Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1099/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: REGINA ROSA
Descritores: COMPROPRIEDADE
ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
USUCAPIÃO
Data do Acordão: 06/28/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE COIMBRA - VARA MISTA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1403º E 1412º DO C. CIV. .
Sumário: I – A compropriedade ou propriedade comum configura-se como um conjunto de direitos de propriedade qualitativamente iguais, mas podendo ser quantitativamente diferentes, sobre a mesma coisa .

II – A medida da participação dos comproprietários (quotas) presume-se quantitativamente igual na falta de indicação em contrário do título constitutivo .

III – A cessação da situação de compropriedade implica o termo do concurso de vários direitos de propriedade pertencentes a pessoas diferentes, tendo por objecto a mesma coisa, passando a ter lugar a constituição de situações de propriedade singular sobre cada uma das parcelas da coisa dividida .

IV- Sendo a acção de divisão de coisa comum um instrumento próprio para reduzir a pluralidade de direitos à unidade, outros meios existem conducentes a esse efeito, como seja o contrato ou a usucapião .

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

I - RELATÓRIO
I.1- A... e marido B..., e C... e mulher D..., todos residentes em Coimbra, na qualidade de herdeiros e interessados na «herança de E... e de F...», demandaram, em acção especial de divisão de coisa comum sob a forma ordinária, G... e marido H..., I... e mulher J..., e K..., viúva, todos residentes no lugar da Carapinheira da Serra, freguesia de S. Paulo de Frades, Coimbra, pedindo se proceda à adjudicação ou à venda do prédio que descrevem, e que alegam pertencer actualmente em compropriedade aos AA. e RR. na proporção respectiva de ¼, ½, ¼ tendo a última ré o usufruto deste ¼.
Citados, os RR. I... e mulher J..., bem como a Ré K... apresentaram contestação conjunta, alegando: que o prédio em causa foi, na sua totalidade, propriedade de um tal José de Carvalho e que, à morte dele passou a ser propriedade dos seus irmãos. Por seu turno, à morte destes, o prédio veio a ser herdado pelos filhos daqueles irmãos de José de Carvalho, isto é, pelos sobrinhos de José de Carvalho. Os AA. são já filhos de um daqueles sobrinhos do José de Carvalho; que um dos sobrinhos de José de Carvalho, José Alves Vicente e mulher, Rosa de Jesus Soares, venderam a sua parte indivisa do prédio - um quarto - a António Simões, marido da Ré K.... Tal venda celebrou-se em 24 de Abril de 1973 e o casal, constituído por António Simões e mulher Ilda, cerca de seis meses depois da escritura, foi habitar uma parte do edifício; que na altura havia quatro comproprietários, e cada um deles sempre ocupou uma parte bem definida do edifício, as quais não tinham comunicação com as restantes, bem como as partes correspondentes a logradouro, e há mais de vinte anos que cada um dos « comproprietários » por acordo, possui com exclusão de outros cada uma dessas partes, tendo eles adquirido tais partes por usucapião.
Concluíram pela improcedência da acção, e em reconvenção pedem que lhes seja atribuída a propriedade da fracção que já adquiriram por usucapião.
Por sua vez os RR. G... e marido também contestaram e deduziram reconvenção. Dizem que o prédio que os AA. querem dividir deu origem a pelo menos dois artigos urbanos que se encontram registados no registo predial a favor dos RR. Narram nos seus traços gerais a história do prédio nos termos em que o fizeram os outros RR., referindo que o prédio inicial do artigo matricial 901 foi dividido, a partir de 1955, em quatro partes, tendo ficado uma a pertencer aos herdeiros de E..., que agora pertence aos ora AA.; uma outra parte a K..., que foi adquirida por compra a Rosa de Jesus, e que entretanto doou aos 2ºs RR.: outra parte à Ré G... e seu marido, por partilha, por óbito de sua mãe, e a outra parte também à Ré G... e marido, por a terem comprado a António Jorge. Invocam a usucapião quanto aos prédios que possuem e pedem a improcedência da acção e a procedência do pedido reconvencional, no sentido dos AA. serem condenados a reconhecerem o direito de propriedade dos reconvintes sobre os prédios urbanos inscritos na matriz da freguesia de São Paulo de Frades sob os números 2334 e 2421. Pedem ainda a condenação dos AA. como litigantes de má fé em multa e indemnização a seu favor, em montante não inferior a 500.000$00.
Os AA. responderam, mantendo a versão dos factos e alegando ainda que foram os próprios RR. Manuel Cruz e mulher e a Ré Ilda, quem, em 11 de Fevereiro de 1999, declarou na escritura de doação a que se refere o documento 4, junto com a petição, serem proprietários de «... um quarto indiviso de um prédio urbano composto de casa de habitação e comércio e se compõe de cave, rés-do-chão e primeiro andar, ... », o que demonstra que os RR. conhecem e aceitam a compropriedade, ou seja que o prédio se mantém indivisível.
Relativamente à Ré G... e marido, dizem que o artigo 901 existe e que se encontra em vigor, não constando que tenha sido eliminado, ou tenha dado lugar a outros prédios. Alegam ainda que na freguesia de S. Paulo de Frades existe um prédio urbano a que se refere o artigo 901 e existiram 3 prédios rústicos confinantes com este, isto é o artigo 1742 propriedade de António Jorge e que deu lugar ao artigo 2334 urbano; o artigo 1743 propriedade de Adriano Joaquim e que deu lugar ao artigo 2421 urbano e o artigo 1744 propriedade de E...., pai dos AA., sendo certo que estes três prédios rústicos, e actualmente os urbanos que neles nasceram, não se confundem nem têm a ver com o artigo 901. Dizem que os próprios RR. em Junho de 1999 consideravam-se comproprietários dos AA. quanto ao prédio em causa, pois propuseram a estes adquirir o ¼ que eles tinham nesse artigo 901.
I.2- O processo prosseguiu seus termos com a elaboração da peça saneadora e condensadora, isenta de reclamações, e após julgamento, respondeu-se à matéria de facto controvertida, igualmente sem reparos das partes.
Por último proferiu-se sentença na qual se julgou a acção improcedente e procedente a reconvenção deduzida pelos RR. G... e marido, não se condenando os AA. como litigantes de má fé.
I.3- Apelaram os AA. e os RR. Manuel da Cruz e mulher Maria da Silva Cortez.
Na apelação por si interposta, os AA., para além do mais, apontaram à sentença recorrida as nulidades contempladas no art.668º/1, c),d) e e) do C.P.C..
Os RR. recorrentes, por seu turno, sustentaram ser a sentença nula nos termos do citado art.668º/1,d), por ser omissa quanto ao conhecimento do pedido reconvencional formulado.
Suprindo as apontadas nulidades ao abrigo do disposto no art.668º/4, o Mmº Juiz proferiu nova sentença, na qual, julgou a acção improcedente e absolveu os Réus dos pedidos. Julgou a reconvenção deduzida pelos RR. G... e marido procedente, declarando-os proprietários da parte que aparece na fotografia de fls. 48, com rés-do-chão e primeiro andar, de parede exterior pintada a branco, com duas portas e três janelas, parte esta correspondente ao artigo matricial 2421; bem como da parte que aparece na mesma fotografia, com a parede exterior apenas rebocada a cimento, com uma porta e uma janela, a que corresponde o artigo matricial 2334. Julgou ainda a reconvenção deduzida pelos RR. I... e mulher J... procedente, declarando-os proprietários da parte que aparece na referida fotografia, com a parede exterior revestido a azulejo e com duas janelas e uma porta.
Manteve a não condenação dos AA. como litigantes de má fé.
Notificados da nova decisão, vieram os AA. dar conhecimento do interesse na manutenção do recurso antes interposto, nada dizendo os restantes RR..
Não foram apresentadas contra-alegações.
I.4- Subidos os autos a esta Relação, foi por despacho do relator a fls. 360 considerada prejudicada a apreciação da apelação interposta pelos RR. em face da nova sentença que julgou procedente o pedido reconvencional.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

I.5- Os AA. concluíram assim as alegações do seu recurso:
1ª- Da matéria dado por provada, resulta que existe na realidade o prédio a
que se refere o artigo 901.
2-Da prova documental resulta também que todos os RR, em especial os primeiros, até 1999 aceitaram a existência de compropriedade do referido prédio, propondo-se até comprar a quota-parte dos AA.
3-Apesar de se dar por assente a existência daquela compropriedade, não se refere na fundamentação, como é que a mesma cessou, pelo menos em relação aos AA.
4-O MM Juiz a quo limita-se a referir que “...não há uma situação de compropriedade...”sem dizer de que forma e quando é que a mesma cessou.
5-Logo, face aos fundamentos da sentença, a decisão nunca poderia ser a da improcedência da acção
6-Aliás, esta decisão não é fundamentada, já que se limita a dizer que a acção é improcedente, sem se justificar o porquê.
7-Pelo que, a sentença subjudice tem de considerar-se nula, nos termos da al. b) do nº 1 do citado artigo 668º do CPC.
8-O mesmo se aplica quanto à decisão do pedido reconvencional dos primeiros RR.
9-O Mmº Juiz julga o pedido procedente, reconhecendo-se o direito de propriedade dos 1ºs RR sobre os prédios urbanos a que se referem os artigos 2334 e 2421.
10-Porém, não é feita qualquer correspondência entre o pedido dos AA e o pedido reconvencional dos RR
11-Ou seja, da fundamentação não resulta que os referidos prédios tenham tido origem no artigo 901;
12-Tal facto, embora aflorado pelos 1ºs RR, não foi provado, sendo até contrariado pela prova documental.
13-Foram os 1ºs RR quem declararam no Serviço de Finanças, que o artigo 2334 urbano proveio do artigo rústico 1742, enquanto que o artigo 1743 rústico deu origem ao urbano 2421.
14-Ora, ainda que se reconhecesse o direito de propriedade dos RR reconvintes sobre estes prédios, tinha de se explicar a correspondência dos mesmos com o prédio cuja divisão se requer.
15-A sentença recorrida é totalmente omissa quanto a esta questão, quer na fundamentação, quer na decisão.
16-Assim, a questão colocada pelos AA ao Tribunal (compropriedade e divisão do artigo 901) não foi apreciada pelo Mmº Juiz;
17-Apesar da improcedência da acção, temos de concluir que a situação real se mantém, ou seja, continua a existir matricialmente um prédio indiviso, com registo predial válido
18-Os RR obtiveram o reconhecimento do direito de propriedade sobre dois prédios, não podendo porém que estes substituíram ou terminaram com a existência do artigo 901.
19-É que da decisão recorrida não resulta que o Mmº Juiz a quo determinasse
a extinção ou cancelamento do artigo 901 quer na matriz, quer na Conservatória do Registo Predial, mantendo-se assim inalterada a situação de compropriedade.
20-Assim, para além de a interpretação da matéria factual e dos documentos não ter sido correcta, no entender dos AA a sentença subjudice não apreciou e muito menos julgou o seu pedido, apenas decidindo pela improcedência da acção, nada se dizendo quanto à sua existência e muito menos se declara a sua cessação.
21-A decisão subjudice é nula nos termos das als. c), d) e e) d nº 1 do art. 688º do Cód. Proc. Civil, assim como fez errada interpretação do disposto nos arts. 1403º e 1413º do Cód. Civil.

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II - FUNDAMENTOS
II.1 - de facto
Os factos assentes e provados na 1ª instância são os seguintes:
1-Sob o art. 901 da matriz predial urbana da freguesia de S. Paulo de Frades, concelho de Coimbra, encontra-se inscrito o seguinte imóvel: prédio situado no lugar de Carapinheira da Serra, destinado a habitação e comércio, composto de cave, rés--do-chão e 1.º andar, a confrontar do norte com Serafim Francisco Lourenço, sul com estrada, nascente com Manuel José de Oliveira e do poente com caminho – al.a).
2-Este prédio está descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º 2135, de onde consta que os AA. adquiriram em comum e sem determinação de parte, ¼ do prédio, por herança de E... e F..., pais da 1ª A. mulher e 2ºA. marido– al.b).
3-Em escritura de doação feita em 17/10/85, outorgada no 2.º Cartório Notarial de Coimbra, Adriano Joaquim e esposa Joaquina Pereira, pais da Ré G..., declaram doar a esta ¼ indiviso do prédio referido na al.a), bem como um estabelecimento comercial de mercearia e vinhos sito no rés-do-chão do mesmo prédio, e esta última declarou aceitar a doação– al.c).
4-Em escritura de doação outorgada no dia 11 de Fevereiro de 1999 no Cartório Notarial de Penacova, Ilda Nazaré declarou doar ao seu sobrinho I... e esposa J..., ¼ indiviso do prédio referido na al.a), com reserva de usufruto para si, tendo estes últimos declarado que aceitavam a doação– al.d).
5-O prédio referido na al.a) foi, na sua totalidade, propriedade de um tal José de Carvalho, e por morte deste o prédio passou a ser propriedade das suas irmãs, Maria de Jesus e Joaquina de Jesus, e à morte destas, o prédio veio a ser herdado pelos filhos destas, sobrinhos do mencionado José de Carvalho– al.e).
6-José Alves Vicente e mulher, Rosa de Jesus Soares, ele um dos sobrinhos de José de Carvalho, em escritura de doação (certamente por lapso escreveu-se doação quando se quis dizer de compra e venda) outorgada no dia 24 de Abril de 1973, no Cartório Notarial de Coimbra, declararam vender a António Simões ¼ indiviso do prédio inscrito na matriz predial da freguesia de S. Paulo de Frades sob o artigo urbano 901 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º26485, tendo o comprador declarado que aceitava a venda– al.f).
7-Este António Simões veio depois a casar com a Ré K... – al.g).
8-Sob o artigo urbano n.º2334 da freguesia de São Paulo de Frades, concelho de Coimbra, encontra-se inscrito um prédio que se destina a estabelecimento comercial de cave e rés-do-chão, sito no lugar de Carapinheira da Serra, com a área de superfície coberta de 28 m2 e superfície descoberta de 378 m2, que confronta do Norte com Manuel Pereira, Nascente com Caminho, Sul com Caminho e do Poente com Adriano Joaquim, constando da respectiva matriz que «proveio do art.1742».
Este prédio está descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra desde 14/07/99 a favor da Ré G... e marido – al.h).
9-Sob o artigo urbano n.º 2421 da freguesia de São Paulo de Frades, concelho de Coimbra, encontra-se inscrito um prédio que se destina a habitação de cave com uma divisão para arrumos, rés-do-chão com uma divisão para arrumos, um andar com três divisões e cozinha e anexo para arrumos, sito em Carapinheira da Serra, com a área de superfície coberta de 57,6 m2 e superfície descoberta de 221,14 m2, que confronta de Norte com Manuel Pereira, do Nascente com Caminho, do Sul com Caminho e do Poente com Alda da Nazaré, constando da respectiva matriz que «proveio do art. 1743».
Este prédio está descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra desde 16/09/99 a favor da Ré G... e marido – al.i).
10-Em escritura de partilha outorgada no dia 4 de Setembro de 1999, no Cartório Notarial de Penacova, os respectivos outorgantes, entre eles Adriano Joaquim, pai da Ré G..., e esta última, declaram que estes eram, entre outros, herdeiros de Joaquina Alves de Carvalho Pereira, falecida em 24-11-1994, e que a sua herança era constituída por um prédio urbano composto de casa de habitação de cave, rés-do-chão, primeiro andar e anexos, com a área coberta de 57,60 m2 e logradouro com 221,14 m2, sito no lugar de Carapinheira da Serra, estando omisso na matriz predial, mas com participação feita para a respectiva inscrição – al.j).
11-Em escritura de venda outorgada no dia 8 de Junho de 1999, no Cartório Notarial de Penacova, António Jorge e esposa declararam vender à Ré G..., e esta declarou aceitar, um prédio urbano sito em Carapinheira da Serra, freguesia de S. Paulo de Frades, concelho de Coimbra, constituído por «Estabelecimento comercial de taberna, composto por cave e rés-do-chão, coma área coberta de 28 m2 e descoberta de 378 m2, omisso à matriz, mas feita a participação para a sua inscrição, descrito na conservatória do registo predial sob o n.º 872, registado a favor do vendedor em G-um » – al.l).
12-Em 1 de Junho de 1999 os AA. fizeram chegar à Ré G... uma carta dizendo-lhe que pretendiam vender ¼ indiviso do prédio urbano composto por cave, rés-do-chão e primeiro andar, destinado à habitação e comércio, sito na Carapinheira da Serra, e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. Paulo de Frades sob o artigo 901, à qual a Ré respondeu por carta, que datou do dia 7 desse mesmo, dizendo que estava interessada na compra desse ¼ indiviso – al.m).
13-O António Simões, à data da escritura referida na al.f) já habitava uma parte do prédio identificado na al.a), concretamente a casa revestida a azulejos, onde passou a viver com a esposa Ilda Nazaré, após o casamento – quesito1º.
14-Nesta altura (Outubro/Novembro de 1973) havia quatro comproprietários, e cada um deles sempre ocupou uma parte bem definida do prédio referido na al.a), bem como a parte correspondente ao logradouro – quesito 2º.
15-Os RR. G... e marido possuíam a parte central do edifício, representado na fotografia de fls.48 (duas portas, rés-do-chão e primeiro andar) – quesito 3º.
16-Mais tarde estes RR. compraram a parte que aparece na fotografia de fls.48, à direita, rebocada a cimento, com uma porta e uma janela – quesito 4º.
17-O prédio identificado na al.a) era composto pela parte que aparece na fotografia de fls.48, à esquerda, com a parede exterior, virada à rua, apenas revestida a cimento, e uma porta – quesito 5º –, pela parte que aparece na fotografia de fls.48, com a parede exterior revestido a azulejo e com duas janelas e uma porta – quesito 6 –, por outra parte que aparece na mesma fotografia com rés-do-chão e primeiro andar, de parede exterior pintada a branco, com duas portas e três janelas – quesito 7 – E, ainda, por uma outra parte que aparece na referida fotografia com a parede exterior apenas rebocada a cimento, com uma porta e uma janela – quesito 8.
18-Estas quatro partes não têm comunicação entre umas e outras pelo interior – quesito 9 – E têm entrada própria –quesito 10 – Assim como instalação eléctrica e contador de água próprios – quesito 11 – E nas traseiras de cada uma destas quatro partes, cada parte tem pelo menos uma porta que dá acesso ao respectivo logradouro – quesito 12.
19-Os logradouros estão vedados por corrimões em videiras e têm a largura correspondente à largura de cada uma das partes descritas – quesito 13.
20-Cada um dos «comproprietários» de cada destas partes, possui-a com exclusão de outros, há mais de vinte anos, por acordo entre todos – quesito 14.
21-A Ré Ilda de Nazaré e marido António Simões, sempre tiveram como sua exclusiva propriedade a referida parte ou fracção do edifício revestido a azulejo, pela parte virada para a rua, e o logradouro correspondente – quesito 15 – E nesse convencimento a Ré Ilda e marido António Simões sempre ali dormiram, comeram e repousaram, fazendo dessa parte a sede de suas vidas – quesito 16 – E sempre utilizaram o logradouro daquela parte, cultivando-o com couves e feijões e demais produtos hortícolas – quesito 17 – Sem qualquer interrupção – quesito 18 – À vista de toda a gente – quesito 19 – E nunca tiveram a oposição de ninguém – quesito 20 – Sempre no convencimento de que aquela fracção lhes pertencia exclusivamente – quesito 21 .
22-O prédio mencionado na al.a) foi desmembrado e deu origem aos prédios urbanos identificados nas al.h) e i)- quesito 22.
23-Após a morte do primitivo proprietário, na década de 1950, os filhos da Maria de Jesus e irmã, Joaquina de Jesus, passaram a possuir as partes no prédio referido na al.a) que antes tinham possuído as mencionadas mães – quesito 23.
24-Cada um dos filhos da Joaquina de Jesus ficou a possuir uma parte, na circunstância, uma parte o E... e a outra a Rosa de Jesus - quesito 24.
25-A Maria de Jesus deixou como herdeiros os seus dois filhos: Joaquina Alves Carvalho Pereira, mãe da Ré G..., e Maria da Encarnação, e a cada um foi atribuída também uma parte do mesmo prédio – quesito 25.
26-Na altura foi reconhecido que a parte que coube ao herdeiro E..., pai do ora A. José Manuel, era menos valiosa, dado que se tratava de um pequeno anexo barracão - quesito 26.
27-A partir da morte do Sr. Carvalho, na década de 1950, cada um dos proprietários ficou na posse da sua parte e a entendeu como um prédio autónomo, tendo os herdeiros de E.... sido possuidores da parte que agora pertence aos aqui AA.; outra parte veio a ser adquirida por K..., por compra a Rosa de Jesus, e que entretanto doou aos 2ºs RR.; outra parte chegou à posse da Ré G... e seu marido, por partilha por óbito de sua mãe e a última chegou à posse da Ré G... e marido através da compra ao António Jorge, mencionada na al.l) – quesito 28.
28-O Adriano Joaquim e mulher Joaquina Alves Carvalho Pereira, passaram a sua taberna que tinham no fundo do lugar da Carapinheira da Serra para a parte que lhes calhou na casa – quesito 29 – e construíram por cima da dita taberna mais um piso, este destinado a habitação – quesito 30.
29-Mais tarde, nos anos oitenta, o Adriano Joaquim e sua mulher doaram a casa onde estava instalada a aludida taberna à Ré G... - quesito 31.

30-Os outorgantes da escritura referida na al.c), Adriano Joaquim e esposa Joaquina Pereira, declaram doar ¼ indiviso do prédio referido na al.a), devido apenas ao facto de a parte que ocupavam não ter artigo matricial autónomo – quesito 32.
31-O artigo urbano inscrito sob o número 2421 da freguesia de São Paulo de Frades corresponde à casa mais alta mostrada nas fotografias - quesito 35.
32-A Ré G... e seu marido compraram verbalmente, em data não apurada, mas anterior à escritura da al.l), a casa de António Jorge, primo dos AA. e da Ré G..., filho da Maria da Encarnação, passando para aí a taberna – quesito 36.
33-Com vista à celebração de uma escritura que veio a ser a referida na al.l), os RR. G... e marido, solicitaram ao A. José Manuel os seus préstimos decorrentes da sua profissão para o preenchimento de mais um modelo 129, para a criação de um artigo autónomo referente a esta casa, solicitação a que este acedeu – quesito 37.
34-Foi criado o artigo matricial 2334 da freguesia de S. Paulo de Frades para fazer constar dele a casa vendida pelo António Jorge à G... - quesito 38.
35-Os possuidores das partes referidas nos quesitos 25 a 28 sempre respeitaram os limites de cada um – quesito 39 – e foram aplicando ao longo do tempo materiais, aquando das manutenções e alterações, completamente diferentes e a gosto de cada um – quesito 40.
36-Os RR. G... e marido e os seus antepossuidores estão na posse das partes referidas no quesito 28 há mais de 40 anos – quesito 42 – Aí recebendo clientes e amigos – quesito 43 – Fazendo obras de estrutura e de manutenção, reparando os telhados, pinturas interiores e exteriores – quesito 44 – Tudo isto à vista de toda a gente – quesito 46 – Sem oposição de quem quer que fosse – quesito 47 – E sem qualquer interrupção – quesito 48 – E na convicção de a eles e só a eles pertencerem, com a exclusão de qualquer outra pessoa – quesito 49.
37-Na freguesia de S. Paulo de Frades existe um prédio urbano a que se refere o artigo 901.
Em termos matriciais, na freguesia de S. Paulo de Frades existiram os seguintes 3 prédios rústicos: o artigo 1742 que era propriedade de António Jorge e deu lugar ao artigo 2334 urbano; o artigo 1743 que era propriedade de Adriano Joaquim e deu lugar ao artigo 2421 urbano e o artigo 1744 era propriedade de E..., pai dos Autores – quesito 50.
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II.2 - de direito
Em decorrência do que atrás se relatou, em causa está apenas a apreciação da apelação interposta pelos AA.
Pese embora a prolação de nova sentença na qual se supriu a arguida nulidade a que se refere o art.668º/1-d),C.P.C. (omissão de pronúncia) os recorrentes persistem em apontar à sentença agora em recurso o mesmo vício, e ainda o vício contemplado nas alíneas b) e c) do citado preceito.
Sem razão o fazem.
Segundo o art.668º/1-b), é causa de nulidade de sentença a falta de motivação ou fundamentação. Todavia, tal nulidade só realmente se verifica quando de todo em todo falte a fundamentação de facto ou de direito: não assim quando essa fundamentação se revele sumária e insuficiente.
Na al.c) do mesmo preceito, a lei refere-se à contradição real entre os fundamentos e a decisão: a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente. Porém, a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento. Cfr. F. Amâncio Ferreira, «Manual dos recursos em processo civil», 5ª ed., pág.49.
No caso em apreço, a sentença recorrida é de todo estranha a tais causas de nulidade. Apresenta-se bem fundamentada quer quanto aos factos quer quanto ao direito - tendo-se em conta que o tribunal é livre na indagação da norma jurídica aplicável no processo de subsunção -, e a decisão corresponde ao processo lógico desenvolvido: depois de determinada a situação de facto e de identificada a regra de direito aplicável, veio a concluir-se em conformidade. Não houve vício de raciocínio. Se a desconformidade está no conteúdo das premissas, isso constitui, como se salientou, erro de julgamento; não é motivo de nulidade.
Por último, na sentença em crise o juiz não deixou de pronunciar-se sobre todas as questões postas que devesse apreciar (não razões ou argumentos aduzidos pelas partes). Portanto, a sentença não padece do vício da omissão de pronúncia referido no art.668º/1-d).
Em suma, inexiste motivo para os apelantes reclamarem de nulidades da sentença em recurso.
Entrando na discussão do mérito, podemos adiantar que nenhuma razão assiste aos AA. no inconformismo que manifestam.
A questão essencial era a de saber se o prédio com o artigo matricial 901 estava em situação de compropriedade, já que a acção é de divisão de coisa comum contra três comproprietários por um deles.
Pretendendo dissolver a compropriedade, alegaram os AA. que o dito prédio se encontra naquela situação e é indivisível por substância.
Ante a prova produzida, considerou a 1ª instância que a compropriedade que existiu terminou quando a posse de cada um dos comproprietários conduziu à usucapião do respectivo direito de propriedade sobre a parte individualizada do prédio que antes suportava a compropriedade.
Na verdade, o prédio em causa foi na sua totalidade propriedade de um tal José de Carvalho até ao seu falecimento na década de 50. A partir de então passou a ser propriedade das irmãs e depois dos filhos destas, entre eles, E..., pai dos AA., e de António Jorge que os apelantes sustentam nunca ter sido comproprietário, passando cada um a possuir uma parte, vindo a ser desmembrado e dado origem aos prédios urbanos nºs 2334 e 2421 (item II.1,5,15-18,20, 22 a 24).
É certo que relativamente a este último aspecto, inexiste correspondência matricial entre aqueles prédios e o prédio 901. Porém, quanto a nós essa falta de correspondência pode ser aparente. É que se de facto eles “provieram” dos arts.1742 e 1743, admite-se que tenha havido substituição de matrizes. Contudo os autos demonstram que os aludidos prédios urbanos tiveram origem no prédio com o artigo matricial 901.
Como resulta ainda do elenco factual descrito, já em 1973 um dos comproprietários – António Simões – habitava uma parte do prédio, concretamente a casa revestida a azulejos, havendo nessa altura mais três comproprietários, ocupando cada um deles uma parte bem definida do prédio (item II.1-6,13 e 14).
Configura-se a compropriedade ou propriedade comum como um conjunto de direitos de propriedade – qualitativamente iguais, mas podendo ser quantitativamente diferentes – sobre a mesma coisa (art.1403º/C.C.).
Como escrevem P. Lima e A. Varela, a compropriedade exprime um caso de contitularidade num único direito de propriedade sobre a coisa comum, estando porém os consortes parificados quanto ás suas quotas mas não necessariamente do ponto de vista quantitativo. As quotas (medida da participação dos comproprietários) presumem-se, todavia, quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo. «C.C. anotado», Vol.III, pág.344-349
Decorre da factualidade assente que cada uma das quatro partes que compunham o prédio (os edifícios que surgem nas fotografias juntas a fls.48-50) passou a ser possuída depois da morte do primitivo proprietário, pelas irmãs Maria de Jesus e Joaquina de Jesus, e mais tarde, ainda na década de 50, pelos quatro filhos destas (item II.1-23 a 25 e 27), ficando cada um na posse da sua parte individualizada, entendendo-a como prédio autónomo, e actualmente do modo descrito em II.1-27 e 32.
O art.1412º/C.C. atribui a cada comproprietário o direito de exigir a divisão. Trata-se de um direito potestativo destinado a dissolver a relação de compropriedade, objectivado nos arts. 1052º a 1057º/C.P.C..
A cessação da situação de compropriedade implica, como é manifesto, o termo do concurso de vários direitos de propriedade pertencentes a pessoas diferentes, tendo por objecto a mesma coisa; tem lugar a constituição de situações de propriedade singular sobre cada uma das parcelas da coisa dividida. Cfr. Luís A. Carvalho Fernandes, «Lições de direitos reais», pág.335
Todavia, sendo a acção de divisão de coisa comum um instrumento próprio (processual ou judicial – art.1413º/1) para reduzir a pluralidade de direitos à unidade, outros meios (actos) existem conducentes a esse efeito. A comunhão pode cessar, com efeito, através de negócios entre vivos ou mortis causa, ou até da usucapião.
Ora, na hipótese em análise, verifica-se que o direito de propriedade sobre cada uma das partes do prédio foi adquirida com base na usucapião, forma de aquisição originária invocada por parte dos RR..
Conforme se ajuizou na sentença “Esta posse não é titulada, uma vez que não se apurou a existência de qualquer título aquisitivo na esfera jurídica do mencionado José de Carvalho na década de 1950, tendo a sua posse passado para os posteriores possuidores. Mas é de boa fé, pacífica e pública (arts. 1260º/1, 1261º/1 e 1262º/C.C.), razão pela qual, na ausência de registo do título ou da posse, tal posse facultou a aquisição do correspondente direito de propriedade decorridos 15 anos sobre o seu início (art.1296º/C.C.). Este lapso de tempo havia decorrido já, há muito, à data da instauração da presente acção, razão porque se conclui que os RR. são proprietários dos referidos edifícios e logradouros. O que fica referido ocorreu em relação às quatro partes já referidas.
(…) Por conseguinte, a compropriedade que existia, como AA. e RR.concordam que existia, terminou quando a posse de cada um dos comproprietários, agora com «animus» de proprietário exclusivo de cada uma das partes mencionadas, conduziu à usucapião do respectivo direito de propriedade sobre parte individualizada do prédio que antes suportava a compropriedade. O novo direito de propriedade sobre as partes individualizadas do anterior prédio impôs-se como novo direito, tendo-se extinguido a compropriedade, com a qual era incompatível.
(…) a extinção do direito de compropriedade coincide com o início da posse da qual resultou a aquisição do direito de propriedade por usucapião. O início desta posse ocorreu a partir da morte do mencionado José de Carvalho, na década de 1950, facto a partir do qual cada um dos posteriores proprietários ficou na posse da sua parte e considerou-a como um prédio autónomo. Tal significa que os actos de posse, para efeitos de usucapião se iniciaram ainda no domínio do Código Civil de Seabra. O art.517º do Código Civil de 1867 exigia como requisito da posse conducente à prescrição (usucapião), que ela fosse titulada, de boa fé, pacífica, contínua e pública. (…) A posse aqui em causa foi sempre exercida continuamente, à vista de todos sem oposição de quem quer que fosse e na convicção de se exercer um direito. Esta posse com tais características satisfaz as exigências dos arts.521º, 522º e 523º desse código, ou seja, posse pacífica, contínua e pública.
(…) Esta posse não titulada e de má fé conduzia à usucapião decorridos 30 anos sobre o seu início (artº 529º do mesmo código). Ora, esses trinta anos completaram-se em 1990 (como se desconhece em que ano faleceu o José de Carvalho, sabendo-se apenas que foi na década de 1950, os trinta anos sempre se terão verificado em 1990). Porém, aplicando o prazo previsto no actual Código Civil, a usucapião verificou-se ao fim de 15 anos, isto é, completou-se em 1 de Junho de 1982 (o Código Civil entrou em vigor em 1 de Junho de 1967)”.
Não podemos deixar de reconhecer que esta solução jurídica se apresenta ajustada perante o material fáctico assente. Os RR. alegaram e provaram os dois elementos da posse – corpus e animus (art.1287º/C.C.), e bem assim os pressupostos da invocada usucapião sobre os prédios cuja propriedade se arrogam, assinalados na sentença. A usucapião conduziu, portanto, à propriedade singular.
Por conseguinte, não sofre dúvida que esse acto implicou a extinção da compropriedade que se exercia sobre o prédio 901.
Logo, a presente acção não pode deixar de improceder, porque, como se disse, a acção de divisão de coisa comum tem por fim dissolver a compropriedade. E há muito que os comproprietários deixaram de ser contitulares do direito de propriedade sobre o dito prédio.
Improcedem, assim, as conclusões do recurso e, consequentemente, este.

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III - DECISÃO
Acorda-se, pelo exposto, em julgar improcedente a apelação e em confirmar a sentença apelada.
Custas pelos apelantes.
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COIMBRA,