Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3930/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: CURA MARIANO
Descritores: MODIFICAÇÃO DO CONTRATO
ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
Data do Acordão: 01/31/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE CASTELO BRANCO - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 437º, Nº 1, DO C. CIV. .
Sumário: I – O artº 437º, nº 1, do C. Civ. permite que o tribunal modifique o conteúdo de um contrato, caso se demonstre que se verificou uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, desde que as exigências das obrigações assumidas afectem gravemente os princípios da boa fé e não estejam cobertas pelos riscos próprios do contrato .
II – O primeiro requisito da aplicação da medida excepcional prevista no artº 437º, nº 1, do C. Civ., é o de que a circunstância em que se produziu uma alteração se inclua na chamada “base do negócio” ; o segundo requisito desta figura é o de que tenha ocorrido uma alteração anormal dessa circunstância integrante da base do negócio ; o terceiro requisito é o de que a manutenção do contrato, ou dos seus termos, afecte gravemente os princípios da boa fé ; o quarto requisito é o de que a alteração verificada não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato .

III – O disposto no artº 437º do C. Civ. não se aplica só quando não existem estipulações negociais ou normas que procedam a cominações expressas de risco ou que se reportam à impossibilidade de cumprimento total ou parcial das obrigações, mas quando apesar destas existirem, os princípios da boa fé continuem a revelar-se gravemente afectados, após a sua aplicação .

Decisão Texto Integral:


Autora (apelada): A...


(apelante): B...

*
A Autora intentou a presente acção declarativa de condenação, com pro-cesso ordinário, contra a Ré, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de €. 52.243,41, acrescida dos juros de mora vencidos que, em 15/12/2003, somam €. 1.115,56, e ainda dos juros vincendos sobre a referida quantia de €. 52.243,41, desde 16/12/2003, à taxa acordada de 13% ao ano, até integral pagamento.
Para fundamentar este pedido alegou o seguinte, além do mais sem inte-resse para a decisão deste recurso:
- A Autora é dona e legítima possuidora de uma área de serviço dupla para abastecimentos de combustíveis, a qual se encontra instalada em dois prédios urbanos sitos no IP-2, na freguesia de Sarnadas de Ródão, concelho de Vila Velha de Ródão;
- Da área de serviço referida no artigo anterior faz parte integrante um estabelecimento comercial constituído pela zona de exploração de restauração;
- A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à exploração da indus-tria hoteleira, turismo e transformação de alimentos;
- Por escritura outorgada no dia 8.Julho.1999, no 2º Cartório Notarial de Castelo Branco, no exercício das respectivas actividades comerciais, a Autora cedeu à Ré, que aceitou, a exploração do estabelecimento comercial de restauração ante-riormente referido.
- A concessão da exploração do dito estabelecimento de restauração foi efectuada com início em 1.Junho.1999 e termo em 31.Maio.2004, podendo reno-var-se por iguais e sucessivos períodos de 5 anos, salvo se qualquer das partes, Autora ou Ré, procedesse à sua denúncia.
- A Ré, no e para o exercício da exploração do estabelecimento de res-tauração em causa, recebeu da Autora os equipamentos, móveis e utensílios cons-tantes da relação do mobiliário nele existente, e que a Ré deveria restituir à Autora, em bom estado de conservação, no termo do contrato ou da sua renovação.
- A cessão foi feita pelo preço de 72.000.000$00, a pagar em prestações mensais de 1.200.000$00, prestações essas que deveriam ser pagas na sede da Autora até ao dia 15 de cada mês.
- Tal prestação mensal, actualmente, face às actualizações levadas a efeito, é de € 8.086,48, incluindo IVA à taxa de 19%.
- Autora e Ré acordaram que as despesas relativas a consumo de água, electricidade, telefone e gás seriam da responsabilidade da Ré, e que a falta ou não cumprimento pontual das obrigações pecuniárias previstas no contrato daria lugar a juros de mora, calculados à taxa prevista no artigo 559, n.º 1, do Cód. Civil, acres-cida de 9 pontos percentuais.
- A Ré, unilateralmente, por carta datada de 20.Outubro.2003, comunicou à Autora que punha termo ao contrato de cessão de exploração em causa, entre ambas celebrado, tendo procedido ao encerramento e entrega à Autora do estabe-lecimento em causa no dia 27.Outubro.2003, após conferência dos equipamentos, móveis e utensílios pertencentes ao mesmo, o que foi feito, em simultâneo, pelo sócio gerente da Autora e pelo encarregado da Ré.
- Além do mais a Ré deve à Autora as prestações vencidas e não pagas relativas à cessão de exploração em causa, referentes aos meses de Agosto, Setem-bro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2003, as duas últimas relativas à denún-cia antecipada levada a efeito pela Ré, conforme estipulado na cláusula 7ª parágrafo único os quais totalizam (5 x € 8086,48) € 40.432,40 ( quarenta mil quatrocentos e trinta e dois euros e quarenta cêntimos).
- Assim, o valor da dívida da Ré para com a Autora, até 15/12/2003, ascende a € 53.358,97 (cinquenta e três mil trezentos e cinquenta e oito euros e noventa e sete cêntimos), sendo € 52.243,41 (cinquenta e dois mil duzentos e quarenta e três euros e quarenta e um cêntimos), relativos a capital e € 1.115,56 (mil cento e quinze euros e cinquenta e seis cêntimos), relativos aos juros vencidos.

Contestou a Ré, alegando o seguinte além do mais sem interesse para a decisão do presente recurso:
- Já antes da carta datada de 20 de Outubro de 2003, os legais represen-tantes da Ré haviam manifestado, em reunião mantida com os da Autora o inabalá-vel propósito de fazerem cessar o contrato sub judice.
- No dia 27 de Julho de 2003 entrou em funcionamento, como é do domínio público o novo troço da auto estrada A 23, o qual passa junto à área de serviço onde está localizado o estabelecimento objecto da concessão.
- Tal facto levou a Ré a informar a Autora da impossibilidade de manter o contrato sub judice nas condições acordadas por quebras resultantes do desvio de tráfego, que atingiu no mês seguinte uma redução da facturação em cerca de 90%, que se manteve até à entrega do estabelecimento.
- A própria Autora sentiu na pele, idêntica redução, no respeitante à venda de combustíveis, originada também, pelo desvio de tráfego para a nova auto estrada, aliás, gratuita.
- A Ré, por intermédio do seu mandatário, por fax, datado de 06 de Agosto de 2003, colocando ainda a hipótese da manutenção do contrato até ao fim do prazo inicialmente previsto, 31 de Maio de 2004, propôs à Autora a revisão do valor da prestação em função do valor de facturação mensal.
- A esse fax, respondeu o gerente da Autora, Joaquim Carmona, por carta registada com aviso de recepção, datada de 28 de Agosto de 2003, dirigida ao mandatário da Ré, comunicando, além do mais, não dispor a Autora de quaisquer elementos que lhe permitisse confirmar se havia ou não perda de receitas por parte daquela, nem o montante dessa eventual perda, concluindo pela não aceitação do pedido apresentado de redução da prestação mensal estabelecida no contrato.
- À posição assumida pela Autora, ripostou a Ré, novamente, por inter-médio do seu mandatário, através de um fax, datado de 15 de Setembro de 2003, no qual apresenta os elementos contabilísticos que confirmam uma quebra súbita das vendas diárias no mês subsequente à abertura do novo troço da auto estrada A 23, por comparação com as realizadas no mesmo mês do ano anterior, sensibili-zando, por isso, a Autora a proceder à revisão do valor das prestações mensais.
- Não obstante o bem fundado das razões invocadas pela Ré, a Autora não considerou o pedido de revisão da renda.
- Foi ainda equacionado um possível acordo de resolução do contrato, mas que, no entanto, não chegou a ser concretizado.
- Com o arrastar da situação não restou outra via à Ré, senão comunicar formalmente a denúncia do contrato sub judice.
- Denúncia essa que, em finais de Julho de 2003, já tinha efec-tuado verbalmente.
- O estabelecimento era composto de um restaurante e de duas cafetarias.
- Em consequência da diminuição repentina da afluência de clientela, a Ré ficou apenas a utilizar o serviço de cafetaria.
- Com efeito, foi a Ré resolvendo sucessivamente os contratos de traba-lho dos trabalhadores que mantinha ao seu serviço, por não poder mais assegurar o pagamento dos seus salários.
- A brutal diminuição da clientela determinou, logicamente, acentuadís-sima perda de receitas, que como se disse atinge cerca de 90% dos valores factura-dos nos meses homólogos do ano anterior.
- A manter-se a renda, o valor das receitas ficariam muito abaixo do rela-tivo às despesas, inviabilizando o negócio.
- A exigência da Autora em manter o contrato nos seus precisos termos, colide, por isso, claramente com os princípios da boa fé.
- Aliás, tanto a Autora como a Ré celebraram o contrato no conheci-mento, pressuposto e garantia dada pela primeira de que o novo troço não viria a ser construído.
- Daí ter a Ré fundado a sua decisão de contratar convicta que isso não seria um risco do próprio contrato.
- A alteração superveniente verificada originou um profundo desajusta-mento entre as prestações do contrato celebrado em termos de equidade, o que nos termos do disposto no art.º 437º, do Código Civil, concede à Ré o direito à resolução do contrato.
Concluiu pela improcedência da acção.

Replicou a Autora, mantendo a posição assumida na p.i. e pedindo ainda a condenação da Ré, como litigante de má-fé, em multa e indemnização a seu favor no montante de €. 1.500,00.

Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou parcialmente procedente e provada a acção e condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de €. 50.924,30 (cinquenta mil novecentos e vinte e quatro euros e trinta cêntimos), acrescida dos juros de mora já vencidos, contados até 15/12/2003, no montante de €. 1.078,22 (mil e setenta e oito euros e vinte e dois cêntimos), e ainda dos juros vincendos, contados desde 16/12/2003, à taxa anual de 4%, acrescida de 9 (nove) pontos percentuais, sobre a importância de €. 46.448,78 (quarenta e seis mil quatrocentos e quarenta e oito euros e setenta e oito cêntimos), até integral pagamento. Quanto ao mais que foi pedido pela Autora foi a acção julgada improcedente, tal como foi julgado improcedente o pedido de condenação da Ré como litigante de má fé.

Desta sentença interpôs recurso a Ré, alegando os seguintes fundamen-tos:
- O motivo que levou a Ré a celebrar o contrato em causa resultou do facto daquela conhecer a grande afluência de clientela à área de serviço e posto de combustível da Autora, implantada no I.P. 2, assim como, das informações que lhe haviam sido inicialmente dadas de que a nova auto-estrada iria passar por aquele local, isto é, aproveitando o troço do IP 2, o que não veio a acontecer .
- Em consequência dessa situação, o contrato de cessão de exploração sub judice sofreu uma alteração anormal de circunstâncias.
- A qual resultou da entrada em funcionamento, em 27 de Julho de 2003, da nova da auto estrada A 23, aliás, gratuita, com o consequente desvio de tráfego do IP 2 até porque algumas zonas do mesmo ficaram cortadas ao trânsito.
- Essa alteração foi, acentuadíssima, assumindo proporções extraordinariamente nefastas para a Ré.
- Tal facto levou desde logo a Ré a informar a Autora da impossibilidade de manter o referido contrato nas condições acordadas por quebras resultantes do desvio de tráfego, que atingiu no mês seguinte uma redução da facturação em cerca de 90% que se manteve até à entrega do estabelecimento.
- A Ré ainda tentou acordar na revisão do valor da prestação, em consequência da diminuição abrupta de clientela e de receitas, mas não conseguiu acordo da Autora nesse sentido.
- Foi ainda equacionado um possível acordo de resolução do contrato, mas que, no entanto, não chegou a ser concretizado.
- A factualidade dada como provada é, aliás, deveras demonstrativa de que surgiu uma alteração superveniente que originou profundo desajustamento das prestações assumidas pela Ré, ora apelante, no âmbito do referido contrato.
- No caso sub judice encontram-se preenchidos os requisitos de que a lei faz depender a actuação da cláusula rebus sic stantibus em virtude de ter ocorrido uma alteração anormal das circunstâncias que não era previsível à data do contrato e que tornou o seu cumprimento claramente ofensivo dos princípios da boa fé.
- Daí que, perante a perturbação do equilíbrio contratual e o acontecimento imprevisí-vel verificado, ser inexigível à Ré o pagamento das prestações relativas à cessão de exploração em causa, referentes aos meses de Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2003, no valor global de €. 40.432,40.
- Com efeito, sendo as prestações em causa a contrapartida pelo uso e gozo do imóvel objecto da concessão, por banda da apelante, provado, como ficou, que o estabelecimento da Autora era composto por um restaurante e duas cafetarias, e que a partir da abertura da auto-estrada A 23, em 27 de Julho de 2003, a Ré, derivado à diminuição repentina de clientela e receitas em consequência do desvio de tráfego do IP 2, ficou apenas a utilizar o serviço de cafetaria, não podia o Tribunal a quo entender e concluir, como o faz, que tais prestações fossem devidas na totalidade, e condenar a apelante a pagá-las, isto porque, o restaurante e uma das cafetarias foram imediata-mente encerrados.
- A manter-se a condenação, nessa parte, da apelante, no pagamento das ditas presta-ções, ocorreria manifesto enriquecimento sem causa, por parte da apelada, conforme disposto pelo art. 473° do C.C..
- O único valor que a Ré teria que pagar seria apenas o relativo às despesas suporta-das pela Autora com água, electricidade, reparação de equipamento avariado, substituição de porta WC e desinfestação do estabelecimento no valor global de € 10.491,90.
- Ao decidir da forma como o fez, o Meretíssimo Juiz a quo, violou o disposto no nº 1 do artigo 437º do Código Civil, pois que, se tivesse aplicado tal preceito ao caso sub judice, dúvidas não há de que, outro e bem diferente teria sido o teor da douta sentença, agora recorrida.
- Acresce ainda que, na douta sentença não se faz qualquer referência a tais factos e circunstâncias, o que equivale a que ocorra, nessa parte, verdadeira omissão de pronúncia e a nulidade da douta sentença, conforme disposto pela alínea d) do nº 1 do art. 668° do C.P.C..
- Tal nulidade (omissão / excesso de pronúncia) está directamente relacionada com o comando previsto no artº 660°, nº 2, do Cód. Proc. Civil, e serve de cominação para o seu desres-peito.
- Ora o dever imposto no artº 660º, nº 2, do Cód. Proc. Civil, diz respeito ao conhe-cimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e causa de pedir apresentadas pelas partes suscitam, quanto à procedência ou improcedência do pedido formulado.
- Ora, o Tribunal a quo não apreciou, nem decidiu sobre a questão da alteração anormal das circunstâncias verificada no contrato sub judice e explanada novamente nas alegações do presente recurso, violando, por isso, também o disposto no artigo 660°, nº 2, do C.P.C.”.
Concluiu pelo provimento do recurso e pela condenação da Ré a pagar apenas as despesas suportadas pela Autora com água, electricidade, reparação de equipamento avariado, substituição de porta wc e desinfestação do estabelecimento no valor global de (€. 10.491,90), declarando-se ainda a nulidade da sentença recor-rida, por omissão de pronúncia, em virtude do Tribunal a quo não ter apreciado a questão sobre a alteração anormal das circunstâncias verificada no contrato de cessão de exploração sub judice, situação que tornaria inexigível à Ré o pagamento das prestações referentes aos meses de Agosto a Dezembro de 2003.

Contra-alegou a Autora, defendendo a manutenção do decidido.

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Da nulidade da sentença
A Ré veio arguir a nulidade da sentença recorrida, alegando que a sen-tença não apreciou a questão por si suscitada na contestação da alteração anormal das circunstâncias, que impediria a obrigação de pagamento das rendas acordadas na sua totalidade.
Efectivamente tal defesa por excepção foi deduzida pela Ré na contesta-ção apresentada.
E essa defesa foi objecto de apreciação na sentença recorrida, em que se escreveu o seguinte:
“A Ré não logrou provar nenhum facto impeditivo do direito da Autora. Na verdade, tentou acordar na revisão do valor da prestação, dado ter entrado em funcionamento o novo troco da Auto-Estrada 23, que lhe provocou diminuição de clientela e de receitas, mas não conseguiu acordo nesse sentido (factos 20 a 23, 32 a 35). Ora, isso não lhe dá direito a não cumprir o acordado no contrato de cessão de exploração, tanto mais que não logrou provar que a celebração de tal contrato esteve dependente da construção, ou não, de tal troço de estrada, ou da sua locali-zação (vide resposta restritiva ao quesito 14)”.
Apesar de o ter feito de forma lacónica, a sentença recorrida entendeu que não se verificava uma situação em que se tivessem alterado anormalmente as circunstâncias em que foi celebrado o contrato e, por isso, considerou improce-dente esta defesa invocada pela Ré.
Não se verifica, pois, uma omissão de pronúncia, não sendo a sentença nula, como pretendia a Ré.

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OS FACTOS
Neste processo encontram-se provados os seguintes factos:

I - A Autora é uma sociedade comercial e está matriculada na Conser-vatória do Registo Comercial de Vila Velha de Ródão sob o nº. 576/811028 (alí-nea A dos factos assentes).

II - A Autora é dona e legítima possuidora de uma área de serviço dupla para abastecimentos de combustíveis, a qual se encontra instalada em dois prédios urbanos sitos no IP-2, na freguesia de Sarnadas de Ródão, concelho de Vila Velha de Ródão, um do lado norte, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1.355 e outro, do lado sul, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 1352 (alínea B dos factos assentes).

III - Da área de serviço referida em II faz parte integrante um estabele-cimento comercial constituído pela zona de exploração de restauração, designado por Zona (alínea C dos factos assentes).

IV - A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à exploração da indústria hoteleira, turismo e transformação de alimentos, encontrando-se matricu-lada na Conservatória do Registo Comercial de Oliveira de Frades sob o nº. 249/930511 (alínea D dos factos assentes).

V - Por escritura outorgada no dia 8 de Julho de 1999, no 2º Cartório Notarial de Castelo Branco, lavrada de folhas 3 a folhas 4 do livro 47-E, com o respectivo documento complementar, elaborado nos termos do nº. 2, do artigo 64º. do Código do Notariado e relação de mobiliário anexa à mesma, no exercício das respectivas actividades comerciais, a Autora cedeu à Ré, que aceitou, a exploração do estabelecimento comercial de restauração referido em III, nos termos e cláusulas constantes do documento complementar anteriormente referido (alínea E dos factos assentes).

VI - A concessão da exploração do dito estabelecimento de restauração foi efectuada com início em 01 de Junho de 1999 e termo em 31 de Maio de 2004, podendo renovar-se por iguais e sucessivos períodos de 5 anos, salvo se qualquer das partes, Autora ou Ré, procedesse à sua denúncia (alínea F dos factos assen-tes).

VII - A denúncia, a ser levada a efeito, teria de ser comunicada à outra parte por carta registada com aviso de recepção, com a antecedência mínima de dois meses (alínea G dos factos assentes).

VIII - A Ré, no e para o exercício da exploração do estabelecimento de restauração em causa recebeu da autora os equipamentos, móveis e utensílios constantes da relação do mobiliário nele existente, que faz parte do contrato de cessão de exploração, a que corresponde o documento complementar junto a fls. 15 a 41, que a Ré deveria restituir à Autora, em bom estado de conservação, no termo do contrato ou da sua renovação (alínea H dos factos assentes).

IX - A cessão foi feita pelo preço de 72.000.000$00 (setenta e dois milhões de escudos), a pagar em prestações mensais de 1.200.000$00 (um milhão e duzentos mil escudos), prestações essas que deveriam ser pagas na sede da Autora até ao dia 15 de cada mês (alínea I dos factos assentes).

X - Tal prestação mensal, actualmente, face às actualizações levadas a efeito, é de €. 8.086,48 (oito mil e oitenta e seis euros e quarenta e oito cêntimos), incluindo IVA à taxa de 19% (alínea J dos factos assentes).

XI - Autora e Ré acordaram que as despesas relativas a consumo de água, electricidade, telefone e gás seriam da responsabilidade da Ré (alínea L dos factos assentes).

XII - Mais acordaram que a falta ou o não cumprimento pontual das obrigações pecuniárias previstas no contrato referido em V daria lugar a juros de mora, calculados à taxa prevista no artigo 559º, nº 1 do Cód. Civil, acrescida de 9 pontos percentuais (alínea M dos factos assentes).

XIII - No contrato a que se alude em V, a Ré, entre outras obrigações, comprometeu-se a:
Manter a exploração do estabelecimento cedido nas melhores condi-ções de satisfazer o público, compreendendo-se nelas a qualidade do serviço, o trato e higiene do pessoal e o impecável estado de asseio das instalações.
Manter, permanentemente, em perfeito estado de conservação e lim-peza toda a zona, nomeadamente infra-estruturas, edificações, móveis, equipa-mentos, utensílios e decoração; Particularmente no que concerne às instalações sanitárias, as mesmas deverão estar sempre em adequado estado de asseio e dotadas de utensílios de higiene necessários.
Manter sempre o equipamento, móveis e utensílios, existente para a prestação de serviços em bom estado de utilização e a actualizá-los quando se tornassem obsoletos ou revelassem falta de capacidade.
Proceder às revisões e reparações do equipamento, móveis e utensí-lios, quando necessária, a expensas suas e no mais curto espaço de tempo, minimi-zando os impactos sobre o normal funcionamento da Zona.
Deixar, no termo do contrato, o estabelecimento comercial de res-tauração em causa, em bom estado de conservação e asseio, de modo a permitir a sua imediata utilização sem recurso a obras de beneficiação, bem como, nos 90 dias antes do termo do contrato, elaborar uma relação dos móveis e equipamentos avariados ou em falta, procedendo à reparação ou reposição dos mesmos, caso antes fosse o caso (alínea N dos factos assentes).

XIV - Nos termos constantes da cláusula 9ª, ponto 2, do contrato de cessão de exploração, a falta ou não cumprimento pontual das obrigações pecuniá-rias previstas no contrato vencem juros calculados à taxa prevista no artigo 559º, nº 1, do Cód. Civil, acrescida de 9 pontos percentuais (alínea T dos factos assentes).

XV - Na altura em que foi celebrado o contrato referido em V, comen-tava-se que o troço da A 23 passaria ao lado da área de serviço e posto de com-bustível da Autora (isto é, aproveitando o troço do IP2), o que não veio a acontecer (resposta ao quesito 14º).

XVI - No dia 27 de Julho de 2003 entrou em funcionamento, como é do domínio público o novo troço da auto estrada A 23, o qual passa junto à área de serviço onde está localizado o estabelecimento objecto da concessão (alínea U dos factos assentes).

XVII - A Autora sentiu redução no respeitante à venda de combustível originada pelo desvio de tráfego para a nova auto-estrada (resposta ao quesito 10º, com correcção do lapso de escrita nele constante, relativamente à troca de “Autora” por “Ré”).

XVIII - O estabelecimento da Autora era composto de um restaurante e duas cafetarias, e a partir de determinada altura a Ré ficou apenas a utilizar o ser-viço de cafetaria, devido à diminuição repentina da afluência clientela (alínea AA dos factos assentes e resposta ao quesito 11º).

XIX - A diminuição de clientela determinou perda de receitas (resposta ao quesito 12º).

XX - A manter-se a renda, o valor das receitas ficaria muito abaixo do relativo às despesas (resposta ao quesito 13º).

XXI - A Ré, por fax, datado de 06 de Agosto de 2003, colocou à Autora a possibilidade de manutenção do contrato até ao fim do prazo inicialmente pre-visto, 31 de Maio de 2004, operando a revisão do valor da prestação em função do valor de facturação mensal (alínea V dos factos assentes).

XXII - A esse fax, respondeu o gerente da Autora, Joaquim Carmona, por carta registada com aviso de recepção, datada de 28 de Agosto de 2003, dirigida ao mandatário da Ré, comunicando, além do mais, não dispor a Autora de quais-quer elementos que lhe permitisse confirmar se havia ou não perda de receitas por parte daquela, nem o montante dessa eventual perda, concluindo pela não aceitação do pedido apresentado de redução da prestação mensal estabelecida no contrato (alínea X dos factos assentes).

XXIII - À posição assumida pela Autora, ripostou a Ré, novamente, por intermédio do seu mandatário, através de um fax, datado de 15 de Setembro de 2003, no qual apresentou elementos contabilísticos que visavam confirmar uma quebra súbita das vendas diárias no mês subsequente à abertura do novo troço da auto estrada A 23, por comparação com as realizadas no mesmo mês do ano ante-rior (alínea Z dos factos assentes).

XXIV - A Ré, por carta datada de 20 de Outubro de 2003, comunicou à Autora que punha termo ao contrato de cessão de exploração em causa, entre ambos celebrado, tendo procedido ao encerramento e entrega à Autora do estabe-lecimento em causa no dia 27 de Outubro 2003, após conferência dos equipamen-tos, móveis e utensílios pertencentes ao mesmo, o que foi feito, em simultâneo, pelo sócio gerente da Autora e pelo encarregado da Ré (alíneas O e P dos factos assentes).

XXV - A Ré não pagou à Autora quaisquer prestações relativas à cessão de exploração em causa, referentes aos meses de Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2003 (alínea S dos factos assentes).

XXVI - Pelo menos no momento da entrega referida em XXIV, os apa-relhos de ar condicionado da cafetaria 1 e 2 não funcionavam (alínea Q dos factos assentes).

XXVII- A Ré não pagou quaisquer reabastecimentos do depósito de gás que tenham sido efectuados pela Galp em Agosto e Novembro de 2003 (alínea R dos factos assentes).

XXVIII - Do equipamento que a Ré restituiu à Autora no dia 27 de Outubro de 2003, esta última despendeu na sua reparação:
a) de uma máquina de café, uma máquina de lavar chávenas e uma fiambreira, 710,38 euros (setecentos e dez euros e trinta e oito cêntimos) e que a autora pagou;
b) de uma vitrine, 861,20 euros (oitocentos e sessenta e um euros e vinte cêntimos);
c) dos aparelhos de ar condicionado da cafetaria 1 e 2, no valor de 826,76 euros (oitocentos e vinte e seis euros e setenta e seis cêntimos), que a autora pagou;
d) por uma porta do WC cuja substituição importou em 52,36 euros (cinquenta e dois euros e trinta e seis cêntimos).
(resposta ao quesito 1º).

XXIX - Do material entregue pela Autora à Ré para exploração do refe-rido estabelecimento de restauração, aquando da sua restituição faltavam: 2 (dois) tachos, um de 26 litros e outro de 54 litros; 2 (duas) panelas, uma de 35 litros e outra de 28 litros; 1 (uma) tarteira de vidro branco; 1 (uma) travessa de vidro liso branco; 6 (seis) travessas em barro para 1/2 dose; 10 (dez) travessas em barro para duas doses; 50 (cinquenta) púcaros (caçarolas) em barro; 6 (seis) púcaros em barro, pequenos e fundos; 32 (trinta e dois) copos de mesa para água; 45 (quarenta e cinco) copos de mesa para vinho; 35 (trinta e cinco) colheres de sopa: 117 (cento e dezassete) colheres de sobremesa; 19 (dezanove) garfos para sobremesa; 28 (vinte e oito) facas; 37 (trinta e sete) facas de sobremesa; 40 (quarenta) talheres para peixe, faca e garfo, cujo valor, no total, ascende a l.667,82 eros (mil seiscentos e sessenta e sete euros e oitenta e dois cêntimos).
(resposta ao quesito 2º).

XXX - A Autora face à quantidade de baratas existentes, nomeadamente, na despensa, cafetarias, cozinha e restaurante, teve de proceder a uma desinfestação do estabelecimento, no que despendeu a quantia de 357,00 euros (trezentos e cinquenta e sete euros) (resposta ao quesito 3º).

XXXI - As despesas referentes aos gastos com água, relativa aos meses de Abril e Maio ascenderam a €. 1.099,61, Junho e Julho ascenderam a €. 2.328,70 e Agosto e Setembro de 2003 ascenderam a €. 308,45 (resposta ao quesito 4º).

XXXII - As despesas relativas à electricidade referentes a Agosto ascen-dem a €. 929,08, ao mês de Setembro a €. 660,40 e a Outubro de 2003 a €. 690,14 (resposta ao quesito 5º).

XXXIII - As despesas com o gás relativas aos reabastecimentos do res-pectivo depósito efectuados pela Galp em Agosto e Novembro de 2003 ascendem a 1.319,11 euros (mil trezentos e dezanove euros e onze cêntimos) (resposta ao quesito 6º).

XXXIV - Apesar das interpelações levadas a efeito pela Autora à Ré, esta até à presente data nada pagou (resposta ao quesito 8º)

XXXV - A Ré procedia, pelo menos uma vez por ano, à desinfestação das instalações do estabelecimento e estas eram limpas diariamente, não obstante as reclamações quanto à higiene das casas de banho quando havia excursões ou maior afluência de pessoas, sendo certo que o restaurante não mais foi limpo após o seu encerramento (pelo menos desde 12/08/2003 até finais de Outubro de 2003, data da entrega das instalações à Autora) (resposta ao quesito 18º).

XXXVI - A Ré ia resolvendo sucessivamente os contratos de trabalho dos trabalhadores que mantinha ao seu serviço, por não poder mais assegurar o pagamento dos seus salários (resposta ao quesito 22º).

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O DIREITO
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, cumpre apenas verificar se é devido pela Ré o pagamento do valor total das rendas do outorgado contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial, relativas aos meses de Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2003.
Como fundamento da negação desta dívida a Ré alega que no decurso da execução do contrato celebrado entre a Autora e a Ré ocorreu uma alteração anor-mal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, que justifica que a Ré não esteja obrigada a pagar o valor das rendas acordadas, por aplicação do disposto no artº 437º, nº 1, do C.C..
Defende, pois, a Ré que nos encontramos perante uma situação que lhe confere o direito à modificação do contrato e que, em resultado dessa operação, não é devedora das quantias que foi condenada a pagar, a título de rendas.
Contudo, antes da verificação desta invocada causa impeditiva do direito ao recebimento das rendas acordadas, há que apurar, perante a factualidade dada como provada, qual o real número de prestações devidas pela Ré, independente-mente da existência da referida alteração anormal das circunstâncias.
Estipulou-se no contrato celebrado que ele teria início em 01 de Junho de 1999 e termo em 31 de Maio de 2004, podendo renovar-se por iguais e sucessi-vos períodos de 5 anos, salvo se qualquer das partes, Autora ou Ré, procedesse à sua denúncia. O contrato tinha, pois, uma duração de 5 anos e só poderia ser denunciado para o termo deste prazo. Não ocorrendo essa denúncia o contrato renovava-se por novo período de 5 anos. A denúncia deveria ser efectuada por carta registada com aviso de recepção, com a antecedência mínima de dois meses antes do termo do prazo de 5 anos, que ocorria em 31-5-2004.
Contudo, a Ré, após ter tentado, sem sucesso, negociar uma alteração do valor da renda em vigor, por carta datada de 20 de Outubro de 2003, comunicou à Autora que punha termo ao contrato de cessão de exploração.
A Ré não podia denunciar o contrato para esta data, uma vez que o seu prazo inicial só terminava no dia 31 de Maio do ano seguinte, pelo que esta declara-ção unilateral, em princípio, seria perfeitamente ineficaz.
Porém, a Ré procedeu ao encerramento e entrega à Autora do estabele-cimento em causa no dia 27 de Outubro 2003, após conferência dos equipamentos, móveis e utensílios pertencentes ao mesmo, o que foi feito, em simultâneo, pelo sócio gerente da Autora e pelo encarregado da Ré.
Ao receber o estabelecimento locado, procedendo à conferência dos bens do mesmo conjuntamente com a Ré, a Autora revelou inequivocamente que aceitava o termo antecipado do contrato, pretendido pela Ré, concluindo-se que esta, tacitamente, concordou com a extinção do contrato de cessão de exploração naquela data.
Estamos perante uma admissível revogação do contrato celebrado, por acordo das partes, atenta a liberdade contratual consagrada no artº 406º, do C.C. - os contratos podem extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes.
O contrato não se extinguiu, pois, pelo exercício da denúncia contra-tualmente regulada e prevista para o termo do prazo do contrato, mas sim devido a um acordo tácito das partes nesse sentido que pôs fim ao contrato antes do prazo previsto.
Assim, são apenas devidas rendas até à data em que efectivamente termi-nou a cessão de exploração, isto é, até Outubro de 2003 (inclusive), não sendo devidas rendas relativas aos dois meses que se seguiram.
Estão, deste modo, apenas em dívida, as rendas relativas aos meses de Agosto, Setembro e Outubro, de 2003.
A Ré defende que não está obrigada a pagar o valor total destas rendas, por ter direito à alteração do contratado, nos termos do artº 437º, do C.C. (A alteração do contrato, nos termos do artº 437º, do C.C., pode ser deduzida através de defesa por excepção, na contestação à acção em que se reclame o cumprimento do contrato, conforme sustentaram os seguintes Acórdãos:
? da Relação de Lisboa, de 15-6-1978, na C.J., Ano III, tomo , pág. 975, relatado por BORDALO SOARES.
? do S.T.J., de 18-5-1993, na C.J. (Ac. do S.T.J.), Ano I, tomo 2, pág. 109, relatado por PAIS DE SOUSA.).
Este dispositivo permite que o tribunal modifique o conteúdo de um contrato, caso se demonstre que se verificou uma alteração anormal das circunstân-cias em que as partes fundaram a decisão de contratar, desde que as exigências das obrigações assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.
O primeiro requisito da aplicação da medida excepcional prevista no artº 437º, nº 1, do C.C., é a de que a circunstância em que se produziu uma alteração se inclua na chamada “base do negócio”.
Neste caso provou-se que Autora e Ré, em 8-7-1999, celebraram um contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial de restauração sito numa área se serviço e posto de combustível existente no I.P. 2, com termo em 31 de Maio de 2004, e a circunstância cuja alteração anormal aqui se invoca é a do volume de tráfego da estrada onde se situava esse estabelecimento (diminuição desse volume em resultado da construção duma auto-estrada).
Apesar de não se ter provado que o volume de tráfego do I.P. 2 deter-minou a vontade de contratar dos outorgantes, designadamente da Ré, é indiscutí-vel que situando-se o estabelecimento de restauração locado numa área de serviço e posto de combustível duma estrada principal, tal elemento é essencial ao sentido e ao resultado do contrato celebrado (base objectiva) ( No sentido das circunstâncias que constituem a chamada “base objectiva do negócio”, se encontrarem entre as abrangidas pelo disposto no artº 437º, nº 1, do C.C., vide VAZ SERRA, em anotação ao Ac. do S.T.J. de 10-1-1980, na R.L.J., Ano 113, pág. 378, ALMEIDA COSTA, em “Direito das obrigações”, pág. 298, da 8ª ed., da Livraria Almedina, MENEZES CORDEIRO, em “Da boa fé no direito civil”, vol. II, pág. 1106, da ed. de 1984, da Livraria Almedina, MENEZES LEITÃO, em “Direito das obrigações”, vol. II, pág. 131, da ed. de 2002, da Livraria Almedina, GALVÃO TELLES, em “Manual dos contratos em geral”, pág. 344, da 4ª ed., da Livraria Almedina, ANTUNES VARELA e HENRIQUE MESQUITA, em parecer publicado na C.J., Ano VII, tomo 2, pág. 10, PAIS DE VASCONCELOS, em “Teoria geral do direito civil”, vol. II, pág. 246-247, da ed. de 2002, da Livraria Almedina, DURVAL FERREIRA, em “Erro negocial…e alteração de circunstâncias”, pág. 93-94, da 2ª ed., da Livraria Almedina, e os seguintes Acórdãos:
? do S.T.J., de 18-5-1993, na C.J. (Ac. do S.T.J.), Ano I, tomo 2, pág. 109, relatado por PAIS DE SOUSA.
? do S.T.J., de 11-3-1997, na C.J. (Ac. do S.T.J.), Ano V, tomo 1, pág. 150, relatado por SILVA PAIXÃO.). Só tem sentido assumir a exploração de um estabelecimento de restauração com aquela localização, porque a estrada que o serve tem um movimento de tráfego que assegura uma clientela que torna essa exploração rentável, e foi esse resultado que justifica a existência do contrato outorgado.
Não é necessária, pois, a prova de que as partes fizeram depender a cele-bração do contrato da construção, ou não, de tal troço de estrada, ou da sua locali-zação (base subjectiva), para se concluir que a alteração ocorrida abalou a chamada “base do negócio”, pois esta pode ser perspectivada de um ponto de vista objec-tivo, independentemente da vontade declarada das partes.
O segundo requisito desta figura é a de que tenha ocorrido uma alteração anormal dessa circunstância integrante da base do negócio.
Esta anormalidade caracteriza-se pela sua excepcionalidade, assumindo-se como um acidente relativamente ao percurso normal da vida de um contrato com aquelas características, confundindo-se a sua ideia com a dos restantes requi-sitos do atentado aos princípios da boa fé e da não cobertura pelos riscos próprios do contrato (Com esta visão sobre o requisito da anormalidade vide ALMEIDA COSTA, em “Direito das obrigações”, pág. 299-300, da 8ª ed., da Livraria Almedina, PAIS DE VASCONCELOS, em “Teoria geral do direito civil”, vol. II, pág. 247, da ed. de 2002, da Livraria Almedina, DURVAL FERREIRA, em “Erro negocial…e alteração de circunstâncias”, pág. 97-98, da 2ª ed., da Livraria Almedina, e o Acórdão do S.T.J., de 11-3-1997, na C.J. (Ac. do S.T.J.), Ano V, tomo 1, pág. 150, relatado por SILVA PAIXÃO.).
Ora, presidindo ao negócio de cessão de exploração de um estabeleci-mento comercial a ideia da sua rentabilidade e sendo o estabelecimento cedido um restaurante situado numa área de serviço duma estrada principal, qualquer circuns-tância que provoque uma diminuição considerável do tráfego dessa estrada, restringindo de forma significativa a clientela potencial daquele estabelecimento, de forma a não permitir a sua rentabilidade, deve ser considerada uma alteração anor-mal de um elemento essencial da base objectiva desse contrato.
É certo que se provou que na altura em que foi celebrado este contrato, já estava prevista a construção da auto-estrada A 23, apesar de se falar que esta passaria ao lado da área de serviço e posto de combustível da Autora (isto é, apro-veitando, estranhamente, o troço do I.P.2).
Contudo, como refere PAIS DE VASCONCELOS (Em, “Teoria geral do direito civil”, vol. II, pág. 247, da ed. de 2002, da Livraria Almedina.) “não deve ser con-fundida a anormalidade com a imprevisibilidade. Há ocorrências que podem ser mais ou menos previsíveis sem que deixem de ser anormais. Se tudo o que é nor-mal é previsível, já o contrário nem sempre é verdadeiro: o anormal pode ser imprevisto e mesmo imprevisível, mas também pode ser previsto e previsível”.
A previsão de um acontecimento não lhe retira, pois, o cariz de anorma-lidade (Neste sentido opinaram ALMEIDA COSTA, em “Direito das obrigações”, pág. 299, da 8ª ed., da Livraria Almedina, PAIS DE VASCONCELOS, em “Teoria geral do direito civil”, vol. II, pág. 247, da ed. de 2002, da Livraria Almedina, e DURVAL FERREIRA, em “Erro negocial…e alteração de circunstâncias”, pág. 97-98, da 2ª ed., da Livraria Almedina.), uma vez que as partes podem ter previsto a ocorrência da sua existência, mas não se conformarem com a concretização dessa possibilidade, acreditando que o mesmo não se verificará, tendo contratado nesse pressuposto. A anormalidade, apesar da previsão, ou previsibilidade, resultará do seu desalinhamento perturbador da ordem natural da vida que dá sentido à relação contratual estabelecida.
Daí que nos chamados “coronation cases”, em que se justifica a resolu-ção de um contrato de locação duma janela para assistir à passagem de um cortejo que não se chega a realizar ou muda de trajecto, essa resolução, por alteração das circunstâncias, se continue a justificar, mesmo que já, na altura da celebração do contrato, fosse conhecida a possibilidade dessa eventualidade vir a ocorrer.
Para apurar da verificação neste processo do requisito da anormalidade da alteração ocorrida, resta, assim, apenas apurar se a construção da referida auto-estrada provocou uma diminuição considerável do tráfego do I.P. 2.
Provou-se que a inauguração, em 27-7-2003, da auto-estrada A 23 pro-vocou um desvio de tráfego do I.P. 2 para essa auto-estrada, o que determinou uma diminuição da clientela que frequentava estabelecimento em causa. Essa diminuição determinou que este estabelecimento, que era composto de um restaurante e duas cafetarias, passasse apenas a funcionar com o serviço de cafetaria, o que determi-nou perda de receitas, sendo certo que a manter-se a renda, o valor das receitas ficaria muito abaixo do relativo às despesas.
Este quadro de perda de rentabilidade do estabelecimento cuja explora-ção se cedeu, denunciador da perturbação grave do equilíbrio contratual procurado, evidencia claramente que a diminuição de tráfego ocorrida atingiu uma dimensão que deve ser considerada juridicamente anormal, no juízo sobre a aplicação da figura do artº 437º, do C.C..
O terceiro requisito é a de que a manutenção do contrato, ou dos seus termos, afecte gravemente os princípios da boa fé.
Apesar do respeito pela autonomia da vontade nos impelir a respeitar o contratado, a boa fé, enquanto princípio protector da igualdade das partes no campo contratual, impõe, perante um grave desequilíbrio das prestações acordadas, com causas supervenientes, uma intervenção heterotutelar, visando restabelecer o figurino inicialmente pretendido pelas partes ou pondo termo a uma relação que se afastou duma forma anormal do escopo primitivo (Sobre a intervenção da figura da boa fé nestas situações vide MENEZES CORDEIRO, em “Da boa fé no direito civil”, vol. II, pág. 1113-1114, da ed. de 1984, da Livraria Almedina, e o Acórdão da Relação de Évora, de 28-5-1986, na C.J., Ano XI, tomo 3, pág. 253, relatado por GUSMÃO DE MEDEIROS.). Perante esse desequilíbrio supervenientemente ocorrido, a exigência do cumprimento do contratado deve revelar-se manifestamente abusiva, pela desconsideração da alteração anormal entretanto ocorrida, afectando gravemente o princípio da igualdade, imposto pela exigência da boa fé, na execução contratual, nos termos do artº 762º, nº 2, do C.C..
Neste caso, o montante da renda inicialmente acordada para a explora-ção de um estabelecimento comercial, teve necessariamente em conta a rentabili-dade desse estabelecimento face à clientela potencial que o mesmo podia atrair, atenta a sua localização (a renda da exploração de um estabelecimento em Vimioso não é idêntica à renda de um mesmo estabelecimento no Centro Comercial das Amoreiras, em Lisboa). Tendo-se alterado de tal modo as circunstâncias que determinavam o volume dessa clientela potencial que, a manter-se a renda inicial-mente acordada, o valor das receitas ficaria muito abaixo do relativo às despesas, viola o referido princípio da igualdade contratual continuar a exigir-se o montante inicial das rendas, o qual foi acordado para condições que deixaram de existir. A dimensão da alteração ocorrida foi tal que já não é possível considerar-se que a prestação do cessionário da exploração do estabelecimento é o contra-valor da prestação do cedente dessa exploração.
A partir da verificação da mencionada alteração, o estabelecimento, cuja exploração aquela renda visava remunerar, deixou de ter as condições que justificavam o montante dessa renda, pelo que viola de forma grave a boa fé, exigível às partes na execução dos contratos, continuar-se a exigir o pagamento do mesmo valor, em nome duma obediência cega ao respeito pelo contratado.
O quarto requisito é o de que a alteração verificada não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.
Com este requisito não se pretende apenas excluir as alterações que se encontram abrangidas pela álea típica do tipo contratual em causa, uma vez que nesses casos a exigência do cumprimento das respectivas obrigações nunca poderia afectar o princípio da boa fé, pelo que a consagração deste último requisito, com esse simples significado, nada acrescentaria.
Deve considerar-se, sobretudo, esta referência aos riscos do contrato como significando que só deve recorrer-se à intervenção excepcional prevista no artº 437º, do C.C., quando não existam cláusulas contratuais ou normas legais que prevejam as consequências da ocorrência duma alteração da base negocial daquele tipo, como sucede com os preceitos que procedem a cominações expressas de risco ou que se reportam à impossibilidade de cumprimento total ou parcial das obriga-ções.
O artº 437º, do C.C., tem, pois, uma natureza subsidiária perante o fun-cionamento de tais normas, só podendo ser utilizado quando estas não tenham aplicação, ou quando, apesar da sua aplicação, os princípios da boa fé continuem a revelar-se gravemente afectados (Vide, neste sentido, MENEZES CORDEIRO, em “Da boa fé no direito civil”, vol. II, pág. 1092-1095 e 1107, da ed. de 1984, da Livraria Almedina, MENEZES LEITÃO, em “Direito das obrigações”, vol. II, pág. 132, da ed. de 2002, da Livraria Almedina, PAIS DE VASCONCELOS, em “Teoria geral do direito civil”, vol. II, pág. 246, da ed. de 2002, da Livraria Almedina, DURVAL FERREIRA, em “Erro negocial…e alteração de circunstâncias”, pág. 100-101, da 2ª ed., da Livraria Almedina, e os seguintes Acórdãos:
? da Relação de Évora, de 28-5-1986, na C.J., Ano XI, tomo 3, pág. 253, relatado por GUSMÃO DE MEDEIROS.
? da Relação de Lisboa de 11-12-1986, na C.J., Ano XI, tomo 5, pág. 145, relatado por RICARDO DA VELHA.).
A Autora e a Ré acordaram numa cessão temporária e onerosa do gozo de um estabelecimento comercial.
Este molde contratual é bem conhecido na jurisprudência e doutrina portuguesa (Leia-se a história do aparecimento e interesses que justificam esta figura contratual no direito estrangeiro e nacional em “Critério e estrutura do estabelecimento comercial”, de ORLANDO DE CARVALHO, respectivamente a pág. 268 e seg. e 211 e seg., da ed. de 1967.), sendo habitualmente denominado de “cessão de exploração de estabele-cimento”, ou “locação de estabelecimento”, e sendo um negócio obrigacio-nal, socialmente típico, mas juridicamente atípico, por não estar especialmente regulado na lei, apesar de primeiro o C.C. de 1966 (no revogado artº 1085º) e depois o RAU (no artº 111º) descreverem essa figura negocial, pelo prisma da exclusão do regime do arrendamento.
Ora, sendo um negócio obrigacional atípico, deve ser regulado pelas esti-pulações das partes, pelas normas e princípios gerais estabelecidos na lei para os contratos, os negócios jurídicos e as obrigações em geral, e pelas normas e princí-pios estabelecidos na lei para os contratos de locação, por ser o tipo negocial, que mais se lhe assemelha (Relativamente ao regime do contrato de cessão de exploração, podem ler-se PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, em “Código Civil anotado”, vol II, pág. 704, da 4ª ed., da Coimbra Editora, JANUÁRIO GOMES, em “Constituição da Relação de Arrendamento Urbano”, pág. 188, da ed. de 1980, da Livraria Almedina, ISIDRO DE MATOS, em “Arrendamento e Aluguer”, pág. 214, da ed. de 1968, da Atlântida Editora, PINTO FURTADO, em “Manual do Arrendamento Urbano”, pág. 513-515, da ed. de 1996, da Livraria Almedina, MENEZES CORDEIRO, em “Estabelecimento comercial e arrendamento, em “Estudos em homenagem ao Professor Inocêncio Galvão Telles”, vol. III, pág. 423, da ed. de 2002, da Livraria Almedina, e GRAVATO MORAIS, em “Alienação e Oneração do estabelecimento comercial”, pág. 135-138, da ed. de 2005, da Livraria Almedina,
Sobre a disciplina dos contratos atípicos, em geral, leia-se VAZ SERRA, em “Objecto da Obrigação - a Prestação”, no B.M.J. nº 74, ponto 16, e na R.L.J., Ano 98, pág. 217, ANTUNES VARELA, em “Contratos Mistos”, no Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. XLIV, 1968, pág. 149, HELENA BRITO, em “Concessão Comercial”, pág. 218-220, da ed. de 1990, da Livraria Almedina, e PEDRO VASCONCELOS, em “Contratos Atípicos”, pág. 323, da ed. de 1995, da Livraria Almedina.) .
Ora, no artº 1040º, nº 2, do C.C., incluído no capítulo que contém as regras especiais que regem este tipo contratual, prevê-se que ocorrendo uma dimi-nuição do gozo da coisa locada por motivo não imputável nem ao locador, nem ao locatário, este tem direito à redução da renda, proporcional ao tempo que durou essa diminuição e à sua extensão, no caso dela ter excedido um sexto da duração do contrato (PEDRO ROMANO MARTINEZ, em “Direito das Obrigações…”, pág. 196, da 2ª ed., da Livraria Almedina, refere que “…o artº 1040º CC corresponde a uma aplicação limitada – mormente por ser unilateral – do instituto da alteração das circunstâncias (artº 437º ss CC)”.). Esta duração reporta-se ao prazo de vigência do contrato previsto na lei ou nele estipulado e não ao tempo efectivo da relação contratual quando ocorre a privação ou diminuição do gozo do locado (Vide, neste sentido, ISIDRO DE MATOS, em “Arrendamento e aluguer”, pág. 96, da ed. de 1968, da Atlântida Editora, e o Acórdão do S.T.J. de 14-11-1996, no B.M.J. nº 461, pág. 441, relatado por ALMEIDA E SILVA.
Em sentido contrário, pronunciou-se JOÃO DE MATOS, em “Manual do arrendamento e aluguer”, vol. II, pág. 81, da ed. s.d. da Livraria Fernando Machado.).
Como já vimos a abertura ao público da auto-estrada A 23 provocou um desvio de tráfego do I.P. 2 para essa auto-estrada, o que causou uma diminui-ção da clientela que frequentava o estabelecimento em causa. Essa diminuição deter-minou que este estabelecimento, que era composto de um restaurante e duas cafe-tarias, passasse apenas a funcionar com o serviço de cafetaria, o que causou perda de receitas, sendo certo que a manter-se a renda, o valor das receitas ficaria muito abaixo do relativo às despesas.
Estamos, pois, perante uma diminuição do gozo da coisa locada (o esta-belecimento comercial), causada por um factor alheio às partes contraentes. Mas, tendo o contrato uma previsão de duração de 5 anos, e tendo a diminuição de gozo durado três meses (de 27-7-2003, data da abertura da A 23, a 27-10-2003, data da cessação do contrato), a mesma não excedeu um sexto da duração do contrato.
O direito à redução da renda nestes casos já constava do artº 1612º, do Código de Seabra, e do artº 18º, do Decreto nº 5411º, não se impondo aí qualquer limitação a esse direito decorrente da duração do período de privação ou diminui-ção do gozo da coisa locada.
Essa limitação só surgiu no Código Civil de 1966, tendo visado expurgar desta protecção à posição do locatário os casos de privação ou diminuição do gozo do bem locado de curta duração e, portanto, de escassa relevância. Nestas situa-ções, entendeu-se que o prejuízo sofrido pelo locatário deveria correr por sua conta, não se justificando uma alteração do contratado.
No anteprojecto de Galvão Telles, que deu origem a esta norma, encon-trava-se, contudo, previsto que a redução da renda só teria lugar no caso da privação ou diminuição do gozo do locado quando esta excedesse um sexto da duração do contrato ou o lapso de 15 dias (artº 27º, § 2º) (Publicado no B.M.J. nº 83, pág. 221.). Daqui resultava que qualquer privação ou diminuição do gozo do bem locado que fosse superior a 15 dias per-mitia a redução da renda, independentemente do prazo do contrato.
Apesar desta redacção ter sobrevivido à 1ª Revisão Ministerial (artº 1018º) ( Transcrita em “Dos contratos em especial, segundo o Código Civil de 1966”, vol. II, pág. 55-56, de RODRIGUES BASTOS, ed. do autor de 1974.), a 2ª Revisão Ministerial (artº 1040º) (Transcrita em “Dos contratos em especial, segundo o Código Civil de 1966”, vol. II, pág. 56, de RODRIGUES BASTOS, ed. do autor de 1974.) retirou a referência aos 15 dias, a qual não foi retomada nem pelo artº 1040º, do Projecto, nem pela redacção final do C.C., de 1966.
Esta infeliz opção da 2ª Revisão Ministerial veio excluir do direito à redução da renda, nos termos do artº 1040º, nº 2, do C.C., os casos de privação ou diminuição do gozo do arrendado iguais ou inferiores a um sexto do prazo do contrato, independentemente da duração deste.
Assim, num contrato com um prazo de duração de 5 anos, como sucede neste caso, apenas as situações de privação ou diminuição do gozo do arrendado superiores a 10 meses permitem ao locatário exigir uma redução da renda, nos termos do artº 1040º, nº 2, do C.C., donde resulta que não foram apenas as situações de escassa relevância as excluídas deste regime de protecção à posição do locatário.
Este alargamento da área de exclusão do direito à redução da renda nos casos previstos no artº 1040º, nº 2, do C.C., abre, assim, a porta à intervenção de institutos que assegurem o respeito pelos princípios da boa fé na execução dos contratos, de modo a impedir soluções flagrantemente injustas.
Ora, conforme já referimos acima, o disposto no artº 437º, do C.C., não se aplica só quando não existem estipulações negociais ou normas que procedam a cominações expressas de risco ou que se reportam à impossibilidade de cumpri-mento total ou parcial das obrigações, mas quando apesar destas existirem, os princípios da boa fé continuem a revelar-se gravemente afectados, após a sua aplicação (Vide, neste sentido, MENEZES CORDEIRO, em “Da boa fé no direito civil”, vol. II, pág. 1107, da ed. de 1984, da Livraria Almedina, ALMEIDA COSTA, em “Direito das obrigações”, pág. 307, da 8ª ed., da Livraria Almedina, GUILHERME DE OLIVEIRA, em Parecer publicado na C.J., Ano XIV, tomo 5, pág. 19-27, na pág. 24-25, ANTUNES VARELA e HENRIQUE MESQUITA, em parecer publicado na C.J., Ano VII, tomo 2, pág. 14-15, e o Acórdão da Relação de Évora, de 28-5-1986, na C.J., Ano XI, tomo 3, pág. 253, relatado por GUSMÃO DE MEDEIROS.).
Considerando o elevado valor da renda em vigor e que o período de diminuição do gozo do estabelecimento locado ainda perdurou 3 meses, o princípio da igualdade da posição das partes no contrato revela-se gravemente afectado, pelo que, em nome da boa fé, se justifica uma intervenção na relação contratual que equilibre novamente as prestações acordadas, nos termos do artº 437º, do C.C..
Este artigo diz que a modificação do contrato deve ser feita segundo juí-zos de equidade.
Tendo como preocupação reequilibrar as prestações acordadas de modo a adaptá-las às novas circunstâncias, sem inflectir o seu sentido inicial, é adequado reduzir o valor da renda na proporção da alteração anormal das circunstâncias que integravam a base negocial.
Residindo essa alteração na diminuição do tráfego automóvel que tran-sitava na I.P. 2, no troço onde se situava o estabelecimento locado, deve o valor da renda em vigor em Agosto de 2003, ser reduzido na proporção da diminuição desse tráfego (se, por exemplo, o tráfego, nesse troço, após a abertura da A. 23, diminuiu 20%, relati-vamente ao tráfego existente antes desse acontecimento, a redução do valor da renda deverá ser também de 20% do valor vigente em Agosto de 2003).
Como não se encontra apurada nesta acção a dimensão quantitativa da redução do tráfego na I.P. 2, deve o valor das rendas em dívida, respeitante aos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2003, ser apurado em incidente de liquidação posterior, nos termos do artº 661º, nº 2, do C.P.C..
Deste modo, deve ser julgado parcialmente procedente o recurso inter-posto, alterando-se a sentença recorrida, de modo a que, relativamente ao valor das rendas em dívida, a Ré seja apenas condenada a pagar as rendas relativas aos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2003, no montante mensal que vier a ser liqui-dado, em resultado da operação de redução do valor de €. 8.086,48, a efectuar na proporção da diminuição do tráfego existente no troço da I.P. 2, que atravessa a freguesia de Sarnadas de Ródão, concelho de Vila Velha de Ródão, registada após a inauguração da A 23.
Esta modificação determina também a correspondente alteração das condenações em juros e em custas, tendo em consideração que parte da quantia que a Ré deve ser condenada a pagar não se encontra ainda liquidada.

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DECISÃO
Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente e, em conse-quência, altera-se a decisão recorrida, condenando-se a Ré a pagar à Autora a quantia de 10.491,90, já liquidada, e o valor mensal das rendas relativas aos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2003, no montante mensal que vier a ser liquidado, em resultado da operação de redução do valor de €. 8.086,48, a efectuar na proporção da diminuição do tráfego existente no troço da I.P. 2, que atravessa a freguesia de Sarnadas de Ródão, concelho de Vila Velha de Ródão, registada após a inauguração da A 23, acrescidas dos seguintes juros de mora:
- já vencidos, contados até 15-12-2003, e liquidados no valor de €. 178,83;
- juros contados após esta última data, até integral pagamento da quantia de €. 6.016,38, calculados sobre ela, à taxa definida por lei, nos termos do artº 559º, do C.C., que tem sido de 4% ao ano, acrescida da taxa de 9% ao ano;
- juros desde 15-8-2003, até integral pagamento da quantia a liquidar, relativa à renda do mês de Agosto de 2003, calculados sobre ela à taxa defi-nida por lei, nos termos do artº 559º, do C.C., que tem sido de 4% ao ano, acres-cida da taxa de 9% ao ano;
- juros desde 15-9-2003, até integral pagamento da quantia a liquidar, relativa à renda do mês de Setembro de 2003, calculados sobre ela à taxa definida por lei, nos termos do artº 559º, do C.C., que tem sido de 4% ao ano, acrescida da taxa de 9% ao ano;
- juros desde 15-10-2003, até integral pagamento da quantia a liquidar, relativa à renda do mês de Outubro de 2003, calculados sobre ela à taxa definida por lei, nos termos do artº 559º, do C.C., que tem sido de 4% ao ano, acrescida da taxa de 9% ao ano;
Custas da acção pela Ré na proporção de 59%, sendo 39% a título provi-sório, definindo-se a responsabilidade definitiva pelo pagamento desta parte após a decisão do incidente de liquidação e de acordo com o seu teor; e pela Autora, na proporção de 41%, sendo 39% a título provisório, definindo-se a responsabilidade definitiva pelo pagamento desta parte após a decisão do incidente de liquidação e de acordo com o seu teor.

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Custas do recurso, em igual proporção, pela Autora e pela Ré, a título provisório, definindo-se a sua responsabilidade definitiva após a decisão do incidente de liquidação e de acordo com o seu teor.

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Coimbra, 31 de Janeiro de 2006