Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1623/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. JOÃO TRINDADE
Descritores: PEDIDO CÍVEL
DESPACHO LIMINAR
Data do Acordão: 05/19/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FORNOS DE ALGODRES
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Legislação Nacional: ART. 4º, 311º DO C. P. P. 508º DO CPC
Sumário:

Mantém-se em processo penal o despacho liminar existente anteriormente no processo civil.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Criminal desta Relação:

O Instituto de Solidariedade e Segurança Social - Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Coimbra deduziu pedido de reembolso de prestações contra BB, no montante de 13.979,51.

Contestando a demandada excepcionou a sua ilegitimidade , falta de interesse em agir e a falta de causa de pedir do pedido de reembolso.

Respondeu a demandante apenas pondo em causa a excepção da ilegitimidade.

Foi então proferido despacho no qual se julgou procedente a excepção de ineptidão da petição inicial com base na al. a) do nº 2 do artº 139º do CPC e em consequência foi a demandada absolvida da instância.

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Inconformado, recorreu o demandante, concluindo a sua motivação do seguinte modo:
1. O Mº Juiz do Tribunal a quo considerou o pedido de reembolso de prestações da Segurança Social deduzido pelo recorrente ao abrigo do D.L. nº 58/89 de 22/2, inepto por falta de causa de pedir (artº 193º, nº 2 al. a) do CPC:).
2. No entanto , não ouviu o Autor, ora recorrente , conforme estabelece o nº 3 do artº 193, o nº 2 do artº 266º e o artº 508º, todos do CPC, em conjugação com o disposto no artº 4º do CPP . Violou , assim, o princípio da cooperação e do contraditório.
3. Pois o despacho datado de 15.12.03 que notificava a demandante para a possibilidade de se pronunciar “quando à invocada excepção de ilegitimidade” nada referia quanto à excepção dilatória da ineptidão da petição inicial (artº 193º, nº 1 e 494º, b) ambos do CPC).
4. Tal só podia ser interpretado no sentido de que o Mº Juiz já dispunha dos elementos que considerava suficientes para julgar improcedente a última excepção.
5. Isto porque o Recorrente ocupa no processo a posição de interveniente principal.
6. E de acordo ,com o disposto no artº 321º do CPC “ O interveniente principal faz valer um direito próprio paralelo ao do autos ….apresentando o seu próprio articulado ou aderindo aos apresentados pelas partes a que se associa.
7. Nos pedidos de reembolso , o Instituto de Solidariedade e Segurança Social só conhece as circunstâncias em que ocorreu o acidente de viação através da acusação enviada em anexo à notificação que a autoridade judiciária efectua ao abrigo do disposto no artº 2º do D.L. 59/89 de 22/2.
8. E recai sobre a autoridade judiciária o dever de informar a instituição da possibilidade de deduzir o pedido.
9. Que o deduz , no caso de ter assegurado provisoriamente a protecção do beneficiário, exigindo o valor dos subsídios pagos quando exista responsabilidade de terceiro e na medida dessa responsabilidade , por efeito do fenómeno da sub-rogação ( artº 8º, nº 3 do D.L. 132/88 de 20/4 e 71º da lei nº 32/02 de 20/12).
10. Portanto , facilmente se verifica que o recorrente adere aos factos descritos na acusação do ilustre magistrado do Ministério Público.
11. E foi esta a interpretação que o Réu fez da petição inicial.
12. Uma vez que na douta contestação ao pedido de reembolso dá por reproduzida a contestação apresentada pelo arguido à acusação pública.
13. Por outro lado, ao considerar que ficou prejudicado o conhecimento da excepção da ilegitimidade, o Mº Juiz levou o Recorrente a praticar um acto inútil, na medida em que não o apreciou.
14. E já dispunha nessa altura dos elementos que considerou necessários no despacho recorrido para julgar inepta a petição inicial.
15. Nestes termos deve ser dado provimento ao recurso e em consequência ,julgada improcedente a excepção da ineptidão da petição inicial e remetido o processo ao Tribunal a quo para conhecer a excepção da ilegitimidade .

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A demandada respondeu pugnando pela improcedência do recurso para tal concluindo:
1. A causa de pedir no pedido de reembolso do recorrente era manifestamente insuficiente para atribuir a responsabilidade do acidente a qualquer dos condutores intervenientes e, consequentemente , a obrigação de indemnizar.
2. Não só por ausência de alegação dos necessários factos.
3. Como por falta de adesão à acusação.
4. A contestação ao pedido de reembolso foi notificada ao Recorrente.
5. E invocava expressamente a ilegitimidade passiva e a falta de causa de pedir.
6. O Recorrente não respondeu à falta de causa de pedir.
7. Apesar de ter sido respeitado o princípio do contraditório.
8. O douto despacho considerou inepto o pedido de indemnização civil, decidindo bem.

Nesta Relação o Exmo. Procurador –Geral Adjunto apôs o visto.

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Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência há que decidir :

O âmbito dos recursos afere-se e delimita-se através das conclusões formuladas na respectiva motivação conforme jurisprudência constante e pacífica desta Relação, bem como dos demais tribunais superiores, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

As questões a resolver são as seguintes:
A. Violação do princípio do contraditório.
B. Ineptidão do pedido.

A- Violação do princípio do contraditório.

Deduzido o pedido de indemnização civil, o juiz pode rejeitá-lo liminarmente ou mandá-lo corrigir, nos termos gerais e nos do artº 311º do CPP. Haverá assim despacho liminar ,como anteriormente no processo civil, o qual poderá ser de admissão do requerimento, de aperfeiçoamento ou de rejeição.

A tal conclusão não obsta a actual redacção do artº 508º do CPC(D.L. 180/96) já que o legislador processual penal não alterando o artº 311º do CPP, e teve oportunidade de o fazer(L. 59/98-25/8,L . 3/99 de 13/1,L. 7/00-27-5, D.L. 320-C/00 de 15/2)quis manter no processo penal o despacho preliminar, não havendo assim qualquer lacuna a integrar nos termos do artº 4º do CPP.

Defende o recorrente que o tribunal a quo violou o princípio da cooperação e do contraditório ao considerar inepto o pedido de reembolso.

Afigura-se-nos que não lhe assiste razão.

Na verdade não obstante ,como se referiu supra, o juiz estar sujeito ao poder-dever de, no despacho liminar, mandar corrigir ou aperfeiçoar o pedido o certo é que este pode não se aperceber de qualquer deficiência ou omissão.

Tal não implica só por si que foi violado o princípio do contraditório, já que, como acontece no caso, antes da decisão foi dada oportunidade ao demandante/recorrente de se pronunciar sobre tal excepção.

É que na contestação, que foi notificada à demandante , a demandada além da questão da ilegitimidade e da falta de interesse em agir, excepcionou a ineptidão do pedido por falta de causa de pedir e na réplica a demandante teve oportunidade de reagir expondo a sua posição.

Foi assim assegurado o princípio do contraditório.

A tal conclusão não obsta o facto do Mº Juiz a quo, inexplicavelmente, no despacho que admitiu a contestação ter ordenado a notificação da demandante para querendo se pronunciar apenas quanto à invocada excepção de ilegitimidade.

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B- Ineptidão do pedido

A lei consagra o princípio de adesão obrigatória da acção civil à acção penal.

Assim ao pedido de indemnização civil formulado no processo penal são as regras deste processo as aplicáveis.

Tal não impede que o pedido de indemnização civil seja considerado como uma autêntica petição inicial( - Ac. do STJ de 23-3-95 Proc. 46967/3),pelo que deverá conter os factos e as razões de direito que servem de fundamento ao pedido . O demandante deverá indicar os factos ilícitos ,o risco e a responsabilidade contratual, fundamento do pedido.

Ora o demandante/recorrente limitou-se a alegar no pedido de reembolso que o arguido CC tinha a sua responsabilidade civil decorrente da circulação transferida para a Companhia de Seguros MAPA, que em consequência do acidente de viação ocorrido no dia 26-7-98 o beneficiário da Segurança Social Humberto Nunes esteve com baixa médica pelo que lhe foi processado e pago subsídio de doença no valor de 13.979, 51€. “ Este Instituto tem direito a ser reembolsado, por quem tem obrigação de indemnizar, do valor das prestações pagas”.

É precisamente a factualidade que permitiria ao tribunal concluir por quem tem a obrigação de indemnizar que não consta do pedido, nomeadamente a ilicitude ,o nexo de imputação do facto ao lesante e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

E não se diga que no pedido de reembolso o demandante Instituto de Solidariedade e Segurança Social aderiu aos factos descritos na acusação do Mº Pº, já que dele não existe a mínima referência a tal e nem se pode inferir ,como pretende o recorrente das “circunstâncias em que ocorreu o acidente só as conhece através da acusação enviada em anexo à notificação que a autoridade judiciária efectua ao abrigo do disposto no artº 2º do D.L. 59/98 de 22/2.”

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Nestes termos se decide:
- Julgar por não provido o recurso.

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Sem tributação.

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Coimbra, 2004-05-