Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JORGE DIAS | ||
Descritores: | PROVA DEPOIMENTO INDIRECTO CONVERSAS INFORMAIS | ||
Data do Acordão: | 07/09/2008 | ||
Votação: | MAIORIA | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE CANTANHEDE – 2º J | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 55º,2,129º,356º E 357º DO CPP | ||
Sumário: | Deve ser valorado em audiência de julgamento o depoimento de um agente da autoridade que ,no exercício das suas funções, ao tomar conta de uma ocorrência, foi informado por um interveniente em acidente de viação, que era ele o condutor. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: RELATÓRIO Em processo sumário do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Cantanhede, por sentença de 08.01.18, foi decidido, absolver o arguidoA…, da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo artº 292º nº 1 CP.Inconformado com tal decisão, o Ministério Público interpôs recurso, em cuja motivação produziu as seguintes conclusões: “ a) A testemunha ao referir no seu depoimento aquilo que o arguido lhe disse limitou-se a agir dentro das suas competências, no sentido de descobrir o agente do crime. b) Está-se assim face a um depoimento que deve ser valorado e não perante um depoimento inatendível. c) Ao não ter valorado tal depoimento o Sr Juiz fez uma interpretação errada do disposto nos artigos 55, n0 2 e 129 do Código de Processo Penal. d) Assim deve dar-se como provado que era o arguido que conduzia o veiculo e condenar-se o mesmo pelo crime que lhe é imputado, revogando-se a douta sentença.” O arguido respondeu à motivação, concluindo que o recurso deve ser julgado improcedente. O Exmº Procurador-Geral Adjunto, emitiu douto parecer, aderindo à argumentação do recorrente. Não foi apresentada resposta. Colhidos os vistos, e realizada a conferência, cumpre decidir. FUNDAMENTAÇÃO A matéria fáctica considerada provada na sentença recorrida foi a seguinte: “1. No dia 15 de Dezembro de 2007, pelas 17H00, indivíduo que não foi possível identificar conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matricula UU-UU-UU, no local denominado Lontro – Camameira, área desta comarca, tendo sido interveniente num acidente de viação. 2. O arguido foi fiscalizado pelos elementos da GNR e apresentou o mesmo uma taxa de alcoolemia no sangue de 2,82 g/1. 3. O arguido bem sabia que se encontrava sob a influência do álcool. 4. O arguido praticou os seguintes crimes e sofreu as seguintes condenações: a) Por sentença de 25/11/2004, transitada em julgado em 28/1/2005, foi condenado no processo abreviado n.º 96/04.6GAMIR, do Tribunal Judicial de Mira, na pena de 75 dias de multa a € 4,00 diários e proibição de conduzir por seis meses, pelo crime de condução em estado de embriaguez, praticado em 5/6/2004; b) Por sentença de 9/3/2005, transitada em julgado em 12/4/2005, foi condenado no processo comum singular n.º 345/03.8GBCNT, do 1.º Jz deste Tribunal Judicial de Cantanhede, na pena de 170 dias de multa a € 4,00 diários e proibição de conduzir por cinco meses, pelos crimes de condução em estado de embriaguez e desobediência, praticado em 12/7/2003; c) Por sentença de 28/2/2005, transitada em julgado em 16/3/2005, foi condenado no processo comum singular n.º 98/04.2GBCNT, do 2.º JZ deste Tribunal Judicial de Cantanhede, € 225,000 de multa, pelo crime de condução em estado de embriaguez, praticado em 25/1/2004; d) Por sentença de 17/3/2006, transitada em julgado em 4/4/2006, foi condenado no processo sumário n.º 640/05.1GBCNT, do 1.º Jz deste Tribunal Judicial de Cantanhede, na pena de 7 meses de prisão substituída por 250 horas de PTFC, pelo crime de violação de proibições, praticado em 26/12/2005; e) Por sentença de 25/11/20044, transitada em julgado em 28/1/2005, foi condenado no processo abreviado n.º 96/04.6GAMIR, do Tribunal Judicial de Mira, na pena de 75 dias de multa a € 4,00 diários e proibição de conduzir por seis meses, pelo crime de condução em estado de embriaguez, praticado em 5/6/2004; f) Por sentença de 4/7/2006, transitada em julgado em 19/7/2006, foi condenado no processo comum singular n.º 44/06.9GTCBR, do Tribunal Judicial de Penacova, na pena de 9 meses de prisão suspensa por 18 meses e proibição de conduzir por oito meses, pelo crime de condução em estado de embriaguez, praticado em 8/2/2004; g) Por sentença de 19/7/2007, transitada em julgado em 3/9/2007, foi condenado no processo comum singular n.º 71/06.6GBCNT, do 1º Jz deste Tribunal Judicial de Cantanhede, na pena de 17 meses de prisão suspensa por 3 anos, pelos crimes de violação de proibições e desobediência qualificada, praticados em 8/2/2006.” Factos não provados: “ Não se provou que: A - Tenha sido o arguido a conduzir o veículo ligeiro de passageiros de matricula UU-UU-UU, no dia 15 de Dezembro de 2007, pelas 17H00, no local denominado Lontro – Camameira, área desta comarca; B) – O arguido tenha agido sempre livre e voluntariamente bem sabendo que a sua conduta era sancionada por lei como ilícito criminal. Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.”. Motivação de facto: “ O tribunal fundou a sua convicção quanto ao provado em 1): nas declarações da testemunha C..., militar da GNR que esteve no local depois do acidente em conjugação com o depoimento da testemunha B..., vítima do acidente; 2): no talão do alcoolímetro; 3): na conjugação do provado em 2 com as regras da experiência comum; 4): no certificado de registo criminal junto aos autos quanto aos seus antecedentes criminais. Foram absolutamente credíveis os depoimentos quer do militar da GNR quer da vítima do acidente. O primeiro declarou que “fomos alertados para um acidente nessa localidade (…) ao chegar lá era o condutor do veículo o senhor Celso (…)”. Tendo-lhe sido perguntado como tomou conhecimento de o arguido ser o condutor do veículo, sendo certo que reconhecidamente não assistiu ao acidente, respondeu “foi ele que informou”. Por sua vez a testemunha B... afirmou que nem sequer seria capaz de reconhecer o arguido ainda que o visse, foi embatida mas não conseguiu ver nada, nem matrícula nem condutor do veículo. Refere que “ele embateu e foi embora…seguiu(…)voltou passados vinte minutos ou mais(…)”. Também não sabe esclarecer em que circunstâncias o arguido foi fiscalizado pela GNR sabendo recordando apenas que o mesmo estava presente quando chegou a ambulância que veio a transportá-la. Desta forma, temos apenas a “confissão” do arguido ao militar autuante como prova de que seria o mesmo o condutor do veículo em causa nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas. Note-se que o arguido nem sequer é o proprietário do veículo UU-UU-UU (veja-se a participação do acidente de viação de fls. 18). Afigura-se porém que tal meio de prova é inatendível por se nos afigurar que as chamadas “conversas informais” dos arguidos com os agentes policiais não podem ser valorizadas em sede probatória. Já anteriormente se decidiu que estaríamos perante um depoimento indirecto que – no caso porque não susceptível de confirmação em virtude de o arguido ter faltado - não poderia servir como meio de prova (art.º 129.º, n.º 3 do CPP). Depois de melhor ponderada a questão propendemos agora para aceitar que não estamos perante um depoimento indirecto. Efectivamente, indirecto é o depoimento que resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas (art.º 129º, nº 1 do CPP) e, neste caso, o órgão de polícia criminal depõe sobre algo que ouviu ao arguido com os seus próprios ouvidos. Estamos antes perante a questão de saber se as que chamadas conversas informais do arguido com órgão de polícia criminal podem ser usadas como meio de prova. Propendemos para aceitar o entendimento de que o uso de conversas informais não documentadas e fora de qualquer controlo de traduziria verdadeiramente em fraude à lei. Os defensores da tese da admissibilidade argumentam não haver que falar em “declarações cuja leitura não é permitida”, nos termos do artº 356º, nº 7 do CPP, podendo os agentes ser inquiridos a não ser que se demonstre que deliberadamente optaram por aquele meio de prova como forma de fugir à proibição da leitura de declarações do arguido em julgamento. Afirma-se igualmente não estar demonstrado que o artº 129º do CPP proíbe o depoimento por ouvir dizer quando quem diz é o arguido. Finalmente, também se argumenta que os arguidos presentes em audiência podem tomar posição perante os depoimentos prestados pelos agentes contribuindo para minar a credibilidade desses depoimentos, já de si com reduzido relevo probatório (vide, entre outros, e em abono da tese da admissibilidade, RP, 24-11-1999, relator Marques Pereira; RC, 12-11-2003, relator Inácio Monteiro; RC, 10-12-2003, (sendo que neste se aprecia a questão mas há também uma testemunha que não é órgão de polícia criminal); RC, 30-11-2005 (sendo que neste se aprecia questão em que a testemunha não é órgão de polícia criminal), relator Jorge Dias; todos em www.dgsi.pt). Em sentido divergente já decidiu o STJ, 11-7-2001, CSTJ, III, 165, afirmando a sujeição ao princípio da legalidade das conversas informais a propósito de factos em averiguação. Neste sentido “o processo organizado na dependência do Ministério Público tem de obedecer aos ditames dos artigos 262.º a 267.º. Por isso, as ditas “conversas informais” só podem ter valor probatório se transpostas para o processo em forma de auto e com respeito pelas regras legais de recolha de prova (…) Não há conversas informais, com validade probatória, à margem do processo, sejam quais forem as formas que assumam, desde que não tenham assumido os procedimentos de recolha admitidos por lei e por ela sancionados”. No sentido desta corrente jurisprudencial se inserem os acórdãos da RC, 18-2-2004, relator Barreto do Carmo; RP, 7-3-2007, relator Isabel Pais Martins: “as chamadas conversas informais dos arguidos com os agentes policiais, antes de serem constituídos arguidos não podem ser valorizadas em sede probatória”; RP, 7-3-2007, relator Isabel Pais Martins: “o depoimento de agente policial que nada presenciou e apenas ouviu da boca do arguido, antes de ser constituído arguido, a “confissão” do facto não constitui meio de prova atendível; RE, 2-12-2003, relator Ribeiro Cardoso; RE, 13-1-2004, relator Manuel Nabais; RE, 2-3-2004, relator Sénio Alves; RG, 4-6-2007, relator Fernando Monterroso, todos em www.dgsi.pt). Por imperativo constitucional, o processo penal assegurará todas as garantias de defesa (art.º 32.º, nº 1 da CRP) o que engloba, como refere Gomes Canotilho (CRP anotada, 3ª edição, p. 202) “todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação”. Com efeito, do estatuto processual penal do arguido, como sujeito processual, resulta que apenas podem ser valorados contributos do arguido que resultem em desfavor da sua posição quando estamos em face de afirmações esclarecidas e livres e quando o arguido persiste, por força da sua liberdade e responsabilidade, decidindo sobre se e como quer pronunciar-se. Tal principio encontra consagração numa série de disposições processuais penais, designadamente no disposto no art.° 356° n.° 7 do CPP, que proíbe a inquirição de órgãos de polícia criminal sobre o conteúdo de declarações que o arguido lhes tenha prestado e no art.° 357°do CPP, que apenas permite a leitura de declarações do arguido a sua solicitação e nos casos em que elas tenham sido prestadas perante o juiz e haja discrepância entre estas e as declarações prestadas em audiência. Encontra ainda afloramento no disposto nos artºs 58°, n.° 2, 141° n.° 4, 343°, n.° 1, que impõe o dever esclarecimento e advertência arguido dos direitos decorrentes daquele principio, designadamente do direito ao silencio (art. 61° n. 1 al. d) do CPP) e no art.° 344° do CPP, que regula a confissão do arguido (neste sentido, vide Costa Andrade, “Sobre as proibições de prova em processo penal, Coimbra editora,1992). Das supra referidas normas decorre, pois, que sendo proibida a inquirição dos órgãos de polícia criminal sobre o conteúdo das declarações prestadas pelo arguido e reduzidas a auto, por maioria de razão é proibida a sua inquirição sobre conteúdo de declarações do arguido e não reduzidas a auto. Como se lê no acórdão da RE, de 2-3-2004, já citado, “entendimento contrário conduziria a perversão do sistema: para permitir que as declarações do arguido, tomadas no momento da sua detenção, pudessem ser valoradas em audiência, ainda que aí ele se remetesse ao silêncio, bastaria aos órgãos de polícia criminal não as reduzir a auto, mantendo-as nesse nevoeiro perigoso que são as “conversas informais”; ou melhor ainda, bastar-lhes-ia colocar colocar um determinado agente a ouvir – em declarações formais – o arguido e outro a ouvi-lo “informalmente(…) Desta forma estaria encontrada a forma, através do engenho tipicamente lusitano, de permitir aquilo que o legislador quis proibir (…) Apesar de acreditarmos – sinceramente – na lisura dos procedimentos dos órgãos de polícia criminal, não podemos aceitar um entendimento desta questão que, no extremo, permita a apontada perversão do sistema pretendido pelo legislador. Como afirma Carlos Adérito Teixeira (Revista do CEJ, 1º semestre 2005, nº 2) “sendo o arguido a pessoa-fonte, a sua intervenção não reúne condições para responder aos escopos subjacentes à norma em apreço: o arguido pode, em diversos casos, ser julgado na ausência, mesmo que esteja presente ou compareça, não tem o dever de prestar declarações; mesmo que preste, não tem o dever de falar verdade nem consequências para a falsidade de declarações” pelo que, conclui, em matéria do testemunho de ouvir-dizer ao arguido rege o disposto nos art.ºs 125.º e 127.º do CPP”. No caso vertente, há ainda a sublinhar que, ainda que assim não fosse, uma vez que o Ministério Público não validou a constituição de arguido feita pelo órgão de polícia criminal, tal sempre implicaria que aquela sua “confissão” nunca poderia ser utilizada como meio de prova, por força do disposto no art.º 58.º, n.º 5 do CPP. Assim, afigura-se que não pode ser valorizado em sede probatória o que a testemunha C... ouviu ao arguido e, com estes fundamentos, se consideraram não provados os factos supra elencados. Ainda que assim não fosse, aquele depoimento, sendo que o agente mereceu inteira credibilidade, não restando por isso qualquer dúvida ao tribunal de que foi efectivamente o arguido (apesar de indocumentado o agente conhece-o por já o ter detido em duas ocasiões) a pessoa fiscalizada e que o mesmo efectivamente declarou ao agente inquirido que conduzia o veículo em causa, aquele depoimento, dizia-se, não seria por si só suficiente para estabelecer a convicção do tribunal no sentido de se provar que era efectivamente o arguido o condutor do veículo. Com efeito, quem provocou o acidente ausentou-se do local pelo menos por vinte minutos, como declarou a testemunha B..., sendo que a mesma nem sequer sabe esclarecer se a pessoa que não saberia reconhecer e que perante ela se apresentou como condutor foi – ou não – a mesma pessoa que veio a ser fiscalizada e identificada como condutor pelo agente autuante e inquirido. A dúvida assim estabelecida sempre levaria a considerar aqueles factos como não provados”. * Conhecendo: O âmbito dos recursos é determinado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. Refere a este propósito o Prof. Germano Marques da Silva Curso de Processo Penal, III, 2ª ed., pág. 350. “ As conclusões da motivação são extraordinariamente importantes, exigindo muito cuidado. Para além da rejeição do recurso quando faltarem as conclusões de direito e as especificações sobre a matéria de facto (Artº 412º, nºs 2 e 3), são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso.”. Assim da sua análise resulta que a divergência do recorrente se situa ao nível da matéria de facto, por entender que o depoimento prestado pela testemunha C..., militar da GNR, deve ser valorado porquanto, na sua perspectiva não se trata de depoimento indirecto. Pois bem da audição do depoimento da referida testemunha resulta que esta apenas refere que era o arguido o condutor do veículo interveniente no acidente, para o qual foi pedida a intervenção da GNR, porque “ foi o arguido que informou que era o condutor do veículo”. Aqui, ao referir-se arguido quer-se dizer a pessoa que posteriormente veio a ser constituído arguido. Ou seja, declarações da pessoa que na altura era apenas interveniente em acidente estradal. Como se verifica da participação do acidente –fls. 18 e 19, a descrição do mesmo aí efectuada resulta das “declarações prestadas pelo condutor e pelo peão”, sendo esse condutor que em resultado dos factos que vieram a apurar-se veio a ser constituído arguido. Esta matéria vem sendo reapreciada com frequência a nível do STJ, e nem sempre com posições coincidentes. Como resulta da motivação supra transcrita, o depoimento prestado em audiência pelo agente da autoridade resultou, acerca da identidade do condutor, do que ouviu ao interveniente em acidente de viação, (A...), sendo certo que posteriormente veio a ser constituído arguido nos autos. Na altura apenas tentavam investigar quem era o condutor dum veículo que teve intervenção em acidente de viação. Esta parece-nos que será a abordagem normal dos agentes da autoridade quando se querem inteirar da identidade de um condutor de um veículo que interveio em acidente. Perante a pergunta acerca de quem era condutor de tal veículo é natural que esse mesmo condutor diga que era ele. Isto impede de posteriormente e face a tal condutor vir a ser considerado arguido, que o agente da autoridade não o possa referir em audiência? A resposta só pode ser negativa. Estão em causa as chamadas “conversas informais”, “depoimento indirecto”. Uma testemunha - agente da Polícia Judiciária - que em audiência de julgamento depõe relatando o que lhe foi transmitido pelo arguido, não profere um depoimento indirecto, antes sendo algo que aquele ouviu directamente da sua boca, de viva voz.
A jurisprudência vem considerando irrelevantes as provas extraídas de “conversas informais” mantidas entre os agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe. “Pretenderá, assim, a lei impedir, com a proibição destas “conversas”, que se frustre o direito do arguido ao silêncio, silêncio esse que seria “colmatado” ilegitimamente através da “confissão por ouvir dizer” relatada pelas testemunhas” –cfr. ACSTJ de 15-02-2007. Mas o mesmo Ac. acrescenta: “Pressuposto desse direito ao silêncio é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido: a partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente. IV - De forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter notícia: compete-lhe praticar “os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime” (art. 249.º do CPP). V - Esta é uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto; as informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo. VI - Completamente diferente é o que se passa com as ditas “conversas informais” ocorridas já durante o inquérito, quando já há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a “confissão” informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os actos a realizar no inquérito. VII - O que o art. 129.º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 249.º do CPP”. Assim, essa prova deveria ter sido valorada para a fundamentação da matéria de facto, devendo o Tribunal considerá-la como prova válida para determinar da autoria dos factos. É prova válida e atendível. O conhecimento dos agentes da autoridade não foi obtido em cumprimento de determinações judiciais ou judiciárias, mas antes na missão policial que lhes competia efectuar. Entendemos pois, que, in casu, deve ser valorado o depoimento dos agentes da autoridade. Dispõe o artº 128º, nº 1 CPP, que a testemunha é inquirida "sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova". Por sua vez o artº 129º nº 1 CPP, estabelece que: "Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas". Mas existe igualmente erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis, como sucede quando o tribunal se afasta infundadamente do juízo dos peritos.” Referir-se na fundamentação que “foram absolutamente credíveis os depoimentos quer do militar da GNR quer da vítima do acidente”, só não se valorando o depoimento deste militar por o “condutor do veiculo o senhor Celso” que posteriormente veio a ser constituído arguido ter informado que ele era o condutor. Não se atendendo à prova produzida (somente por se considerar prova não válida) e tendo-se o depoimento da testemunha como “absolutamente credível”, existe contradição. Este vício verifica-se, ao não serem trazidos à audiência de julgamento (voluntária ou coactivamente) quer o arguido, quer o proprietário do veículo, que terão conhecimento directo e indirecto de factos relevantes. |