Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
298/22.3YRCBR
Nº Convencional: JTRC
Relator: PEDRO LIMA
Descritores: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
DECISÃO CONDENATÓRIA
JULGAMENTO NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO
CUMPRIMENTO DE PENA
TRÂNSITO EM JULGADO
RECUSA FACULTIVA DE EXECUÇÃO
NACIONALIDADE
RECONHECIMENTO DE SENTENÇAS PENAIS NA UNIÃO EUROPEIA
Data do Acordão: 01/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: MDE
Decisão: DEFERIDA A EXECUÇÃO DO MDE
Legislação Nacional: ARTS. 12.º, N.º 1, AL. G), E 12.º-A, N.º 1, AL. D), DA LEI 65/2003, DE 23-08; LEI N.º 37/2006, DE 09-08
Sumário: I – Se o requerido não esteve presente no julgamento, a recusa de execução do MDE emitido para efeitos de cumprimento de uma pena só pode ter lugar se daquele não constarem as menções descritas no art. 12.º-A, n.º 1, al. d), da Lei 65/2003, de 23/08).

II – Os critérios normativos da Lei n.º 37/2006, de 09-08 (que transpôs a Directiva 38/2004, do Parlamento e do Conselho, de 29-03-2004, relativa ao direito de circulação e residência dos cidadãos da União nos territórios dos Estados membros), não são aplicáveis para aferir do que seja, para os efeitos da al. g) do n.º 1 do art. 12.º da Lei 65/2003, uma pessoa que por se encontrar em território nacional possa “beneficiar” da recusa de execução de um MDE.

III – Assim, não bastará uma presença do requerido de MDE no território nacional meramente acidental ou transitória, antes se exigindo o apuramento mínimo de laços sociais, laborais, familiares ou outros, que dêem uma certa estabilidade a esse acto de estar e possam ser seriamente prejudicados com a mudança que pela execução do MDE venha a ser imposta.

IV – Estando provado que, apesar de alguma irregularidade percetível no modo de vida do requerido, de, ao menos indiciariamente, se ter envolvido na comissão de um crime em Portugal, e de, já depois da sua audição, ter passado a manifestar o propósito de regressar ao país emissor do MDE, o requerido não apenas se encontrava no nosso país quando da detenção, como vive aqui, pelo menos há cerca de dois anos, de modo estável, mantendo a sua vida familiar e laboral, aguardando filhos que, se cá nascessem, adquiririam a nacionalidade Portuguesa, tendo em Portugal a companheira e outros familiares e aqui, com maiores ou menores vicissitudes, vem angariando sustento, estes dados de  factos revelam-se suficientes para concluir que seria vantajosa a reintegração do visado na nossa sociedade, aqui cumprindo a pena e, nesse sentido, justificando-se que o Estado português se comprometesse a executá-la.

V – Todavia, para a afirmação da recusa com esse fundamento e nos ditos termos da al. g) do n.º 1 do art.12.º da LMDE, seria indispensável que tivesse havido requerimento do MP para que o tribunal da relação declarasse exequível a decisão condenatória em Portugal, confirmando a pena aplicada, acto processual que, no caso, não foi realizado.

VI – Mais acresce, mesmo a ter sido requerida pelo MP a declaração de exequibilidade da sentença estrangeira em Portugal, com confirmação da pena imposta, essa via estaria sempre bloqueada pela própria posição expressamente assumida, pelo requerido, no sentido de não prescindir de requerer novo julgamento ou recurso daquela decisão condenatória.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, os juízes da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

1. O Ministério Público (MP) junto deste Tribunal da Relação apresentou, nos termos do art. 16.º, n.º 1, da Lei 65/2003, de 23/08 (Regime Jurídico do Mandado de Detenção Europeu – LMDE), requerimento para execução de Mandado de Detenção Europeu (MDE), emitido por Autoridade Judiciária romena e relativo ao cidadão

AA, filho de BB e de CC, nascido a .../.../1995, natural de ..., ..., país da sua nacionalidade, titular do passaporte... ..., emitido em .../.../2019, com residência naquele país em ..., nº 27, em Portugal residente na Rua ..., ..., ..., ..., mas que foi a 05/12/2022 detido na cidade ... e se encontra actualmente sob detenção no Estabelecimento Prisional ....  

2. O referido mandado foi emitido a .../.../2022, pela juíza presidente do tribunal de ..., ..., para efeitos de cumprimento da pena de quatro anos, dois meses e quinze dias de prisão, que como coautor de um total de doze crimes de furto qualificado, p. e p. pelos art. 228.º e 229.º do Código Penal ..., e cometidos na cidade ... no período entre 18-19/12/2014 e 02/02/2018, lhe foi imposta por sentença proferida a 22/02/2022, no processo 4067/32... (ref. n.º 321), daquele tribunal de ..., ..., e entretanto tornada definitiva a 14/10/2022, por decisão do tribunal de recurso de Constança com a ref. 729/P/14.10.2022. 

3. Na sequência de detenção a 03/12/2022, no âmbito do inquérito 1661/22...., que entretanto corre os respectivos termos na ... secção do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) ..., o requerido foi ali libertado no dia 05/12/2022 mas nesse mesmo dia e pelas 11.20 horas novamente detido, agora para cumprimento do MDE aqui em causa, e no âmbito deste procedimento subsequentemente apresentado a este Tribunal da Relação, procedeu-se a 06/12/2022 à respectiva audição, nos termos e para os efeitos do artigo 18.º, da LMDE, acto no qual, após ser esclarecido da existência e teor do MDE, do direito de se opor à execução dele, dos termos em que pode fazê-lo e das consequências de um eventual consentimento, bem como da faculdade de renunciar ao princípio da especialidade, declarou nem consentir na sua entrega às autoridades romenas e nem renunciar aos benefícios daquele princípio, no mais solicitando prazo para apresentar por escrito a sua oposição, que lhe foi concedido.

4. Na sequência daquela audição, foi por despacho imediatamente proferido validada e mantida a detenção do requerido, nos termos do art. 18.º, n.º 3, da LMDE, e no prazo concedido o mesmo, reiterando a recusa de consentimento nela (e a não renúncia ao princípio da especialidade), ofereceu oposição à execução do MDE, para isso alegando, em síntese:

a) Desde logo, o processo em cujo âmbito entre nós começou por ser detido encontra-se ainda em fase de inquérito, não podendo aqui e sob pena de lesão do princípio da presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa – CR), tomar-se em consideração a suposta prática de crime que motivou essa detenção.  

b) Não esteve presente no julgamento em cuja sequência foi proferida a sentença condenatória de que com o MDE se visa a execução, como aliás resulta do próprio teor respectivo, de sorte que cumpriria indagar se lhe foram garantidos todos os mecanismos necessários a um efectivo e integral direito de defesa, e por outro lado pretendendo exercer o direito que lhe assiste a requerer um novo julgamento ou interpor recurso para que seja reapreciado o mérito da causa em que foi proferida a decisão que fundamenta aquele MDE, com a inerente erosão da força executiva dela, deve ser suspensa ou interrompida a execução, aguardando assim esses ulteriores termos daquela causa em território português. Daqui extrai que nos termos do art. 12.º-A, n.º 1, al. d), da LMDE, deve ser recusada a execução.

c) E, caso assim se não entenda, então considerando que:

i. Veio para Portugal há cerca de dez anos, onde tem estado intermitentemente até há cerca de dois anos, quando aqui se estabeleceu definitivamente;

ii. Desde então mantém aqui a sua vivência pessoal, familiar, económica, social e profissional, com agregado familiar, uma vez que, para constituí-lo, a sua companheira, igualmente de nacionalidade ..., há cerca de ano e meio aqui se lhe juntou, aqui igualmente residindo outros familiares seus, designadamente um irmão com quem mantém forte ligação afectiva e uma prima;

iii. Ele e essa companheira aqui se dedicam profissionalmente e por conta própria à actividade de limpezas, essencialmente de vidros, sendo os contactos com clientes centrados em si;                 

iv. Aquela companheira se encontra grávida de gémeos, esperando para breve o nascimento dos filhos comuns, que adquirirão a nacionalidade portuguesa e que ambos projectam aqui criar e educar,

a execução do MDE, com a sua entrega às autoridades romenas, levará a uma quebra dos respectivos laços familiares, com companheira e filhos. Daqui extrai que nos termos do art. 12.º, n.º 1, al. g), da LMDE, deve ser recusada essa execução, cumprindo ele a pena em Portugal, o que melhor assegurará a sua inserção, em especial permitindo-lhe manter quanto possível aqueles laços, e aliás com isso adequadamente se cumprindo o programa constitucional de tutela da família (art. 67.º da CR).

5. O MP respondeu a essa oposição, pugnando pela improcedência respectiva e para isso argumentando, também em síntese, que:

a) Nos termos do art. 21.º, n.º 2, da LMDE, a oposição à execução do MDE só pode fundar-se em erro na identidade do detido ou existência de causa de recusa de execução, sendo estas as previstas no art. 11.º do mesmo diploma, no caso nem havendo dúvidas sobre a identidade do requerido e nem a oposição respeitando àqueles fundamentos previstos no dito art. 11.º;

b) Quanto à eventualidade de recusa facultativa de execução, nos termos do art. 12.º, n.º 1, al. g), da LMDE, começa por não se afigurar sequer viável dar por assente uma efectiva e consolidada residência do requerido no nosso país, tendo em conta o pouco tempo que levará a sua estada entre nós e a sua insuficiência para o estabelecimento de laços significativos, sublinhando ainda que ele foi detido (em flagrante delito) pela prática de crime de furto, de sorte que sem prejuízo da presunção de inocência até decisão final que eventualmente o condene, pode daí e indiciariamente extrair-se que mesmo temporariamente aqui residindo ele vem entre nós continuando na senda da prática de crimes idênticos àqueles por que foi condenado no país de origem – a isso acrescendo, em todo o caso, que necessário seria ainda, além dessa efectiva residência entre nós, que o Estado português se comprometesse a executar a pena de prisão em causa, mas a sentença condenatória não foi revista em Portugal, não podendo meramente substituir-se essa revisão pelo teor do MDE,

de tudo concluindo que deve improceder a oposição à execução.

6. Procedeu-se a inquérito social sobre as condições do requerido em Portugal, cuja determinação se fizera à DGRSP, que entretanto juntou o pertinente relatório, e, não se revelando necessária e nem sendo requerida a produção de mais provas, após os vistos foi a causa apreciada em conferência.

II – Fundamentação

7. Factualidade relevante 

a) O MDE cuja execução vem pretendida foi emitido a .../.../2022 por autoridade judiciária ..., em concreto pela juiz presidente do Tribunal ..., ..., tendo por fundamento sentença nesse tribunal proferida no processo 4067/32..., com o n.º 321, em 22/02/2022, que condenou o requerido na pena de quatro anos, dois meses e quinze dias de prisão, por coautoria em doze crimes de furto qualificado, nos termos dos art. 228.º e 229.º do Código Penal da ..., e tornada definitiva a 14/10/2022 por decisão do tribunal de recurso de Constança, com a ref. 729/P/14.10.2022.

b) Esse MDE foi emitido, como dele consta, para efeitos de cumprimento pelo requerido      da referida pena de quatro anos, dois meses e quinze dias de prisão, e nele se contêm, entre o mais, as seguintes menções:

i. A identidade e nacionalidade do requerido, como acima referidas;

ii. Os elementos relativos à decisão com força executiva em que se baseia a ordem de detenção, como acima referidos;

iii. Os elementos identificativos da entidade emissora (Tribunal ..., representado pela Sr.ª juiz presidente respectiva, DD), seu endereço (..., .... ..., nr. 15, ..., CP 820127), contacto telefónico (...40) e endereço de correio electrónico (...);

iv. A descrição das circunstâncias em que as infrações foram cometidas, nos termos que seguem:

1. Na noite de 18-19/12/2014, junto com B.I., arrombaram e entraram (subindo uma janela) no atelier de pintura pertencente ao Bispado de ..., de onde subtraíram cinco ícones pintados;

2. Na noite de 07-08/03/2015, junto com B.I., arrombaram e entraram (forçando a porta de acesso) na sede profissional de S..., SRL, de ..., de onde subtraíram uma unidade central de computador marca ...;

3. Na noite de 15-16/03/2015, junto com B.I., forçaram a janela da sede profissional de L... de ..., de onde B.I. subtraiu um portátil da marca ..., enquanto fora da sociedade N.... assegurava a guarda do local;

4. No período de 03 a 05/04/2015, durante a noite, junto com outros, forçaram una janela da sede profissional do Escritório individual do Advogado EE e, no interior, B.l e N.F.T. subtraíram uma unidade centrar de computador, a quantia de 40 Lei e uma nota de 5 euros;

5. Na noite de 05-06/04/2015, com B.I., junto com B.I., forçaram a porta de uma máquina frigorífica de vendas colocada em ..., pertencente a S..., SRL, de ..., de onde subtraíram bebidas alcoólicas e refrigerantes;

6. Na noite de 08-09/04/2015, ajudou outros e assegurou a guarda enquanto eles arrombaram e entrarem (deslocamento de uma parede de betão celular) na sede profissional pertencente ao consultório individual de Dr. FF, sem subtrair bens;

7. Na noite de 12-13/04/2015, junto com outros, arrombaram e entraram (subindo uma janela) na sede profissional pertencente à Inspecção Territorial para a Qualidade das Sementes, de ..., de onde subtraíram uma unidade central de computador, monitor, impressora, teclado e rato, enquanto F.D.V. assegurava a guarda do local;

8. Na mesma noite de 12-13/04/2015, junto com outros, forçaram a porta de uma máquina frigorífica de vendas colocada em Piata Noua, pertencente a S..., SRL, de ..., de onde subtraíram bebidas alcoólicas e refrigerantes;

9. Em 02/02/2018, cerca das 03.00 horas, junto com outro, forçaram com uma haste metálica a janela do consultório médico individual de GG, sito em .... 9 ..., com o propósito de arrombar e entrar e subtrair bens;

10. Em 26/05/2017, subtraiu uma pochete do banco de um automóvel que tinha as portas abertas e subtraiu as quantias encontradas na pochete;

11. Em 05/06/2017, subtraiu uma garrafa de vinho espumante da loja pertencente a C..., SRL, de ..., .... ..., visto que tomou a garrafa da prateleira e escondeu-a sob a roupa, sendo interceptado à saída da loja; 

12. Em 26/10/2016 partiu a janela lateral dum automóvel para subtrair um telemóvel deixado no banco.

v. A natureza e qualificação jurídica das infracções, de acordo com a lei penal ..., nos seguintes termos:

1. Furto qualificado na forma continuada (os oito actos materiais no período de 18-19/12/2014 a 12-13/04/2015), p. e p. no art. 35.º, conjugado com os art. 228.º, n.º 1, 229.º, n.º 1, als. b) e d), e n.º 2, al. b), do Novo Código Penal ..., com a aplicação do art. 77.º, n.º 1, als. a) e d), também do Novo Código Penal ...;

2. Tentativa de furto qualificado (os actos de 02/02/2018), p. e p. pelos art. 32.º, conjugado com o art. 228.º, n.º 1, 229.º, n.º 1, als. b) e d), e n.º 2, al. b), do Novo Código penal ...;

3. Furto qualificado (os actos de 26/10/2016), p. e p. pelos art. 228.º, 229.º, n.º 1, al. d), do Código Penal ..., com a aplicação do art. 396.º, n.º 10, do Código de Processo Penal ...;

4. Furto qualificado (os actos de 26/05/2017), p. e p. pelo art. 228.º, n.º 1, do Código Penal ..., com a aplicação do art. 396.º, n.º 1, do Código de Processo Penal ...; e

5. Furto qualificado (os actos de 05/07/2017), p. e p. pelo art. 228.º, n.º 1, do Código Penal ..., com a aplicação do art. 396.º, n.º 10, do Código de Processo Penal ....

vi. Que o requerido não esteve presente no julgamento que conduziu à decisão mas, não tendo sido notificada pessoalmente para o julgamento, recebeu efectivamente por outros meios uma informação oficial da data e do local previstos, de uma forma que deixou inequivocamente estabelecido que teve conhecimento do julgamento previsto e foi informado de que podia ser proferida decisão mesmo não estando nele presente, bem como enfim que não foi notificado pessoalmente da decisão, mas será informado pessoalmente dela imediatamente após a entrega, quando notificado será expressamente informado do direito que lhe assiste a novo julgamento ou a recurso, nos termos do art. 466.º do Código de processo penal ..., e a estar presente nesse julgamento ou recurso, que permite a reapreciação o mérito da causa, incluindo novas provas, e pode conduzir a uma decisão distinta da inicial, e será informado do prazo para solicitar esses novo julgamento ou recurso, que será de trinta dias.

c) Das condições do requerido:

i. Nasceu e cresceu na ..., inserido num agregado numeroso, composto pelos progenitores e os dez filhos do casal, sendo o requerido o terceiro mais novo da fratria. Os pais, trabalhadores fabris numa empresa de pescado, atividade que exerciam a par com a venda de produtos em feiras locais, foram direcionando aparentes esforços no sentido de assegurar as necessidades básicas do agregado. Ainda assim, as dificuldades sentidas foram promotoras de contactos com os serviços de justiça ..., por parte do progenitor, com aparente registo de privação de liberdade.

ii. As dificuldades financeiras e sociais do agregado, e aparentes hábitos deficitários ao nível da saúde (nutrição e tabágicos), resultaram em doença grave do progenitor, que acabou por falecer em 2008, agravando as fragilidades da família.

iii. Aos oito anos de idade ingressou no ensino, que terá abandonado aos 13 anos, concluído o 5.º ano de escolaridade, pelas dificuldades sentidas ao nível da subsistência familiar, assim como desmotivação e desvalorização dos conteúdos lecionados. Desde então, foi auxiliando a progenitora através de atividades de limpeza para terceiros, até à emigração de parte dos irmãos para diversos países da europa.

iv. Aos 17 anos de idade, acompanha o irmão mais velho para fora do seu País, registando contactos laborais (informais) em Portugal, Suíça, França e Suécia.

v. Estabeleceu-se de forma mais definitiva em Portugal, onde mantém a atividade de limpezas em diversas lojas/estabelecimentos comerciais, e vendas de rua (Borda d’Água), verbaliza não regressar à ... há cerca de cinco anos.

vi. Foi-se estabelecendo ora em pensões na cidade ..., ora em apartamento arrendado na Rua ..., em ..., com outro cidadão ..., que não sabe identificar.

vii. Há cerca de dois anos iniciou relacionamento afectivo com ..., de 29 anos de idade, com quem coabitou na Rua ..., em ..., não sabendo precisar o endereço, mas aí permanecendo a residir essa companheira, e sendo que o casal terá o seu primeiro filho em comum previsivelmente no início do corrente ano de 2023.

viii. A subsistência do casal foi mantida pela atividade laboral do requerente no serviço de limpezas em diversas empresas/lojas da cidade, sem intermediários ou empresas de subcontratação, e nisso auferia cerca de 120,00 € diários.

ix. Não apresenta problemas de saúde relevantes durante o seu período de desenvolvimento ou actuais e refere ter mantido diversos contactos com os serviços de justiça romenos, tendo cumprido um ano e seis meses de prisão entre os 16 e os 18 anos de idade, assim como dois anos de prisão entre os 21 e os 23 anos de idade, por crimes de furto.

x. No Estabelecimento Prisional ..., onde se encontra sob detenção desde 06/02/2022, mantêm comportamento adequado às regras institucionais, vindo a ter contactos regulares com familiares, residentes e não residentes em Portugal, com aparente significado para a sua reinserção e para o seu estado psicoemocional, apoio aparentemente extensível em meio livre.

xi. Apesar da atual detenção e de interesse inicial em permanecer em Portugal, manifesta agora propósito de regressar ao seu país natal assim que lhe for possível;

xii. Entre nós, e a 03/12/2022, pelas 18.00 horas, na ..., foi detido em flagrante delito como suspeito pela prática de crime de furto, mas depois libertado a 05/12/2022, ficando os factos em investigação no inquérito que tomou o n.º 1661/22...., a correr termos na ... secção do DIAP ....   

8. No assentar da factualidade que antecede e no que respeita às razões e objectivos da detenção, à emissão do MDE, à sentença que aplicou a pena a cumprir e cuja execução é visada, à autoria pelo requerido dos crimes nela verificados e respectivas circunstâncias, e à corresponde classificação jurídico-penal de acordo com a lei da ..., o tribunal formou directamente convicção a partir dos documentos juntos aos autos, naturalmente com destaque para o próprio MDE (devidamente traduzido), neste plano nem mesmo se consentindo dúvidas ou reservas de qualquer ordem. Pelo que tange à detenção do arguido que deu origem ao inquérito e aos dados a este pertinente, relevaram, a informação policial e a peça desse inquérito aqui juntos igualmente com o requerimento inicial. E por fim, no que respeita ao historial e condições pessoais do requerido, tomou-se em consideração, sem dúvidas de maior, o teor do relatório social apresentado pela DGRSP, em boa medida e com mais desenvolvimento confirmando o que ele mesmo e ainda que com maior superficialidade referira já no acto de audição; embora se note que as informações naquele relatório vertidas resultam essencialmente das declarações do próprio e da companheira, com o natural risco de enviesamento aos interesses respectivos, em termos gerais trata-se de dados plausíveis, que não há razões para repudiar – e a despeito de alguma estranheza que causa a constatação das suas grandes dificuldades com a língua portuguesa (patenteada na referida audição e de novo mencionada no dito relatório social), pressuposto que seja o contexto de uma permanência em Portugal já de algum modo mais estabilizada desde há pelo menos cerca de dois anos (quando do início da relação com a companheira), em boa verdade entendemos não poder simplesmente com base nisso afastar essa possibilidade, que assim igualmente levámos à factualidade assente, nos precisos termos constantes daquele relatório.

9. Enfim apreciando

9.1. Nos termos do art. 1.º, n.º 1 e 2, da LMDE, o MDE é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro da União Europeia com vista à detenção e entrega, por outro Estado membro, de uma pessoa procurada, para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou de uma medida de segurança privativas da liberdade, cuja execução está sujeita ao princípio do reconhecimento mútuo. Este princípio “actualmente encontra expressão normativa no art. 82.º, n.º 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), fundado “num elevado grau de confiança entre os Estados-Membros”. O regime do MDE aboliu o processo formal de extradição entre os Estados membros da UE, baseado na Convenção Europeia de Extradição de 1957, o qual foi substituído por um “novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal”, que permitiu “suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos procedimentos de extradição” – cfr. Ac. do STJ de 26/06/2019, proferido no processo 94/18.2YRPRT.S3 (Lopes da Mota), in www.dgsi.pt.

De acordo com esse princípio de reconhecimento mútuo, “uma decisão validamente proferida por uma autoridade judiciária competente do Estado de emissão (autoridade judiciária de emissão), de acordo com a lei nacional aplicável, produz efeitos no território do Estado em que deva ser executada (Estado de execução), sujeita ao controlo da autoridade judiciária de execução, como se de uma decisão de uma autoridade judiciária deste Estado se tratasse” – cfr. o aresto supra referido.

Como tem sido afirmado na jurisprudência constante do TJUE, o princípio do reconhecimento mútuo assenta em noções de equivalência e de confiança mútua nos sistemas jurídicos dos Estados-Membros da UE; nesta base, o Estado de execução encontra-se obrigado a executar o MDE que preencha os requisitos legais, estando limitado e reservado à autoridade judiciária de execução um papel de controlo da execução e de emissão da decisão de entrega, a qual só pode ser negada em caso de procedência de qualquer dos motivos de não execução, que são apenas os que constam dos art. 3.º, 4.º e 4.º-A da Decisão-Quadro 2002/584/JAI, alterada pela Decisão-Quadro 2009/299/JAI (a que correspondem os art. 11.º, 12.º e 12.º-A da LMDE). As noções de ‘confiança mútua’ e ‘equivalência’, em que se funda o princípio do reconhecimento mútuo, extraem-se de princípios e regras comuns em resultado da transposição de instrumentos jurídicos da UE [decisões-quadro e directivas, que visam este resultado – cfr. art. 31.º do Tratado da União Europeia (TUE), na redacção do Tratado de Amesterdão, e art. 82.º, n.º 1, e 288.º, TFUE] e de vinculação ao sistema de direitos fundamentais incorporados nos sistemas processuais penais nacionais dos Estados membros da UE [Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), do Conselho da Europa, e Carta dos Direitos Fundamentais da UE], que devem ser respeitados na execução do MDE” – cfr., ainda, o Ac. do STJ supra citado.

9.2. De posse destas considerações que a título preliminar tomamos daquele aresto citado, e já revertendo ao caso concreto, começamos por simplesmente notar que a observação pelo requerido adiantada, no sentido de que, não tendo estado presente no julgamento de que emergiu a sentença fundamento do MDE, “seria de indagar […] se lhe foram garantidos todos os mecanismos necessários para um efectivo e integral direito de defesa” (cfr. o art. 11.º da oposição), é algo de absolutamente fruste e mesmo irrelevante – e a que ele próprio de resto, certamente disso se dando conta, não parece afinal dar seguimento algum.

Na verdade, o que importa é que precisamente por força do referido princípio de reconhecimento mútuo, da confiança que lhe subjaz e, no que positiva e directamente importa, do art. 1.º, n.º 1 e 2, da LMDE, não cabe ao Estado de execução controlo algum sobre tais aspectos. Se a decisão em causa foi proferida na sequência de julgamento no qual o requerido não esteve presente, então, e nos termos do art. 12.º-A, n.º 1, da LMDE, “a execução do mandado de detenção europeu emitido para efeitos de cumprimento de pena […] pode ser recusada […], a menos que do mandado conste que a pessoa, em conformidade com a legislação do Estado membro de emissão”, e sempre para o que aqui importa e de acordo com a al. d) desse n.º 1, “não foi notificada pessoalmente da decisão, mas na sequência da sua entrega ao Estado de emissão é expressamente informada de imediato do direito que lhe assiste a novo julgamento ou a recurso que permita a reapreciação do mérito da causa, incluindo apreciação de novas provas, que podem conduzir a uma decisão distinta da inicial, bem como dos respectivos prazos”.

Dito de outro jeito, se o requerido não esteve presente no julgamento, a recusa de execução do MDE só pode ter lugar, nos termos daquele art. 12.º-A, n.º 1, al. d), da LMDE, se daquele não constarem aquelas menções; constando, não cabe recusa com aquele fundamento, e eis tudo.

9.3. Pois bem, o que resulta a todos os títulos evidente (cfr. supra, II/7/b/vi), é que, precisamente, o MDE aqui em apreço contém clara e explicitamente as menções devidas, o que sem mais afasta aquela possibilidade de recusa de execução. De resto, e notando-se que se trata de informações que ao requerido hão-de ser prestadas “na sequência da sua entrega”, logicamente às autoridades do Estado de emissão (cfr. o dito art. 12.º-A, n.º 1, al. d), da LMDE), resulta óbvio, e aliás um imperativo racional, que as possibilidades em questão (requerer àquelas autoridades novo julgamento ou recurso nos referidos termos) não podem obstar à entrega – por conseguinte mal se percebendo e em todo o caso sendo improcedente, a argumentação (que diz tirada de um Ac. do STJ que contudo não identifica), segundo a qual, sendo sua intenção com efeito requerê-lo, houvesse de “equacionar-se a suspensão ou interrupção da detenção uma vez que a circunstância de existir recurso, ou novo julgamento, afecta a força executiva da decisão que constitui o fundamento do MDE”.

Independentemente dos contornos do caso concreto em que uma eventual decisão nesse sentido tenha sido proferida, e dos seus próprios termos, aqui, neste caso concreto, não está sequer pendente um tal recurso ou novo julgamento: a decisão que fundamenta o MDE em apreço, para cumprimento de uma pena de quatro anos, dois meses e quinze dias de prisão, é definitiva; aquelas eventualidades de recurso ou novo julgamento são uma possibilidade excepcional, decorrente de ter-se tratado de um julgamento a que o requerido não esteve presente, e que quando muito ele, assim o querendo, exercerá depois de entregue – hipótese em que, acrescente-se, após a entrega às autoridades do Estado de emissão, a detenção, até estarem concluídos tais trâmites (de novo julgamento ou recurso), é revista (mantida, alterada ou cessada) em conformidade com a legislação desse Estado membro de emissão, obviamente pelas mesmas autoridades, quer oficiosamente quer a pedido (como claramente resulta do n.º 4 do mesmo art. 12.º-A, da LMDE).

E finalmente, à margem das hipóteses, aqui não colocadas, de suspensão da execução para procedimento ou cumprimento de pena por outros crimes em Portugal, previstas no art. 31.º da LMDE (entrega diferida ou condicional), debalde se procurariam naquele diploma outro qualquer título para suspensão ou “interrupção” da dita execução, que decerto e nos moldes que já ficaram vistos não pode ter lugar com aqueles fundamentos esgrimidos pelo requerido.

9.4. Agora acompanhando sem reservas a resposta do MP à oposição do requerido, notamos que esta, nos termos do art. 21.º, n.º 2, da LMDE, apenas “pode ter por fundamento o erro na identidade do detido ou a existência de causa de recusa da execução do MDE”. Ora, não estando minimamente em questão a identidade do requerido como a pessoa efectivamente visada (problema nem sequer alvitrado), e manifestamente não se tratando de qualquer dos motivos de não execução obrigatória como previstos no art. 11.º da LMDE [porque os tribunais portugueses não são competentes para conhecimento das infracções em causa e nem estas foram em Portugal amnistiadas (al. a), muito menos há conhecimento de o requerido ter sido por elas julgado por elas em outro Estado membro que não o da emissão e, condenado, tivesse cumprido ou se encontrasse a cumprir a pena, ou ainda não pudesse ser já cumprida segundo a lei do Estado dessa condenação (al. b), não é à luz da lei portuguesa e em razão da idade inimputável para os factos em causa (al. c), e enfim é indiscutível que tais factos constituem igualmente crime segundo a lei portuguesa, nos termos dos art. 22.º, n.º 1 e 2, als. a), b) e c), 23.º, n.º 1, 202.º, al. d) e e), 203.º, n.º 1 e 2, e 204.º, n.º 1, als. b), c), e), f), e 2, als. e) e f), todos do CP (al. f)], então a eventualidade de recusa apenas poderia fundar-se na verificação de algum dos motivos de não execução facultativa, conforme previstos no art. 12.º da LMDE.

E de entre esses, nenhum outro se postando fosse de que modo fosse, o que concretamente pode importar, e o requerido com efeito esgrime, é o da al. g) do n.º 1 daquele art. 12.º: “a execução do MDE pode ser recusada quando (…) a pessoa procurada se encontrar em território nacional (…), ou residir em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena (…) e o Estado português se comprometa a executar aquela pena (…), de acordo com a lei portuguesa”.

Sendo o requerido de nacionalidade ..., resulta indiscutível que se encontra em território nacional, e com efeito o MDE foi emitido pela autoridades romenas para execução de uma pena, o que à partida empresta plausibilidade à eventualidade de recusa de execução com aquele fundamento, hipótese que contudo terá a final de afastar-se, mesmo a dar-se de barato que se tratasse em sentido próprio de um residente em Portugal, isto é, de pessoa com ligação estável e significativa ao nosso país, e isso quer porque não pode afirmar-se aquele compromisso do Estado português com a execução da pena, quer porque em última análise o mesmo seria impedido pela já dita faculdade do requerido de requerer novo julgamento ou recurso – tudo em termos que procuramos a seguir melhor detalhar.

9.5. Em primeiro lugar, e nisto nos desviando da posição expressa pelo MP na sua resposta à oposição do requerido, diremos não acompanhar o emprego dos critérios da Lei 37/2006, de 09/08 (que transpôs a Directiva 38/2004, do Parlamento e do Conselho, de 29/03/2004, relativa ao direito de circulação e residência dos cidadãos da União nos territórios dos Estados membros), para aferir do que seja, para os efeitos da al. g) do n.º 1 do art. 12.º da LMDE, uma pessoa que por se encontrar em território nacional possa “beneficiar” da recusa de execução de um MDE.

O art. 10.º, n.º 1, daquela Lei, postula com efeito que um cidadão estrangeiro (mas nacional de um Estado da União) adquira o direito de residência permanente em Portugal se no nosso território nacional tiver residido por um período de cinco anos consecutivos, mas nem vemos razão substantiva para estender a exigência de um tal requisito aos casos do art. 12.º, n.º 1, al. g), da LMDE, nem a literalidade do texto respectivo parece com isso compatível, uma vez que aqui se não reclama necessariamente a residência em Portugal, bastando encontrar-se em território nacional.

Naturalmente, cremos que não bastará uma presença no nosso território meramente acidental ou transitória, certamente se exigindo o apuramento mínimo de laços sociais, laborais, familiares ou outros, que dêem uma certa estabilidade a essa presença e possam ser seriamente prejudicados com a mudança que pela execução do MDE venha a ser imposta – o que é a razão última da possibilidade de recusa, segundo a ideia de que o cumprimento da pena em Portugal, nessas condições, é o que melhor propicia uma efectiva reintegração do visado, segundo os fins das penas no nosso direito.

Nisto acompanhamos o Ac. do STJ de 01/08/2022, proferido no processo 118/22.9YRCBR.S1 (Ana Barata Brito), onde, ainda que em obiter dictum, se escreveu que “o elemento normativo ‘residente’ não se confunde com o conceito de ‘residente permanente’ previsto na Lei 37/2006, de 9/08, concretamente no seu art. 10.º (Direito de residência permanente dos cidadãos da União e dos seus familiares), norma que preceitua, no n.º 1 que ‘têm direito a residência permanente os cidadãos da União que tenham residido legalmente no território nacional por um período de cinco anos consecutivos”, e isso para manifestar que nessa parte seria confirmado o Ac. deste TRC que ali em recurso se apreciava, e onde por seu lado a tal respeito fora consignado que “não está em causa a existência ou inexistência de um direito de residência permanente, ou outro, no território do Estado de acolhimento, como defende a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, mas sim, como se disse, a efectiva ligação do requerido ao nosso país, as suas condições concretas de vida, de forma a ajuizar onde será mais facilmente reintegrado na sociedade. De facto, pode acontecer que um residente há cinco ou mais anos, no momento, não se encontre integrado na sociedade. Como também pode acontecer que um residente há um ou dois anos se encontre completamente integrado. O relevante é a análise da situação concreta e não um critério que atenda apenas ao número de anos de residência”.

9.6. Subscrevendo esta tese, o que enfim diremos, face à factualidade acima assente, é que a despeito de alguma irregularidade perceptível no seu modo de vida, e até e ao menos indiciariamente do seu envolvimento na comissão de um crime entre nós (cuja consideração, contrariamente ao alegado na oposição, não constitui violação alguma do princípio da presunção da inocência, nada aqui se julgando sobre esse putativo crime), bem como a despeito ainda de já depois da audição ter passado a manifestar o propósito de regressar à ... quando isso lhe for possível, o requerido não apenas se encontrava em Portugal quando da detenção, como vem aqui e pelo menos há cerca de dois anos estavelmente mantendo a sua vida familiar e laboral, aguardando filhos que se cá nascerem adquirem nacionalidade Portuguesa, aqui tendo a companheira e outros familiares e aqui com maiores ou menores vicissitudes vem angariando sustento.

Tanto basta, quanto a nós, para nos termos já referidos considerar a sua ligação ao nosso país como a suficiente para concluir que seria vantajosa a sua reintegração na nossa sociedade, aqui cumprindo a pena e nesse sentido justificando-se plenamente que o Estado português se comprometesse a executá-la – consideração a que julgamos não deverem obstar nem o crime que potencialmente cometeu, se por ele vier a ser condenado (porque ter entre nós porventura cometido crime não implica quebra da dita ligação à nossa sociedade, claro está), nem menos ainda motivações atinentes à inconveniência da execução da prisão em Portugal em função da oneração que isso importasse ao sistema prisional nacional já sobejamente deficitário e sobrelotado.

9.7. Dito isto, e já chegando aos óbices à eventual recusa de execução que acima anunciámos, temos que esse compromisso do Estado português, como matéria que se integra na sua reserva de soberania, não é coisa que o requerido simplesmente possa requerer, despoletando ele mesmo e por acto de vontade a execução da pena em Portugal. Uma recusa com esse fundamento e naqueles termos da al. g) do n.º 1 do art. 12.º da LMDE, “depende”, nos termos do n.º 3 do mesmo art. 12.º, “de decisão do tribunal da relação, no processo de execução do MDE, a requerimento do Ministério Público, que declare a sentença exequível em Portugal, confirmando a pena aplicada” (sublinhado nosso); e nessa hipótese, de acordo com o n.º 4 ainda daquele art. 12.º, “a decisão (…) é incluída na decisão de recusa de execução, sendo-lhe aplicável, com as devidas adaptações, o regime relativo ao reconhecimento de sentenças penais que imponham penas de prisão (…) no âmbito da União Europeia, devendo a autoridade judiciária de execução, para este efeito, solicitar a transmissão da sentença”.

Essa limitação da iniciativa de reconhecimento ao MP, representante do Estado, assim explícita e claramente estabelecida, está de resto em linha com as normas do diploma que regula o reconhecimento das sentenças em matéria penal que imponham penas de prisão e para efeitos de execução delas na União Europeia, a Lei 158/2015, de 17/09, de cujos art. 8.º, 16.º, n.º 1, 16.º-A, n.º 1, designadamente, também resulta.

Como se escreveu no Ac. do STJ de 07/04/2022, proferido no processo 30/22.1YRPRT.S1 (Helena Moniz), “era necessário [para a recusa de execução do MDE com aquele fundamento] que tivesse havido um requerimento do MP para que o tribunal da relação tivesse declarado exequível a decisão em Portugal, confirmando a pena aplicada”, diligência que aqui, como no caso ali tratado, não foi realizada, algo que por si só impediria a pretensão manifestada e enfim a recusa de execução do MDE com ela em última análise visada, ao abrigo do art. 12.º, n.º 1, al. d, do MDE.

9.8. Por outro lado ainda, mesmo a ter sido requerida pelo MP a declaração de exequibilidade da sentença condenatória do requerido em Portugal, confirmando a pena aplicada, em vista do cumprimento dela entre nós (dando de barato o consentimento do requerido nisso), desse modo procurando chegar à integração cabal daquele motivo de não execução facultativa do MDE, tal caminho ver-se-ia sempre barrado pela própria posição aqui expressamente assumida, pelo requerido, no sentido de não prescindir de requerer novo julgamento ou recurso daquela sentença.

Continuando a seguir aquele Ac. do STJ de 07/04/2022, por último citado, e na medida em que as razões expressas são aqui integralmente pertinentes, transcrevemos, do sumário respectivo:

II – Sabendo que o MDE tanto pode ser emitido para efeitos de procedimento criminal, como para cumprimento de uma pena (cf. art. 1.º, n.º 1, da LMDE), certo é que é possível, por força do art. 12.º-A, da LMDE, a emissão de MDE quando a pessoa tenha sido julgada na ausência e o Estado emissor faça constar daquele que ‘não foi notificada pessoalmente da decisão, mas na sequência da sua entrega ao Estado de emissão é expressamente informada de imediato do direito que lhe assiste a novo julgamento ou a recurso que permita a reapreciação do mérito da causa, incluindo apreciação de novas provas, que podem conduzir a uma decisão distinta da inicial, bem como dos respetivos prazos’ (al. d) do citado normativo); assim sendo, o arguido será entregue ao Estado emissor para cumprimento da pena, sem prejuízo de poder recorrer da decisão”.

III – Ainda que numa fase inicial toda a legislação relativa ao MDE parecesse pressupor, quando emitido para cumprimento de pena, uma decisão transitada em julgado, com a introdução do art. 12.º-A ter-se-á necessariamente que atender à possibilidade de emissão de um MDE para cumprimento de pena ainda que a decisão não tenha transitado em julgado, desde que se dê possibilidade ao visado de recorrer da decisão

VII – Sendo o arguido residente em Portugal (…) e a estarmos perante um MDE para cumprimento de pena, o Estado português poderá recusar a sua execução se se comprometer a executar a pena determinada na decisão; mas, o Estado português só pode estabelecer um compromisso perante uma decisão transitada em julgado, isto é, perante todas aquelas situações que não se integrem no âmbito do art. 12.º-A, da LMDE. Uma vez que, por um lado, é o próprio arguido/recorrente que entende que a decisão não transitou em julgado e, por outro lado, o Estado emissor afirma expressamente que a decisão ainda pode ser objeto de recurso, não poderá agora o Estado português comprometer-se a executar uma pena que ainda não está estabilizada (…)”.

Por outras palavras, com manifestar, e de resto em termos inequívocos, que não prescindirá da faculdade excepcional de requerer novo julgamento ou recurso, inerente a ter sido julgado na ausência e em conformidade com o art. 12.º-A, n.º 1, al. d), da LMDE, o próprio requerido, assim exprimindo o seu inconformismo e não aceitação da sentença que o condenou, inviabilizaria sempre a possibilidade de reconhecimento dela, para execução em Portugal da pena em que a mesma o condenou, e com isso afasta de pleno a possibilidade de recusa facultativa da execução do MDE, nos termos do art. 12.º, n.º 1, al. g), da LMDE.

9.9. E assim encerrando já, conclui-se não proceder qualquer motivo de oposição à execução do MDE, de que pelo contrário se verificam todos os pressupostos e por isso deverá ser determinada, nos termos do art. 22.º, n.º 1, da LMDE, com a inerente entrega subsequente do requerido às autoridades romenas.

III – Decisão

Em face do exposto, decide-se negar provimento à oposição deduzida pelo requerido AA, deferindo a execução do Mandado de Detenção Europeu junto aos autos, contra ele emitido pela Autoridade Judiciária ... (Tribunal ...), determinando-se a sua entrega à dita autoridade.

Essa entrega far-se-á no mais curto prazo possível após se tornar definitiva esta decisão e no máximo de dez dias após isso (art. 29.º, n.º 1 e 2, da LMDE)

Menciona-se o facto de o requerido ter declarado não renunciar ao princípio da especialidade (art. 7.º da LMDE).

Consigna-se, designadamente para os efeitos do art. 10.º, n.º 1 e 2, da LMDE (desconto), que o requerido foi detido no âmbito do procedimento de execução do MDE em 05/12/2022, mantendo-se desde então essa detenção.

Custas pelo oponente, fixando-se em três UCs a taxa de justiça devida – art. 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e 8.º, n.º 9, e Tabela Anexa III, do Regulamento das Custas Processuais, bem como alínea j), do n.º 1 do art. 4.º deste diploma legal).

Quanto às despesas ocasionadas pela execução do MDE em território nacional, serão suportadas pelo estado português (art. 35.º, n.º 1, da LMDE).

Notifique, incluindo o MP, o GNI, o requerido e respectiva mandatária, e informe a autoridade de emissão.


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Coimbra, 11 de Janeiro de 2023

Pedro Lima (relator)

Jorge Jacob (1.º adjunto)

Maria Pilar Oliveira (2.ª adjunta)

Assinado eletronicamente