Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
107/13.4TND-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: DEFENSOR OFICIOSO
HONORÁRIO
JULGAMENTO
NOVA SESSÃO
Data do Acordão: 10/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (INSTÂNCIA CENTRAL – SECÇÃO CRIMINAL – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 328.º DO CPP; PORTARIA N.º 1386/2004, DE 10 DE NOVEMBRO; PORTARIA N.º 210/2008, DE 29 DE FEVEREIRO
Sumário: I - A revogação da Nota 1 da Tabela de honorários para a protecção jurídica, anexa, da Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro, operada pelo art. 2.º, a) da Portaria n.º 210/2008, de 29 de Fevereiro significa que a lei, pura e simplesmente, deixou de prever qualquer critério para a determinação do número de sessões de cada diligência processual.

II - Não se descortina qualquer razão atendível para que uma audiência que tenha decorrido da parte da manhã e da parte da tarde de um mesmo dia equivalha, para este efeito, a uma sessão, e que uma audiência que tenha decorrido na manhã de um dia e na manhã ou na tarde de outro dia equivalha, para o mesmo efeito, a duas sessões, originado retribuições diversas para o mesmo tempo de serviço prestado, sem um mínimo de razoabilidade.

III - Deve considerar-se, para os efeitos previstos no n.º 9 da Tabela de honorários para a protecção jurídica, anexa à Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro, atento o princípio que se extrai do disposto no art. 328.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, que há lugar a nova sessão sempre que a diligência, iniciada no período da manhã, seja interrompida para almoço.

Decisão Texto Integral:





Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

 

I. RELATÓRIO

No processo comum colectivo nº 107/13.4TND, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Viseu – Instância Central – Secção Criminal – J2, foi proferido despacho que julgou improcedente a reclamação apresentada pela Sra. Dra. A..., Ilustre Defensora do arguido B... , tendo por objecto o critério de cálculo dos honorários devidos relativamente ao número de sessões de julgamento para o efeito relevadas.


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            Inconformada com a decisão, recorreu a Senhora Advogada, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            1.º O presente recurso vem interposto do douto despacho, de 28/01/2016, que indeferiu a Reclamação da ora recorrente (de fls. 1801 e seguintes), despacho esse que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

                2.º Fundamentalmente, o que está em causa é o sentido e alcance a atribuir à revogação da NOTA 1 que constava da tabela de honorários para a proteção jurídica aprovada pela Portaria n.º 1386/2004, de 10/11, revogação essa que foi determinada pelo artigo 2.°, alínea a), da Portaria n.º 210/2008;

3.º O Tribunal recorrido entendeu a esse respeito o seguinte: «Por conseguinte, dúvidas não temos que a única interpretação possível e aquela que o legislador quis consagrar com a repristinação da Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro, e simultânea revogação da sua Nota 1, é aquela que a Secretaria Judicial desta Secção adoptou, isto é, que é contabilizada uma única sessão de julgamento por cada dia, independentemente de a mesma ter ocorrido no período da manhã e da tarde»;

4.º Discorda-se deste entendimento:

5.º Desde logo, não houve repristinação da Portaria n.º 1386/2004, de 10/11: pelo simples motivo de que nunca chegou a ocorrer a revogação dessa Portaria;

6.º Essa Portaria foi, sim, alterada, sendo nomeadamente revogada a Nota 1 da tabela atrás mencionada;

7.º Essa Nota 1, entretanto revogada, relacionava-se diretamente com o n.º 9 daquela tabela que tinha e continua a ter a seguinte redação:

«Quando a diligência comporte mais de duas sessões, por cada sessão a mais.» - “3,00” (“UR's”);

                8.º Aquela Nota 1, antes de revogada, visava esclarecer o que deveria considerar-se como «uma nova sessão» de um ato ou diligência;

9.º O critério fundamental para tal aferição, resultante daquela Nota 1, era o do momento da interrupção do ato ou diligência;

10.º Havendo interrupção da diligência, considerava-se concluída «uma sessão» e considerava-se que a continuação da diligência, após aquela interrupção, consubstanciava uma «nova sessão»; até à próxima interrupção; e assim sucessivamente;

11.º Salvo se a interrupção ou interrupções ocorressem no mesmo período da manhã ou no mesmo período da tarde; porque, nesses casos, o legislador quis frisar expressamente que se tratava, como sempre sucede, de um SIMPLES INTERVALO de uma mesma sessão, a da manhã ou a da tarde, que não tinham a virtualidade de consubstanciar a conclusão de «uma sessão» e/ou o início de «uma nova sessão»;

12.º De resto, toda e qualquer interrupção implicava nova sessão;

13. º Que sentido atribuir então à revogação da Nota 1?

14.º Tendo mantido em vigor o n.º 9 daquela tabela de honorários, o legislador indica, de forma inequívoca, que um ato ou diligência podem ser compostos por mais do que uma sessão;

15.º E indica, igual e claramente, que, além da segunda sessão, o Advogado é retribuído com 3 UR's por sessão;

16.º A Nota 1 continha dois segmentos distintos: um primeiro, que consubstanciava a regra e que determinava que o critério aferidor da existência de uma nova sessão era o da interrupção da diligência; e um segundo, que consubstanciava a exceção supra mencionada:

17.º Poder-se-á agora entender que a revogação da Nota 1 teve por objetivo extinguir aquele critério REGRA aferidor (o da interrupção) de uma nova sessão? E, a ser assim, que sentido atribuir à manutenção em vigor do n.º 9 daquela tabela?

18.º Julgamos ser evidente que o critério aferidor de uma nova sessão só pode continuar a ser o do momento da interrupção da diligência; e, portanto, a revogação da Nota 1 não pode ter tido por objetivo alterar aquele critério REGRA que constituía o primeiro segmento da Nota 1; de outra forma não se entenderia a manutenção da redação do n.º 9 da tabela;

19.º Mas também acreditamos que o legislador não quis considerar como interrupção e, por isso, como indicador do termo de uma sessão e do subsequente início de uma nova sessão. o SIMPLES INTERVALO de uma sessão, ocorrido por isso durante o mesmo período da manhã ou da tarde;

20.º O que não pode, no entanto, pretender-se é atribuir à revogação da Nota 1 o sentido que lhe foi atribuído no douto despacho recorrido, ou seja, o de que «é contabilizada uma única sessão de julgamento por cada dia, indiferentemente de a mesma ter ocorrido no período da manhã e da tarde.»

21.º Nem tão-pouco o que lhe foi dispensado pelo douto Acórdão da Relação do Porto citado no despacho recorrido, isto é, o de que «o legislador quis afastar a interpretação de que, decorrendo a Audiência durante todo o dia, com interrupção para almoço, deverão ser contabilizadas duas sessões, uma de manhã, outra de tarde»;

22.º São interpretações forçadas que nenhuma correspondência têm nem com a redação da Nota 1 antes de revogada, nem com a sua subsequente revogação;

23.º Por que motivo não deverá ser retribuída uma sessão de uma diligência reiniciada na tarde de um dia após a sua interrupção no período da manhã, e deverá ser retribuída uma sessão dessa mesma diligência ocorrida no período da manhã do dia seguinte ao da sua interrupção na tarde do dia anterior?

24.º Por que motivo no primeiro caso se retribui apenas uma sessão e no segundo se retribuem duas sessões?

25.º Sendo certo que, em ambos os casos, o Advogado prestou os respetivos serviços em dois períodos, o da manhã e o da tarde.

26.º É assim imperioso concluir que a revogação daquela Nota 1 apenas teve uma razão de ser: a inutilidade daquela Nota 1. Era uma nota inócua, por redundante.

27.º A entender-se de outro modo, nomeadamente o que foi subscrito no douto despacho recorrido, significaria, como se disse, retribuir o mesmo trabalho de forma totalmente diferenciada e desigual, não retribuindo ou retribuindo o trabalho do Advogado consoante o novo período de trabalho (manhã ou tarde) ocorra respetivamente no mesmo dia ou em dias diferentes; o que contraria frontalmente o princípio previsto no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa:

28.º O que, além do mais, e como é de fácil perceção, coloca grave e perigosamente em causa a característica da essencialidade do patrocínio forense na administração da justiça consagrada na Constituição da República Portuguesa (artigo 208.º).

29.º Assim não tendo entendido, o douto despacho recorrido violou o disposto no artigo 25.º. n.º 1, da Portaria n.º 10/2008, de 03/01, com a redação da Portaria n.º 210/2008, de 29/02, assim como o disposto no n.º 9 da Tabela de Honorários para a Proteção Jurídica anexa à Portaria 1386/2004, de 10/11, com as alterações resultantes do artigo 2.º, alínea a), daquela Portaria n.º 210/2008, de 29/02, bem como retirou da revogação da dita Nota 1 da mesma Tabela conclusões que tal revogação não permite e que acima se deixaram mencionadas;

30.º De qualquer modo, assim não se entendendo, sempre se dirá que a interpretação conjugada do disposto no artigo 25.º, n.º 1, da Portaria n.º 10/2008, de 03/01, do n.º 9 da Tabela de Honorários para a Proteção Jurídica anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10/11, conjugado com a revogação da Nota 1 operada pelo artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 210/2008, de 29/02, no sentido de que deve contabilizar-se, para efeitos de pagamento de honorários ao respetivo Advogado/Patrono, como uma única sessão o ato ou diligência que decorra no período da manhã de um determinado dia e, depois de interrompido, no período da tarde desse mesmo dia, e como duas sessões autónomas o ato ou diligência que decorra naqueles mesmos períodos de dias diferentes. está ferida de INCONSTITUCIONALIDADE por violação do disposto nos artigos 59.º, n.º 1, al. a) e 208.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), bem como o consignado no artigo 2.º da mesma CRP, que consagra o princípio fundamental do Estado de Direito, a que são inerentes as ideias de jurisdicidade, constitucionalidade e direitos fundamentais, concretizado nos subprincípios do Estado constitucional ou da constitucionalidade, da independência dos Tribunais e do acesso à justiça, da prevalência da lei, da segurança jurídica e da confiança dos cidadãos e das garantias processuais e procedimentais ou do justo procedimento,

31.º INCONSTITUCIONALIDADE que fica assim aqui arguida para todos os efeitos legais.

TERMOS EM QUE, E NOS QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS SUPERIORMENTE SUPRIRÃO, DEVE CONCEDER-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, REVOGAR-SE O DOUTO DESPACHO RECORRIDO, NOS TERMOS SUPRA EXPOSTOS, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, COMO É DE JUSTIÇA.


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            O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo.

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            Não houve resposta.

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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de a revogação da questionada Nota 1 não foi inócua, antes se relacionando com a pretensão de redução de custos, pois na revogação não foi incluído o nº 2 do art. 5º da Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro, que disciplina o pagamento de mais de um acto, de manhã e de tarde, não padecendo inconstitucionalidade a revogação operada, já que iguala situações que, à luz desta norma, teriam diferente tratamento, e concluiu pelo não provimento do recurso.

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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

Respondeu a Senhora Advogada recorrente, alegando que nenhuma das portarias convocadas refere qualquer pretensão de redução de custos, apenas a Portaria 210/2008, de 29 de Fevereiro, faz referência a introdução de rigor financeiro acrescido, o que é coisa diversa, que nenhum dos diplomas em questão refere a diminuição dos honorários devidos por serviços prestados pela advocacia, que o art. 5º, nº 2 da Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro não releva, já que prevê apenas um regime excepcional para certas formas de processo e nunca colidiu com a Nota 1, e concluiu como no recurso. 


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  Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

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            II. FUNDAMENTAÇÃO

Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pela Senhora Advogada recorrente, a única questão a decidir, sem prejuízo, obviamente, das de conhecimento oficioso, é a de saber, para efeitos de cálculo de honorários por serviços prestados no âmbito da protecção jurídica, se deve considerar existir uma nova sessão, sempre que a diligência respectiva seja interrompida, salvo se a interrupção ocorrer dentro do mesmo período da manhã ou da tarde.

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            Para a resolução desta questão importa ter presente o teor do despacho recorrido, que é o seguinte:

            “ (…).

            Veio a Ilustre Defensora nomeada nos autos ao arguido B... apresentar reclamação de acto da secretaria desta Secção Central nos termos do disposto no art. 157.º n.º5 do C.P.C.

Para tal alega que, para efeitos de pagamento de honorários devidos pela sua intervenção nos autos, a secretaria contabilizou como uma única sessão nos dias em que a audiência de julgamento decorreu nos períodos da manhã e da tarde, quando entende a Defensora deverem ser tais períodos contabilizados como duas sessões.

Termina peticionando a procedência da reclamação, considerando-se inconstitucional a interpretação da Portaria n.º210/2008, de 29 de Fevereiro feita pela secretaria e que fundamentou a rejeição do pedido de honorários efectuado pela requerente.

Cumpre apreciar.

A regulamentação da lei do acesso ao direito encontra-se actualmente prevista na Portaria n.º 10/2008, de 3 de Janeiro.

Dispõe o art. 25.º n.º1 da citada Portaria que “Os valores das compensações devidas aos profissionais forenses pela inscrição em lotes de processos ou pela nomeação isolada para processo são os estabelecidos na Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro.”

No entanto, esta norma resulta da redacção dada pela Portaria n.º 210/2008, de 29 de Fevereiro, que simultaneamente alterou a Portaria n.º 10/2008 nestes termos e revogou parcialmente a Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro. Com efeito, esta Portaria n.º 1386/2004 havia sido revogada pela Portaria n.º10/2008 mas veio a ser repristinada pela Portaria n.º 210/2008, de 29 de Fevereiro, com as alterações constantes do seu art. 2.º.

Assim, dispõe este art. 2.º alínea a) que “são revogadas as seguintes disposições: os n.º 3 e 4 do artigo 2.º, os artigos 3.º, 4.º, 6.º e 7.º, os n.º11 e 12 da tabela anexa e as notas 1 e 3 da tabela anexa da Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro”.

Ora, a referida Nota 1 previa precisamente que se considerava “haver lugar a nova sessão sempre que o acto ou diligência sejam interrompidos, excepto se tal interrupção ocorrer no mesmo período da manhã ou da tarde”.

Em suma, importa concluir que os honorários devidos deverão ser calculados de acordo com a Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro, não estando, porém, em vigor a supra citada nota que prevê que a interrupção de acto ou diligência dá lugar a uma nova sessão.

Assim, tal como se concluiu já no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2/07/2014, P.º 47/03.5IDAVR.P1-A (www.dgsi.pt), “Desta simultânea revogação resulta que o Legislador quis afastar a interpretação de que, decorrendo a Audiência durante todo o dia, com interrupção para almoço, deverão ser contabilizadas duas sessões, uma de manhã, outra de tarde. A Portaria nº 654/10, de 11/08, que “revê a regulamentação do sistema de acesso ao direito”, “em cumprimento do disposto no art. 34º da Portaria nº 10/2008, de 03/01, com a redacção que lhe foi conferida pela Portaria nº 210/2008, de 29/02”, e procede à republicação da Portaria nº 10/2008, mantém a mencionada redacção do nº 1 do art. 25º e a revogação do artigo 36º, mas nada dispõe a respeito do art. 2º da Portaria nº 210/2008, que assim permanece em vigor. (…) A contabilização de uma sessão por dia, para efeitos da atribuição da compensação devida aos defensores nomeados, não viola a referenciada legislação aplicável.

Por conseguinte, dúvidas não temos que a única interpretação possível e aquela que o legislador quis consagrar com a repristinação da Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro, e simultânea revogação da sua Nota 1, é aquela que a Secretaria Judicial desta Secção adoptou, isto é, que é contabilizada uma única sessão de julgamento por cada dia, independentemente de a mesma ter ocorrido no período da manhã e da tarde.

Porém, entende a ora exponente que esta interpretação segundo a qual é apenas contabilizada uma sessão mesmo que a diligência decorra no período da manhã e da tarde é inconstitucional por violação do art. 59.º n.º1 alínea a) da Constituição da Republica Portuguesa que consagra o princípio “para trabalho igual, salário igual”.

Para tal invoca que o art. 21.º n.º7 da Portaria n.º 10/2008, de 3 de Janeiro, prevê que “Para todos os efeitos, é contabilizada em duplicado a escala de prevenção que, em virtude do número de diligências ou da particular complexidade de uma ou de algumas delas, implique a permanência no local das diligências por período superior a seis horas”.

                Invoca ainda que o ponto 10 da tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004 consagra o pagamento das escalas de urgência “por cada presença, período da manhã ou da tarde”.

Porém, não vemos que as circunstâncias invocadas tenham paralelo com aquela que está em causa nestes autos. Ali se prevê especificamente o trabalho realizado em escalas de prevenção/urgência para o qual o legislador prevê já uma remuneração consentânea com o mesmo (3 unidades de referência) e que, por esse motivo, se justifica ser adaptada em função do número de horas ou períodos de escala.

Já no que concerne ao valor atribuído por intervenção em audiência de julgamento (entre 9 a 21 unidades de referência, consoante a forma de processo), temos de concluir que o montante, manifestamente superior, consagrado na tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro, na parte em vigor, dirá necessariamente respeito a uma sessão de audiência de julgamento, independentemente da sua duração.

Por conseguinte, não se verifica qualquer inconstitucionalidade na interpretação segundo a qual é contabilizada uma única sessão de julgamento por cada dia, independentemente de a mesma ter ocorrido só no período da manhã ou da tarde ou em ambos.

Por fim, relativamente ao alegado “uso” da secretaria na contabilização das sessões, não vemos, desde logo, que tal actuação possa ter o carácter de uso ou costume. E, ainda que assim fosse, o mesmo não é manifestamente atendível porquanto tal actuação não vincula nem é susceptível de vincular, por qualquer forma, os actos judiciais ou mesmo da própria secretaria porquanto, nos termos do art. 3.º do Código Civil, “os usos que não forem contrários aos princípios da boa fé são juridicamente atendíveis quando a lei o determine”, o que não é o caso.

 Face ao exposto, julgo improcedente a reclamação apresentada.

Notifique.

(…)”.


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            1. A Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, que alterou o regime de acesso ao direito e aos tribunais e transpôs para a ordem interna a Directiva nº 2003/8/CE, do Conselho, de 27 de Janeiro, estabelece no seu art. 3º, nº 2 que o Estado garante uma adequada remuneração e o reembolso das despesas realizadas aos profissionais do foro que intervierem no sistema de acesso ao direito e aos tribunais, a regular por portaria conjunta.

A Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro, entrada em vigor no dia imediato ao da sua publicação mas com efeitos desde 1 de Setembro de 2004 (cfr. seu parágrafo 10º) veio então estabelecer a tabela de honorários dos advogados, advogados estagiários e solicitadores pelos serviços que prestem no âmbito da protecção jurídica.

A Portaria nº 10/2008, de 3 de Janeiro [que procedeu à regulamentação da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, na redacção dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, nomeadamente quanto à fixação do valor da taxa devida pela prestação de consulta jurídica, à definição das estruturas de resolução alternativa de litígios às quais se aplica o regime de apoio judiciário, à definição do valor dos encargos para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 36.º da lei referida, à regulamentação da admissão dos profissionais forenses no sistema de acesso ao direito, à nomeação de patrono e de defensor e ao pagamento da respectiva compensação], com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2008, excepção feita aos nºs 1 a 3 do artigo 1º, 4 e 5 do artigo 3º e 2 do artigo 7º e os arts. 10º, 12º a 16º, 18º a 26º, 28º a 33º e 36º, com entrada em vigor em 1 de Março de 2008 (cfr. seu art. 37º), revogou a Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro (cfr. seu art. 36º).

A Portaria nº 210/2008, de 29 de Fevereiro [alterou a Portaria n.º 10/2008, de 3 de Janeiro, teve em conta o entendimento alcançado entre o Ministério da Justiça e a Ordem dos Advogados sobre as condições da prestação das defesas oficiosas por advogados em matéria de acesso ao direito, permitindo o alargamento da prestação social de apoio judiciário a mais cidadãos, a sustentabilidade financeira do sistema de acesso ao direito e a introdução de rigor financeiro acrescido, com especiais garantias de auditabilidade, transparência e fiscalização das contraprestações pagas, passando, no que respeita aos valores dos honorários dos profissionais forenses, a aplicar-se a tabela de honorários que se encontra actualmente em vigor e que resulta da Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro], entrada em vigor no dia imediato ao da sua publicação (cfr. seu art. 4º) mas com efeitos a partir de 1 de Março de 2008 (cfr. seu art. 3º), revogou os nºs 3 e 4 do art. 2º, os arts. 3º, 4º, 6º e 7º, os nºs 11 e 12 da tabela anexa e as notas 1 e 3 da tabela anexa da Portaria nº 1386, de 10 de Novembro (cfr. seu art. 2º, a)) e revogou o nº 4 do art. 3º, o nº 4 do art. 15º, o nº 2 do art. 20º, os nºs 2, 5 e 8 do art. 25º e o art. 36º da Portaria nº 10/2008, de 3 de Janeiro (cfr. seu art. 2º, b)). 

A Portaria nº 654/2010, de 11 de Agosto [alterou os arts. 1º, 7º, 8º, 10º, 11º, 20º, 21º, 27º e 32º da Portaria n.º 10/2008, de 3 de Janeiro e aditou-lhe os arts. 8º-A, 8º-B, 8º-C, 8º-D e 28º-A, regulamentando aspectos relativos ao funcionamento dos gabinetes de consulta jurídica, relativos à consulta jurídica a prestar a vítimas de violência doméstica, relativos ao pagamento de despesas realizadas e adiantamentos por deslocações de profissionais do foro entre ilhas, relativos à definição do número e composição dos lotes de processos e das escalas de prevenção, e relativos à composição da comissão de acompanhamento do sistema de acesso ao direito], entrada em vigor em 1 de Setembro de 2010 (cfr. seu art. 7º), não tocou no âmbito de aplicação e teor da Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro.

Finalmente, a Portaria nº 319/2011, de 30 de Dezembro [alterou o art. 28º da Portaria n.º 10/2008, de 3 de Janeiro, reintroduzindo mecanismos de fiscalização relativos ao pagamento das compensações devidas aos profissionais do foro], entrada em vigor no dia imediato ao da sua publicação (cfr. seu art. 3º), também deixou incólume o âmbito de aplicação e o teor da Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro.

Posto isto.

2. A Portaria nº 10/2008, de 3 de Janeiro, no seu art. 36º, revogou a Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro, mas esta norma revogatória foi, por sua vez, e antes de produzir efeitos, revogada pelo art. art. 2º, b) da Portaria nº 210/2008, de 29 de Fevereiro, que alterou aquela primeira portaria.

Por isso, a Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro manteve-se sempre em aplicação, embora com alterações, sendo que a que agora releva, foi a revogação da Nota 1 da sua Tabela de honorários para a protecção jurídica, anexa, operada pelo art. 2º, a) da Portaria nº 210/2008, de 29 de Fevereiro.

No despacho recorrido, que seguiu de perto o acórdão da R. do Porto de 20 de Julho de 2014, processo nº 47/03.5IDAVR-A.P1, in www.dgsi.pt, entendeu-se que a única interpretação possível sobre a revogação da Nota 1 é a de que a lei pretendeu que a cada dia de julgamento correspondesse uma única sessão, independentemente de a mesma ter ocorrido no período da manhã e da tarde. É uma interpretação possível, mas não cremos que seja a única.

Começaremos por dizer que, versando as portarias supra identificadas matéria sensível para parte muito significativa dos operadores do universo judiciário, a falta de clareza das opções do legislador em nada contribuem para a sua perfeita e completa compreensão, na prática diária dos tribunais, dando origem a questões, como a versada nos autos, perfeitamente evitáveis, se uma linha tivesse sido escrita sobre a ‘revogação’ da nota 1 da tabela anexa da Portaria nº 1386, de 10 de Novembro, tanto mais que bulia directamente com a remuneração dos profissionais do foro. Quanto ao mais.

i) Dispões o art. 25º, nº 1 da Portaria nº 10/2008, de 3 de Janeiro que, os valores das compensações devidas aos profissionais forenses pela inscrição em lotes de processos ou pela nomeação isolada para processo são os estabelecidos na Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro.

A Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro, que regulamentou, de forma originária, os honorários dos advogados, advogados estagiários e solicitadores pelos serviços prestados no âmbito da protecção jurídica, estabelece no nº 9 da sua Tabela de honorários para a protecção jurídica, anexa:

Quando a diligência comporte mais de duas sessões, por cada sessão a mais. 3,00. [UR]

Por referência a este nº 9, a mencionada portaria, na sua versão original, continha a Nota 1, com a seguinte redacção:

Considera-se haver lugar a nova sessão sempre que o acto ou diligência sejam interrompidos, excepto se tal interrupção ocorrer no mesmo período da manhã ou da tarde.

Afigura-se-nos, pois, inquestionável, que na versão originária da Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro, o critério fixado para a determinação do número de sessões de cada diligência era o da interrupção do acto ou diligência. Complementarmente, estabelecia-se a restrição de que, como tal não valeriam, as interrupções ocorridas no mesmo período da manhã ou da tarde [o que bem se compreende, dada a escassez de recursos disponíveis e a forma como são obrigados a funcionar os nossos tribunais, designadamente, com a sobreposição de serviço urgente que, não raras vezes, determina a interrupção de diligências, por relativamente reduzidos períodos de tempo].

Vale isto dizer, tomando agora como diligência de referência, a audiência de julgamento, que esta teria, para o apontado efeito, tantas sessões, quantas as interrupções que sofresse, sem prejuízo da restrição apontada.

A este propósito, e no que ao processo penal concerne, cabe lembrar que a regra é a da continuidade da audiência de julgamento isto é, ela deve decorrer, sem interrupção ou adiamento, até ao seu encerramento (art. 328º, nº 1 do C. Processo Penal). Excepcionalmente, a lei admite as interrupções estritamente necessárias, em especial para a alimentação e repouso dos participantes e se não puder ser concluída no dia em que foi iniciada, é interrompida para continuar no dia útil seguinte (nº 2 do mesmo artigo). Assim, a lei tipifica três causas de interrupção da audiência, a determinada para alimentação dos intervenientes, a determinada para repouso dos mesmos e a determinada pela impossibilidade de conclusão dos trabalhos no mesmo dia que, normalmente, encerra as duas primeiras.

ii) A revogação da Nota 1 da Tabela de honorários para a protecção jurídica, anexa, da Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro, operada pelo art. 2º, a) da Portaria nº 210/2008, de 29 de Fevereiro significa que a lei, pura e simplesmente, deixou de prever qualquer critério para a determinação do número de sessões de cada diligência processual [e não apenas, como parece pressupor o despacho recorrido, que deixou de considerar relevante, para tal efeito, a interrupção que, pelo menos, por necessidade de alimentação dos intervenientes, separa o período da manhã do período da tarde]. 

Todavia, foi mantida em vigor o nº 9 da mesma Tabela de honorários para a protecção jurídica, anexa, o que significa que continua a relevar a circunstância de um acto ou diligência processual ter mais do que uma sessão e que, quando tenha mais do que duas, por cada sessão a mais, o profissional do foro prestador de serviços terá direito a uma remuneração adicional.

Assim sendo, como cremos, não obstante a Tabela anexa continuar a prever a existência de várias sessões na mesma diligência e o acréscimo de remuneração devida por esta circunstância, verificados que sejam certos pressuposto, tendo a interrupção da diligência deixado de ser o critério para a determinação do número de sessões, a situação criada levar-nos-ia, no limite, ao entendimento de que, na prática e para efeitos da atribuição daquele acréscimo de remuneração, a diligência nunca teria mais do que uma sessão, o que seria, a todos os títulos, desrazoável e inaceitável.

Por outro lado, a conceder-se, na interpretação do despacho recorrido, que para este efeito, afinal, se mantinha de pé o critério da interrupção determinada pela impossibilidade de conclusão dos trabalhos no mesmo dia, não deixariam, ainda assim, de verificar-se situações de difícil compreensão e relativa injustiça, no que respeita à relação tempo/remuneração dos profissionais do foro, tais como as que a Senhora Advogada recorrente descreve no corpo da motivação.

Com efeito, não descortinamos qualquer razão atendível para que uma audiência que tenha decorrido da parte da manhã e da parte da tarde de um mesmo dia equivalha, para este efeito, a uma sessão, e que uma audiência que tenha decorrido na manhã de um dia e na manhã ou na tarde de outro dia equivalha, para o mesmo efeito, a duas sessões, originado retribuições diversas para o mesmo tempo de serviço prestado, sem um mínimo de razoabilidade.

iii) Face ao que fica dito, é nosso entendimento que da revogação da nota 1 da Tabela de honorários para a protecção jurídica, anexa, da Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro, operada pelo art. 2º, a) da Portaria nº 210/2008, de 29 de Fevereiro, não deverá extrair-se o entendimento plasmado no despacho recorrido, de que foi intenção do legislador afastar a interpretação de que, decorrendo a audiência durante todo o dia, com interrupção para o almoço, deverão ser contabilizadas duas sessões, para efeitos de remuneração do profissional do foro prestador de serviços, uma de manhã e outra de tarde, mas apenas uma sessão, correspondente a todo o dia, pelas razões seguintes:

- Em primeiro lugar, porque não foi esta específica questão que a referida Nota quis esclarecer mas apenas, depois de fixar o critério da interrupção da diligência para determinar o seu número, a de afastar da contabilização as interrupções verificadas no mesmo período, da manhã ou da tarde;

- Em segundo lugar porque, a revogação da Nota 1 significa, objectivamente, a ausência de previsão legal do critério da interrupção da diligência, abrangendo então, quer interrupção entre o período da manhã e o período da tarde do mesmo dia, quer a interrupção entre um dia e o dia seguinte;  

- Em terceiro lugar, porque não prevendo a lei vigente antes da entrada em vigor da Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro qualquer critério para solucionar esta questão que, então, nem sequer se colocava, da operada a revogação não pode resultar automaticamente, o critério que a 1ª instância adoptou, por falta de previsão legal;

- Em quarto lugar porque a Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro, se bem que para específicas situações, continua a distinguir o período da manhã e o período da tarde do mesmo dia, como sucede com o seu art. 5º, nº 1 ou com o nº 10 da sua Tabela anexa; e,

- Em quinto lugar, porque, perante o vazio legal criado e uma vez que não foi revogado o nº 9 da referida Tabela anexa, a manutenção do critério da interrupção da audiência, nos termos em que o art. 328º, nº 2 do C. Processo Penal a admite, é a solução que se nos afigura mais razoável e capaz de obstar aos inconvenientes decorrentes das desigualdades apontadas, tanto mais que a Constituição da República Portuguesa qualifica o patrocínio forense – onde se inclui o acesso ao direito e aos tribunais por via, além do mais, da protecção jurídica, de que o apoio judiciário é modalidade – de elemento essencial à administração da justiça, o que só será alcançável com a prestação de serviços de qualidade que, naturalmente, pressupõem a justa e adequada remuneração.

Em suma, deve considerar-se, para os efeitos previstos no nº 9 da Tabela de honorários para a protecção jurídica, anexa à Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro, atento o princípio que se extrai do disposto no art. 328º, nº 2 do C. Processo Penal, que há lugar a nova sessão sempre que a diligência, iniciada no período da manhã, seja interrompida para almoço. 


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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso.

Em consequência, revogam o despacho recorrido e determinam a sua substituição por outro que ordene a contabilização de sessões, para efeitos de pagamento de honorários devidos a profissional do foro prestador de serviços, nos termos supra enunciados.


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Recurso sem tributação.

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Coimbra, 12 de Outubro de 2016


(Heitor Vasques Osório – relator)


(Helena Bolieiro – adjunta)