Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
601/07.6GBCNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: PROVA
DEPOIMENTO INDIRECTO
CONVERSAS INFORMAIS
Data do Acordão: 07/09/2008
Votação: MAIORIA
Tribunal Recurso: COMARCA DE CANTANHEDE – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 55º,2,129º,356º E 357º DO CPP
Sumário: Deve ser valorado em audiência de julgamento o depoimento de um agente da autoridade que ,no exercício das suas funções, ao tomar conta de uma ocorrência, foi informado por um interveniente em acidente de viação, que era ele o condutor.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:
RELATÓRIO
Em processo sumário do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Cantanhede, por sentença de 08.01.18, foi decidido, absolver o arguidoA…, da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo artº 292º nº 1 CP.
Inconformado com tal decisão, o Ministério Público interpôs recurso, em cuja motivação produziu as seguintes conclusões:
“ a) A testemunha ao referir no seu depoimento aquilo que o arguido lhe disse limitou-se a agir dentro das suas competências, no sentido de descobrir o agente do crime.
b) Está-se assim face a um depoimento que deve ser valorado e não perante um depoimento inatendível.
c) Ao não ter valorado tal depoimento o Sr Juiz fez uma interpretação errada do disposto nos artigos 55, n0 2 e 129 do Código de Processo Penal.
d) Assim deve dar-se como provado que era o arguido que conduzia o veiculo e condenar-se o mesmo pelo crime que lhe é imputado, revogando-se a douta sentença.”
O arguido respondeu à motivação, concluindo que o recurso deve ser julgado improcedente.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto, emitiu douto parecer, aderindo à argumentação do recorrente.
Não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos, e realizada a conferência, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO
A matéria fáctica considerada provada na sentença recorrida foi a seguinte: “1. No dia 15 de Dezembro de 2007, pelas 17H00, indivíduo que não foi possível identificar conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matricula UU-UU-UU, no local denominado Lontro – Camameira, área desta comarca, tendo sido interveniente num acidente de viação.
2. O arguido foi fiscalizado pelos elementos da GNR e apresentou o mesmo uma taxa de alcoolemia no sangue de 2,82 g/1.
3. O arguido bem sabia que se encontrava sob a influência do álcool.
4. O arguido praticou os seguintes crimes e sofreu as seguintes condenações:
a) Por sentença de 25/11/2004, transitada em julgado em 28/1/2005, foi condenado no processo abreviado n.º 96/04.6GAMIR, do Tribunal Judicial de Mira, na pena de 75 dias de multa a € 4,00 diários e proibição de conduzir por seis meses, pelo crime de condução em estado de embriaguez, praticado em 5/6/2004;
b) Por sentença de 9/3/2005, transitada em julgado em 12/4/2005, foi condenado no processo comum singular n.º 345/03.8GBCNT, do 1.º Jz deste Tribunal Judicial de Cantanhede, na pena de 170 dias de multa a € 4,00 diários e proibição de conduzir por cinco meses, pelos crimes de condução em estado de embriaguez e desobediência, praticado em 12/7/2003;
c) Por sentença de 28/2/2005, transitada em julgado em 16/3/2005, foi condenado no processo comum singular n.º 98/04.2GBCNT, do 2.º JZ deste Tribunal Judicial de Cantanhede, € 225,000 de multa, pelo crime de condução em estado de embriaguez, praticado em 25/1/2004;
d) Por sentença de 17/3/2006, transitada em julgado em 4/4/2006, foi condenado no processo sumário n.º 640/05.1GBCNT, do 1.º Jz deste Tribunal Judicial de Cantanhede, na pena de 7 meses de prisão substituída por 250 horas de PTFC, pelo crime de violação de proibições, praticado em 26/12/2005;
e) Por sentença de 25/11/20044, transitada em julgado em 28/1/2005, foi condenado no processo abreviado n.º 96/04.6GAMIR, do Tribunal Judicial de Mira, na pena de 75 dias de multa a € 4,00 diários e proibição de conduzir por seis meses, pelo crime de condução em estado de embriaguez, praticado em 5/6/2004;
f) Por sentença de 4/7/2006, transitada em julgado em 19/7/2006, foi condenado no processo comum singular n.º 44/06.9GTCBR, do Tribunal Judicial de Penacova, na pena de 9 meses de prisão suspensa por 18 meses e proibição de conduzir por oito meses, pelo crime de condução em estado de embriaguez, praticado em 8/2/2004;
g) Por sentença de 19/7/2007, transitada em julgado em 3/9/2007, foi condenado no processo comum singular n.º 71/06.6GBCNT, do 1º Jz deste Tribunal Judicial de Cantanhede, na pena de 17 meses de prisão suspensa por 3 anos, pelos crimes de violação de proibições e desobediência qualificada, praticados em 8/2/2006.”
Factos não provados:
“ Não se provou que:
A - Tenha sido o arguido a conduzir o veículo ligeiro de passageiros de matricula UU-UU-UU, no dia 15 de Dezembro de 2007, pelas 17H00, no local denominado Lontro – Camameira, área desta comarca;
B) – O arguido tenha agido sempre livre e voluntariamente bem sabendo que a sua conduta era sancionada por lei como ilícito criminal.
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.”.
Motivação de facto:
“ O tribunal fundou a sua convicção quanto ao provado em 1): nas declarações da testemunha C..., militar da GNR que esteve no local depois do acidente em conjugação com o depoimento da testemunha B..., vítima do acidente; 2): no talão do alcoolímetro; 3): na conjugação do provado em 2 com as regras da experiência comum; 4): no certificado de registo criminal junto aos autos quanto aos seus antecedentes criminais.
Foram absolutamente credíveis os depoimentos quer do militar da GNR quer da vítima do acidente. O primeiro declarou que “fomos alertados para um acidente nessa localidade (…) ao chegar lá era o condutor do veículo o senhor Celso (…)”. Tendo-lhe sido perguntado como tomou conhecimento de o arguido ser o condutor do veículo, sendo certo que reconhecidamente não assistiu ao acidente, respondeu “foi ele que informou”.
Por sua vez a testemunha B... afirmou que nem sequer seria capaz de reconhecer o arguido ainda que o visse, foi embatida mas não conseguiu ver nada, nem matrícula nem condutor do veículo. Refere que “ele embateu e foi embora…seguiu(…)voltou passados vinte minutos ou mais(…)”. Também não sabe esclarecer em que circunstâncias o arguido foi fiscalizado pela GNR sabendo recordando apenas que o mesmo estava presente quando chegou a ambulância que veio a transportá-la.
Desta forma, temos apenas a “confissão” do arguido ao militar autuante como prova de que seria o mesmo o condutor do veículo em causa nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas. Note-se que o arguido nem sequer é o proprietário do veículo UU-UU-UU (veja-se a participação do acidente de viação de fls. 18).
Afigura-se porém que tal meio de prova é inatendível por se nos afigurar que as chamadas “conversas informais” dos arguidos com os agentes policiais não podem ser valorizadas em sede probatória.
Já anteriormente se decidiu que estaríamos perante um depoimento indirecto que – no caso porque não susceptível de confirmação em virtude de o arguido ter faltado - não poderia servir como meio de prova (art.º 129.º, n.º 3 do CPP).
Depois de melhor ponderada a questão propendemos agora para aceitar que não estamos perante um depoimento indirecto. Efectivamente, indirecto é o depoimento que resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas (art.º 129º, nº 1 do CPP) e, neste caso, o órgão de polícia criminal depõe sobre algo que ouviu ao arguido com os seus próprios ouvidos.
Estamos antes perante a questão de saber se as que chamadas conversas informais do arguido com órgão de polícia criminal podem ser usadas como meio de prova.
Propendemos para aceitar o entendimento de que o uso de conversas informais não documentadas e fora de qualquer controlo de traduziria verdadeiramente em fraude à lei.
Os defensores da tese da admissibilidade argumentam não haver que falar em “declarações cuja leitura não é permitida”, nos termos do artº 356º, nº 7 do CPP, podendo os agentes ser inquiridos a não ser que se demonstre que deliberadamente optaram por aquele meio de prova como forma de fugir à proibição da leitura de declarações do arguido em julgamento. Afirma-se igualmente não estar demonstrado que o artº 129º do CPP proíbe o depoimento por ouvir dizer quando quem diz é o arguido. Finalmente, também se argumenta que os arguidos presentes em audiência podem tomar posição perante os depoimentos prestados pelos agentes contribuindo para minar a credibilidade desses depoimentos, já de si com reduzido relevo probatório (vide, entre outros, e em abono da tese da admissibilidade, RP, 24-11-1999, relator Marques Pereira; RC, 12-11-2003, relator Inácio Monteiro; RC, 10-12-2003, (sendo que neste se aprecia a questão mas há também uma testemunha que não é órgão de polícia criminal); RC, 30-11-2005 (sendo que neste se aprecia questão em que a testemunha não é órgão de polícia criminal), relator Jorge Dias; todos em www.dgsi.pt).
Em sentido divergente já decidiu o STJ, 11-7-2001, CSTJ, III, 165, afirmando a sujeição ao princípio da legalidade das conversas informais a propósito de factos em averiguação. Neste sentido “o processo organizado na dependência do Ministério Público tem de obedecer aos ditames dos artigos 262.º a 267.º. Por isso, as ditas “conversas informais” só podem ter valor probatório se transpostas para o processo em forma de auto e com respeito pelas regras legais de recolha de prova (…) Não há conversas informais, com validade probatória, à margem do processo, sejam quais forem as formas que assumam, desde que não tenham assumido os procedimentos de recolha admitidos por lei e por ela sancionados”. No sentido desta corrente jurisprudencial se inserem os acórdãos da RC, 18-2-2004, relator Barreto do Carmo; RP, 7-3-2007, relator Isabel Pais Martins: “as chamadas conversas informais dos arguidos com os agentes policiais, antes de serem constituídos arguidos não podem ser valorizadas em sede probatória”; RP, 7-3-2007, relator Isabel Pais Martins: “o depoimento de agente policial que nada presenciou e apenas ouviu da boca do arguido, antes de ser constituído arguido, a “confissão” do facto não constitui meio de prova atendível; RE, 2-12-2003, relator Ribeiro Cardoso; RE, 13-1-2004, relator Manuel Nabais; RE, 2-3-2004, relator Sénio Alves; RG, 4-6-2007, relator Fernando Monterroso, todos em www.dgsi.pt).
Por imperativo constitucional, o processo penal assegurará todas as garantias de defesa (art.º 32.º, nº 1 da CRP) o que engloba, como refere Gomes Canotilho (CRP anotada, 3ª edição, p. 202) “todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação”.
Com efeito, do estatuto processual penal do arguido, como sujeito processual, resulta que apenas podem ser valorados contributos do arguido que resultem em desfavor da sua posição quando estamos em face de afirmações esclarecidas e livres e quando o arguido persiste, por força da sua liberdade e responsabilidade, decidindo sobre se e como quer pronunciar-se.
Tal principio encontra consagração numa série de disposições processuais penais, designadamente no disposto no art.° 356° n.° 7 do CPP, que proíbe a inquirição de órgãos de polícia criminal sobre o conteúdo de declarações que o arguido lhes tenha prestado e no art.° 357°do CPP, que apenas permite a leitura de declarações do arguido a sua solicitação e nos casos em que elas tenham sido prestadas perante o juiz e haja discrepância entre estas e as declarações prestadas em audiência. Encontra ainda afloramento no disposto nos artºs 58°, n.° 2, 141° n.° 4, 343°, n.° 1, que impõe o dever esclarecimento e advertência arguido dos direitos decorrentes daquele principio, designadamente do direito ao silencio (art. 61° n. 1 al. d) do CPP) e no art.° 344° do CPP, que regula a confissão do arguido (neste sentido, vide Costa Andrade, “Sobre as proibições de prova em processo penal, Coimbra editora,1992).
Das supra referidas normas decorre, pois, que sendo proibida a inquirição dos órgãos de polícia criminal sobre o conteúdo das declarações prestadas pelo arguido e reduzidas a auto, por maioria de razão é proibida a sua inquirição sobre conteúdo de declarações do arguido e não reduzidas a auto. Como se lê no acórdão da RE, de 2-3-2004, já citado, “entendimento contrário conduziria a perversão do sistema: para permitir que as declarações do arguido, tomadas no momento da sua detenção, pudessem ser valoradas em audiência, ainda que aí ele se remetesse ao silêncio, bastaria aos órgãos de polícia criminal não as reduzir a auto, mantendo-as nesse nevoeiro perigoso que são as “conversas informais”; ou melhor ainda, bastar-lhes-ia colocar colocar um determinado agente a ouvir – em declarações formais – o arguido e outro a ouvi-lo “informalmente(…) Desta forma estaria encontrada a forma, através do engenho tipicamente lusitano, de permitir aquilo que o legislador quis proibir (…) Apesar de acreditarmos – sinceramente – na lisura dos procedimentos dos órgãos de polícia criminal, não podemos aceitar um entendimento desta questão que, no extremo, permita a apontada perversão do sistema pretendido pelo legislador.
Como afirma Carlos Adérito Teixeira (Revista do CEJ, 1º semestre 2005, nº 2) “sendo o arguido a pessoa-fonte, a sua intervenção não reúne condições para responder aos escopos subjacentes à norma em apreço: o arguido pode, em diversos casos, ser julgado na ausência, mesmo que esteja presente ou compareça, não tem o dever de prestar declarações; mesmo que preste, não tem o dever de falar verdade nem consequências para a falsidade de declarações” pelo que, conclui, em matéria do testemunho de ouvir-dizer ao arguido rege o disposto nos art.ºs 125.º e 127.º do CPP”.
No caso vertente, há ainda a sublinhar que, ainda que assim não fosse, uma vez que o Ministério Público não validou a constituição de arguido feita pelo órgão de polícia criminal, tal sempre implicaria que aquela sua “confissão” nunca poderia ser utilizada como meio de prova, por força do disposto no art.º 58.º, n.º 5 do CPP.
Assim, afigura-se que não pode ser valorizado em sede probatória o que a testemunha C... ouviu ao arguido e, com estes fundamentos, se consideraram não provados os factos supra elencados.
Ainda que assim não fosse, aquele depoimento, sendo que o agente mereceu inteira credibilidade, não restando por isso qualquer dúvida ao tribunal de que foi efectivamente o arguido (apesar de indocumentado o agente conhece-o por já o ter detido em duas ocasiões) a pessoa fiscalizada e que o mesmo efectivamente declarou ao agente inquirido que conduzia o veículo em causa, aquele depoimento, dizia-se, não seria por si só suficiente para estabelecer a convicção do tribunal no sentido de se provar que era efectivamente o arguido o condutor do veículo. Com efeito, quem provocou o acidente ausentou-se do local pelo menos por vinte minutos, como declarou a testemunha B..., sendo que a mesma nem sequer sabe esclarecer se a pessoa que não saberia reconhecer e que perante ela se apresentou como condutor foi – ou não – a mesma pessoa que veio a ser fiscalizada e identificada como condutor pelo agente autuante e inquirido. A dúvida assim estabelecida sempre levaria a considerar aqueles factos como não provados”.
*

Conhecendo:
O âmbito dos recursos é determinado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação.
Refere a este propósito o Prof. Germano Marques da Silva Curso de Processo Penal, III, 2ª ed., pág. 350. “ As conclusões da motivação são extraordinariamente importantes, exigindo muito cuidado. Para além da rejeição do recurso quando faltarem as conclusões de direito e as especificações sobre a matéria de facto (Artº 412º, nºs 2 e 3), são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso.”.
Assim da sua análise resulta que a divergência do recorrente se situa ao nível da matéria de facto, por entender que o depoimento prestado pela testemunha C..., militar da GNR, deve ser valorado porquanto, na sua perspectiva não se trata de depoimento indirecto.
Pois bem da audição do depoimento da referida testemunha resulta que esta apenas refere que era o arguido o condutor do veículo interveniente no acidente, para o qual foi pedida a intervenção da GNR, porque “ foi o arguido que informou que era o condutor do veículo”.
Aqui, ao referir-se arguido quer-se dizer a pessoa que posteriormente veio a ser constituído arguido.
Ou seja, declarações da pessoa que na altura era apenas interveniente em acidente estradal. Como se verifica da participação do acidente –fls. 18 e 19, a descrição do mesmo aí efectuada resulta das “declarações prestadas pelo condutor e pelo peão”, sendo esse condutor que em resultado dos factos que vieram a apurar-se veio a ser constituído arguido.
Esta matéria vem sendo reapreciada com frequência a nível do STJ, e nem sempre com posições coincidentes.

Como resulta da motivação supra transcrita, o depoimento prestado em audiência pelo agente da autoridade resultou, acerca da identidade do condutor, do que ouviu ao interveniente em acidente de viação, (A...), sendo certo que posteriormente veio a ser constituído arguido nos autos.

Na altura apenas tentavam investigar quem era o condutor dum veículo que teve intervenção em acidente de viação.

Esta parece-nos que será a abordagem normal dos agentes da autoridade quando se querem inteirar da identidade de um condutor de um veículo que interveio em acidente. Perante a pergunta acerca de quem era condutor de tal veículo é natural que esse mesmo condutor diga que era ele.

Isto impede de posteriormente e face a tal condutor vir a ser considerado arguido, que o agente da autoridade não o possa referir em audiência? A resposta só pode ser negativa.

Estão em causa as chamadas “conversas informais”, “depoimento indirecto”.

Uma testemunha - agente da Polícia Judiciária - que em audiência de julgamento depõe relatando o que lhe foi transmitido pelo arguido, não profere um depoimento indirecto, antes sendo algo que aquele ouviu directamente da sua boca, de viva voz.
E um tal depoimento constitui prova que é legalmente admissível, sendo valorado dentro da livre apreciação pelo Tribunal, nos termos do artº 127º CPP.
Trata-se de um meio legal de obtenção de prova.
Refere o art. 356 nº 7 do Cód. Proc. Penal que os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, ou quaisquer pessoas que, a qualquer titulo, tenham participado na sua recolha, não podem ser inquiridas sobre o conteúdo daquelas.
Porém, já assim não é quando os agentes da autoridade obtêm conhecimento dos factos por modo diferente das declarações do arguido reduzidas a auto.
O Ac. STJ, de 11-12-96, in BMJ 462-299, considerou, como consta do sumário "II- Os agentes da Polícia Judiciária não ficam impedidos de depor sobre factos de que tiveram conhecimento directo por meios diferentes das declarações do arguido no decurso do processo. III- Os agentes da Polícia Judiciária que procederam à reconstituição do crime podem depor como testemunhas sobre o que se terá passado nessa reconstituição, por esta situação não estar abrangida pelo nº 7 do art. 356 do Código de Processo Penal."
Podem as testemunhas, órgãos de polícia criminal, depor sobre factos de que possuam conhecimento directo obtido por meios diferentes das declarações que receberam do arguido no decurso do processo- Cfr. Ac. do STJ, de 24-02-93, citado.
- Os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre os factos de que tenham conhecimento directo por meio diverso das declarações ou depoimentos reduzidos a auto, designadamente sobre o relato de conversas informais que tenham tido com o arguido. Proc. n.º 201/99 - 3.ª Secção, decidiu ACSTJ de 13-05-1999.
A prova apresentada pelo órgão de polícia criminal foi recolhida antes de haver processo e de o “futuro” arguido ser sequer suspeito.
A jurisprudência vem considerando irrelevantes as provas extraídas de “conversas informais” mantidas entre os agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe. “Pretenderá, assim, a lei impedir, com a proibição destas “conversas”, que se frustre o direito do arguido ao silêncio, silêncio esse que seria “colmatado” ilegitimamente através da “confissão por ouvir dizer” relatada pelas testemunhas” –cfr. ACSTJ de 15-02-2007.
Mas o mesmo Ac. acrescenta:
“Pressuposto desse direito ao silêncio é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido: a partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente.
IV - De forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter notícia: compete-lhe praticar “os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime” (art. 249.º do CPP).
V - Esta é uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto; as informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo.
VI - Completamente diferente é o que se passa com as ditas “conversas informais” ocorridas já durante o inquérito, quando já há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a “confissão” informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os actos a realizar no inquérito.
VII - O que o art. 129.º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 249.º do CPP”.
Assim, essa prova deveria ter sido valorada para a fundamentação da matéria de facto, devendo o Tribunal considerá-la como prova válida para determinar da autoria dos factos. É prova válida e atendível.
O conhecimento dos agentes da autoridade não foi obtido em cumprimento de determinações judiciais ou judiciárias, mas antes na missão policial que lhes competia efectuar.
Entendemos pois, que, in casu, deve ser valorado o depoimento dos agentes da autoridade.

Dispõe o artº 128º, nº 1 CPP, que a testemunha é inquirida "sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova".

Por sua vez o artº 129º nº 1 CPP, estabelece que: "Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas".
Os nºs 2 e 3 deste artigo não estão aqui em causa, uma vez que o depoimento não resulta da leitura de qualquer documento, nem há recusa ou impossibilidade de indicar a pessoa ou a fonte através da qual se tomou conhecimento dos factos.
E, neste caso deveria ter-se insistido no sentido de fazer vir o arguido a tribunal.
Da acta de fls. 40 parece resultar que a fuga compensa, pois que andando a patrulha da GNR a diligenciar no sentido da detenção do arguido para vir depor em Tribunal, refere-se que na localidade de Covões, “a patrulha avistou o arguido, mas que o mesmo pôs-se em fuga a pé para parte incerta”.
Com efeito o que se pretende através da proibição do depoimento indirecto é que o tribunal não acolha como prova um depoimento que se limita a reproduzir o que se ouvir dizer a outra pessoa (Artº 129º nº 1 CPP).
Para que seja valorado, exige-se a confirmação, com a consequente audição das pessoas de quem se ouviu dizer.
Como referem Simas Santos e Leal Henriques “ Esta confirmação tem em vista a própria validade e eficácia do depoimento, pois o mérito de uma qualquer testemunha tem muito a ver com a razão de ciência da própria testemunha.
Por isso, o depoimento “ por ouvir dizer” só após confirmação será eficaz como meio de prova”.
Exceptuam-se os casos de a inquirição das pessoas indicadas não ser possível, por morte, anomalia psíquica superveniente, ou impossibilidade de serem encontradas.
Não é prova proibida e, como qualquer outra, deve ser apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal –art. 127 do CPP.
O art. 129 do CPP admite o testemunho de ouvir dizer, somente impõe que as pessoas referenciadas no depoimento, sejam chamadas a depor (ressalvando as excepções aí previstas e já referidas). In casu ou o arguido era chamado, ou incluía-se na resslava.
Assim, como salienta o Ac. do T.C. nº 440/99 de 8-7, aqueles depoimentos de ouvir dizer devem ser valorados como meio de prova, “desde logo, porque não há diferença substancial entre a situação do arguido que não pode ser encontrado e a daquele que, chamado à audiência, invoca o seu direito ao silêncio para não depor”.
Nesse Ac. se tirou a seguinte conclusão:” Há, assim, que concluir que o artigo 129, n° 1 (conjugado com o artigo 128, n° 1) do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos indirectos de testemunhas, que relatem conversas tidas com um co-arguido que, chamado a depor, se recusa a fazê-lo no exercício do seu direito ao silêncio, não atinge, de forma intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva, o direito de defesa do arguido”.
Também o STJ tem aceite tais depoimentos de ouvir dizer, valorando-os como meio de prova, nomeadamente no Ac. de 30-09-1998, in BMJ 479-414, aí se têm como válidas as declarações da queixosa/demandante civil sobre matéria que lhe foi oralmente transmitida pelo arguido, o qual se negou a prestar declarações em audiência de julgamento.
“Não estamos, contudo, perante depoimento indirecto proibido. A queixosa/demandante civil prestou declarações dizendo o que ouviu directamente da boca do arguido e fê-lo na presença deste, que estava assistido pelo respectivo defensor”.
“Por conseguinte, a posição assumida in casu pelo arguido –no uso de direito que não se põe em causa - de optar pelo silêncio-, de forma alguma pode obstar à admissão e valoração das declarações da queixosa/demandante civil”.
Isto para salvaguardar a eventual situação de o arguido estar presente em audiência e se remeter ao silêncio.
Mas, também entendemos não se tratar de depoimento indirecto, ou prova indirecta pura.
Entendendo-se ser de valorar aquela prova, e não o sendo, verifica-se a existência dos vícios de erro notório na apreciação da prova, bem como de contradição (410º nº 2 b) e c) CPP.
Como referem Simas Santos e Leal Henriques Código de Processo Penal Anotado, II Vol., pág 740. “ Verifica-se erro notório quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida.

Mas existe igualmente erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis, como sucede quando o tribunal se afasta infundadamente do juízo dos peritos.”
Por outro lado o vício tem de resultar do próprio texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo assim portanto permitida a consulta a outros elementos constantes do processo.
Quer dizer, que o erro notório tem apenas de resultar da própria sentença e não de factos que não se encontram aí vertidos.

Referir-se na fundamentação que “foram absolutamente credíveis os depoimentos quer do militar da GNR quer da vítima do acidente”, só não se valorando o depoimento deste militar por o “condutor do veiculo o senhor Celso” que posteriormente veio a ser constituído arguido ter informado que ele era o condutor.

Não se atendendo à prova produzida (somente por se considerar prova não válida) e tendo-se o depoimento da testemunha como “absolutamente credível”, existe contradição.
Seguindo o Ac. do STJ de 12-10-1999, in BMJ 476-91 e no mesmo sentido o Ac. do STJ de 13-10-1999, in Col. Jurisp. tomo III, pág. 186, “existe este vício, conforme entendimento generalizado, quando de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre os factos provados, entre os factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do tribunal”.
Ao não admitir e valorar tal prova, verifica-se a existência dos vícios do erro notório na apreciação da prova, bem como da contradição.
Vícios cuja verificação é de conhecimento oficioso quando da apreciação do recurso.
Por outro lado, e face ao entendimento supra indicado, também se verifica o vicio da insuficiência para a decisão da matéria de facto.
Mesmo com o entendimento expresso na sentença recorrida (de não valoração daquela prova), deveria diligenciar-se, mesmo oficiosamente, com vista à descoberta da verdade e à boa decisão da causa –art. 340 do CPP.
O arguido, como já supra se referiu, deveria ter sido ouvido e depois, mesmo que optasse pelo silêncio deveria concluir-se como também já ficou dito.
Não deve deixar-se transparecer que a fuga à justiça pode ser benéfica para o arguido.
Refere-se na fundamentação da sentença, “note-se que o arguido nem sequer é o proprietário do veículo”, o que se retirou do auto de participação do acidente, fls. 18.
Assim sendo porque não se ouviu este proprietário (pelo menos no registo) e muito ele poderia esclarecer.
Um veículo automóvel necessita de condutor. Alguém o conduzia na altura em que ocorreu o acidente.
Em princípio um proprietário sabe quem exerce a condução do seu veículo em determinado momento, admite-se a excepção do furto, mas para isso teria de haver participação.
Assim, temos que a actuação a seguir pelo tribunal, em ordem a apreciar a verdade dos factos e a boa decisão da causa, seria chamar, oficiosamente, a depor, mesmo sob custódia, o arguido e também o proprietário do carro, ao abrigo do disposto no artº 340º CPP.
E, face ao que se apurasse se decidiria, tendo em conta a livre apreciação da prova, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador –art. 127 do CPP.
É pois manifesta a falta de elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição, o que integra o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto (artº 410º nº 2 a) CPP).
Sem se decidir sem mais que “a dúvida assim estabelecida sempre levaria a considerar aqueles factos como não provados”.
Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada existe quando há lacuna no apuramento da matéria de facto, necessária para a decisão de direito;
- Lacuna ao não se apurar o que é evidente que se podia apurar;
- O tribunal não investiga a totalidade da matéria de facto, podendo fazê­-lo;
Esta insuficiência manifesta-se, pelo menos tendo em conta as regras da experiência, a levar em conta na formação da convicção.
Como se refere no Ac. do STJ in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 6º, Fasc. 4, pág. 557, "se se verificar que o Tribunal investigou o que devia investigar e fixou -dentro dessas possibilidades de investigação- matéria de facto suficiente para a decisão de direito, tal vício não existirá. Apenas existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria de facto relevante, de tal forma que tal matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz".

Este vício verifica-se, ao não serem trazidos à audiência de julgamento (voluntária ou coactivamente) quer o arguido, quer o proprietário do veículo, que terão conhecimento directo e indirecto de factos relevantes.
Porque assim não procedeu o Mmº juiz, a sentença ficou a padecer do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artº 410º nº 2 a) CPP).
A verificação destes vícios, determina o reenvio do processo para novo julgamento, relativo à totalidade do processo, nos termos dos artigos 426º e 426º-A, do referido Código.
Considerando aquela prova válida, como consideramos, ficamos perante um raciocínio incoerente a traduzir um critério afastado da experiência comum.
Pelo que a prova produzida impunha que se tivesse dado como provado que o arguido era o condutor do veículo automóvel na altura em que se deu o acidente.
Podendo eventualmente este tribunal dar como provado este facto (possibilidade de decisão da causa –art. 426 nº 1 do CPP), não continha a sentença elementos que permitissem escolher e determinar a medida da pena –arts. 70 e 71 do Cód. Penal.
Nada se apurou sobre essa matéria, daí a necessidade do reenvio.
Decisão:
Tendo em conta o exposto acordam em determinar o reenvio do processo para apuramento dos factos que resultarem da validação da prova produzida pelo agente da autoridade e com recurso a mais prova se tal se tiver por necessário e conveniente e, sendo caso disso, determinar os factos necessários à escolha e determinação da medida concreta da pena.
Sem custas.
Tribunal da Relação de Coimbra, 09 de Julho de 2008.

Jorge Dias (adjunto como relator, art. 425 nº 1 do CPP)

João Trindade(presidente da secção)

Esteves Marques(vencido pelos motivos constantes da declaração anexa)

Da audição do depoimento da referida testemunha resulta que esta apenas refere que era o arguido o condutor do veículo interveniente no acidente, para o qual foi pedida a intervenção da GNR, porque “ foi o arguido que informou que era o condutor do veículo”.
Resulta assim claramente do seu depoimento que a autoria dos factos, apenas foi possível ser imputada ao arguido, por via da conversa então mantida com este.
Quer dizer só adquiriu a certeza de que havia sido o arguido que conduzia a viatura por este se ter identificado como tal.
Acresce que não só a viatura interveniente no acidente não se encontra registada em seu nome, como nem a vítima, como refere, seria capaz de reconhecer o condutor ainda que o visse.
Ficamos portanto apenas com a conversa havida entre o agente da GNR e o arguido, no momento em que aquele se deslocou ao local.
Será então que tendo o julgamento decorrido na ausência do arguido, pode tal conversa ser valorada, como pretende o Ministério Público ?
E avançando desde já a solução, diremos que o tribunal recorrido fez uma correcta valoração da prova, ao não ter acolhido o relato feito por aquela testemunha no que concerne à autoria do crime assumido, em conversa informal, pelo arguido.
Vejamos porquê.
O artº 356º nº 7 CPP apenas proíbe ou impede a inquirição de órgãos de polícia criminal sobre declarações cuja leitura não for permitida ( Cfr. entre outros, o AcSTJ 98.09.30, BMJ 479, 414 e extensa anotação a partir da pág. 428).
Assim é evidente que não poderá ser inquirido em audiência um órgão de polícia criminal sobre, por exemplo, o teor de um auto de interrogatório que tenha feito a um arguido no decurso da investigação, se o mesmo arguido se remete ao silêncio no julgamento ou se não se verifica o condicionalismo do nº 1, al. a), do artº 357º CPP, sob pena de se deixar entrar pela janela o que se quis evitar que entrasse pela porta.
Por outro lado já “ são de considerar os depoimentos de agentes policiais baseados em diligências que fizeram para apurar a autoria do crime” ( AcSTJ 00.11.15, CJSTJ 3/00, 216 ).
É questão que igualmente não oferece dúvida que os elementos das autoridades policiais não estão impedidos de depor sobre factos de que possuam conhecimento directo obtido por meios diferentes das declarações que receberam do arguido no decurso do processo (cfr. AcSTJ92.05.13,CJ 3/92, 19; AcSTJ 93.02.24, CJSTJ 1/93, 202; AcSTJ; AcSTJ 04.04.22, CJSTJ, 2/04, pág. 165).
Acontece porém que os órgãos de polícia criminal, para além dos conhecimentos que adquirem directamente por meios diferentes das declarações do arguido, por vezes adquirem outros, muitas vezes no próprio local da infracção e antes de ser constituído arguido, através das chamadas conversas informais com o arguido.
Ora se são conversas informais é evidente que se tratam de conversas que não foram reduzidas a auto.
E se não foram reduzidas a auto é evidente que são, segundo o nosso ponto de vista, inexistentes - quod non est in actis non est in mundo.
Reconhecemos porém que a posição que os tribunais superiores têm adoptado perante esta situação não tem sido pacífica.
Assim numa fase inicial a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça começou por rejeitar a admissibilidade de tal tipo de testemunho ( Cfr. entre muitos outros o AcSTJ 92.01.29, CJ 1/92, 20), e também por admitir tal meio de prova ( Cfr. entre outros, o AcSTJ 96.10.30, BMJ 460, 425).
Posteriormente, a jurisprudência passou a orientar-se no sentido de considerar inadmissíveis os depoimentos dos órgãos de polícia criminal que tivessem na sua base conversas informais ( Cfr. entre muitos outros o AcSTJ 01.07.11, CJSTJ 3/01, 166).
Com efeito como escreveu José Damião da Cunha[1] “ Em primeiro lugar, não parece ser possível conceber a existência processual de «conversas informais» entre o arguido e qualquer entidade processual.... a função dos órgãos de polícia criminal é o de carrear para o processo todos os elementos que lhes advenham de declarações do arguido - além de que vale aqui o princípio quod non est in auto, non est in mundo; pela espe­cial posição processual do arguido não pode, no que toca às suas decla­rações, subsistir qualquer diferenciação de importância e, por isso, as «conversas» serão sempre formais.
O que deve, naturalmente, é realçar-se que não é possível, à luz do processo penal português (de qualquer processo penal, de resto), criar-se uma nova categoria processual de «conversas» ou de actos «informais» (inexistente numa teoria dos actos processuais-penais); sendo que tais categorias seriam, de todo, incongruentes com o estatuto processual con­ferido ao arguido. De facto, o arguido dispõe de um direito a tomar posição, em qualquer altura do processo, sobre os factos que lhe são imputados, pelo que qualquer «declaração» corresponde à prática de um acto processual (isto é, um acto que logra, necessariamente, uma valoração processual): nos cânones de uma teoria dos actos processuais, as declarações do arguido são sempre «actos determinantes» e, por isso, sujeitos a uma particular valoração processual. .... o CPP estabelece mecanismos tais de garantia do esclarecimento e da liberdade de declaração do arguido, que nunca tais declarações se poderiam valorar como de informais.
.../....
Em segundo lugar, a especial posição dos órgãos de polícia criminal - nomeadamente o facto de actuarem na dependência funcional e sob directa direcção do Ministério Público - implica uma impossibilidade conatural de se aceitarem conversas informais (e, para mais, um poder de definição quanto à (in)formalidade de tais «conversas). De facto, se, como legalmente é admitido, ou até mesmo imposto, fosse o Ministé­rio Público a recolher, na fase de inquérito, as declarações do arguido, parece óbvio que, nesta hipótese, não subsistiriam dúvidas quanto ao carácter formal das declarações (de resto, mesmo que por hipótese académica existissem conversas informais com o Ministério Público, nunca este iria prestar testemunho sobre o conteúdo daquelas). Ora, devendo os órgãos de polícia criminal pautar-se, na sua actuação, tanto quanto possível pelos mesmos critérios por que se pauta o Ministério Público, parece claro que não podem aqueles deter poderes que a este (como de resto ao Juiz de instrução, na fase de instrução) não cabem.”.
Como se refere no AcSTJ 01.07.11, já anteriormente citado, “ Não há conversas informais com validade probatória, à margem do processo, desde que não tenham assumido os procedimentos de recolha admitidos por lei e por ela sancionados ( as diligências são reduzidas a autos- artº 275º nº 1 CPP).... Haveria fraude à lei se se permitisse o uso de conversas informais não documentadas e fora de qualquer controlo”.
E isto porque o arguido tem o direito ao silêncio consagrado quer no artº 61º nº 1 c) CPP, quer concretamente em audiência de julgamento no artº 343º nº 1 CPP, “ sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo”.
Ora a admissão das conversas informais levaria à violação deste estatuto do arguido.
Nas conversas informais onde estão as garantias específicas daquele estatuto?
Se a conversa do requerido, com os órgãos de polícia criminal, ocorre antes de ter sido constituído arguido por maioria de razão não poderão tais conversas ser usadas como meio de prova.
Usá-las com tal fim violaria, flagrantemente, tal estatuto.
Admitir as conversas informais seria (ainda que provenientes de uma fase em que não tivesse sido constituído arguido) o mesmo que estar a obrigar o arguido a falar contra a sua própria vontade.
É que o conteúdo essencial do direito de defesa, no qual se inclui o direito de ser ouvido, assenta em que o arguido deve ser considerado como "sujeito" do processo e não como objecto, do que resulta o direito ao silencio que lhe assiste, directamente relacionado com o principio da presunção de inocência, sendo que só as afirmações por ele produzidas no integral respeito de decisões de sua vontade podem ser utilizadas como meio de prova.
Para além disso o contraditório só pode ser realizado sobre prova legalmente admissível.
Dito isto concluímos que bem andou o Mmº juiz ao não ter valorado a factualidade relatada pelo Sr. agente da autoridade, no segmento em que o arguido lhe confessou ser ele o condutor do veículo.
É certo que não deixamos de reconhecer que uma tal norma concede uma excessiva protecção e garantia do arguido em matéria de defesa, mas isso é tarefa que não nos cabe avaliar, por estar no âmbito da política criminal definida por outros órgãos constitucionais.
Aos tribunais compete apenas a interpretação e aplicação da lei.
Ora como não existe qualquer outra prova de que era o arguido que conduzia a viatura nas circunstâncias de tempo e lugar dadas como provadas, outra alternativa não restaria que não fosse, a nosso ver e sempre com o devido respeito pela tese que fez vencimento, a de julgar improcedente o recurso e por isso confirmaria integralmente a decisão recorrida.