Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MARIA JOÃO AREIAS | ||
Descritores: | CONTRATO DE MÚTUO DÍVIDA LIQUIDÁVEL EM PRESTAÇÕES PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO FIANÇA INTERPELAÇÃO EXECUÇÃO CITAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 10/16/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 2 | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 627, 634, 781, 782 CC | ||
Sumário: | 1. A declaração de que “se constitui fiador e principal pagador”, não acarreta qualquer renúncia ao benefício do prazo de pagamento das prestações ou o afastamento do disposto no art.782º do CC, sendo inócua para o efeito. 2. A cláusula que confere ao credor de “poder considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento”, em caso de ocorrência de qualquer uma das circunstâncias aí previstas, não é de funcionamento automático, sendo uma faculdade que o credor pode exercer, ou não, e caso a pretenda exercer, terá dela dar conhecimento ao devedor. 3. A perda do benefício do prazo não se estende ao fiador, sendo necessário que lhe seja dado conhecimento da interpelação efetuada ao devedor – de que encontrando-se determinadas quantias em falta, lhe é dado um determinado prazo para cumprir, sob pena de vencimento das restantes prestações – para a antecipação do vencimento produza os seus efeitos relativamente ao fiador. 4. A citação dos fiadores para a execução – para contestar ou pagar a totalidade da dívida resultante da antecipação de vencimento – não pode suprir a falta de tal notificação, pois através dela não é dada oportunidade aos fiadores de procederem ao pagamento das prestações vencidas, evitando a exigibilidade das vincendas. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n° 2971/17.9T8CBR-B.Cl – Apelação Relator: Maria João Areias 1° Adjunto: Vítor Amaral 2° Adjunto: Luís Cravo Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção): I - RELATÓRIO V (…) e mulher, M (…) vêm, por apenso à execução que contra si é deduzida pela C (…), S.A., deduzir oposição à execução mediante embargos de executado, com os seguintes fundamentos, que assim se sintetizam: 1. embora referindo ter recebido 80.000,00 € pela adjudicação do imóvel hipotecado, tal valor não surge refletido na liquidação que apresenta, nem a exequente refere quanto terá recebido no decurso do cumprimento dos contratos de mútuo em questão, pelo que a dívida exequenda não está líquida, não sendo exigível; Recebidos os embargos, a exequente veio apresentar contestação nos seguintes termos: Foi elaborado despacho saneador a julgar os embargos procedentes, determinando a extinção da execução. * (…). * Cumpridos que foram os vistos legais ao abrigo do nº2 do artigo 657º CPC, cumpre decidir do objeto do recurso. * II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo –, a questão a decidir é uma só: 1. Necessidade da interpelação dos fiadores e consequências da sua omissão. III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO A. Matéria de facto São os seguintes os factos tidos por assentes na sentença recorrida e que aqui não foram objeto de impugnação: 1. No seu requerimento executivo, a exequente alegou que: 2. No âmbito do processo executivo nº 1992/08.7TJCBR, do Juízo de Execução de Coimbra J2, a aqui exequente foi aí citada enquanto credora hipotecária face à penhora do imóvel, acima identificado e sobre o qual era titular de registo de hipoteca. 3. Tal imóvel veio a ser vendido em Abril de 2016 por 80 mil euros nessa execução. 4. A 6 de Janeiro de 2017, a aqui exequente foi notificada no âmbito da execução nº. 1992/08.7TJCBR da reforma da Liquidação Final, tendo recebido € 72.410,32 euros pelo imóvel hipotecado. 5. A 26 de Setembro de 2017, a execução foi extinta quanto à executada A (…) devido à sua declaração de insolvência. 6. Nas cláusulas 5ª e 4ª, do documento complementar dos contratos de mútuo celebrados entre a exequente e os executados, que se executam na execução principal, ficou estipulado que “Em caso de mora, os respetivos juros serão calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor na Caixa credora para operações ativas da mesma natureza (atualmente oito vírgula duzentos e quarenta e seis por cento, ao ano) acrescida de uma sobretaxa até quatro por cento, ao ano, a título de cláusula penal”. 7. A exequente não notificou os dois fiadores, aqui embargantes, para efetuar o pagamento das prestações em atraso e de que esse não pagamento tornaria as restantes prestações vencidas (resulta da contestação apresentada pela exequente que tal notificação não foi enviada aos fiadores, assim como nenhum documento foi anexo que comprove tal notificação). 8. Também não notificou os embargantes de que o imóvel hipotecado estava à venda na execução nº. 1992/08.7TJCBR e que, face ao produto dessa venda, apenas recebeu o montante de € 72.410,32 euros, que abateu na dívida dos dois contratos em causa na execução principal (resulta da contestação apresentada pela exequente que tal notificação não foi enviada aos fiadores, assim como nenhum documento foi anexo que comprove tal notificação). Procedemos ainda ao aditamento do seguinte facto, por se nos afigurar de relevo para a apreciação das questões objeto do presente recurso: 9. Nas cláusulas 14º de cada um dos contratos de crédito em execução, fez-se constar o seguinte: “A Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato cumprimento no caso de, designadamente: * 1. Necessidade da notificação dos fiadores e consequências da sua omissão Os embargantes/fiadores opõem-se à presente execução, alegando, entre outros fundamentos, que a exequente nunca os notificou de qualquer falta de pagamento de alguma prestação por parte da mutuária, impedindo-os de se substituírem à mutuária, tudo liquidando e de usufruírem da sub-rogação prevista no artigo 644º do CC, não os avisando: a) da falta de pagamento das prestações mensais; b) da execução existente sobre o imóvel hipotecado; c) de que se poderiam substituir à mutuária e negociar o pagamento da divida; d) de que, como responsáveis e fiadores poderiam optar por se subrogar no pagamento da dívida exequenda, pagando tudo e ficando para si com o imóvel em causa. A sentença recorrida, considerando que a mutuante/exequente nunca procedeu à resolução contratual ou ao aviso de que iria instaurar execução contra os dois fiadores, não podendo operar a resolução contratual por via da interpelação judicial para cumprir aquando da citação para esta execução, concluiu pela inexigibilidade da obrigação, decretando, em consequência, a extinção da execução. A Apelante/exequente insurge-se contra o decidido, com os seguintes fundamentos: 1. tendo os fiadores renunciado ao benefício da excussão, assumindo-se solidariamente responsáveis, não se verifica a característica da subsidiariedade, podendo a recorrente exigir-lhes o pagamento da totalidade da dívida exequenda; e pode fazê-lo uma vez que a norma supletiva do artigo 782º do CC foi expressamente afastada por vontade das partes, não beneficiando os recorridos da desaplicação da perda do benefício do prazo aos co-obrigados do devedor; 2. face ao convencionado na 14ª Cláusula dos contratos dados à execução, o vencimento antecipado das prestações vincendas é de facto automático e imediato por força do incumprimento, encontrando-se os executados em mora desde a data de vencimento da 1ª prestação não paga; 3. ainda que se entendesse que a interpelação era necessária, a citação para a execução constitui uma interpelação judicial, interpelação esta que releva apenas para efeitos de contagem dos juros moratórios – os juros moratórios contar-se-ão, quanto às prestações vencidas e até à citação e a partir das respetivas datas de vencimento; quanto às restantes, desde a data da citação dos executados. A argumentação do apelante implicará a resposta a quatro questões: 1. se o vencimento antecipado das prestações vincendas é automático, dispensando uma notificação ou interpelação do devedor; 2. em caso negativo, se a tal interpelação acrescerá a necessidade de notificação do fiador; 3. se o disposto no artigo 782º foi expressamente afastado por vontade das partes; 4. no caso de se concluir pela necessidade de interpelação do fiador, se a citação dos executados equivale ou tem capacidade de produzir os efeitos de tal interpelação. O primeiro argumento de que o apelante se socorre não faz qualquer sentido, nada tendo a ver com o fundamento de oposição à execução objeto do recurso. A renúncia ao benefício da excussão – implicitamente contida na declaração de que “se responsabilizam como principais pagadores” significa, tão só, que o credor não é obrigado a esgotar o património do devedor principal antes de se virar contra o património do fiador, podendo executá-lo de imediato. “A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor” – art. 634º do Código Civil. A acessoriedade da fiança, prevista no nº2 do artigo 627º, sua caraterística fundamental, significa que o fiador assume uma obrigação (acessória) de garantia, perante o credor, de que a obrigação (principal) do devedor será cumprida. A subsidiariedade da fiança é uma característica ligada à fase da cobrança do crédito, enquanto a questão da necessidade da interpelação do devedor original e da interpelação do fiador respeita a uma fase prévia, respeitante ao vencimento da obrigação principal e ao momento a partir do qual é exigível a obrigação do fiador. A declaração de que “se constituiu fiador e principal pagador”, não acarreta qualquer renúncia ao benefício do prazo de pagamento das prestações ou o afastamento do disposto no art.782º do CC, sendo inócua para o efeito Em igual sentido, Acórdão TRL de 28-05-2015, relatado por Ondina Carmo Alves, www.dgsi.pt. . * A maioria da doutrina tem-se pronunciado no sentido de que o simples facto de não ser paga atempadamente uma das prestações acordadas não importa o vencimento “automático” das restantes. O artigo 781º do CC, ao determinar que a falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento imediato das restantes, deve ser interpretado no sentido de que o inadimplemento do devedor gera o direito do credor de exigir dele a satisfação daquelas prestações, e não no sentido de que o não pagamento de uma das prestações no prazo acordado determina, por si só, a entrada em mora quanto ao cumprimento das demais Cfr., Neste sentido, Antunes Varela, Das Obrigações Em Geral, Vol. II, 6ª ed, pág. 53; na jurisprudência, entre outros, Acórdão TRL de 20.10.2009, relatado por Rosa Ribeiro Coelho, disponível in www.dgsi.pt. . A falta de pagamento de uma das prestações acordadas rompe a confiança nele depositada pelo credor – ao permitir que o cumprimento da sua obrigação fosse efetuado em várias frações –, bem se justificando, assim, que para este nasça o direito de exigir o pagamento integral e imediato da dívida. O artigo 781º CC deve, assim, ser interpretado no sentido de estabelecer uma faculdade de antecipação da exigibilidade da prestação e não o seu funcionamento ope legis Neste sentido, entre muitos outros, Acórdão TRP de 30-05-2017, relatado por Márcia Portela, disponível in www.dgsi.pt. . Lido atentamente o requerimento executivo inicial, e apresentando ao apelante como título executivos os dois contratos de mútuo relativamente aos quais os aqui executados se constituíram fiadores, celebrados a 26 de janeiro de 2007, e para cuja amortização foi acordado um prazo de 45 anos, constatamos ser o exequente completamente omisso quanto ao fundamento de que socorre para vir peticionar a totalidade das prestações acordadas antes de decorrido o prazo acordado para o respetivo vencimento. Não nos esclarece se terá ocorrido alguma antecipação do vencimento da totalidade das prestações acordadas, e, em caso afirmativo, se tal antecipação se terá devido à circunstância de o imóvel dado em garantia ter sido objeto de venda num processo executivo, ou se, pelo facto de a mutuária ter sido declarada insolvente, ou se, pela circunstância de, em data anterior a tais factos, a mutuária ter entrado em incumprimento. Da propositura da presente execução, na qual requer a devolução de todo o capital mutuado, depreende-se que, a dada altura, a exequente terá pretendido exercer a faculdade que lhe era conferida pela cláusula 14ª de cada um dos contratos de mútuo e pelo artigo 781º, de “poder considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato incumprimento”, sem nunca esclarecer quando o fez e qual a circunstância, de entre as previstas nas als. a) a e) do nº1 da Clausula 14ª, por si invocada para fundamentar tal antecipação do vencimento. * De qualquer modo, ainda que a exequente tivesse procedido à referida interpelação da mutuária, com o consequente vencimento das prestações restantes, há ainda que apreciar se tal perda de prazo acarretaria, sem mais, tal efeito relativamente aos fiadores. Quanto às consequências que o provocado vencimento da obrigação principal aportará à obrigação fidejussória, a generalidade da doutrina Entre outros, Ana Prata, “Código Civil Anotado”, Vol. I, Almedina, Coord. Ana Prata, p. 980. vai no sentido de que o disposto no artigo 782º do Código Civil – “A perda do beneficio do prazo não se estende aos coobrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia –, se aplica não só aos condevedores, solidários ou conjuntos, como a um terceiro que tenha assumido uma garantia pessoal (fiança ou aval) ou que tenha dado um seu bem em garantia (hipoteca ou penhor). O que poderá suscitar alguma dúvida na aplicação do artigo 782º do CC ao fiador será a sua articulação com a característica da acessoriedade da fiança, que faz parte da sua natureza, não podendo ser afastada pelas partes Pedro Romano Martinez e Pedro Fuseta da Ponte, “Garantias de Cumprimento”, 5ª ed., Almedina, págs. 87 e 88. (ao contrário da subsidiariedade). Não se põe em causa que, atenta a acessoriedade da fiança, nos casos típicos em que a obrigação do devedor principal é uma obrigação a termo certo e em que o fiador sabe, desde o início da constituição da relação fidejussória, qual é o momento de vencimento da obrigação principal, não é necessária a interpelação do fiador pelo credor para despoletar a aplicação do regime previsto no artigo 634º CC Neste sentido, Manuel Januário da Costa Gomes, “Assunção Fidejussória de Dívida, Sobre o sentido e o âmbito da vinculação como fiador”, Coleção Teses, Almedina 2000, pp. 942 e 943, e ainda em “Estudos de Direito das Garantias”, Vol. I, Almedina, págs. 234 e 235, “O Regime da fiança no AUG da OHADA, Alguns aspetos”, onde afirma relativamente ao dever de aviso e informação periódica do credor ao fiador geral: “Qualquer que seja o tipo de fiança prestada, o credor deve, nos termos do art. 14/1 AUG, avisar o fiador de qualquer incumprimento por parte do devedor, bem como sobre a exigibilidade imediata ou sobre a prorrogação do prazo de cumprimento, devendo ainda indicar a quantia devida à data de cada um desses factos. Estes deveres de informação decorrem, a um tempo, da acessoriedade da fiança, do princípio da boa-fé e do facto de a fiança constituir um negócio de risco. Isso mesmo temos salientado, face à fiança do CC, apesar da ausência de uma norma específica como a do art./1 AUG”.. Já sendo a obrigação pura ou, estando sujeita a um termo certo, o credor é beneficiário exclusivo do prazo e pretende obter o incumprimento antecipado, também aí se torna necessária uma intimação ou pedido do credor, que vale como interpelação, para provocar o vencimento antecipado Manuel Januário da Costa Gomes, obra citada, p. 944.. É certo que a proteção concedida pelo artigo 782º (de não serem afetados pela perda do beneficio do prazo) aos coobrigados ou terceiros, não se tratando de uma norma imperativa, pode ser afastada por vontade das partes. Contudo, e voltando à questão levantada em primeiro lugar pelo apelante, o facto de ter ficado a constar em cada um dos contratos de mútuo e fiança, que os aqui executados “se responsabilizam como fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido à Caixa credora em consequência do empréstimo aqui titulado, dando desde já o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro e bem assim às alterações de prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre a credora e a parte devedora e aceitando que a estipulação relativa ao extrato de conta e aos documentos de débito sejam também aplicáveis à fiança”, não pode ser interpretado como tendo o significado de as partes terem acordado afastar o regime constante do artigo 782º do CC. No caso em apreço tendo os primeiros incumprimentos ocorrido logo em 26-03-2007 (dois meses após a celebração dos contratos, datados de 26-01-2007, e por conta dos quais foram pagas tão somente as quantias de 483,75 € e 111,09, €, respetivamente), não é sequer alegado que a Apelante/mutuante alguma vez tenha comunicado aos fiadores que os contratos se encontravam já em incumprimento. Manual Januário da Costa Gomes “Assunção Fidejussória (…), pág. 946., pronunciando-se pela extensão da obrigatoriedade de comunicação mesmo às obrigações puras e de prazo incerto, defende não ser concebível que, estando o fiador contratualmente ligado ao credor, este não tenha de o informar dessa fase central e decisiva da vida da obrigação, que é o seu vencimento. No caso em apreço, não tendo sido alegado que os executados/fiadores tenham sido informados pelo banco exequente do vencimento antecipado prazos de pagamento das prestações acordadas, não pode invocar quanto a estes a perda do benefício do prazo, eventualmente operada relativamente ao devedor principal, por força do mecanismo previsto no artigo 781º do CC. * Passamos, agora, à análise do último argumento de discordância relativamente ao decidido – ainda que se entenda necessária a interpelação dos fiadores, a citação dos fiadores/apelados para a presente execução, constituindo uma interpelação judicial, não poderá deixar de relevar para efeitos de exigibilidade da dívida, sendo que as consequências do comportamento da exequente não importariam uma inexigibilidade da dívida, refletindo-se apenas no conteúdo da mesma, relativamente ao montante dos respetivos juros moratórios (quanto às prestações ainda não vencidas à data da citação), que serão devidos desde a citação.
Embora não o diga expressamente, deduz-se da alegação do apelante, que, em seu entender, a citação dos executados produziria os efeitos da interpelação omitida relativamente aos fiadores. A citação efetuada no âmbito de uma ação executiva, contém unicamente a notificação do executado “para, no prazo de 20 dias, pagar a quantia exequenda ou opor-se à execução” (nº6 do artigo 726º CPC). Contudo, as notificações que considerámos necessárias para operar, primeiro relativamente ao mutuário, e depois, relativamente aos fiadores, o vencimento antecipado das prestações que se encontrariam ainda por vencer face ao calendário inicialmente acordadas, e que se encontrariam em falta, não respeitam à notificação da mutuária ou dos fiadores para o pagamento da quantia que, segundo as contas da mutuária, se encontre atualmente em dívida face a um vencimento antecipado de todas as prestações que terá ocorrido em data incerta e respetivos juros, também contados desde uma data que se desconhece (por falta de alegação da exequente). A notificação em falta, que deveria ter sido feita e não foi, respeita à oportunidade que deveria ter sido dada aos fiadores de terem sido colocados em condições de poder cumprir o contrato segundo o plano prestacional acordado, dando-lhe conhecimento de terem notificado a mutuária de que, a partir de determinada data, se não procedesse ao pagamento dos valores até então em dívida, consideraria antecipadamente vencidas as restantes prestações, a fim de permitirem aos fiadores assumirem o cumprimento do contrato no lugar da mutuária. A citação não poderá ter esse efeito, pois através dela não é dada a oportunidade aos fiadores de pagarem as prestações vencidas, evitando a exigibilidade das vincendas Neste sentido, Acórdão TRP de 30-05-2007, relatado por Márcia Portela, disponível in www.dgsi.pt. . De qualquer modo, também no caso concreto, os autos são omissos quanto a elementos essenciais para determinação dos valores que, em tal situação se encontrariam em dívida, pois a exequente/apelada, no requerimento executivo, limitou-se a indicar o valor global da dívida, após a dedução do valor da venda obtida com o imóvel, desconhecendo-se os termos da imputação e até os valores de cada uma das prestações mensais acordadas. Também o Supremo, numa situação semelhante, decidiu o seguinte: Regressando ao caso em apreço – em que os títulos executivos apresentados pelo exequente são os próprios contratos de mútuo e fiança –, atentar-se-á em que, tendo sido mutuadas as quantias de 125.000,00 € e de 25.000,00 €, e celebrados os contratos em janeiro de 2007 e pelo prazo de 45 anos (à data da propositura da ação haviam decorrido unicamente cerca de 10 anos), fica, inclusivamente, a dúvida sobre se a quantia já recebida pelo exequente pelo produto do imóvel hipoteca não ultrapassa o valor das prestações vencidas, caso se tivesse mantido o calendário de pagamento de capital e juros inicialmente acordado. Será, assim de confirmar a decisão recorrida de extinção da execução, improcedendo a apelação. IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida. Custas a suportar pelo apelante. Coimbra, 16 de outubro de 2018 |