Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1439/07.6TBFIG.CL
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VÍTOR
Descritores: PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA
INSPECÇÃO JUDICIAL
Data do Acordão: 11/06/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Legislação Nacional: ARTIGO 520.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. A produção antecipada de prova tem a sua razão de ser no receio de que a mesma possa tornar-se impossível ou muito difícil, caso não seja produzida de imediato.
2. Tal receio tem que apresentar-se com foros de seriedade, apontando para um perigo efectivo e palpável e não ser apenas uma mera possibilidade.
3. A forma de aquilatar de tal perigosidade são os seus indícios patentes e as regras de senso comum, baseadas no conhecimento da vida e das expectativas procedimentais, tendo em linha de conta as peculiaridades de cada caso concreto.
Decisão Texto Integral: Acordam na secção cível do tribunal da relação de Coimbra.

A... veio intentar B.. id. a fls. 2 e como preliminar de acção a propor, incidente de produção antecipada de prova nos termos do artigo 520.º ss do Código de Processo Civil, tendo pedido que se efectue produção antecipada de prova, através de inspecção judicial ao local para verificação dos factos seguidamente descri tos, e tudo isto para que a acção a propor possa ser antes de mais, correctamente instruída e para que possa ser útil e decidida com justiça, produzindo o seu efeito útil normal, com vista a que o requerente possa produzir a prova que necessita e a que tem jus para exercer os seus legítimos direitos.
A constatar, e a fotografar:
- Aspecto exterior da casa, tirando-se fotografias das paredes exteriores, das portas e janelas exteriores, e do respectivo interior, tirando-se também fotografias aos compartimentos interiores, às escadas interiores;
- Ser efectuada a mediação da área total da casa, de cada um dos pisos, e de cada um dos compartimentos;
- Descrição sumária de móveis e louças das casas de banho e dos móveis embutidos ou fixados em paredes, como é o caso de um guarda-fatos embutido na parede de um dos quartos, no primeiro andar; e de louças das casas de banho e dos móveis de cozinha;
- Deve ser feita também, na medida do possível, a descrição dos materiais empregues na construção, no revestimento das paredes, no revestimento do chão em cada compartimento, e nos acabamentos (por exemplo, se é madeira ou mosaico, se as paredes são lisas ou revestidas de azulejo, etc.);
- Deve ser descrito o material de que são feitas as portas interiores, as escadas interiores, as janelas, a grade da varanda do primeiro andar (que são em alumínio), as escadas interiores, a porta exterior, estes os factos a constatar.
- Dado que o requerente pretende, através da acção que vai propor, que a requerida lhe pague a casa pelo valor que ela tem actualmente, visto que foi ele quem a construiu, embora no terreno da mãe da requerida, ou então ser reconhecido proprietário dessa casa, tem todo o interesse na avaliação do imóvel, visto que não possui facturas de todas as obras que fez, nem de todos os material nem da mão de obra. E ele, e os seus filhos e familiares fizeram muito serviço na construção da casa, trabalharam muito para terem aquela casa, e não possuem documento desses valores, pelo que e imprescindível a avaliação da casa, e para que tal avaliação seja feita de imediato, antes que aquela que figura como sua proprietária lhe introduza alterações.


O Sr. Juiz por despacho de fls. 20 ss indeferiu ao requerido.
Daí o presente recurso de agravo interposto pelo impetrante A..., o qual no termo da sua alegação pediu a revogação do despacho em causa e substituição por outro que julgue totalmente procedente o pedido de produção antecipada de prova deduzido pelo requerente, ora agravante, A..., nas duas modalidades requeridas que são a inspecção ao local para descrição completa da casa, e obtenção de fotografias e recolha de medidas, e a avaliação da casa por um ou vários peritos, assim se decidindo em justiça e de forma a possibilitar a fluidez e a aplicado da própria justiça, visto que no caso vertente, a produção da prova previamente à propositura da acção é conditio sine qua non para uma futura decisão justa.
Foram para tanto apresentadas as seguintes conclusões

1) O Juiz que proferiu a decisão ora agravada fez uma incorrecta interpretação e aplicação do conceito de justo receio ao caso concreto em apreço, porque ao contrário do decidido, é mais do que Justificado o justo receio do requerente, face às regras da experiência comum, sendo razoável supor que a requerida quando se vir confrontada com uma acção no valor de € 125.000,00, e na iminência de perder a casa ou de pagar a construção e o valor actual da mesma, queira desfigurá-la, ou faça pequenas obras para mascarar as que foram feitas pelo requerente, e, desse modo, inviabilize ou dificulte a pretensão do requerente.
2) Se existe situação em que se justifica o receio de a parte contrária desfigurar as provas é a presente, porque a requerida é a proprietária da casa, está convencida que a mesma lhe pertence mesmo não a tendo construído nem a tendo herdado, e julga que por ter despejado o requerente, que figurou como inquilino durante anos consecutivos, faz da casa o que quiser.
3) É de prever, segundo as regras da experiência comum, que a requerida assim que se vir confrontada com uma acção para pagar a casa ou para a mesma ser reconhecida propriedade do seu construtor (requerente, ora agravante), tente de qualquer forma alterar a casa de forma a dificultar a pretensão do requerente.
4) O Juiz a quo fez uma incorrecta interpretação e integração das normas processuais que prevêem e admitem a produção antecipada de prova, assim como violou essas normas e o espírito dessas normas, que visa garantir uma prova justa e feita antes que seja desfigurada a realidade pela parte requerida.
5) A decisão recorrida viola assim o disposto nos artigos 20° e 521° do Código de Processo Civil, assim como o artigo 20°, n° 5 da CRP, porque está a impedir que o requerente utilize o procedimento judicial proprietário e adequado à sua pretensão, de forma a obter tutela jurisdicional efectiva do seu direito.
6) O facto de o requerente conhecer bem a casa não pode fundamentar o indeferimento da inspecção ao local previamente à propositura da acção, porque para efeitos de procedência da acção quem tem de conhecer bem a casa para melhor decidir a questão é o Tribunal e o procedimento da produção antecipada de prova visa obter a recolha de dados antes de serem adulterados pela requerida.
7) No caso vertente, a produção antecipada de prova é, além do mais, a forma mais justa de obtenção das provas, porque, além de ser a única forma de assegurar ao requerente a produção da prova acerca do estado real em que ele deixou a casa, também é a forma mais justa de obtenção da prova, evitando que a requerida desvalorize a casa, ou a sobrevalorize alegando que foi ela quem fez as benfeitorias. Sabemos que o tempo durante o qual se arrasta o processo até à fase da produção de prova é suficiente para demolir a casa, alterá-la, introduzir-lhe alterações, etc., atento o facto de a requerida ser por enquanto a proprietária da casa, e, por isso, o direito de fazer dela aquilo que muito bem entender.
8) O Senhor Juiz a quo também não tem razão ao dizer que facilmente se notariam as alterações feitas pela requerida, porque, desde logo, para saber se eram alterações, antes de mais o tribunal tinha de conhecer o estado actual da casa, (isto é, a casa tinha de ser inspeccionada e fotografada agora), e, além disso, daqui por quatro anos é difícil distinguir se as obras têm dois anos de idade, ou se têm quatro, ou seis anos de idade. E, por outro lado, se a requerida fizer obras agora, daqui por três anos não se consegue provar se foram feitas agora ou ser foi o requerente ora agravante quem as fez há um ou dois anos atrás.
9) Dada a matéria a provar na acção a propor, e o risco de a casa ser alterada pela sua actual proprietária, e dificultar ou inviabilizar a prova a produzir pelo ora agravante, a única solução para garantir a prova e a boa decisão da causa é a produção antecipada de prova, sendo esta também a medida mais justa, a forma de obtenção de prova mais justa e que garante de forma mais infalível uma decisão justa para ambas as partes, porque tomada em conformidade c o estado em que o requerente, futuro autor, deixou a casa, e não com base em eventuais alterações.
10) A decisão ora recorrida ao ser incorrecta sob o ponto de vista da interpretação das regras da experiência comum, ao excluir o justo receio duma situação em que o mesmo tem todo o cabimento, e é sobejamente justificado, ao fazer incorrecta interpretação e aplicação das normas processuais civis que prevêem e admitem a produção antecipada de prova, e ao violar o artigo 20° da CRP, conforme referido na conclusão n° 3, é uma decisão ilegal e inconstitucional e até mesmo entorpecedora da boa fluidez e da melhor aplicação da justiça, o que se deixa aqui referido com o devido respeito pelo Juiz a quo, mas que neste caso concreto fez uma análise muito entorpecedora da realidade e da lei.
11) Face à verificação em concreto do justo receio do requerente, ora agravante, de que a requerida, futura Ré na acção, dificulte ou inviabilize a produção da prova por parte deste, o deferimento ao requerente, futuro Autor, da produção antecipada de prova, é também a única forma de facultar que a decisão a proferir na acção seja feita na posse das provas reais e actuais, e, por isso, a produção antecipada de prova é no caso em apreço uma conditio sine qua non para uma justa decisão da causa, e o único meio processual adequado a garantir a prova efectiva do estado actual da casa.
Não houve contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

2. Fundamentos
2.1 Factos

Os factos que interessam à decisão causa constam a fls. 20 ss do despacho agravado.

Assim, não tendo sido impugnada a matéria de facto, nem havendo tão pouco qualquer alteração a fazer-lhe, nos termos do preceituado no art.º 713.º nº 6 do Código de Processo Civil, dá-se aqui a mesma por reproduzida.

2.2 O Direito
Nos termos do preceituado nos arts 660.º n° 2, 684.º n° 3 e 690.º n° 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:

- A produção antecipada de prova a que se reporta o artigo 520.º do Código de Processo civil. Estão verificados os respectivos pressupostos?


2.2.1. A produção antecipada de prova a reporta o artigo 52.° do Código de Processo Estão verificados os respectivos pressupostos?
que se civil.

Estatui o artigo 520.º do Código de Processo Civil que "Havendo justo receio de vir a tornar-se impossível ou muito difícil o depoimento de certas pessoas ou a verificação de certos factos por meio de arbitramento ou inspecção, pode o depoimento, o arbitramento ou a inspecção realizar-se antecipadamente e até antes de ser proposta a acção".

Invocando o citado normativo legal, formula o requerente o pedido de produção de prova corno preliminar da propositura de uma acção de indemnização em virtude de haver construído uma casa no terreno da mãe da requerida e tem receio de que até ser ressarcido, esta última lhe introduza alterações que a desvalorizem.

O Sr. Juiz entendeu indeferir ao requerido por despacho de fls. 20 ss; e bem, diga-se desde já. Na verdade, o receio de a prova se tornar impossível ou muito difícil, tem que se apresentar c6m foros de seriedade apontando para um perigo efectivo palpável e não ser apenas uma mera possibilidade. Ora a forma de o aquilatar são os indícios patentes dessa perigos idade e as regras de senso comum. No que toca aos primeiros diremos que não têm consistência; nada vem indicado que dê corpo a um fundado receio de actos que intencionalmente desvalorizem o locado de molde a impedir que o requerente se veja impossibilitado de conseguir provar o quantum indemnizatório a que se arroga. Mas de igual forma para tal apontam as regras de senso comum. Não é natural que a Ré proceda a actos dirigidos à desvalorização da casa em que vive de forma a que se repercutam nos direitos do Autor. E se no campo das possibilidades não está excluído que tal aconteça, certo é todavia que o mesmo não se perspectiva como provável. E só neste caso é admissível que a produção de prova tenha lugar antes de os trâmites processuais atingirem a fase prevista para tanto. Aliás, se assim não fosse, acabaria por tornar-se vulgar aquilo que só excepcionalmente deve suceder, com a consequente anarquia processual que daí adviria.

Por outro lado, ainda que hipoteticamente haja alterações mais assinaláveis os respectivos vestígios não desaparecem rapidamente, sendo certo que fácil será ao Autor comprovar, desde logo lançando mão de prova testemunhal ou documental (v. g a planta da casa), a realidade de tais modificações e assim quantificar o eventual prejuízo em que as mesmas se traduziram.

Nesta conformidade nada justifica a alteração in casu do ritualismo processual inerente à acção que o Autor se propõe intentar, tanto mais que a corporizar-se um receio consistente, a todo o momento a questão poderá ser de novo suscitada em juízo.

Concluindo

1) A produção antecipada de prova tem a sua razão de ser no receio de que a mesma possa tornar-se impossível ou muito difícil, caso não seja produzida de imediato.

2) Tal receio tem que apresentar-se com foros de seriedade, apontando para um perigo efectivo e palpável e não ser apenas uma mera possibilidade.

3) A forma de aquilatar de tal perigosidade são os seus indícios patentes e as regras de senso comum, baseadas no conhecimento da vida e das expectativas procedimentais, tendo em linha de conta as peculiaridades de cada caso concreto.

4) Se assim não fosse, acabaria por tornar-se vulgar aquilo que só excepcionalmente deve permitir-se, com a consequente anarquia processual daí adveniente.

1. DECISÃO:
2. Pelo exposto acorda-se em negar provimento ao agravo mantendo assim o despacho agravado.
Custas pelo agravante.