Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2971/17.9T8CBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: CONTRATO DE MÚTUO
DÍVIDA LIQUIDÁVEL EM PRESTAÇÕES
PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO
FIANÇA
INTERPELAÇÃO
EXECUÇÃO
CITAÇÃO
Data do Acordão: 10/16/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 627, 634, 781, 782 CC
Sumário:
1. A declaração de que “se constitui fiador e principal pagador”, não acarreta qualquer renúncia ao benefício do prazo de pagamento das prestações ou o afastamento do disposto no art.782º do CC, sendo inócua para o efeito.
2. A cláusula que confere ao credor de “poder considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento”, em caso de ocorrência de qualquer uma das circunstâncias aí previstas, não é de funcionamento automático, sendo uma faculdade que o credor pode exercer, ou não, e caso a pretenda exercer, terá dela dar conhecimento ao devedor.
3. A perda do benefício do prazo não se estende ao fiador, sendo necessário que lhe seja dado conhecimento da interpelação efetuada ao devedor – de que encontrando-se determinadas quantias em falta, lhe é dado um determinado prazo para cumprir, sob pena de vencimento das restantes prestações – para a antecipação do vencimento produza os seus efeitos relativamente ao fiador.
4. A citação dos fiadores para a execução – para contestar ou pagar a totalidade da dívida resultante da antecipação de vencimento – não pode suprir a falta de tal notificação, pois através dela não é dada oportunidade aos fiadores de procederem ao pagamento das prestações vencidas, evitando a exigibilidade das vincendas.
Decisão Texto Integral:
Processo n° 2971/17.9T8CBR-B.Cl – Apelação

Relator: Maria João Areias
1° Adjunto: Vítor Amaral
2° Adjunto: Luís Cravo


Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I - RELATÓRIO

V (…) e mulher, M (…) vêm, por apenso à execução que contra si é deduzida pela C (…), S.A., deduzir oposição à execução mediante embargos de executado,

com os seguintes fundamentos, que assim se sintetizam:

1. embora referindo ter recebido 80.000,00 € pela adjudicação do imóvel hipotecado, tal valor não surge refletido na liquidação que apresenta, nem a exequente refere quanto terá recebido no decurso do cumprimento dos contratos de mútuo em questão, pelo que a dívida exequenda não está líquida, não sendo exigível;
2. a exequente exige aos executados juros desde 11/11/2008 até 4/4/2017 e 26/03/2007 até 4/4/2017, sendo que, os juros contados desde 26/03/2007 até 11/10/2012 já se encontram prescritos;
3. os juros peticionados são usurários, requerendo a sua contabilização à taxa máxima de 7% a partir da data da prescrição;
4. a exequente nunca interpelou os executados/embargantes de qualquer falta do pagamento de qualquer prestação por parte da mutuária; a exequente tinha a obrigação de avisar os fiadores do não pagamento de qualquer prestação, a fim de estes se substituírem à mutuária, tudo pagando, tudo liquidando, sub-rogando-se aos direitos da exequente;

Concluem pela extinção da execução, requerendo ainda a condenação da exequente como litigante de má-fé.

Recebidos os embargos, a exequente veio apresentar contestação nos seguintes termos:
conforme o por si expressamente alegado no requerimento executivo, a exequente, no âmbito de execução que identifica e na qualidade de credora hipotecária, veio aí a ser aceite a sua proposta de aquisição do imóvel pelo valor de 80.000,00 €;
promovida que foi a liquidação, veio a aqui exequente receber o montante que lhe competiu no produto da venda, conforme doc. 4 – 72.410,32 € – valor este aplicado na amortização da dívida aos executados, permanecendo ainda em dívida os valores discriminados na liquidação da obrigação, que reproduz;
o montante da dívida à data de 01.04.2016, ascendia a 239.639,90 €, relativamente a um dos empréstimos e a 47.962,77 €, relativamente ao outro;
os juros peticionados no requerimento executivo são os devidos sobre o valor em dívida desde 11.11.2008 e 26.03.2007, respetivamente e até 04.04.2017;
no primeiro dos empréstimos foi pago o montante de 483,75 € e no 2º o montante de 110,09 €;
os devedores bem sabiam o dia exato em que se venciam as prestações;
o prazo de prescrição é o prazo ordinário previsto no art. 309º do CC, pelo que os juros peticionados não se encontram prescritos;
com a citação dos executados no âmbito da reclamação de créditos interrompeu-se o prazo de prescrição em curso.
Conclui pela improcedência dos embargos.

Foi elaborado despacho saneador a julgar os embargos procedentes, determinando a extinção da execução.


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Não se conformando com tal decisão, o embargado dela interpõe recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem por súmula Dado o nítido incumprimento do dever de sintetizar os fundamentos do recurso, previsto no artigo 639º, nº1, do CPC.:

(…).


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Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpridos que foram os vistos legais ao abrigo do nº2 do artigo 657º CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.

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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo –, a questão a decidir é uma só:

1. Necessidade da interpelação dos fiadores e consequências da sua omissão.

III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

A. Matéria de facto

São os seguintes os factos tidos por assentes na sentença recorrida e que aqui não foram objeto de impugnação:

1. No seu requerimento executivo, a exequente alegou que:
“ 1. No exercício da sua atividade creditícia, a exequente C (…), S.A., celebrou com a executada A (…), os seguintes contratos, com fiança dos executados V (…) e M (…)
a) um contrato de mútuo no montante de 125.000,00 € (cento e vinte e cinco mil euros), formalizado por escritura pública datada de 26 de Janeiro de 2007, conforme Doc. n.º 1, que se junta e cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para os legais efeitos;
b) um contrato mútuo no montante de 25.000,00€ (vinte e cinco mil euros), formalizado por documento particular datado de 26 de Janeiro de 2007, conforme Doc. n.º 2, que se junta e cujo teor se dá por inteiramente reproduzido para os legais efeitos.
2. Clausulou-se nos referidos contratos as seguintes taxas de juro, seguindo-se a mesma ordem alfabética do artigo precedente:
a) O empréstimo vence juros à taxa correspondente à média aritmética simples das taxas EURIBOR a três meses, apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período trimestral de vigência do contrato (média essa designada por indexante), com arredondamento à milésima de ponto percentual mais próxima, e acrescida de um spread de 0,950%, donde resultava, à data da outorga do contrato, na taxa de juro nominal, para pagamentos mensais, de 4,634% ao ano, a que correspondia a taxa efectiva de 4,734%;
b) O empréstimo vence juros à taxa correspondente à média aritmética simples das taxas EURIBOR a três meses, apurada com referência ao mês imediatamente anterior ao do início de cada período trimestral de vigência do contrato (média essa designada por indexante), com arredondamento à milésima de ponto percentual mais próxima, e acrescida de um spread de 0,950%, donde resultava, à data da outorga do contrato, na taxa de juro nominal, para pagamentos mensais, de 4,634% ao ano, a que correspondia a taxa efetiva de 4,734%.
3. E que em caso de mora, os respetivos juros são calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar mora, estiver em vigor na Caixa para operações ativas da mesma natureza (à data da outorga do contrato de 8,246% ao ano), acrescida de uma sobretaxa até 4% ao ano e a título de cláusula penal.
4. Os empréstimos destinaram-se às seguintes finalidades, de acordo com a mesma ordem alfabética:
a) à aquisição de imóvel para habitação própria e permanente da parte devedora;
b) a facultar recursos para o financiamento de investimentos múltiplos, não especificados, em bens imóveis.
5. Para garantia do capital emprestado, respetivos juros e despesas emergentes dos contratos identificados nas alíneas a) e b) do artigo 1.º, a executada A (…) constituiu a favor da exequente, que aceitou, hipoteca sobre fração autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao primeiro andar direito, destinado a habitação, aparcamento localizado no logradouro do edifício, a sul, designado pelo n.º 3, sendo o terceiro a contar de norte para sul, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, designado por …, concelho de …, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo …, e descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o número …, conforme Docs. n.º 1 e 2, já juntos.
6. Acresce que, na qualidade de credora hipotecária foi a ora exequente citada para reclamar créditos no âmbito do processo de execução que com o nº 1992/08.7TJCBR – correu trâmites Juízo de Execução de Coimbra – J2 -, em virtude de se encontrar em venda o imóvel acima identificado.
7. No âmbito de venda na modalidade de proposta em carta fechada, foi aceite a proposta de aquisição, no montante de € 80.000,00, conforme Doc. n.º 3, que se junta e cujo conteúdo se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos.
8. E promovida que foi a liquidação do julgado, veio a ora exequente a receber o montante que lhe competiu do produto da venda, conforme Doc. n.º 4, que se junta e cujo conteúdo se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos, valor esse aplicado na amortização da dívida dos executados.
9. No entanto, e não obstante tal amortização, permanecem ainda em dívida os valores discriminados na liquidação da obrigação.
7. Igualmente garantia das obrigações decorrentes dos contratos supra identificados, os executados V (…) e M (…) responsabilizaram-se solidariamente como fiadores e principais pagadores de tudo o que, por força deles, viesse a ser devido à ora exequente, conforme.
8. Sendo a obrigação dos fiadores acessória da que recai sobre os mutuários, e sendo aqueles responsáveis enquanto principais pagadores, pode ser-lhes exigida a cobrança da quantia em dívida e cujo pagamento garantiram, nos termos conjugados dos artigos 627.º, 634.º, 640.º e 512.º, todos do Código Civil.
9. Os créditos peticionados e respetivos juros estão consubstanciados em título executivo, de harmonia com o disposto nos artigos 703.º, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil, e artigo 9.º n.º 4 do Decreto-Lei 287/93 de 20 de Agosto.
10. Os mencionados créditos encontram-se vencidos e são certos, líquidos e exigíveis.”.

2. No âmbito do processo executivo nº 1992/08.7TJCBR, do Juízo de Execução de Coimbra J2, a aqui exequente foi aí citada enquanto credora hipotecária face à penhora do imóvel, acima identificado e sobre o qual era titular de registo de hipoteca.

3. Tal imóvel veio a ser vendido em Abril de 2016 por 80 mil euros nessa execução.

4. A 6 de Janeiro de 2017, a aqui exequente foi notificada no âmbito da execução nº. 1992/08.7TJCBR da reforma da Liquidação Final, tendo recebido € 72.410,32 euros pelo imóvel hipotecado.

5. A 26 de Setembro de 2017, a execução foi extinta quanto à executada A (…) devido à sua declaração de insolvência.

6. Nas cláusulas 5ª e 4ª, do documento complementar dos contratos de mútuo celebrados entre a exequente e os executados, que se executam na execução principal, ficou estipulado que “Em caso de mora, os respetivos juros serão calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor na Caixa credora para operações ativas da mesma natureza (atualmente oito vírgula duzentos e quarenta e seis por cento, ao ano) acrescida de uma sobretaxa até quatro por cento, ao ano, a título de cláusula penal”.

7. A exequente não notificou os dois fiadores, aqui embargantes, para efetuar o pagamento das prestações em atraso e de que esse não pagamento tornaria as restantes prestações vencidas (resulta da contestação apresentada pela exequente que tal notificação não foi enviada aos fiadores, assim como nenhum documento foi anexo que comprove tal notificação).

8. Também não notificou os embargantes de que o imóvel hipotecado estava à venda na execução nº. 1992/08.7TJCBR e que, face ao produto dessa venda, apenas recebeu o montante de € 72.410,32 euros, que abateu na dívida dos dois contratos em causa na execução principal (resulta da contestação apresentada pela exequente que tal notificação não foi enviada aos fiadores, assim como nenhum documento foi anexo que comprove tal notificação).

Procedemos ainda ao aditamento do seguinte facto, por se nos afigurar de relevo para a apreciação das questões objeto do presente recurso:

9. Nas cláusulas 14º de cada um dos contratos de crédito em execução, fez-se constar o seguinte:

A Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato cumprimento no caso de, designadamente:
a) Incumprimento pela parte devedora ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação decorrente deste contrato;
b) Incumprimento pela parte devedora de quaisquer obrigações decorrentes de outros contratos celebrados ou a celebrar com a Caixa ou com empresas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo;
c) Venda, permuta, arrendamento ou qualquer outra forma de alienação ou oneração, sem o prévio acordo, escrito, da Caixa, dos bens que sejam ou venham a ser dados de garantia das obrigações emergentes do presente contrato e, bem assim, a sua desvalorização que não resulte do uso corrente;
d) Propositura contra a parte devedora de qualquer execução, arresto , arrolamento ou qualquer outra providência judicial ou administrativa que implique limitação da livre disponibilidade dos seus bens;
e) Insolvência da devedora, ainda que não judicialmente declarada ou diminuição das garantias do crédito.
2. Caso ocorra alguma das situações previstas no artigo anterior, a Caixa fica com o direito de considerar imediatamente vencidas e exigíveis quaisquer obrigações da parte devedora emergentes de outros contratos com ela celebrados.”

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1. Necessidade da notificação dos fiadores e consequências da sua omissão

Os embargantes/fiadores opõem-se à presente execução, alegando, entre outros fundamentos, que a exequente nunca os notificou de qualquer falta de pagamento de alguma prestação por parte da mutuária, impedindo-os de se substituírem à mutuária, tudo liquidando e de usufruírem da sub-rogação prevista no artigo 644º do CC, não os avisando: a) da falta de pagamento das prestações mensais; b) da execução existente sobre o imóvel hipotecado; c) de que se poderiam substituir à mutuária e negociar o pagamento da divida; d) de que, como responsáveis e fiadores poderiam optar por se subrogar no pagamento da dívida exequenda, pagando tudo e ficando para si com o imóvel em causa.

A sentença recorrida, considerando que a mutuante/exequente nunca procedeu à resolução contratual ou ao aviso de que iria instaurar execução contra os dois fiadores, não podendo operar a resolução contratual por via da interpelação judicial para cumprir aquando da citação para esta execução, concluiu pela inexigibilidade da obrigação, decretando, em consequência, a extinção da execução.

A Apelante/exequente insurge-se contra o decidido, com os seguintes fundamentos:

1. tendo os fiadores renunciado ao benefício da excussão, assumindo-se solidariamente responsáveis, não se verifica a característica da subsidiariedade, podendo a recorrente exigir-lhes o pagamento da totalidade da dívida exequenda; e pode fazê-lo uma vez que a norma supletiva do artigo 782º do CC foi expressamente afastada por vontade das partes, não beneficiando os recorridos da desaplicação da perda do benefício do prazo aos co-obrigados do devedor;

2. face ao convencionado na 14ª Cláusula dos contratos dados à execução, o vencimento antecipado das prestações vincendas é de facto automático e imediato por força do incumprimento, encontrando-se os executados em mora desde a data de vencimento da 1ª prestação não paga;

3. ainda que se entendesse que a interpelação era necessária, a citação para a execução constitui uma interpelação judicial, interpelação esta que releva apenas para efeitos de contagem dos juros moratórios – os juros moratórios contar-se-ão, quanto às prestações vencidas e até à citação e a partir das respetivas datas de vencimento; quanto às restantes, desde a data da citação dos executados.

A argumentação do apelante implicará a resposta a quatro questões: 1. se o vencimento antecipado das prestações vincendas é automático, dispensando uma notificação ou interpelação do devedor; 2. em caso negativo, se a tal interpelação acrescerá a necessidade de notificação do fiador; 3. se o disposto no artigo 782º foi expressamente afastado por vontade das partes; 4. no caso de se concluir pela necessidade de interpelação do fiador, se a citação dos executados equivale ou tem capacidade de produzir os efeitos de tal interpelação.

O primeiro argumento de que o apelante se socorre não faz qualquer sentido, nada tendo a ver com o fundamento de oposição à execução objeto do recurso. A renúncia ao benefício da excussão – implicitamente contida na declaração de que “se responsabilizam como principais pagadores” significa, tão só, que o credor não é obrigado a esgotar o património do devedor principal antes de se virar contra o património do fiador, podendo executá-lo de imediato.
A assunção da obrigação de “principal pagador” pelo fiador apenas faz precludir o seu direito a invocar os benefícios constantes dos arts. 638 e 639º CC (consistentes na recusa de pagamento enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor ou não tiver excutido previamente as coisas sobre que recai garantia real) – artigo 640º do CC.
Ou seja, a assunção de tal obrigação pelo fiador apenas elimina a característica da subsidiariedade da fiança – o cumprimento pode vir a ser exigido ao fiador mesmo antes de o ser ao devedor; necessário é que, mesmo nestes casos, tenha havido incumprimento; ou seja, não afasta a necessidade de, para a sua obrigação de cumprir se tornar exigível, ter ocorrido o incumprimento da obrigação pelo devedor Joana Farrajota, “Código Civil Anotado”, Vol. I, Almedina 2017, Coord. Ana Prata, p. 823..

A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor” – art. 634º do Código Civil.

A acessoriedade da fiança, prevista no nº2 do artigo 627º, sua caraterística fundamental, significa que o fiador assume uma obrigação (acessória) de garantia, perante o credor, de que a obrigação (principal) do devedor será cumprida.

A subsidiariedade da fiança é uma característica ligada à fase da cobrança do crédito, enquanto a questão da necessidade da interpelação do devedor original e da interpelação do fiador respeita a uma fase prévia, respeitante ao vencimento da obrigação principal e ao momento a partir do qual é exigível a obrigação do fiador.

A declaração de que “se constituiu fiador e principal pagador”, não acarreta qualquer renúncia ao benefício do prazo de pagamento das prestações ou o afastamento do disposto no art.782º do CC, sendo inócua para o efeito Em igual sentido, Acórdão TRL de 28-05-2015, relatado por Ondina Carmo Alves, www.dgsi.pt. .


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A maioria da doutrina tem-se pronunciado no sentido de que o simples facto de não ser paga atempadamente uma das prestações acordadas não importa o vencimento “automático” das restantes.

O artigo 781º do CC, ao determinar que a falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento imediato das restantes, deve ser interpretado no sentido de que o inadimplemento do devedor gera o direito do credor de exigir dele a satisfação daquelas prestações, e não no sentido de que o não pagamento de uma das prestações no prazo acordado determina, por si só, a entrada em mora quanto ao cumprimento das demais Cfr., Neste sentido, Antunes Varela, Das Obrigações Em Geral, Vol. II, 6ª ed, pág. 53; na jurisprudência, entre outros, Acórdão TRL de 20.10.2009, relatado por Rosa Ribeiro Coelho, disponível in www.dgsi.pt. .
O regime instituído no acima referido artigo 781º, envolvendo a perda de uma vantagem conferida ao devedor, tem a sua razão de ser na quebra, provocada por este último, da relação de confiança que esteve na base da celebração do acordo de pagamento fracionado no tempo.

A falta de pagamento de uma das prestações acordadas rompe a confiança nele depositada pelo credor – ao permitir que o cumprimento da sua obrigação fosse efetuado em várias frações –, bem se justificando, assim, que para este nasça o direito de exigir o pagamento integral e imediato da dívida.
O artigo 781º atribuiu ao credor uma mera faculdade No sentido de que se trata de uma mera possibilidade, cabendo ao credor decidir se pretende ou não manter o contrato, operando a produção de tal efeito na sequência da comunicação dirigida pelo devedor ao credor, Jorge Morais de Carvalho, “Manual de Direito de Consumo”, Almedina 2014, 2º; ed., pág. 309 e 310, e “Os Contratos de Consumo, Reflexão sobre a Autonomia Privada no Direito do Consumo”, tese de doutoramento disponível in http://run.unl.pt/bitstream/10362/6196/1/Carvalho_2011.pdf. , que o credor pode exercer ou não, em conformidade com a avaliação que faz da situação económica do devedor e dos seus próprios interesses: pode optar por esperar mais uns meses, confiando em que a dificuldade de pagamento seja temporária e que o devedor tenha capacidade económica para retomar o pagamento regular das prestações acordadas.

O artigo 781º CC deve, assim, ser interpretado no sentido de estabelecer uma faculdade de antecipação da exigibilidade da prestação e não o seu funcionamento ope legis Neste sentido, entre muitos outros, Acórdão TRP de 30-05-2017, relatado por Márcia Portela, disponível in www.dgsi.pt. .

Lido atentamente o requerimento executivo inicial, e apresentando ao apelante como título executivos os dois contratos de mútuo relativamente aos quais os aqui executados se constituíram fiadores, celebrados a 26 de janeiro de 2007, e para cuja amortização foi acordado um prazo de 45 anos, constatamos ser o exequente completamente omisso quanto ao fundamento de que socorre para vir peticionar a totalidade das prestações acordadas antes de decorrido o prazo acordado para o respetivo vencimento. Não nos esclarece se terá ocorrido alguma antecipação do vencimento da totalidade das prestações acordadas, e, em caso afirmativo, se tal antecipação se terá devido à circunstância de o imóvel dado em garantia ter sido objeto de venda num processo executivo, ou se, pelo facto de a mutuária ter sido declarada insolvente, ou se, pela circunstância de, em data anterior a tais factos, a mutuária ter entrado em incumprimento.
Apenas em sede de contestação aos embargos aqui deduzidos pelos fiadores, o exequente vem alegar que, tendo os contratos sido celebrados em 26-01-2007, o primeiro não pagamento da prestação ocorreu em 26-03-2007, sem que alegue em que data considerou antecipadamente vencidas as restantes prestações do contrato e, muito menos, que alguma vez tenha comunicado à mutuária que, a partir de determinada, data iria considerar vencidas as restantes prestações (faculdade esta que o contrato igualmente lhe concedia em caso de penhora do bem dado em garantia ou em caso de insolvência da devedora).
Atentar-se-á, ainda, em que a própria redação dada pela mutuante à cláusula 14ª do contrato – “A caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente (…)”, inculca a ideia de que o efeito do vencimento imediato das prestações restantes consiste num mecanismo atribuído ao credor, que o mesmo pode despoletar, ou não, caso venham a ocorrer alguma das variadas situações aí previstas – “a) Incumprimento de qualquer obrigação decorrente deste contrato”; “c) Venda, permuta arrendamento ou qualquer outra forma de alienação ou oneração (dos bens que sejam ou venham a ser dados em garantia”; d) Propositura contra a parte devedora de qualquer execução, arresto (…); e) Insolvência da devedora ainda que não judicialmente declarada, ou diminuição das garantias de crédito”, etc.

Da propositura da presente execução, na qual requer a devolução de todo o capital mutuado, depreende-se que, a dada altura, a exequente terá pretendido exercer a faculdade que lhe era conferida pela cláusula 14ª de cada um dos contratos de mútuo e pelo artigo 781º, de “poder considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato incumprimento”, sem nunca esclarecer quando o fez e qual a circunstância, de entre as previstas nas als. a) a e) do nº1 da Clausula 14ª, por si invocada para fundamentar tal antecipação do vencimento.
Por outro lado, em conformidade com o já explicitado, a eficácia e a produção de efeitos do exercício de tal faculdade sempre se encontraria dependente da sua comunicação do devedor e, caso tivesse por fundamento o incumprimento de uma ou mais prestações, a produção de tais efeitos encontrar-se-ia dependente da interpelação do devedor para, em determinado prazo, proceder ao pagamento das quantias em dívida sob pena de considerar vencidas todas as demais.
O exequente não alega ter efetuado qualquer comunicação à mutuária nesse sentido e, nem sequer, em que momento, e com que fundamento, terá antecipado o vencimento das prestações vincendas – data esta fundamental, desde logo, para efeitos da contagem de juros –, limitando-se a insistir, mesmo em sede de alegações de recurso, que tal vencimento é imediato e automático (mas, é imediato quando? no dia do vencimento da 1ª prestação incumprida? no dia em a mutuária foi citada para a execução na qual o imóvel hipotecado foi vendido? na data em que o bem foi vendido? na data em que a mutuária foi declarada insolvente O artigo 91º do CIRE declara o vencimento imediato de todas as obrigações do insolvente, esclarecendo os ns. 2 e 3 do mesmo preceito que, sendo a obrigação fracionada, às prestações vincendas se aplica a redução relativa ao período de antecipação do vencimento, pois o montante considerado, para efeitos de juros, é não o valor total da dívida, mas aquele que for o seu na data do vencimento antecipado. ?).


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De qualquer modo, ainda que a exequente tivesse procedido à referida interpelação da mutuária, com o consequente vencimento das prestações restantes, há ainda que apreciar se tal perda de prazo acarretaria, sem mais, tal efeito relativamente aos fiadores.

Quanto às consequências que o provocado vencimento da obrigação principal aportará à obrigação fidejussória, a generalidade da doutrina Entre outros, Ana Prata, “Código Civil Anotado”, Vol. I, Almedina, Coord. Ana Prata, p. 980. vai no sentido de que o disposto no artigo 782º do Código Civil – “A perda do beneficio do prazo não se estende aos coobrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia –, se aplica não só aos condevedores, solidários ou conjuntos, como a um terceiro que tenha assumido uma garantia pessoal (fiança ou aval) ou que tenha dado um seu bem em garantia (hipoteca ou penhor).
Segundo Antunes Varela: “A perda do benefício do prazo também não afeta terceiros que tenham garantido pessoalmente o cumprimento da obrigação. A lei não distingue entre garantias pessoas e reais. É aplicável a disposição, portanto, não só ao fiador, como a terceiros que tenham constituído uma hipoteca, um penhor, ou uma consignação de rendimentos “Código Civil Anotado”, Vol. II, Coimbra Editora, 4ª ed., pág. 33.”.
Semelhante posição assume Fernando de Gravato Morais: “O fiador não perde o benefício do prazo mesmo que se vença antecipadamente a obrigação do devedor principal. Se o mutuante se socorre do mecanismo previsto no artigo 781º CC isso não afeta o garante, pois mantém o direito de pagar no prazo devido “Contratos de Crédito ao Consumo”, Almedina, pág. 345.”.

O que poderá suscitar alguma dúvida na aplicação do artigo 782º do CC ao fiador será a sua articulação com a característica da acessoriedade da fiança, que faz parte da sua natureza, não podendo ser afastada pelas partes Pedro Romano Martinez e Pedro Fuseta da Ponte, “Garantias de Cumprimento”, 5ª ed., Almedina, págs. 87 e 88. (ao contrário da subsidiariedade).
A acessoriedade significa que a fiança fica subordinada e acompanha a obrigação afiançada (artigo 627º CC) – não pode exceder a dívida principal, nem ser contraída em condições mais onerosas (artigo 631º CC).

Não se põe em causa que, atenta a acessoriedade da fiança, nos casos típicos em que a obrigação do devedor principal é uma obrigação a termo certo e em que o fiador sabe, desde o início da constituição da relação fidejussória, qual é o momento de vencimento da obrigação principal, não é necessária a interpelação do fiador pelo credor para despoletar a aplicação do regime previsto no artigo 634º CC Neste sentido, Manuel Januário da Costa Gomes, “Assunção Fidejussória de Dívida, Sobre o sentido e o âmbito da vinculação como fiador”, Coleção Teses, Almedina 2000, pp. 942 e 943, e ainda em “Estudos de Direito das Garantias”, Vol. I, Almedina, págs. 234 e 235, “O Regime da fiança no AUG da OHADA, Alguns aspetos”, onde afirma relativamente ao dever de aviso e informação periódica do credor ao fiador geral: “Qualquer que seja o tipo de fiança prestada, o credor deve, nos termos do art. 14/1 AUG, avisar o fiador de qualquer incumprimento por parte do devedor, bem como sobre a exigibilidade imediata ou sobre a prorrogação do prazo de cumprimento, devendo ainda indicar a quantia devida à data de cada um desses factos. Estes deveres de informação decorrem, a um tempo, da acessoriedade da fiança, do princípio da boa-fé e do facto de a fiança constituir um negócio de risco. Isso mesmo temos salientado, face à fiança do CC, apesar da ausência de uma norma específica como a do art./1 AUG”..
Se, vencida a obrigação, o devedor não cumprir e forem devidos juros de mora, o fiador responderá igualmente por eles, sem necessidade de qualquer interpelação, da mesma forma que responderá por quaisquer danos sofridos pelo credor em resultado do incumprimento do devedor Joana Ferrajota, obra citada, anotação ao artigo 634º, p. 818, .

Já sendo a obrigação pura ou, estando sujeita a um termo certo, o credor é beneficiário exclusivo do prazo e pretende obter o incumprimento antecipado, também aí se torna necessária uma intimação ou pedido do credor, que vale como interpelação, para provocar o vencimento antecipado Manuel Januário da Costa Gomes, obra citada, p. 944..
A necessidade e exigência de notificação do fiador de que ocorreu o vencimento antecipado da obrigação principal, corresponde ao entendimento atualmente dominante na jurisprudência Cfr., entre outros, Acórdãos do TRL de 19.11.2009, relatado por Manuel Gonçalves, do TRC de 03.07.2012, relatado por Carlos Querido, do TRL de 16.05.2013, relatado por Catarina Arêlo Manso, d TRC de 27.01.2015, relatado por Jaime Ferreira, Acórdãos do TRP de 21-02-2017, relatado por Maria Cecília Agante, e de 30-05-2017, relatado por Márcia Portela, todos disponíveis in www.dgsi.pt. , em especial naqueles casos em que, por haver renúncia ao benefício de excussão, se entende que o fiador é um coobrigado e que responde ao lado do devedor principal.
Tal exigência foi sugerida por Adriano Vaz Serra “Fiança e Figuras Análogas”, Sep. BMJ nº 71, onde propõe, no artigo 10/3 do Anteprojeto: “(…) Quando a obrigação principal só se vencer com a interpelação do devedor, o fiador deve ser igualmente interpelado para que a interpelação seja eficaz em relação e ele”. no seu projeto, justificando-a no facto de o fiador poder querer cumprir logo, evitando o alargamento da responsabilidade decorrente da mora.
Embora não tenha sido feita constar expressamente na lei relativamente aos casos de obrigação pura ou a termo incerto, o legislador fê-lo relativamente aos casos de dívida liquidável em prestações, regulando a questão do reflexo, nos obrigados e terceiros garantes, da perda pelo devedor do benefício do prazo ocorrida nos termos dos artigos 780º e 781º (artigo 782º).
Segundo Manuel Januário da Costa Gomes “Assunção Fidejussória de Dívida (…)”, pág. 948., o artigo 782º, sendo interpretado pela doutrina como um desvio à regra do artigo 634º, constitui, no que à fiança se refere, manifestação de um princípio geral: o de que não são extensivas ao fiador as modificações de prazo com que ele não conte ou não possa razoavelmente contar:
“Daqui não resulta, releve-se, uma beneficiação do fiador, já que o que se pretende evitar é que seja responsável para além da medida do risco que assumiu. Assim sendo, se o fiador não for informado pelo credor do vencimento da obrigação, isto é, se não for colocado em condições de poder cumprir nos mesmos termos em que o pode fazer o devedor, daí não poderá resultar um aumento do risco do fiador, ou seja: o fiador, quando for, mais tarde, intimado para cumprir, não estará vinculado a mais do aquilo que estaria se fosse esse o momento do vencimento da obrigação tornado possível pela interpelação Obra citada, pág. 949.”.
Tal autor conclui, assim, que o credor que não queira ter a desvantagem de não ter cobertura da garantia para todo o crédito – ou seja, a desvantagem resultante da ineficácia, quanto ao fiador, do vencimento da obrigação e das suas consequências – terá o ónus de informar o fiador da interpelação ao devedor.
E, pronunciando-se especificamente sobre os casos em que, de acordo com o “programa prestacional”, a prestação do devedor principal é uma obrigação fracionada, tal autor afirma que, ainda que o contrato de mútuo contenha uma norma derrogadora do artigo 782º (o que não é o caso dos autos), uma vez iniciada a quebra de pagamentos por parte do devedor, desde que, pela sua frequência, seja objetivamente indiciador da dificuldade ou da impossibilidade económica do devedor cumprir – ou do propósito de não cumprir – o credor tem o ónus de informar o fiador: “Se o não fizer, este, quando instado para pagar, já eventualmente em processo executivo, pode opor ao credor a exceção de inexigibilidade (parcial) da obrigação exequenda (art. 813º, al. e) CPC), argumentando com o facto de não lhe ser eficaz o agravamento da dívida posterior ao momento em que razoavelmente deveria ter sido informado da quebra de pagamentos Manuel Januário da Costa Gomes, “Assunção Fidejussória de Dívida”, pág. 961 e 962. ”.

É certo que a proteção concedida pelo artigo 782º (de não serem afetados pela perda do beneficio do prazo) aos coobrigados ou terceiros, não se tratando de uma norma imperativa, pode ser afastada por vontade das partes.

Contudo, e voltando à questão levantada em primeiro lugar pelo apelante, o facto de ter ficado a constar em cada um dos contratos de mútuo e fiança, que os aqui executados “se responsabilizam como fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido à Caixa credora em consequência do empréstimo aqui titulado, dando desde já o seu acordo a quaisquer modificações da taxa de juro e bem assim às alterações de prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre a credora e a parte devedora e aceitando que a estipulação relativa ao extrato de conta e aos documentos de débito sejam também aplicáveis à fiança”, não pode ser interpretado como tendo o significado de as partes terem acordado afastar o regime constante do artigo 782º do CC.
Com efeito, o que se encontra em discussão não é uma qualquer alteração aos prazos de pagamento acordados entre as partes (e foi esta a alteração que os fiadores deram o seu assentimento prévio), mas o exercício unilateral, por parte do mutuante, do direito a considerar antecipadamente vencidas as restantes prestações.

No caso em apreço tendo os primeiros incumprimentos ocorrido logo em 26-03-2007 (dois meses após a celebração dos contratos, datados de 26-01-2007, e por conta dos quais foram pagas tão somente as quantias de 483,75 € e 111,09, €, respetivamente), não é sequer alegado que a Apelante/mutuante alguma vez tenha comunicado aos fiadores que os contratos se encontravam já em incumprimento.
Assim como, não alegou que, face ao incumprimento de alguma das prestações acordadas e entretanto vencidas, o exequente tenha, alguma vez, comunicado ou informado os fiadores, aqui executados/apelados, de que encontrando-se em dívida determinadas prestações, iria considerar vencidas as restantes.
Deixando avolumar os montantes dos créditos em dívida (tratava-se de dois mútuos pelo valor global de 150.000,00€), depois de lhes ter sido adjudicado o imóvel hipotecado (pelo valor de 80.000,00 €), e decorridos cerca de 10 anos, vem agora a exequente e, aparentemente, pela primeira vez, reclamar junto dos fiadores o pagamento das quantias em dívida, citando-os para uma execução onde lhes é peticionado o pagamento do valor de 229.802,83,87 €.

Manual Januário da Costa Gomes “Assunção Fidejussória (…), pág. 946., pronunciando-se pela extensão da obrigatoriedade de comunicação mesmo às obrigações puras e de prazo incerto, defende não ser concebível que, estando o fiador contratualmente ligado ao credor, este não tenha de o informar dessa fase central e decisiva da vida da obrigação, que é o seu vencimento.
Adotando posição semelhante, no Acórdão TRC de 03.07.2012 Acórdão relatado por Carlos Querido, disponível in www.dgsi.pt. , decidiu-se que na falta de tal comunicação, os fiadores apenas poderão responder pelas prestações vencidas: “tal interpelação tornava-se necessária, dando aos fiadores a possibilidade de, para além de pagarem as prestações vencidas (pelas quais são imediatamente responsáveis), assumirem a posição de devedor principal, pagando as prestações que se forem vencendo (…). Porque o prazo também é estabelecido a favor do fiador que terá interesse em ser alertado (interpelado) pelo banco, no sentido de pagar as prestações vencidas e as que se forem vencendo pelo decurso do tempo, em vez de abruptamente confrontado com uma dívida de centenas de milhares de euros.
No acórdão do TRC de 27.01.2015 Acórdão relatado por Jaime Ferreira, disponível in www.dgsi.pt. , dando por não provada a interpelação dos fiadores para procederem ao pagamento das prestações vencidas e não pagas pelo devedor (também por a carta enviada não se encontrar corretamente endereçada), aí se concluiu que “os fiadores ainda estão em condições de poderem beneficiar do prazo de pagamento das prestações acordadas, para o que dever ser expressamente notificados pelo credor para o efeito”.

No caso em apreço, não tendo sido alegado que os executados/fiadores tenham sido informados pelo banco exequente do vencimento antecipado prazos de pagamento das prestações acordadas, não pode invocar quanto a estes a perda do benefício do prazo, eventualmente operada relativamente ao devedor principal, por força do mecanismo previsto no artigo 781º do CC.

*
Passamos, agora, à análise do último argumento de discordância relativamente ao decidido – ainda que se entenda necessária a interpelação dos fiadores, a citação dos fiadores/apelados para a presente execução, constituindo uma interpelação judicial, não poderá deixar de relevar para efeitos de exigibilidade da dívida, sendo que as consequências do comportamento da exequente não importariam uma inexigibilidade da dívida, refletindo-se apenas no conteúdo da mesma, relativamente ao montante dos respetivos juros moratórios (quanto às prestações ainda não vencidas à data da citação), que serão devidos desde a citação.

Embora não o diga expressamente, deduz-se da alegação do apelante, que, em seu entender, a citação dos executados produziria os efeitos da interpelação omitida relativamente aos fiadores.

A citação efetuada no âmbito de uma ação executiva, contém unicamente a notificação do executado “para, no prazo de 20 dias, pagar a quantia exequenda ou opor-se à execução” (nº6 do artigo 726º CPC).

Contudo, as notificações que considerámos necessárias para operar, primeiro relativamente ao mutuário, e depois, relativamente aos fiadores, o vencimento antecipado das prestações que se encontrariam ainda por vencer face ao calendário inicialmente acordadas, e que se encontrariam em falta, não respeitam à notificação da mutuária ou dos fiadores para o pagamento da quantia que, segundo as contas da mutuária, se encontre atualmente em dívida face a um vencimento antecipado de todas as prestações que terá ocorrido em data incerta e respetivos juros, também contados desde uma data que se desconhece (por falta de alegação da exequente).

A notificação em falta, que deveria ter sido feita e não foi, respeita à oportunidade que deveria ter sido dada aos fiadores de terem sido colocados em condições de poder cumprir o contrato segundo o plano prestacional acordado, dando-lhe conhecimento de terem notificado a mutuária de que, a partir de determinada data, se não procedesse ao pagamento dos valores até então em dívida, consideraria antecipadamente vencidas as restantes prestações, a fim de permitirem aos fiadores assumirem o cumprimento do contrato no lugar da mutuária.

A citação não poderá ter esse efeito, pois através dela não é dada a oportunidade aos fiadores de pagarem as prestações vencidas, evitando a exigibilidade das vincendas Neste sentido, Acórdão TRP de 30-05-2007, relatado por Márcia Portela, disponível in www.dgsi.pt. .

De qualquer modo, também no caso concreto, os autos são omissos quanto a elementos essenciais para determinação dos valores que, em tal situação se encontrariam em dívida, pois a exequente/apelada, no requerimento executivo, limitou-se a indicar o valor global da dívida, após a dedução do valor da venda obtida com o imóvel, desconhecendo-se os termos da imputação e até os valores de cada uma das prestações mensais acordadas.

Também o Supremo, numa situação semelhante, decidiu o seguinte:
Surge pois forçosamente de concluir que não assistia ao Exequente o direito de, sem mais, levar a efeito, no tocante aos Executados fiadores, similarmente aos Executados mutuários, a exigência de imediato cumprimento de todas as prestações do contrato por solver. Apenas lhe assistia tal direito no que concerne às prestações efetivamente vencidas – leia-se, cujos prazos de pagamento, à data do ingresso da ação, já haviam decorrido – prestações que se ignora em absoluto – por falta de alegação e prova – quais hajam sido e, logo, atinentes montantes parciais e totais.
Donde se segue que a quantia exequenda não podia nem pode ter-se como exigível no que tange a esses últimos executados, desconhecendo-se, mesmo e insuperavelmente, qual fosse – a ser, como parece de considerar, diferente –, esse montante.
Quer dizer, ao fim e ao resto, a obrigação a fazer actuar no tocante a tais executados, além de não exigível, apresentava-se até de valor indeterminado, ou seja, e como ao presente ilíquida.
Mercê de tal, não se achava a execução em termos de ser instaurada, e muito menos prosseguir, em relação a tais executados, pelo que, sempre salvaguardando o muito respeito, não podia – nem devia – ter sido objeto, como foi, desse prosseguimento Acórdão do STJ de 12-07-2018, relatado por Helder Almeida, disponível in www.dgsi.pt. ”.

Regressando ao caso em apreço – em que os títulos executivos apresentados pelo exequente são os próprios contratos de mútuo e fiança –, atentar-se-á em que, tendo sido mutuadas as quantias de 125.000,00 € e de 25.000,00 €, e celebrados os contratos em janeiro de 2007 e pelo prazo de 45 anos (à data da propositura da ação haviam decorrido unicamente cerca de 10 anos), fica, inclusivamente, a dúvida sobre se a quantia já recebida pelo exequente pelo produto do imóvel hipoteca não ultrapassa o valor das prestações vencidas, caso se tivesse mantido o calendário de pagamento de capital e juros inicialmente acordado.

Será, assim de confirmar a decisão recorrida de extinção da execução, improcedendo a apelação.

IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a suportar pelo apelante.

Coimbra, 16 de outubro de 2018