmitiu-se a este que ficou investido na posição jurídica do alienante.
A tese da Apelante, salvo o devido respeito, não encontra qualquer apoio legal, partindo do pressuposto da intransmissibilidade em vida do direito de preferência por parte da pessoa que vendeu a metade indivisa ao Autor, pela escritura exarada em 13.09.2002, como se o direito legal de preferência em apreço tivesse sido estabelecido “intuitu personae” ou fosse de natureza pessoal de acordo com a regra geral prevista no art. 420º do CC. O direito legal de preferência previsto no art. 1380º do CC transmite-se, pois, ou acompanha a venda do prédio de que é titular o preferente. Como vem sublinhado no acórdão desta Relação, de 16.02.1977, publicado na CJ 1977, 1º, 25, “o direito real de preferência previsto no art. 1380º é transmissível ao adquirente do prédio, excepto se os alienantes a ele tivessem renunciado ou se tiver caducado, uma vez que o seu titular é determinado indirectamente pela titularidade do direito real que incide sobre o prédio que confina com o que se pretende obter”.
É óbvia a falta de razão da Apelante ao insistir em tal ponto de vista, recusando ao Autor o direito de preferência porque tal direito pertencia simultaneamente a dois titulares, na data da alienação do prédio objecto da preferência, apesar de o Autor ter adquirido posteriormente a outra quota (metade indivisa) na comunhão, e exercer judicialmente tal direito já na qualidade de proprietário singular. O Autor, aquando da propositura da acção, era, pois, o único titular do direito de preferência. Outras considerações são dispensáveis, dada a evidência da resposta à questão colocada.

III-2)- Vejamos, agora, a 2ª questão.


O Tribunal deu como provados os factos expostos supra com base nos documentos juntos aos autos e nos quais os mesmos constam e por falta de impugnação dos mesmos por parte dos RR. e da chamada.

INTEGRAÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS PROVADOS:

A 1ª questão levantada pelo A. é a de habilitar os RR. como sucessores de Leonel dos Santos, que terá sido o vendedor, conjuntamente com a sua mulher, Josefina Sapateiro, do prédio sobre cuja transmissão o A. pretende exercer o seu direito de preferência.
Tendo em conta os factos dados como provados referidos supra, ter-se-á que concluir que a R. Josefina Sapateiro, na qualidade de cônjuge do falecido Leonel dos Santos, e os RR. Leonel Seguro dos Santos e Felismina Maria dos Santos, e ainda Fernando António Santos, na qualidade de filhos dele, são os sucessores daquele Leonel dos Santos, na situação de herdeiros legítimos dele, na medida em que ocupam a primeira classe na hierarquia dos sucessíveis ( cfr. artigos 2.132º e 2.133º, nº1, alínea a), do Código Civil).
Por sua vez, tendo igualmente em conta os factos dados como provados referidos supra, ter-se-á que concluir que a R. Maria da Conceição Santos, na qualidade de cônjuge do referido falecido Fernando António Santos, e os RR. Hélder Fernando Santos e Nuno Alberto Santos, na qualidade de filhos dele, são os sucessores daquele Fernando António Santos, na situação de herdeiros legítimos dele ( cfr. os mesmos artigos 2.132º e 2.133º, nº1, alínea a), do Código Civil).
Por outro lado, e nos termos do artigo 2.039º e 2.042º, do Código Civil, os RR. Hélder Fernando Santos e Nuno Alberto Santos, serão igualmente sucessores do referido Leonel Santos, em representação sucessória do filho pré-falecido deste Leonel, o mencionado Fernando António Santos.
Deste modo, e nos termos do artigo 2.032º, nº1, do Código Civil, depois da morte daquele Leonel dos Santos, os seus referidos sucessores foram chamados à titularidade das suas relações jurídicas. Em conformidade, os sucessores do falecido passaram a ocupar a posição desta em quaisquer situações em que a mesma fosse interveniente. Na presente acção encontra-se em causa uma questão relacionada com o património do falecido. Este era assim parte interessada na relação material controvertida da presente acção. Com o seu falecimento os seus sucessores passaram a serem os interessados nessa relação nos mesmos termos.
Deste modo, deverão os RR. Josefina Sapateira, Leonel Seguro dos Santos, Felismina Maria dos Santos, Hélder Fernando Santos e Nuno Alberto Santos serem habilitados como sucessores do falecido Leonel dos Santos. O mesmo já não acontecerá com a R. Maria da Conceição Santos, na medida em que ela não é sucessora daquele Leonel Santos.
A segunda questão que é levantada pelo A. consiste na sua pretensão de que seria titular de um direito de preferência em relação à venda de um prédio rústico outorgada entre o referido Leonel dos Santos, na qualidade de vendedores, e a chamada Alexandra Martins, na qualidade de compradora, devido ao facto de ser proprietário de um outro prédio rústico, que confina com aquele outro.
A preferência, que é reivindicado pelo A., poderá ser atribuída por via legal ou através de contrato. Consistirá a mesma na vinculação de alguém em dar preferência a outrem, na eventual conclusão futura de um determinado contrato, caso o promitente venha de facto a celebrá-lo e o beneficiário queira contratar em condições iguais às que um terceiro aceita ( como refere o Prof. Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 5ª edição Almedina, pág. 350). O esquema de funcionamento do direito de preferência, que está assim em causa nos presentes autos, encontra-se estabelecido no artigo 416º, nº1, do Código Civil. Dispõe esta norma que: Querendo vender a coisa que é objecto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato. Conforme esclarece o Prof. Almeida Costa, in ob. cit., pág. 352 a 354: Aí se determina que o obrigado à preferência, quando pretenda realizar o contrato à mesma submetido, deve transmitir ao titular do correspondente direito: d) o seu Projecto negocial; b) as exactas cláusulas contratuais apresentadas a terceiro ou dele recebidas, assim como a identidade deste, ou seja, todos os elementos que se mostrem significativos para a formação da vontade de exercer ou no a preferência...Uma vez recebida a comunicação, o beneficiário dispõe de oito dias para a declaração de preferência, excepto se do próprio pacto resulta outro prazo, ou se, ao notificá-lo, o obrigado Ihe conceda um prazo mais longo do que o convencionado ou definido por lei a título supletivo. Não se efectuando a declaração de preferência dentro do prazo devido, o correspondente direito caduca.
Nos presentes autos encontra-se em causa a denominada preferência legal, na medida em que a mesma resulta directamente da lei e não de qualquer pacto de preferência. Esclarece mais uma vez o Prof. Almeida Costa, in ob. cit., pág. 357 e 358, que os regimes de um de outro são diversos: preferente convencional goza, em princípio, de um mero direito de crédito à conduta do obrigado à preferência, cujo inadimplemento dá apenas lugar a uma indemnização; ao invés, o preferente legal desfruta, mais do que isso, de um direito potestativo que Ihe permitir fazer seu o negócio realizado em violação da preferência ( cfr. artigo 1.410º, do Código Civil).
A preferência legal que o A. vem invocar nos presentes autos encontra-se prevista no artigo 1.380º, do Código Civil. Estabelece o nº1, deste preceito que: Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem no seja proprietário confinante. Por sua vez, e por força do nº4, desse mesmo preceito, será aplicável a este direito de preferência o esquema do pacto de preferência previsto nos artigos 416º a 418º, do Código Civil. Esclarecem, por seu turno, os Prof. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, Volume III, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 270 e seguintes, que são os seguintes os pressupostos do direito real de preferência atribuído por este preceito: a) que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio com área inferior à unidade de cultura; b} que o preferente seja dono de prédio confinante com o prédio alienado; c) que o prédio do proprietário que se apresenta a preferir tenha área inferior unidade de cultura; d) que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante. Este seria o esquema normal que resulta do disposto naquele artigo 1.380º, do Código Civil. Contudo, veio estabelecer o artigo 18º, nº1, do D/L nº 383/88, de 25-10, que: Os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no artigo 1.380º, do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura. Por força desta última norma legal desapareceu o pressuposto referido supra de que ambos os prédio terão que ter uma área inferior à unidade de cultura, bastando agora que um deles a tenha. Na verdade, como foi sustentado no Ac. da Rel. de Coimbra de 4-3-1992, in CJ, Tomo 2, pág. 39: O prédio confinante, beneficiário da preferência, não carece actualmente de ter área inferior à unidade de cultura ( cfr. artigo 18º, nº1, do D/L nº 384/88). Por sua vez, o Ac. da Rel. de Évora, de 7-7-1992, in CJ, Tomo 4, pág. 298, esclareceu o teor desta última norma ao defender que: Face ao art. 18.° do DL 384/88, os proprietários de terrenos confinantes em que um deles tenha área inferior à unidade de cultura gozam reciprocamente de direito de preferência, qualquer que seja a área do outro. Deste modo, conforme referem os Prof. Pires de Lima e Antunes Varela, in ob. cit., pág. 271, o objectivo deste artigo 1.380º, e daquele artigo 18º, nº1, será o de fomentar o emparcelamento de terrenos a minifundiários, criando objectivamente as condições que, sob o ponto de vista económico, se consideram imprescindíveis à constituição de explorações rendíveis. Após o exercício do direito de preferência, o proprietário do conjunto poderá, designadamente, proceder a uma reconversão cultural, operação que, dadas as exíguas dimensões dos terrenos confinantes, não teria viabilidade económica em relação a cada um deles isoladamente. Pretende-se assim com esta preferência obter o emparcelamento dos prédios rústicos de pequenas dimensões, denominados de minifúndios, de forma a juntar os mesmos em propriedades de dimensões economicamente rentáveis ( Vide neste sentido o Ac. da Rel. do Porto de 4-10-1982, in CJ, tomo 5, pág. 199). O conceito de emparcelamento encontra-se definido no artigo 1.382º, nº1, do Código Civil, que estabelece que: Chama-se emparcelamento o conjunto de operações de remodelação predial destinadas a pôr termo à fragmentação e dispersão dos prédios rústicos pertencentes ao mesmo titular, com o fim de melhorar as condições técnicas e económicas da exploração agrícola.
Por outro lado, esta preferência legal existirá ainda que sejam diferentes as culturas praticadas em cada um dos prédios confinantes envolvidos na mesma. Na verdade, já os Prof. Pires de Lima e Antunes Varela, in ob. cit., pág. 271, defendiam esta perspectiva quando referiam que: A diversidade de culturas a que os terrenos confinantes estejam afectados não afasta o direito de preferência... A lei com efeito, não faz qualquer distinção {v. g., entre culturas de regadio ou de sequeiro, hortícolas ou arvenses), nem exige sequer a afectação dos terrenos confinantes a culturas agrícolas, podendo tratar-se também de culturas florestais, que constituem uma das formas possíveis de exploração da terra. Esta tese foi consagrada no Assento do STJ de 18-3-1986, publicado no DR. de 17-5-1986, que determinou que: O direito de preferência conferido pelo art. 1380.° do Cód. Civil não depende da afinidade ou identidade de culturas nos prédios confinantes.
Quanto à unidade de cultura, que, tendo em conta o que se referiu supra, serve de referência para se verificar se existe direito de preferência nos termos do artigo 1.380º, do Código Civil, encontra-se a mesma estabelecida para as várias regiões do país ( correspondente à unidade administrativa “distrito”) através da Portaria nº 202/70, de 21 de Abril. Para a região de Santarém, onde se situam os dois prédios confinantes em causa nos autos, determina o diploma em causa que a unidade de cultura será: a) para os terrenos de regadio “arvenses” de 2 hectares; b) para os terrenos de regadio “hortícolas”, de 0,50 hectares; e c) para os terrenos de sequeiro, de 4 hectares.
Da análise dos factos dados como provados resulta que ficou demonstrado que o A. é actualmente dono e legítimo proprietário de um prédio rústico, sito no lugar denominado de Sobral, freguesia de Assentiz, concelho de Torres Novas, inscrito na matriz sob o artigo 107, da secção U, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas sob o nº 1.992, da freguesia de Assentiz, e que tem a área de 6.160 metros quadrados. Essa aquisição pelo A. do direito de propriedade do prédio ocorreu de forma fraccionada, e por duas vezes. Na verdade, primeiro adquiriu metade indivisa através de uma escritura de compra e venda celebrada em 17 de Março de 2000. E depois adquiriu a outra metade através de escritura de compra e venda celebrada em 13 de Setembro de 2002. Para além disso, resulta dos autos que o prédio em causa é composto por terra de semeadura, oliveiras, figueiras, citrinos, e cultura arvense. Deste modo, estará em causa o denominado na referida Portaria nº 202/70 de terreno de regadio “arvense”. Logo, e tendo em conta o que se referiu supra, a unidade cultura para o mesmo estabelecida por aquele diploma será de 2 hectares. Logo a área do prédio pertencente ao A. será inferior a essa unidade de cultura.
Dos elementos expostos, ter-se-á que concluir que estão desde logo reunidos no caso sub judice alguns dos pressupostos referidos supra para o direito de preferência previsto no artigo 1.380º, do Código Civil, com o esclarecimento do artigo 18º, nº1, do D/L nº 384/88. Na verdade, o pretenso titular do direito de preferência, ou seja o A., é proprietário de um dos prédios em causa nos autos e o mesmo tem uma área inferior à unidade de cultura definida para o terreno em causa e para a região onde o mesmo se situa.
Por outro lado, encontra-se demonstrado nos presentes autos que por escritura de compra e venda celebrada em 22 de Outubro de 2001, o referido Leonel dos Santos e a R. Josefina Sapateiro venderam à chamada Alexandra Martins um prédio rústico, sito no mesmo lugar de Sobral, freguesia de Assentiz, concelho de Torres Novas, composto de figueiral, olival, mato, cultura arvense, horta e solo subjacente de cultura arvense com olival, inscrito na matriz sob o artigo 135, da secção U, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas sob o nº 165, da freguesia de Assentiz. Este outro prédio, sobre cuja transmissão o A. pretende exercer o seu direito de preferência, integra-se igualmente na categoria definida naquela Portaria nº 202/70, dos terrenos de regadio “arvense”. Por outro lado, ficou demonstrado igualmente nos autos que tanto o prédio pertencente ao A. e descrito supra, inscrito na matriz sob o artigo 107, da secção U, como o que foi adquirido pela chamada Alexandra Martins, ou seja o inscrito sob o artigo 135, da secção U, são confinantes um com o outro. Acresce que não ficou demonstrado nos presentes autos que, na altura em que foi formalizada a venda do prédio através da celebração da escritura pública, a chamada fosse proprietária de algum prédio rústico ( ou com outra natureza) que fosse confinante com aquele que adquiriu.
Consequentemente, ter-se-á que concluir que se encontram preenchidos no caso sub judice os outros pressupostos definidos supra para o direito de preferência previsto no artigo 1.380º, do Código Civil. Na verdade, ambos os prédios que estão em causa nos autos têm a natureza rústica. Para além disso, o prédio sobre cuja aquisição o A. pretende exercer a preferência, ou seja o inscrito sob o artigo 135/U, foi transmitido através de uma das causas que aquele preceito prevê para permitir que seja exercido o direito, ou seja através de uma venda. Tanto o outro prédio sobre cuja aquisição o A. quer preferir, como o a si pertencente são confinantes. Por fim, o adquirente do outro prédio, ou seja a chamada Alexandra Martins, não era proprietária confinante quando adquiriu o prédio inscrito sob o artigo 135/U. É certo que não ficou demonstrado nos autos qual é a área o prédio inscrito sob o artigo 135/U. Designadamente não ficou esclarecido se a sua área é inferior à unidade cultura. Contudo, conforme se referiu supra, com a entrada em vigor do artigo 18º, nº1, do D/L nº 384/88, deixou de ser necessário que ambos os prédios tenham uma área inferior à unidade cultura. Agora, basta que um deles tenha área inferior a essa unidade. E esse pressuposto existe nos autos, na medida, em que como se referiu supra, tal acontece com o prédio pertencente ao A., ou seja um dos que estão envolvidos na situação. Ter-se-á assim que tirar a ilação que o A. é de facto titular de um direito de preferência em relação à venda do prédio 135/U, feita à chamada Alexandra Martins, nos termos do artigo 1.380º, do Código Civil, e tal como se arroga na P.I.
Vem o A. alegar na P.I. que teria havido uma violação deste seu direito de preferência com a venda do prédio inscrito sob o artigo 135/U, pelo referido Leonel dos Santos e pela R. Josefina Sapateiro, à chamada Alexandra Martins, pretendendo assim exercer o mesmo através da presente acção.
Estas situações de violação do direito de preferência legal encontram-se reguladas no artigo 1.410º, do Código Civil. Na verdade, o nº4, do artigo 1.380º, ou seja do preceito que prevê o direito de preferência aqui em causa, determina que será aplicável ao mesmo o disposto no artigo 1.410º, do Código Civil, fazendo assim a inerente remissão. Determina o nº1, deste preceito, com as necessárias adaptações, que o proprietário do prédio confinante, e titular do direito de preferência, a quem se não dê conhecimento da venda tem o direito de haver para si o outro prédio confinante alienado, contanto que o requeira dentro do prazo de 6 meses.
No que se refere à violação do direito de preferência do proprietário do prédio confinante, estará assim em causa a falta de cumprimento, pelos titulares do outro prédio confinante e que procederam à venda do mesmo, da obrigação prevista no artigo 416º, nº1, do Código Civil. Conforme deixamos expresso supra esta obrigação consistirá na comunicação ao proprietário do prédio confinante, ou seja do titular do direito de preferência, do projecto de venda do prédio, designadamente com todas as clausulas do mesmo. Conforme esclarecem os Prof. Pires de Lima e Antunes Varela, in ob. cit., pág. 379: Sempre que o obrigado à preferência projecte vender ou dar em cumprimento a coisa sujeita à prelação, a lei impõe-lhe, sucessivamente, os seguintes deveres: 1º: “ O dever de notificar ao preferente o projecto de alienação e as cláusulas essenciais do contrato a realizar (arts. 416.°, n.° 1, e 1410.°, n.° 1); 2º: - O dever de não efectivar o projecto de alienação enquanto o preferente não declarar, dentro do prazo em que Ihe é lícito fazê-lo (art. 416.°, n.° 2). se pretende ou não preferir; 3º: O dever, que é um corolário dos dois anteriores, de realizar o contrato com o preferente, se este, em resposta à notificação, manifestar a vontade de exercer o seu direito. Ora, a acção de preferência assenta hoje, sempre, na violação de um destes deveres – que o mesmo é dizer, num acto ilícito do alienante.
Por sua vez, o Prof. Almeida Costa, in ob. cit., pág. 359 e seguintes, esclarece, no que se refere a esta situação de violação da preferência, que: Pode verificar-se que o obrigado à preferência aliene a coisa a terceiro, sem que tenha sido dado conhecimento ao preferente, nos termos analisados (art. 416.°)..., se o seu direito possui eficácia real, é-lhe lícito, mediante o exercício da acção de preferência, fazê-lo prevalecer sobre o negócio realizado com terceiro. Aplica-se, operadas as necessárias adaptações, o disposto no art. 1410.° para a preferência legal (art. 421.°, nº2, do Código Civil).
Ficou igualmente demonstrado nos presentes autos que os vendedores do prédio inscrito sob o artigo 135/U, ou seja os referidos Leonel dos Santos e Josefina Sapateiro nunca comunicaram previamente ao A., e antes de celebrarem a escritura de venda, o projecto de venda do mesmo, com todas as clausulas do respectivo contrato. Deste modo, ocorreu uma violação por parte dos referidos Leonel dos Santos e Josefina Sapateiro em relação ao 1º dever referido supra, ou seja o de fazerem a notificação ao preferente, ou seja ao A., do referido projecto de venda. Consequentemente, e porque foi violado o seu direito de preferência, o A. terá assim legitimidade para vir exercer o mesmo através da presente acção, como o fez, e através do artigo 1.410º, do Código Civil.
Por outro lado, nos termos do nº1, desse artigo 1.410º, o A. teria de requerer que lhe fosse transmitido o prédio confinante por via judicial, e por força do exercício do seu direito de preferência, no prazo de 6 meses a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação. Esclarecem os Prof. Pires de Lima e Antunes Varela, in ob. cit., pág. 372, que essa norma determina que o prazo de 6 meses deverá ser contado a partir da data em que o preferente teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação. Para além disso, é commumente aceite que está em causa um prazo de caducidade. Conforme referem os autores citados: Para que, portanto o direito de preferência não caduque, é imprescindível que, alienada a coisa sem conhecimento do preferente, ou sem que Ihe tenham sido notificados, antes da alienação, todos os elementos essenciais do negócio projectado, ele requeira a sua substituição na posição jurídica do adquirente dentro do prazo legalmente estabelecido.
Ficou ainda demonstrado nos presentes autos que o A. só teve conhecimento da venda do prédio inscrito sob o artigo 135/U, por parte dos referidos Leonel dos Santos e Josefina Sapateira à chamada Alexandra Martins, em Julho de 2002, quando esta última escreveu àquele comunicando-lhe que era a proprietária desse imóvel. Para o efeito juntou cópia da escritura de venda do prédio em causa de forma a dar-lhe conhecimento da efectiva transmissão desse imóvel e de que ela a sua efectiva proprietária. Deste modo, a partir dessa altura o A. ficou a ter conhecimento dos elementos essenciais da venda do prédio e iniciou-se o prazo para ele instaurar a acção de preferência em que pretendesse exercer o seu direito. Compulsados os autos, constata-se que a presente acção em que o A. pretende exercer o seu direito de preferência foi instaurada em 29-10-2002. Consequentemente, o A. realizou essa instauração dentro do prazo de 6 meses, previsto no artigo 1.410º, nº1, que tinha para o fazer.
Resulta ainda do disposto no artigo 1.410º, nº1, do Código Civil, que o preferente deverá depositar o preço da aquisição do prédio, e sobre a qual ele pretende preferir, no prazo de 15 dias após a instauração da acção. Resulta dos autos, designadamente da guia de depósito de fls. 50, que o A. cumpriu essa obrigação ao depositar o preço em causa, que, conforme referimos supra, era de Esc- 800.000$00, correspondente a 3.990,38 euros.
Devido a ter-se comprovado nos autos que estão reunidos todos os pressupostos do direito de preferência do A. e que o mesmo foi violado, estão criadas as condições para deferir o seu pedido de concessão da preferência na venda do prédio inscrito sob o artigo 135/U, transmitindo-se-lhe o mesmo em detrimento da chamada.
Na sua contestação vem, contudo, a chamada duas excepções que constituiriam causas impeditivas do funcionamento do direito do A. à preferência na venda do prédio em causa.
A primeira consistirá no facto de ela não ter sido demandada inicialmente pelo A. através da P.I. que apresentou em 29-10-2002. Que devido a esse facto o Tribunal teria julgado os RR. partes ilegítimas e absolvido os mesmos da instância. Posteriormente, o A. teria deduzido incidente de intervenção principal da chamada. Contudo, o prazo de caducidade para a proposição da acção de 6 meses previsto no artigo 1.410º, teria continuado a correr. Como a chamada apenas foi citada para a presente acção no dia 9-6-2003, já teria caducado o direito do A. para instaurar a presente acção em que pretenderia exercer o seu direito de preferência. Terá assim que se concluir que a chamada vem assim invocar uma excepção peremptória de caducidade do direito do A. em instaurar a presente acção.
Conforme deixamos expresso supra, nos termos do artigo 1.410º, nº1, do Código Civil, o A. teria o prazo de 6 meses após tomar conhecimento dos elementos essenciais do projecto de venda do prédio inscrito sob o artigo 135/U, para instaurar a presente acção. Conforme igualmente referimos, o A. teve conhecimento desses elementos em Julho de 2002. Está ainda referido que ele instaurou a presente acção em 29-10-2002.
Retira-se ainda dos autos que foi proferido despacho, a fls. 87, que declarou a existência de uma excepção dilatória de ilegitimidade por parte dos RR. por violação do litisconsórcio necessário, na medida em que o A. tinha feito intervir nos presentes autos os vendedores do prédio em relação a cuja transmissão pretendia preferir, não o fazendo igualmente em relação à compradora, ou seja à chamada, Alexandra Martins. Deste modo, decretou-se a absolvição de instância dos RR. na presente acção e, consequentemente, a sua extinção. Esta decisão não transitou em julgado, na medida em que o A. veio interpor, em tempo, recurso quanto à mesma. Posteriormente, o A. veio deduzir incidente de intervenção provocada da chamada Alexandra Martins. Conforme se deixou igualmente expresso supra, este incidente foi declarado procedente e a chamada foi citada para a presente acção. Esta veio entretanto intervir na mesma, apresentando contestação.
Tendo em conta a dedução do incidente de intervenção provocada da chamada Alexandra Martins, ou seja da compradora do prédio, sobre cuja venda o A. pretende exercer a sua preferência, foi sanada a excepção de ilegitimidade que existia nos presentes autos devido ao facto da acção não ter sido instaurada igualmente contra ela. Na verdade, e deste modo desapareceu o vício de violação do litisconsórcio necessário, na medida em que passaram a intervir nos presentes autos, quer os vendedores ( no caso do referido Leonel dos Santos, serão os seus sucessores), ou seja os RR., quer a compradora, ou seja a chamada, do contrato de compra e venda sobre o qual o A. pretende exercer a preferência.
Esta situação em que o A. faz intervir uma pessoa para sanar a ilegitimidade resultante do facto de a mesma não se encontrar em juízo, e já foi proferida decisão a julgar os RR. partes ilegítimas por falta daquela, encontra-se prevista no artigo 269º, do Código de Processo Civil.

Conforme deixamos expresso supra, a decisão que decretou a ilegitimidade dos RR. por falta de interposição da acção igualmente contra a chamada, ainda não havia transitado em julgado quando o A. deduziu o incidente de intervenção provocada, devido ao facto de ter interposto recurso contra aquela. Deste modo, será aplicável ao caso concreto o disposto no nº1, do artigo 269º, do Código de Processo Civil, que estabelece que: Até ao trânsito em julgado da decisão que julgue ilegítima alguma das partes por não estar em juízo determinada pessoa, pode o autor ou reconvinte chamar essa pessoa a intervir, nos termos dos artigos 325.° e seguintes. Conforme se deixou expresso, o A. cumpriu o disposto nesta norma, na medida em que ele chamou a compradora do prédio, ou seja a chamada Alexandra Martins, a juízo, antes de transitar em julgado a decisão que julgou ilegítimos os RR. Conforme esclarece o Dr. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Volume II, 3ª edição, pág. 22 e 23: É para essa situação que foi redigido este preceito, que obvia aos inconvenientes daquela absolvição ao permitir ao autor ou reconvinte que provoque aquele chamamento até que o despacho absolutório transite em julgado. É um caso de modificação subjectiva da instância, consentida pela lei por evidente razão de economia processual. Aliás aqui não se trata de modificação que produza o aparecimento de uma nova relação jurídico-processual, justificativa da invocação da exceptio lutati libelli; o que acontece é ter-se verificado que essa relação processual foi irregularmente constituída, irregularidade que não permite ao juiz pronunciar-se sobre a demanda. Quer dizer, a modificação não surge como um acto dispositivo da parte, mas como um remédio para fazer convalescer a instância.

Resulta assim do exposto que a presente instância não se extinguiu com o proferimento da decisão que declarou os RR. partes ilegítimas e absolveu os mesmos da instância. Até porque tal não poderia ocorrer de qualquer forma, na medida em que, como se referiu a decisão em causa ainda não tinha transitado em julgado. Deste modo, o vício que havia na instância, por falta de intervenção da compradora do imóvel, ou seja a chamada, foi sanada com o seu pedido de intervenção, que foi deferido. Consequentemente, conforme refere o autor acima citado registou-se uma convalescência da instância e foi eliminada a irregularidade na relação material controvertida inicial por falta de intervenção daquela parte. Conforme defende igualmente o Dr. Rodrigues Bastos, in ob. cit., ...se essa intervenção for requerida antes do trânsito em julgado e o chamamento for admitido, a instância não chega a extinguir-se, como que se reanima... Deste modo, não chegou a haver a extinção de uma instância e a constituição de uma nova como pretende a chamada. A instância é a mesma. Esteve como que “adormecida” com a prolacção da decisão que declarou a ilegitimidade dos RR., mas renasceu com a dedução do incidente de intervenção provocado da chamada pelo A.
E mais à frente o mesmo autor esclarece que: a instância renovada não é nova instância; mantêm-se, pois, os efeitos da proposição da acção a que se refere o artigo 267º, do Código Civil. Deste modo, os efeitos civis da proposição da acção mantém-se totalmente eficazes, não sendo perturbados pela intervenção nos autos de uma outra pessoa. Aliás era o que aconteceria se o A. tivesse deduzido incidente de intervenção principal da chamada, mesmo antes de o Tribunal proferir decisão a declarar os RR. partes ilegítimas. Determina o artigo 267º, nº1, do Código de Processo Civil, que a acção considera-se proposta logo que seja recebida na secretaria do Tribunal a P.I. Consequentemente, não obstante a decisão de declaração dos RR. partes ilegítimas e intervenção nos presentes autos da chamada, a presente acção considera-se proposta naquele dia 29-10-2002. Este efeito vigora quer para os RR., quer para a chamada, ainda que esta tenha intervindo nos autos mais tarde e não logo de início.
Determina, por sua vez, o artigo 331º, nº1, do Código Civil, que impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal, do acto a que a lei atribui esse efeito impeditivo. Nos presentes autos, conforme se referiu supra a defesa do seu direito de preferência por parte do A. teria que ser efectuada no prazo de 6 meses, sob pena de ocorrer a caducidade do mesmo. O acto a que a lei atribui o efeito impeditivo na presente situação, nos termos do artigo 1.410º, nº1, do Código Civil, é instauração, por parte do preferente, da acção em que ele pretende exercer o seu direito de preferência. Deste modo, na presente situação o acto impeditivo da caducidade será a instauração da acção de preferência e não a citação dos RR. para a mesma como pretende a chamada na sua contestação. Ora, conforme se referiu igualmente a acção foi instaurada dentro do prazo de 6 meses após o A. ter tomado conhecimento dos elementos essenciais do contrato de compra e venda sobre o qual ele pretende preferir. Deste modo, o acto impeditivo da caducidade foi realizado pelo A. dentro do prazo que ele tinha para o fazer. A caducidade já não se poderá produzir, porque o A. realizou o acto impeditivo previamente, exercendo o seu direito de preferência. Será assim indiferente a data em que a chamada foi citada para a presente acção, designadamente se essa citação ocorreu para além do referido prazo de 6 meses, na medida em que a mesma não constitui o acto impeditivo da caducidade. Por outro lado, conforme igualmente se referiu, a instância manteve-se a mesma, tendo sido apenas convalescida. Do mesmo modo mantiveram-se os efeitos da proposição da acção com a dedução pelo A. do incidente de intervenção provocada. Designadamente o acto impeditivo da caducidade realizado pelo A. com essa interposição manteve na íntegra os seus efeitos.
Deste modo, não restam dúvidas que não ocorreu a caducidade do direito de preferência do A., ao contrário do que pretende a chamada, porque ele impediu a mesma.
Ainda que se considerasse que a decisão que declarou a ilegitimidade dos RR. já havia transitado em julgado quando o A. deduziu o incidente de intervenção provocada, ter-se-ia que concluir igualmente que ainda não teria ocorrido essa caducidade.
Na verdade, caso chegássemos a essa conclusão, a situação em causa integrar-se-ia na previsão do nº2, do artigo 269º, do Código de Processo Civil, que estabelece que: Quando a decisão prevista no número anterior tiver posto termo ao processo, o chamamento pode ter lugar nos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado; admitido o chamamento, a instância extinta considera- se renovada, recaindo sobre o autor ou reconvinte o encargo do pagamento das custas em que tiver sido condenado. Deste modo, nesta outra hipótese a decisão que declarou os RR. partes ilegítimas e absolveu os mesmos da instância já transitou em julgado, quando o A. deduz o incidente de intervenção provocada da outra pessoa. Neste caso a instância extinta considera-se renovada se o incidente de intervenção provocada for admitido. Desse modo, a instância como que “renasce das cinzas”. Tudo se passa igualmente como a se a instância nunca se tivesse extinguido, retomando os seus precisos termos. Contudo, aqui a faculdade de deduzir o incidente de intervenção deverá ser exercida no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado. Conforme refere o Dr. Rodrigues Bastos, in ob. cit., se o poder reconhecido à parte por este preceito vier a ser exercido nos trinta dias imediatos ao trânsito, a instância, que se extinguiu, renova-se ou ressurge. Consequentemente, os efeitos desta renovação da instância prevista no nº2, serão os mesmos da reanimação prevista no nº1. Em conformidade, mantém-se os efeitos da proposição da acção.
Da análise dos autos constata-se que o A. deduziu o incidente de intervenção provocada dentro dos referidos 30 dias. Na verdade, resulta da cópia da mesma junta a fls. 88, que a carta para notificação do A. da decisão que declarou a ilegitimidade dos RR. foi-lhe enviada em 5 de Maio de 2003. Deste modo, o prazo para interposição do recurso terminaria em 19 de Maio de 2003. A partir dessa data a decisão transitaria em julgado. Retira-se, por sua vez, do requerimento de dedução do incidente de intervenção, junto a fls. 101, que o mesmo foi apresentado em Tribunal em 9-6-2003, ou seja dentro do prazo de 30 dias que o A. tinha para o fazer, ou seja depois do eventual transito em julgado da decisão.
Consequentemente, ter-se-á que concluir que, em qualquer dos casos, a situação em causa nos autos integrar-se-ia na previsão do nº2, do artigo 269º. Deste modo, a proposição da acção pelo A. continuaria a produzir os seus efeitos desde a data em que ela foi apresentada em Tribunal. Em conformidade, a causa impeditiva da caducidade do direito de preferência do A., ou seja a interposição da presente acção, continuaria a produzir plenamente os seus efeitos conforme se referiu supra. Logo também por aqui, ter-se-á que concluir que o direito do A. ainda não terá caducado.
Sustentando conclusão idêntica à agora exposta pode-se indicar o Ac. da Rel. Coimbra de 4-2-1992, in BMJ nº 414, pág. 640, onde se determinou que: Permitindo a lei que o autor no prazo de 30 dias a contar do trânsito do despacho saneador que absolveu o réu da instância por ilegitimidade, possa requerer a intervenção principal das pessoas que assegurarão a legitimidade passiva, daí resulta o aproveitamento dos actos já realizados, incluindo a propositura da acção na data em que foi apresentada a petiço inicial, mantendo-se os efeitos civis dessa propositura (nomeadamente, em matéria de prescrição e caducidade).
Desta forma, quer se considere que a decisão que declarou a ilegitimidade dos RR. ainda não teria ou já teria transitado em julgado quando o A. veio deduzir o incidente de intervenção provocada da chamada, teremos que concluir que não se registou a caducidade do direito de preferência que o A. pretende exercer na presente acção. Não poderá assim proceder a excepção peremptória da caducidade invocada pela chamada para pôr em causa o esse direito do A.
Como outra causa impeditiva da possibilidade do A. invocar o seu direito de preferência referido supra, a chamada alega ainda que à data da celebração da escritura de compra e venda em que a chamada adquiriu o prédio inscrito sob o artigo 135/U, o A. não era dono da totalidade do outro prédio confinante, mas apenas de metade indivisa. Logo como não era proprietário de todo o prédio não poderia invocar o seu direito de preferência.
Na verdade, a doutrina e a jurisprudência defendem que o comproprietário do prédio confinante, ou seja titular de apenas uma quota parte indivisa do mesmo, não poderá exercer por si só o direito de preferência previsto no artigo 1.380º, do Código Civil, em relação à venda de um outro prédio confinante. Apenas todos os comproprietários em conjunto poderão vir exercer esse direito de preferência. E compreende-se que assim seja, na medida em que se a pessoa que pretende preferir na aquisição for apenas comproprietário do prédio confinante, não poderá juntar um ao outro realizando o emparcelamento de ambos. Deste modo, o objectivo pelo qual o artigo 1.380º, confere o direito de preferência não poderá ser concretizável. É precisamente esta posição que defendem os Prof. Pires de Lima e Antunes Varela, in ob. cit., pág. 272, quando referem que: nas situações de compropriedade, o direito de preferência só pode ser exercido por todos os consortes, aos quais pertence, em conjunto, o direito de propriedade. Também no Ac. da Rel. Coimbra de 5-12-2000, in CJ, tomo 5, pág. 33, se decidiu que: na venda de prédio rústico, o comproprietário de prédio confinante não tem legitimidade para exercer a preferência.
Conforme se deixou expresso supra, ficou demonstrado nos presentes autos que o A. primeiro adquiriu o seu prédio inscrito sob o artigo 107/U de duas vezes. Primeiro uma metade indivisa e depois noutra ocasião a outra. Na verdade, resulta dos autos que o A. adquiriu primeiro uma metade indivisa através de escritura celebrada em 17 de Março de 2000, e depois a outra em 13 de Setembro de 2002. Deste modo, quando a chamada adquiriu o prédio inscrito sob o artigo 135/U, através da escritura celebrada em 22 de Outubro de 2001, o A. ainda era titular apenas de metade indivisa do prédio confinante que serve de referência para o seu direito de preferência sendo apenas titular do mesmo.
Contudo, a altura em que se deve verificar se a pessoa que vem exercer o direito de preferência é proprietário da totalidade do prédio confinante, ou se apenas uma parte indivisa, será somente na altura em que ele poderá exercer o mesmo, ou seja, conforme se referiu supra, no prazo de 6 meses após essa pessoa ter tomado conhecimento dos elementos essenciais do contrato de venda do outro prédio sobre o qual ele pretende preferir. Deste modo, se aquele que quer exercer a preferência já é proprietário da totalidade do prédio na altura em que pode exercer o seu direito, não terá relevância o facto de ele ser apenas comproprietário quando foi celebrado o contrato de venda sobre o qual ele pretende preferir.
Desta forma, se aquele que quer exercer o seu direito de preferência já é proprietário da totalidade do prédio confinante na altura em que poderá exercer o seu direito, ou seja no prazo de 6 meses após tomar conhecimento dos elementos essenciais do contrato e adquirir a propriedade dessa totalidade antes da instauração da acção de preferência, ele terá legitimidade para vir reivindicar esse direito. Será assim indiferente que anteriormente ele tenha sido um mero comproprietário do prédio confinante e que era essa situação em que se encontrava quando foi celebrado o contrato de compra e venda em relação ao qual ele pretende preferir. Na verdade, é no momento em que instaura a acção que deverá ser verificado se o A. poderá juntar o prédio confinante ao vendido e sobre o qual pretende exercer a preferência, de forma a conseguir o emparcelamento de ambos. Se tal é possível porque ele já é proprietário do prédio confinante ele já será titular do direito de preferência previsto no artigo 1.380º e poderá exercer o mesmo. De facto, não tinha qualquer lógica obrigar à intervenção da pessoa que era comproprietária da outra parte indivisa, conjuntamente com o A., em relação ao prédio confinante, para garantir a legitimidade na acção de preferência. Na verdade, quando esta acção é instaurada, essa outra pessoa já não é proprietária de nenhuma parte indivisa no prédio confinante. Logo não terá qualquer interesse em intervir na acção, nem será parte na relação material controvertida em causa. Apenas o A. na qualidade de proprietário da totalidade do prédio será parte na relação material controvertida em causa e terá interesse em instaurar e intervir na mesma.
Conforme se deixou exposto supra, a presente acção de preferência foi instaurada em 29-10-2002, e dentro do prazo dos 6 meses que o A. tinha para o fazer, que se encontra previsto no artigo 1.410º, nº1, do Código Civil. Para além disso, nessa data o A. já era proprietário de todo o prédio confinante, ou seja o inscrito sob o artigo 107/U, na medida em que já tinha adquirido em 13 de Setembro de 2002, a outra metade indivisa sobre o mesmo, que não tinha na altura da celebração do contrato de venda sobre o qual pretende preferir. Logo o A. tinha legitimidade para vir instaurar sozinho a presente acção de preferência, sem necessitar de fazer intervir igualmente a pessoa a quem adquiriu a outra metade indivisa. Na verdade, na altura em que instaurou a acção era o proprietário da totalidade do prédio confinante e, como tal, o único titular do direito de preferência previsto no artigo 1.380º, que lhe estava atribuído em exclusivo.
Ter-se-á assim que concluir que não se configura no caso sub judice nenhuma situação de ilegitimidade por parte do A. em vir instaurar a presente acção de preferência sozinho, na medida em que ele era o titular em exclusivo do direito de propriedade sobre o prédio confinante quando o fez. Logo quando instaurou a acção ele seria igualmente o titular do direito de preferência em causa quanto à venda do prédio inscrito sob o artigo 135/U. Deste modo, esta outra excepção não poderá servir igualmente de impedimento para que o A. exerça o seu direito de preferência sobre aquela venda. Apenas se o A. fosse ainda comproprietário de metade indivisa quando instaurou a presente acção a pretender exercer o direito de preferência quanto à aquisição do prédio 135/U, é que necessitaria de fazer intervir o comproprietário da outra metade indivisa para lhe poder ser concedida essa preferência.
Consequentemente, e ao arredarmos os obstáculos levantados pela chamada, teremos que concluir que deverá efectivamente ser declarado procedente o pedido do A. de preferência de aquisição quanto à venda do prédio inscrito sob o artigo 135/U e substituir-se a chamada Alexandra Martins quanto à transmissão a seu favor do mesmo.
Essa substituição da chamada pelo A. na titularidade do direito de propriedade sobre o prédio inscrito sob o artigo 135/U, será feito mediante o pagamento àquela do preço que ela pagou pela aquisição do mesmo, ou seja a quantia de Esc- 800.000$00, correspondente a 3.990,38 euros que vem referida na escritura de compra e venda onde ocorreu essa transmissão. Preço esse que já se encontra depositado pelo A. nos presentes autos.



DECISÃO:

Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção procedente por provada e, consequentemente,
1- Declaram-se habilitados os RR. Josefina Sapateiro, Leonel Seguro dos Santos, Felismina Maria Sapateiro dos Santos, Hélder Fernando Conceição Santos e Nuno Alberto Conceição Santos como herdeiros de Leonel dos Santos, que interveio como vendedor na venda do prédio referido em 2);
2- Condenam-se os RR. e a chamada Alexandra Martins a reconhecerem o direito de preferência do A. na aquisição do prédio rústico, sito no lugar de Sobral, freguesia de Assentiz, concelho de Torres Novas, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo 135, da secção U, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas sob o nº 165, da freguesia de Assentiz.
3- Determina-se assim que o A. substitua a chamada Alexandra Martins na aquisição do prédio referido em 2), efectuada através da escritura de compra e venda de 22 de Outubro de 2001, e, desse modo, seja transferida para o A. a titularidade do direito de propriedade sobre o mesmo imóvel.
4- A transferência do direito de propriedade do prédio referido em 2) para o A. será efectuada mediante o pagamento à chamada pelo mesmo, do preço de aquisição do imóvel no valor de Esc- 800.000$00, correspondente a 3.990,38 euros, que se encontra já depositado à ordem dos presentes autos.


Condena-se a chamada Alexandra Martins no pagamento das custas do presente Processo ( cfr. artigo 446º, do Código de Processo Civil), fixando-se a procuradoria em ¼ ( cfr. artigo 41º, do Código das Custas Judiciais).

Registe e notifique.