Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1582/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. HELDER ROQUE
Descritores: POSSE
UNIÃO DE FACTO
Data do Acordão: 06/01/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRANCOSO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: ART. 1251º, 1258º, 1260º, 1261º, 1262º, 1263º, A) E D), 1265º E 1287º DO CÓDIGO CIVIL E 668º, Nº 1, C), DO CPC
Sumário:

1. Na hipótese de aquisição derivada, como acontece com a sucessão mortis causa, tendo os autores demonstrado o registo de transmissão do prédio, a presunção legal de propriedade dele proveniente é susceptível de fundamentar o pedido reivindicatório, sujeitando-se, muito embora, a que a ré o ilida.
2. Sendo lícito a cada um dos comproprietários, seja qual for a quota correspondente ao seu direito na contitularidade, servir-se da coisa comum, utilizando-a na sua totalidade e não apenas em parte, tal significa, a não existir demonstração expressa da inversão do título de posse, que deva ser considerado como possuidor em nome alheio, na parte em que a exceda.
3. Dissolvendo-se a união de facto com o falecimento do companheiro da ré, esta, por não ter sido chamada à sucessão dos bens, não beneficia do estatuto de sucessora do de cujus, e, portanto, de continuadora na posse daquele, não podendo unir ambas as posses, numa só posse continuada.
4. A existência do título, que se não presume, deve ser provada por aquele que o invoca, razão pela qual não vale, para efeitos de usucapião, um título que o possuidor, erradamente, julga ser justo.
5. Não tendo a ré exercido sobre a casa que ocupou poderes de facto com intenção de agir como titular do direito correspondente, pese embora nela ter vivido, durante cerca de seis anos, com o companheiro, contitular de uma quota indivisa na mesma, não é uma possuidora em nome próprio, mas antes uma possuidora em nome alheio, ou seja, em nome do companheiro, enquanto vivo, e, após o óbito deste, em nome dos contitulares da herança, sem determinação de parte ou direito, mas sempre uma possuidora precária ou mera detentora da casa de habitação.
6. É o direito possuído, como propriedade plena, e não outro, isto é, a respectiva parte alíquota, como compropriedade, que pode ser adquirido por usucapião, porquanto quem possui como proprietário é a propriedade que adquire, e não, naturalmente, a compropriedade.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

BB e esposa CC propuseram a presente acção, com processo sumário, contra DD, todos residentes em EE, concelho de Trancoso, pedindo que, na sua procedência, se declare que os autores são donos e legítimos proprietários do prédio infradescrito, que a ré seja condenada a entregar aos autores a aludida casa, livre e desocupada, de pessoas e bens, e ainda que a ré seja, igualmente, condenada a pagar aos autores a importância que se vier a apurar em execução de sentença, pela sua ocupação, desde a citação até à efectiva entrega da mesma, invocando, para o efeito, e, em síntese, que são donos e legítimos proprietários da mencionada casa de habitação, que adveio à sua posse, por escritura de habilitação e partilha, mas que tem vindo a ser ocupada, pela ré e pelo seu falecido companheiro, a titulo de empréstimo.
Porém, os autores necessitam da casa, tendo solicitado, verbalmente, à ré, a sua entrega, que se recusa a fazê-lo, assim os impossibilitando de a ocuparem, ou de a darem de arrendamento.
Na contestação, a ré alega que habita a casa, conjuntamente com seu falecido companheiro, há mais de vinte anos, cuidando da sua conservação, pagando os respectivos impostos, colhendo todos os frutos de que a mesma é susceptível, á vista de toda a gente, incluindo dos autores, ininterruptamente, e, até ao presente, de forma pública, sem embargo ou oposição de ninguém, convencidos do exercício sobre a mesma de um verdadeiro direito de propriedade, a qual pertenceu, em compropriedade, ao seu falecido companheiro e seus filhos, mas que nunca foi reivindicada por ninguém, a não ser, agora, pelos autores.
Em reconvenção, invoca ter adquirido, por usucapião, a casa agora reivindicada, solicitando, para tanto, que se declare que é dona e legítima proprietária do imóvel, com o consequente cancelamento do registo que sobre o mesmo impende, a favor dos autores.
Na resposta à contestação, os autores alegam que, quanto muito, a ré se sentia proprietária de 1/5 da casa, tal como fez constar da declaração de óbito, por morte do seu companheiro, concluindo com o pedido de que a excepção invocada seja declarada improcedente e, no demais, como na petição inicial.
A sentença julgou a acção improcedente, por não provada, e, em consequência, absolveu a ré do pedido contra si formulado, e improcedente, por não provado, o pedido reconvencional deduzido pela ré, do qual absolveu os autores.
Desta sentença, os autores e a ré interpuseram recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

OS AUTORES:
1ª - A douta sentença violou o artigo 1311º, do Código Civil e artigo 7º do Código do Registo Predial;
2ª - A douta sentença recorrida deve ser substituída por outra que julgue a acção procedente e a reconveção improcedente.
A RÉ:

1ª - A aqui apelante provou à evidência que há mais de vinte anos, em nome próprio vem praticando actos materiais de posse no prédio identificado na alínea a) dos factos assentes;
2ª - Actos esses que fez e faz acompanhar da convicção de que exerce um verdadeiro direito de propriedade;
3ª - Adquiriu, pois, tal prédio por via da prescrição aquisitiva – usucapião;
4ª - A sentença recorrida fez uma deficiente aplicação do direito, em clara oposição dos fundamentos da decisão com a mesma decisão, pelo que deve ser declarada nula e substituída por outra que julgue procedente o pedido reconvencional formulado pela aqui apelante, com as legais consequências, nomeadamente com a ordem de cancelamento do registo do prédio descrito em A) dos factos assentes;
5ª - A sentença recorrida violou, entre outros, os artigos 1251º, 1258º, 1260º, 1261º, 1262º, 1263º, a) e d), 1265º e 1287º do Código Civil e 668º, nº 1, c), do CPC.
Nas suas contra-alegações, os autores e a ré concluem em conformidade com as posições que sustentaram nos articulados.
Na sentença apelada, declararam-se demonstrados, sem impugnação, os seguintes factos, que este Tribunal da Relação aceita, nos termos do estipulado pelo artigo 713º, nº 6, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:
O prédio urbano composto por casa de habitação, com dois pavimentos e uma dependência – superfície coberta de 55 m2 e páteo com 30 m2 -, sito na freguesia de EE, concelho de Trancoso, que confronta a Nascente com António Marques Francisco, Poente com rua pública, Norte com Jesuíno de Oliveira Pacheco e Sul com António Inácio Dias Furtado, encontra-se inscrito na matriz, sob o n.º 349, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Trancoso, sob o n° 00502, a favor dos autores, CC e marido BB - A).
Por escritura de habilitação e partilha, outorgada no Cartório Notarial de Trancoso, no dia 29 de Setembro de 1995, António Rebelo, viúvo, natural da freguesia e concelho de Santa Marta de Penaguião, e residente na freguesia de EE, Trancoso, declarou, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por morte de FF, que “no dia oito de Julho de 1995, na freguesia de EE, deste concelho, de onde era natural e teve a sua última residência habitual, faleceu, sem deixar testamento ou qualquer disposição de última vontade, sua mulher FF, no estado de casada em segundas núpcias dela, sob o regime de separação de bens. Que a falecida deixou como únicos herdeiros, ele como primeiro outorgante e a única filha dela e de António Augusto Pires, seu primeiro marido, a segunda outorgante Maria da Fresta. Que não há quem prefira aos indicados herdeiros ou quem com eles possa concorrer à sucessão.
Mais declarou o primeiro e a segunda outorgantes que, pela presente escritura, procedem à partilha do património da autora da sucessão, constituído este pelos bens próprios, devidamente identificados no documento complementar, que faz parte integrante desta escritura (...).
Que, em pagamento, adjudicam à interessada Maria da Fresta, todos os bens constantes das treze verbas do documento complementar, no valor global de sessenta e três mil, duzentos e dois escudos (...)” - B).
Dos prédios objecto de adjudicação, a que se alude em B), faz parte integrante, sob a verba número dois, o prédio descrito em A) - C).
A casa, referida em A), tem sido ocupada pela ré e foi ocupada pelo seu falecido companheiro, Adolfo de Almeida - 1º.
Pelo menos, uma vez, a autora solicitou, verbalmente, a entrega de tal casa, o que aconteceu, há cerca de três anos - 2º.
A ré habita, há mais de vinte anos, na casa, referida em A) - 6º.
O falecido companheiro da ré, com quem esta viveu na referida casa, desde que regressaram de África e, até falecer, sempre disse que a casa, também, lhe pertencia - 7º.
Sempre a ré e o seu companheiro habitaram a referida casa, cuidando da sua conservação, pagando os respectivos impostos, colhendo todos os frutos de que a mesma é susceptível - 8º.
Sempre o fizeram, à vista de toda a gente, incluindo dos autores - 9º.
Fizeram-no, ininterruptamente, sem oposição de ninguém - 10º.
A ré e seu companheiro sempre agiram no convencimento de estarem a tratar de algo que lhes pertencia, já que tal casa, segundo o companheiro da ré, pertencia aos cinco irmãos e, nessa perspectiva, era, também, proprietário - 11º.
Situação que ainda hoje se mantém - 12º.
Em EE, a procura de casa para arrendar não tem significado visível - 13º.
Este Tribunal da Relação considera ainda que se encontram provados, nos termos das disposições combinadas dos artigos 362º e 363º, nºs 1 e 2, do Código Civil (CC), 659º, nº 3, e 713º, nº2, do CPC Assento nº 14/94, de 26-5-1994, DR 1ª série-A, de 4-10-94., mais os seguintes factos:
A aquisição do prédio urbano, descrito em A), a favor dos autores, encontra-se inscrita no registo predial, desde 24 de Outubro de 1995, por dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária, por óbito de FF, casada que foi com António Rebelo, na separação de bens, deferida em partilha extrajudicial – Documento de folhas 7 e verso.
Adolfo de Almeida faleceu no dia 12 de Abril de 1982, sem testamento, no estado civil de solteiro – Documento de folhas 88.
Adolfo de Almeida era irmão de FF, aludida em B), no conjunto dos cinco irmãos que sucederam por óbito de seus pais.
A presente acção deu entrada em juízo, no dia 30 de Outubro de 1997 – Documento de folhas 2.

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Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
A questão a decidir na presente apelação, em função da qual se fixa o objecto de ambos os recursos, considerando que o «thema decidendum» dos mesmos é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do CPC, consiste em saber se a ré, companheira sobreviva do contitular de quota hereditária de prédio indiviso que o ocupa, pode adquirir por usucapião a sua totalidade, ou, apenas, a aludida quota, não obstante a inscrição registral do mesmo, em nome dos autores, posteriormente à aludida ocupação.

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A REIVINDICAÇÃO EM UNIÃO DE FACTO

Efectuando uma síntese do essencial da prova que ficou consagrada, importa reter que se encontra inscrita, no registo predial, em nome dos autores, a aquisição do prédio urbano, a que corresponde a casa de habitação controvertida, desde o passado dia 24 de Outubro de 1995, por dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária, em consequência do óbito de FF, falecida a 8 de Julho de 1995, e que foi casada com António Rebelo, no regime da separação de bens, deferida á autora esposa, sua filha, em escritura de partilha extrajudicial, realizada a 29 de Setembro de 1995.
Porém, esta casa de habitação foi sendo, sucessivamente, ocupada pelo companheiro da ré e por esta, com quem sempre viveu na referida casa, desde que regressaram de África, até à data do seu óbito, ocorrido no dia 12 de Abril de 1982, e pela ré, solitariamente, desde esta data até ao presente, cuidando da sua conservação, pagando os respectivos impostos, colhendo todos os frutos de que a mesma é susceptível, à vista de toda a gente, incluindo dos autores, ininterruptamente, até ao presente, sem oposição de ninguém, com excepção da autora, há cerca de três anos, há mais de vinte anos, quanto à pessoa da ré, e, durante cerca de seis anos, em relação ao seu defunto companheiro, agindo sempre ambos, durante estes respectivos lapsos temporais, no convencimento de que estavam a tratar de algo que lhes pertencia, já que tal casa, segundo o companheiro da ré, era propriedade dos cinco irmãos deste, um dos quais a mãe da autora, e, nessa perspectiva, também, lhe pertencia.
Os autores configuram a presente acção como de reivindicação, invocando como causa se pedir a existência de uma escritura de habilitação e partilha e bem assim como a presunção derivada do registo predial, por força da respectiva inscrição do prédio em causa.
O proprietário não possuidor pode exigir, judicialmente, de qualquer possuidor ou detentor da coisa, não proprietário, ou o proprietário possuidor de qualquer detentor, o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence, como corolário do direito real de sequela, em que se consubstanciam o direito e a correspondente acção de reivindicação ou petitória Mota Pinto, Direitos Reais, 1971, 92, 238 e 239; Manuel Rodrigues, A Reivindicação no Direito Civil Português, R.L.J., Ano 57º,144..
Efectivamente, são dois os pedidos que integram e caracterizam a acção de reivindicação – o reconhecimento do direito de propriedade e a restituição da coisa -, sem embargo de, a coberto dos princípios gerais que estatuem sobre as regras da cumulação de pedidos, consagradas pelo artigo 470º, nº 1, do CPC, o autor poder fazer acrescer aqueles dois pedidos, também, como aconteceu, no caso concreto, o pedido de indemnização.
Trata-se, pois, de uma acção condenatória e não de uma acção de simples apreciação ou meramente declarativa, aquela que se aprecia, na presente apelação, uma vez que o Tribunal não pode condenar o eventual infractor, sem que antes se certifique da existência e violação do direito do demandante .
A natureza da acção de reivindicação resulta, aliás, imediatamente, da causa de pedir, objectivada no direito de propriedade, e do fim visado pelo autor, que é constituído pela declaração da existência da sua propriedade e pela entrega do objecto sobre o qual o seu direito de propriedade incide Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, I, 1970, 175 a 188 e 199 a 223; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 1987, 112 a 116; Antunes Varela, RLJ, Ano 115º, 272, nota 2; Ano 116º, 16, nota 2; Manuel Rodrigues, A Reivindicação no Direito Civil Português, R.L.J., Ano 57º, 161 e 175; Manuel Salvador, Elementos de Reivindicação, nº 24; STJ de 26-4-1994, CJ, Ano II, 1994, T 2, 62 e ss.; .
Na acção de reivindicação, compete aquele que invoca um direito fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, ou seja, daqueles que pertencem à norma fundamentadora do direito e que, em si, lhe não são indiferentes, isto é, que conduzem ao reconhecimento do direito de propriedade de que se arroga, atento o disposto pelos artigos 1311º, nº 1 e 342º, nº 1, do Código Civil (CC) Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, III, 1970, 435; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 1987, 4ª edição, revista e actualizada, 305 e 306..
De facto, nas acções de reivindicação, a causa de pedir é, especialmente complexa, para o autor, face à inexistência de relações pessoais que se estabeleçam entre aquele e o réu.
Incumbe, por isso, aos autores a prova do seu direito de propriedade, não bastando, na hipótese de aquisição derivada, como acontece com a sucessão «mortis causa», que invocam, demonstrar que herdaram o bem, porquanto a partilha não pode considerar-se como um acto constitutivo do direito de propriedade, mas apenas translativo do mesmo, de acordo com o princípio “nemo plus juris ad alium transferre potest”, havendo ainda necessidade de provar que o direito já existia no transmitente, facto esse, por vezes, difícil de alcançar, mas para o qual podem assumir excepcional importância as presunções legais resultantes da posse, se esta for oponível ao detentor, e do registo, nos termos das disposições combinadas dos artigos 1268º, do CC, e 7º, do Código do Registo Predial (CRP).
Ora, no caso em apreço, os autores demonstraram o benefício do registo de transmissão do prédio, a seu favor, decorrente do preceituado pelo artigo 7º, do CPR, hipótese em que a presunção legal de propriedade proveniente do mesmo é susceptível de fundamentar o pedido reivindicatório, sujeitando-se, muito embora, aqueles a que a ré o ilida Vaz Serra, RLJ, Ano 106º, 281 e ss.; STJ, de 4-5-76, BMJ nº 257, 82; e de 14-10-76, BMJ nº 260, 97..
Com efeito, a ré, em sede reconvencional, pede que seja declarada dona e legítima possuidora do mesmo prédio, filiando a causa de pedir da contra-acção de reivindicação na usucapião.
Incumbe, por isso, à ré, agora investida no papel de autora, a prova do seu direito de propriedade, para o que urge demonstrar que, pela posse, tal como vem invocado, se operou a aquisição originária, por usucapião, a qual, em última análise, acabará por se tornar no verdadeiro facto constitutivo do seu direito Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, IV, 1968, 137 e 138; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 1987, 2ª edição, revista e actualizada, 112 a 116; STJ de 17-1-1985, de 4-5-1976 e de 14-10-1976, BMJ, nºs 343, págs. 335 e ss., 257, pág. 82, e 260, pág. 97, respectivamente; RL de 6-7-1977, CJ, Ano II, 1977, T4, 926 e ss..
A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida durante certo lapso de tempo e com certas características, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação, ou seja, a via da usucapião, definida pelo artigo 1287º, do Código Civil.
Mas, a posse, como veículo da dominialidade, é a posse «stricto sensu», e não a posse precária ou detenção, a qual só é passível de conduzir à propriedade, se houver inversão do título de posse, nos termos das disposições combinadas dos artigos 1290º, 1263º, d) e 1265º, do CC.
Ora, são havidos como detentores ou possuidores precários, no que interessa à hipótese em análise, onde se interpenetram, transversalmente, as três categorias típicas da detenção, os que, simplesmente, se aproveitam da tolerância do titular do direito, os que exercem o poder de facto, sem intenção de agir como beneficiários do direito, e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem – alíneas a), b) e c), do artigo 1253º, do CC , isto é, todos aqueles que, tendo embora a detenção da coisa, não actuam sobre ela os poderes de facto, com o «animus» de exercer o direito real correspondente.
A concepção subjectivista da posse, plasmada no ordenamento jurídico nacional, está integrada por dois elementos estruturais – o «corpus» e o «animus possidendi» -, objectivando-se aquele como o exercício actual ou potencial de um poder de facto sobre a coisa, enquanto que o último consiste na intenção de agir como titular do direito correspondente aos actos realizados Manuel Rodrigues, A Posse, 3ª edição, 181 e ss.; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2ª edição, III, 5 e ss.; Orlando de Carvalho, Introdução à Posse, RLJ, 122º, 65 e ss.; Mota Pinto, Direitos Reais, 1970-1971, 177 e ss.; Henrique Mesquita, Direitos Reais, 1967, 65 e ss..
Assim sendo, o acto de aquisição relevante, para efeitos de usucapião, deve consubstanciar os dois elementos definidores do conceito de posse – o «corpus» e o «animus» -, porquanto se apenas o primeiro se preenche, verifica-se uma situação de detenção, insusceptível de conduzir à dominialidade.
Porém, considerando a dificuldade de demonstrar a posse em nome próprio, ressalvada a situação em que haja coincidência com a prova do direito aparente, consagrou-se uma presunção de posse, «animo domini», por parte daquele que exerce o poder de facto, ou seja, daquele que tem a detenção da coisa – «corpus» -, razão pela qual, quando seja necessário o «corpus» e o «animus», em caso de dúvida, o exercício daquele faz presumir a existência deste, com base no disposto pelo artigo 1252º, nº 2, do CC Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2ª edição, III, 8; Mota Pinto, Direitos Reais, 1970-1971, 191; Henrique Mesquita, Direitos Reais, 1967, 72; Moitinho de Almeida, Restituição de Posse e Ocupação de Imóveis, 2ª edição, 1978, 76; STJ de 2-3-1974, BMJ nº 235, 285. .
E, quem tem a seu favor uma presunção legal, escusa de provar o facto a que esta conduz, competindo à outra parte a sua elisão, mediante prova em contrário, isto é, de que a ré não era possuidora, mas mera detentora, o que os autores lograram efectuar, desde logo, em relação a uma parte indivisa do prédio, correspondente a 4/5 do seu total, em conformidade com o estipulado pelo artigo 350º, nºs 1 e 2, do CC.
Com efeito, um dos casos de posse em nome alheio, especialmente referido por lei, traduz-se na situação do comproprietário, em relação às quotas dos seus consortes, em que “o uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido inversão do título”, nos termos das disposições combinadas dos artigos 1253º, c), parte final, e 1406º, nº2, ambos do CC Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 1987, 2ª edição, revista e actualizada, III, 10 e 11..
É que, sendo lícito a cada um dos comproprietários, seja qual for a quota correspondente ao seu direito na contitularidade, servir-se da coisa comum, utilizando-a na sua totalidade e não apenas em parte, por força do princípio da solidariedade, consagrado pelo artigo 1406º, do CC, tal não significa uma situação de posse exclusiva, nem de posse de quota superior à do utente, que não pode estender o seu direito sobre a coisa comum, em prejuízo dos outros.
Se, porém, acontecer que o comproprietário use a coisa comum com intenção de a possuir como proprietário único ou como proprietário de uma quota superior à que, inicialmente, ou, segundo o título, lhe pertencia, impõe-se, para que haja posse susceptível de conduzir à usucapião, a prova da oposição daquele contra o uso que os outros pretendam fazer da coisa, a inversão do título de posse, nos termos do estipulado pelo artigo 1265º, do CC, não sendo suficiente, para o efeito, a demonstração de quaisquer actos capazes de destruir a presunção de que o uso ou posse do condómino, além do que competiria à sua quota, se exerce por mera tolerância dos outros consortes, ou seja, de actos que privassem os outros consortes do uso a que tinham direito Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 1987, 2ª edição, revista e actualizada, III, 359 e 360; Manuel Rodrigues, A Posse, 3ª edição, 1980, 143 a 145; RLJ, Ano 58º, 99; Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, III, 517; STJ, de 2-10-64, BMJ nº 140, 445..
Neste caso de uso da coisa comum pelo comproprietário, como proprietário único, tal como sucedeu com a ré e o seu companheiro, dada a qualidade de contitular deste, o mesmo deve ser considerado como possuidor em nome alheio, porquanto exercendo um direito próprio, não sendo certa e determinada a sua quota, os actos que pratica recaem sobre objecto indiviso, pois que possui, por si e pelos outros, e daí a qualidade de possuidor em nome alheio, na parte que excede a sua quota.
Só através de demonstração expressa da inversão do título de posse seria possível ao companheiro da ré adquirir o prédio, por usucapião, praticando actos com o significado de que, doravante, quer possuir por si e que tinha deixado de possuir em nome de outrem.
E os factos expoentes da «contraditio», para este efeito da inversão do título de posse, obtêm-se com a pratica de actos materiais na presença, ou com o conhecimento daquele a quem se opõem, implicando um acto formal de negação de detentor, sendo ainda necessário que os mesmos não sejam repelidos pelo possuidor, entendendo-se que têm esta virtualidade todos os actos em que se traduz o exercício do direito possuído Manuel Rodrigues, A Posse, 3ª edição, 1980, 232 a 234; Rodrigues Bastos, Direito das Coisas, 33 e 34. .
E nem se diga que o propósito da inversão do título de posse se denuncia pela situação de o companheiro da ré e desta própria, aquele durante cerca de seis anos, e esta num período temporal superior a vinte anos, se encontrarem a ocupar toda a casa, como se fossem os únicos donos e senhores da mesma, sendo certo que a ré nem sequer se insurgiu contra o registo de transmissão da casa, a favor dos autores.
Assim sendo, a ré não provou a inversão do título de posse, razão pela qual, continuando a ser possuidora precária, e não possuidora em nome próprio, não pode adquirir para si, por usucapião, o prédio, nos termos das disposições combinadas dos artigos 1265º, 1263, d) e 1290º, todos do CC.
Como assim, não se acha preenchido o requisito do «animus», por parte da ré, relativamente à totalidade da casa de habitação em discussão, que esta reivindica, ou seja, não se verificam os requisitos da posse, em sentido estrito, susceptíveis, enquanto tais, de viabilizar a aquisição originária da propriedade, por usucapião.
Porém, a ré goza da presunção da titularidade do direito de propriedade sobre a totalidade do prédio, com base no disposto pelo artigo 1268º, nº 1, do CC ?
Com efeito, a ré, enquanto mera detentora ou simples possuidora precária do prédio, não pode beneficiar da presunção da titularidade do direito correspondente, que resulta do estatuto de possuidora em nome próprio, que, de facto, lhe não pertence.
É que, sendo a posse um direito real provisório incidente sobre uma situação de facto, juridicamente protegida, o ordenamento normativo concedeu prioridade ao direito real de gozo, enquanto que a situação do possuidor está apenas protegida quando a presunção de posse prevaleça sobre outra presunção, ou quando a sua duração se prolongue no tempo, a ponto de se reunirem os pressupostos determinantes da aquisição originária do direito de propriedade, por via da usucapião, hipótese em que, ao lado da posse, passa a coexistir o correspondente direito real absoluto Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, I, 626; Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum, 264 a 297; Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, 300 a 317..
Com efeito, a ré, durante mais de vinte anos, e o seu falecido companheiro, no período temporal de cerca de seis anos, têm vindo a reter e a fruir a totalidade do prédio controvertido, mas na situação de meros detentores, porquanto o seu poder sobre o mesmo não se manifesta, através de uma acção correspondente ao exercício do direito de propriedade, atento o disposto pelo artigo 1251º, do CC.
Porém, qual é a situação jurídica da ré e do seu falecido companheiro, relativamente à fracção indivisa de um quinto do prédio, correspondente à quota daquele na herança aberta por óbito de seus pais?
Quem está na posse da coisa, na generalidade das situações, goza do direito correspondente, razão pela qual se lhe não exige, desde logo, uma actividade probatória dirigida à demonstração do seu direito de propriedade sobre ela, sendo suficiente a prova da posse.
Por isso, a posse é um direito real provisório, porquanto os seus efeitos são independentes da circunstância de se saber quem é o titular do direito real sobre a coisa que está na esfera do possuidor, pelo que só actua, enquanto não for, definitivamente, apurado quem é o autêntico titular do direito real sobre o bem.
Quer isto dizer, portanto, que à pessoa que retém ou frui uma coisa, basta provar a posse, a qual, se for uma posse de ano e dia, ou seja, uma posse superior a um ano, nada mais se impõe que seja averiguado, nos termos do disposto pelo artigo 1278º, nº 2, do CC, não sendo, consequentemente, a contraparte admitida sequer a provar que tem melhor posse Mota Pinto, Direitos Reais, 1971, 126 a 129 e 209 a 211..
Por outro lado, e, em sintonia, estabeleceu-se uma outra presunção, a favor do possuidor, segundo a qual este goza da presunção da titularidade do direito, excepto se existir a favor de outrem presunção prioritária, fundada em registo anterior ao início da posse, nos termos do disposto pelo artigo 1268º, nº 1, do CC, ou se estiver provado que, no caso concreto, os bens pertencem a outra pessoa.
Significa este preceito que é de presumir que quem está na posse de uma coisa é titular do direito correspondente aos actos que pratica sobre ela, razão pela qual, em face da mesma presunção, surgindo uma situação de dúvida, o impasse que esta suscita é superado, em termos favoráveis ao possuidor Mota Pinto, Direitos Reais, 1970-1971, 204 e 205..
De facto, a ré demonstrou que, sem embargo de não dispor de registo da inscrição do prédio, a seu favor, se encontra na sua retenção e fruição, enquanto que os autores, por seu turno, provaram a inscrição dominial do mesmo, na sua titularidade, por força da transmissão consequente à celebração de escritura de habilitação e partilha.
Por seu turno, o registo definitivo da aquisição constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define, em conformidade com o estipulado pelo artigo 7º, do CRP.
E quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que esta conduz, razão pela qual competiria aos autores a elisão da presunção da outra parte, mediante prova em contrário, isto é, a de que a ré não era possuidora, mas mera detentora, e a esta de que goza de uma posse mais antiga STJ, de 17-5-1968, BMJ, nº 177, 247; e de 19-7-1968, BMJ, nº 179, 170, respectivamente. , em relação aqueles, titulares do registo da aquisição, em conformidade com o estipulado pelo artigo 350º, nºs 1 e 2, do CC.
No caso «sub judice», dir-se-ia que se está perante um conflito de presunções, ou seja, a dos autores, por um lado, derivada, essencialmente, do registo, e a da ré, pelo outro, proveniente, apenas, da posse.
E a posse, como já se disse, caracteriza-se pelo poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real, atento o estipulado pelo artigo 1251º, adquirindo-se pela pratica reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes à actuação do direito, como resulta do preceituado pelo artigo 1263º, ambos do CC.
O falecido companheiro da ré, Adolfo de Almeida, reteve e fruiu uma quinta parte do prédio, na convicção de que exercia o correspondente direito de contitularidade que lhe competia, durante cerca de seis anos, prazo esse, manifestamente, insusceptível de conduzir, pese embora a sua boa fé, à usucapião, conforme resulta do disposto pelo artigo 1296º, do CC, que exige, atenta a situação concreta verificada, um prazo mínimo de quinze anos.
Ora, com o falecimento do referido Adolfo de Almeida, dissolveu-se a união de facto que este mantinha com a ré, por força do preceituado pelo artigo 8º, nº 1, a), da Lei nº 7/2001, de 11 de Maio.
Assim, a ré, ainda no que à quinta parte do prédio se reporta, não beneficiando do estatuto de sucessora do «de cujus», legítima ou testamentária, a título de herdeira ou legatária, e, portanto, também, de continuadora na posse daquele, não poderia unir ambas as posses, numa só posse continuada, a de seis anos, do seu companheiro, com a sua, de quinze anos, por não ter sido chamada à sucessão dos bens, atento o preceituado pelos artigos 2133º, 2024º, 2050, 2249º e 1255º, todos do CC Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 1987, 2ª edição, revista e actualizada, III, 12; Manuel Rodrigues, A Posse, 3ª edição, 1980, 237, 239 e 242, nota (a). .
Mas, poderá capitalizar em seu benefício, com vista à aquisição por usucapião da quota parte de 1/5 indiviso em apreço, o prazo estanque de quinze anos, durante o qual ocupou o prédio, atento o preceituado pelo artigo 1296º, do CC ?
Nos termos do preceituado pelo artigo 1259º, nº 1, do CC, a posse diz-se titulada quando se funda em qualquer modo legítimo de adquirir o direito sobre a coisa, quando tem por causa um direito, abstractamente, idóneo para a transferência da propriedade ou de um direito real de gozo, exigindo-se que o título seja real, sendo inadmissível o título putativo com o valor de justo título Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 1987, 2ª edição, revista e actualizada, III, 18; Manuel Rodrigues, A Posse, 3ª edição, 1980, 290 a 292; França Pitão e Borges Pinto, Da Ordenação Dominial, 1976, 64..
Efectivamente, a existência do título, que se não presume, deve ser provada por aquele que o invoca, em conformidade com o disposto pelo artigo 1259º, nº 2, do CC, razão pela qual não vale, para efeitos de usucapião, um título que o possuidor, erradamente, julga ser justo Cunha Gonçalces, Tratado de Direito Civil, III, 709..
Como assim, consubstanciando a ocupação da ré uma situação de posse não titulada, a mesma presume-se de má fé, nos termos do disposto pelo artigo 1260º, nº 2, do CC, presunção que a ré não ilidiu, não podendo, consequentemente, usufruir do prazo da usucapião constante do artigo 1296º, do CC.
Aliás, e, de todo em todo, a ré nunca foi uma possuidora em nome próprio, mas antes uma possuidora em nome alheio, ou seja, em nome do companheiro, enquanto vivo, e, após o óbito deste, em nome dos contitulares da herança, ainda sem determinação de parte ou direito, mas sempre uma possuidora precária ou mera detentora da casa de habitação.
Assim sendo, a ré, sem embargo de ter ocupado a casa, pelo espaço de quinze anos, posteriormente à morte do referido Adolfo de Almeida, não pode adquirir a respectiva quinta parte, por usucapião, por não beneficiar do estatuto de possuidora em nome próprio, mas antes de detentora ou possuidora precária.
Efectivamente, é o direito possuído, ou seja, no caso concreto, o prédio ou uma fracção determinada do mesmo, como propriedade plena, e não outro, isto é, a respectiva parte alíquota, como compropriedade, que pode ser adquirido por usucapião, porquanto quem possui como proprietário é a propriedade que adquire Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 1987, 66. , e não, naturalmente, a compropriedade.
Por isso, os factos demonstrados não sustentam a aquisição originária da propriedade, com base na usucapião, por parte da ré, quer relativamente à totalidade do prédio, quer em relação à sua quinta parte.
Encontrando-se assente que os autores são titulares da inscrição registral definitiva do prédio, beneficiam de uma dupla presunção legal, ou seja, a de que o direito registado, a título definitivo, existe, e a de que o mesmo pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define, por força do preceituado pelo artigo 7º, do CRP.
Aliás, ainda que pudesse, em sede de raciocínio académico, admitir-se que a ré se encontrava numa situação de não detentora, o simples facto de não dispor de título de posse, tornar-se-ia insuficiente para se impor à força determinante do direito de propriedade do titular registral inscrito.
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CONCLUSÕES:

I - Na hipótese de aquisição derivada, como acontece com a sucessão «mortis causa», tendo os autores demonstrado o registo de transmissão do prédio, a presunção legal de propriedade dele proveniente é susceptível de fundamentar o pedido reivindicatório, sujeitando-se, muito embora, a que a ré o ilida.
II - Sendo lícito a cada um dos comproprietários, seja qual for a quota correspondente ao seu direito na contitularidade, servir-se da coisa comum, utilizando-a na sua totalidade e não apenas em parte, tal significa, a não existir demonstração expressa da inversão do título de posse, que deva ser considerado como possuidor em nome alheio, na parte em que a exceda.
III - Dissolvendo-se a união de facto com o falecimento do companheiro da ré, esta, por não ter sido chamada à sucessão dos bens, não beneficia do estatuto de sucessora do «de cujus», e, portanto, de continuadora na posse daquele, não podendo unir ambas as posses, numa só posse continuada.
IV - A existência do título, que se não presume, deve ser provada por aquele que o invoca, razão pela qual não vale, para efeitos de usucapião, um título que o possuidor, erradamente, julga ser justo.
V – Não tendo a ré exercido sobre a casa que ocupou poderes de facto com intenção de agir como titular do direito correspondente, pese embora nela ter vivido, durante cerca de seis anos, com o companheiro, contitular de uma quota indivisa na mesma, não é uma possuidora em nome próprio, mas antes uma possuidora em nome alheio, ou seja, em nome do companheiro, enquanto vivo, e, após o óbito deste, em nome dos contitulares da herança, sem determinação de parte ou direito, mas sempre uma possuidora precária ou mera detentora da casa de habitação.
VI – É o direito possuído, como propriedade plena, e não outro, isto é, a respectiva parte alíquota, como compropriedade, que pode ser adquirido por usucapião, porquanto quem possui como proprietário é a propriedade que adquire, e não, naturalmente, a compropriedade.

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DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar improcedente a apelação interposta pela ré, mas procedente a apelação dos autores e, em consequência, embora com base em fundamentação diversa, declaram que os autores são donos e legítimos proprietários do prédio supradescrito, condenando a ré a entregar aos autores a aludida casa de habitação, livre e desocupada, de pessoas e bens.

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Custas, em ambas as instâncias, a cargo da ré-apelante.

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Notifique.