Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
163/04.6TBOFR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CULPA
DANO
Data do Acordão: 01/12/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: OLIVEIRA DE FRADES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.49 Nº1 A), 50 Nº2 A), 56 Nº2 H), 59 Nº2 DO CE, 494, 496, 564 DO CC.
Sumário: I – Circulando um motociclo dentro da sua hemi-faixa de rodagem e embatendo na retaguarda de um veículo automóvel pesado de mercadorias, que se encontrava estacionado nessa mesma hemi-faixa de rodagem, provando-se que estava nevoeiro, era de noite, não existia iluminação no local, o pesado não tinha quaisquer luzes de presença, nem qualquer sinalização, estava carregado de toros de madeira que ultrapassavam a caixa na retaguarda, sem qualquer sinal de aviso ou reflector, é de imputar a culpa exclusiva do acidente ao condutor do veículo pesado de mercadorias.

II - Configura um dano patrimonial futuro previsível certo e indeterminável, o facto de o autor, vítima do acidente de viação, ter, após a alta, de continuar em tratamento médico, por não haver possibilidade de recuperação total, cuja indemnização terá que ser relegada para liquidação posterior.

III – Provando-se que o Autor tinha 29 anos de idade aquando do acidente de viação ( 9/12/2002), exercia a profissão de serralheiro, auferindo mensalmente € 1.044,16, ficou com incapacidade permanente para o trabalho em geral de 30%, mas sem efectiva perda de retribuição, com uma esperança média de vida de 44 anos ( até aos 73 anos), mostra-se equitativa a indemnização pelo dano patrimonial futuro ( dano biológico ) no valor de € 125.000,00.

IV – Provando-se que o Autor sofreu lesões graves ( traumatismo craniano, fractura de quatro arcos costais à esquerda, traumatismo toráxico, fractura do baço, laceração da artéria renal, contosão pancreática, pancreatite aguda traumática), esteve durante um ano internado no Hospital, com várias complicações durante esse período, continuou com tratamentos, passou a sofrer de falhas de memórias e tonturas, a indemnização pelos danos não patrimoniais deve fixar-se equitativamente no valor de € 35.000,00.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório
A..., residente ...., intentou a presente acção sob a forma de processo ordinário, contra B..., residente em ....., pedindo a condenação deste no pagamento a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, da quantia de € 337.821,08, acrescida das importâncias que se vierem a liquidar em execução de sentença pelos danos futuros previsíveis emergentes das intervenções cirúrgicas que ainda terá de efectuar, tratamentos, medicação, consultas a que terá de se submeter, tempo de internamento e consequências definitivas, a, ainda, ao pagamento dos juros, à taxa legal, desde a citação.
Para tanto alega, em síntese, que em 9 de Dezembro de 2002, ocorreu um acidente de viação, no qual foi interveniente o A., conduzindo o motociclo de matrícula 0-0FR-00-0 e o veículo pesado de mercadorias, de matrícula 00-00-CG, propriedade do R.; tal acidente ficou a dever-se à culpa única e exclusiva do condutor do veículo do R., porquanto, o mesmo estacionou tal veículo pesado com as luzes desligadas, ocupando a totalidade da hemi-faixa de rodagem  adstrita à circulação do A., completamente carregado com toros de madeira que se não continham em comprimento nos limites da caixa do mesmo, antes a ultrapassando na rectaguarda em mais de 1 a 1,5 m, , situação que não era minimamente detectável para o A., já que nem o R., nem o condutor de tal veículo pesado cuidaram de colocar na via qualquer sinal de aviso a anteceder o camião, dando conta da presença dele naquele local, nem colocaram nos próprios toros sinais reflectores ou outros de qualquer natureza que indicassem a situação; o A. deparou-se com a sua hemi-faixa de rodagem obstruída, a menos se 10 m do veículo pesado, face ao intenso nevoeiro que se fazia sentir, travou de imediato e guinou repentinamente a sua direcção para a esquerda na tentativa de evitar o embate, que não logrou conseguir, indo colidir violentamente com o peito nos toros de madeira que, à rectaguarda do CG, se prolongavam para fora da caixa de carga do camião, ficando prostrado no pavimento; de tal acidente resultaram para o A. os danos de natureza patrimonial e não patrimonial pelo mesmo alegados que este computa nos montantes peticionados.
Citado, o R. contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação.
Por excepção, dizendo que, na qualidade de proprietário do veículo pesado de mercadorias de matrícula 00-00-CG, tinha a sua responsabilidade civil com referência aquele para a “ C.... “, devendo o A. ter proposto a presente acção contra tal seguradora, sendo que à data do acidente o veículo circulava com o certificado provisório de seguro emitido por esta.
Por impugnação, dizendo que não é verdade que o veículo e atrelado referidos tenha ocorrido pela forma descrita pelo A., porquanto, tal veículo se encontrava estacionado na berma e ocupava apenas 1 m da sua faixa de rodagem, tendo esta a largura de 4 m, sobrando dela 3 m para circular; nega, ainda, que os toros de madeira que constituíam a carga de tal veículo excedessem as dimensões da caixa do mesmo, porque tal madeira estava devidamente acondicionada dentro do reboque e não da caixa, sendo, ainda, que o A. embateu na barra metálica do reboque, e não nos toros que estavam dentro do reboque, danificando ligeiramente o pára-choques traseiro do mesmo; impugnando, ainda, o R. os danos alegados pelo A., por desconhecer se são ou não verdadeiros ou falsos, mas considerando inflacionado o valor peticionado a título de perda de capacidade de ganho.
Conclui pugnando pela procedência da excepção de ilegitimidade invocada e pela improcedência da acção, pedindo, ainda a intervenção da C...., na qualidade de seguradora do veículo propriedade da A.
Replicou o A., propugnando pela improcedência da excepção de ilegitimidade, dizendo que o certificado provisório de seguro alegado pelo R. não passa disso, o qual só tem validade se no prazo de 30 dias contados da data da respectiva emissão tiver sido feito o pagamento do respectivo prémio, não vindo comprovado esse pagamento do prémio; impugnando, ainda, a matéria alegada pelo R. atinente à dinâmica do acidente; sobre a intervenção requerida da C...., o A. não só não deduz a tal intervenção como, ainda, secunda, a intervenção da mesma na qualidade de associada do R. 
Termina o A. concluindo como na P.I., pela improcedência das excepções deduzidas pelo R. e requer o chamamento à intervenção na qualidade de associada do R. a C.....
Admitida a intervenção da C....., veio esta a ser citada, tendo apresentado contestação, na qual impugna todos os factos alegados na P.I., quer quanto à dinâmica do acidente, quer quanto às características do local onde o mesmo terá ocorrido, quer, ainda, quanto aos danos invocados.
Sobre o contrato de seguro com base no qual vem demandada, alega a contestante que inexistia contrato de seguro válido que para ela transferisse a responsabilidade pelos danos causados pela veículo propriedade do R. pelas razoe
Replicou o A. à contestação apresentada pela C...., alegando desconhecer os factos atinentes à inexistência do contrato de seguro por esta defendida na contestação; para a hipótese de se entender que inexiste contrato de seguro com a C...., conforme por esta propugnado, para assegurar a legitimidade do R. B..., requer a intervenção aos autos do Fundo de Garantia Automóvel.
Admitido o chamamento do Fundo de Garantia Automóvel, veio este apresentar articulado próprio, no qual pugna pela sua ilegitimidade por não ter sido demandando o condutor do veículo CG, sendo que a demanda deste se impunha por se tratar de um responsável civil, o que gera a sua ilegitimidade; por impugnação alega desconhecer e não ter obrigação de conhecer a maioria dos factos alegados na P.I.
Na sequência da contestação apresentada pelo Fundo Garantia Automóvel, veio ainda o A. requerer a intervenção provocada de D.... , condutor do veículo 00-00-CG.
Admitida a intervenção do mencionado D..., foi o mesmo citado, vindo a fazer seu o articulado de contestação do R. B....
Depois de dispensada a audiência preliminar, foi elaborado despacho saneador, no qual se apreciaram as excepções de ilegitimidade suscitadas, no sentido da sua improcedência, declarando-se a regularidade dos demais pressupostos processuais e organizando-se a matéria assente e a base instrutória, sem que tenha havido reclamações.
Procedeu-se ao julgamento, após o que foi proferida sentença, onde se decidiu:

«1. Julgar parcialmente procedente a presente acção intentada pelo A., A..., e, consequentemente:

a) Absolver o R. B... e os intervenientes Fundo de Garantia Automóvel e D... dos pedidos contra si nela formulados.

b) Condenar a interveniente C....., a pagar ao mencionado A., a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, o montante global  de € 108.500,00, acrescido de juros, desde a citação e até integral pagamento sobre o montante de € 500,00, e apenas desde a presente decisão e até integral pagamento sobre a quantia de € 108.000,00, juros esses à taxa de 4%., absolvendo-a do demais peticionado.

c) Condenar A. e R. C..... nas custas da acção na proporção dos respectivos decaimentos.»                       
Inconformados com a decisão proferida, apelaram o Autor A..., e a Ré C...., ....
Apresentou o Autor as seguintes conclusões:

1- Perante a factualidade provada constante do aludido n° 49 da sentença e o esclarecimento de fls. 459 dos Autos, é para nós claro que existe uma contradição entre a matéria de facto provada e a fundamentação de direito da mesma, a qual, não dá em si mesmo origem à nulidade da sentença (apenas se refere à oposição entre fundamentos e decisão), mas dará lugar ao seu suprimento por parte desta Relação, que deverá condenar a C.... a, além do mais: a pagar ao Autor as quantias que se vierem a liquidar em execução de sentença, emergentes dos tratamentos médicos da especialidade de ortopedia a que este continuar a ser submetido, bem como os de Nefrologia que venham a ser necessários.

2- Atendendo a todos os factos dados como provados no tocante aos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor, bem como a propensão natural que se tem vindo a verificar no sentido de não atribuição de indemnização miserabilísticas aos lesados, ao intenso grau de culpa do lesante pela produção do acidente, é justa e equitativa a quantia, a este título, de € 60.000,00.

3- Na fixação da indemnização devida pela perda de capacidade aquisitiva, há que atender à idade referente à esperança média de vida efectiva, que é em Portugal e neste momento, de 75 anos para os Homens e de 81 anos para as mulheres.

4- Atendendo a tais idades, ao salário referência de € 1.044,16, temos que as limitações decorrentes da IPP de 30% fixada ao Autor reflectir-se-ão por mais, 46 anos.

5- Com base em tais pressupostos, a indemnização devida ao Autor pela IPP de 30% de que ficou afectado cifra-se em € 201.731,71.

6- Ao decidir nos termos constantes da douta Sentença em recurso o Tribunal a quo violou o disposto nos artºs. 494°; 496° no.3; 562°; 564° nºs. 1 e 2 e 566°, todos do Código Civil.

7- Os juros moratórios são devidos desde a citação (art. 805° n.º 3 do C. Civil) quanto à indemnização por acidente de viação e sem distinguir entre danos patrimoniais e não patrimoniais.

8- No caso dos Autos o Autor reclamou a condenação no pagamento dos juros, à taxa legal, desde a citação pelo que o tribunal deveria ter condenado a C.... no pagamento dos juros devidos à taxa legal, quanto a todos os danos sofridos pelo Autor.

9- Ao decidir quanto aos juros, e à taxa aplicável, nos termos da douta Sentença em recurso, o Tribunal a quo violou o disposto nos artºs. 805° n°. 3 e 806° nos. 1 e 2 do C. Civil.

Sem prescindir e por mera cautela

10- A Sentença recorrida entendeu que a C.... é responsável pelo pagamento da indemnização devida ao Autor. Ora, esta igualmente recorreu da Sentença, desconhecendo-se se irá insurgir quanto à questão à a validade do seguro.

11- Assim, e caso aquele recurso venha a versar sobre essa matéria e seja porventura procedente -o que se admite por mero dever de patrocínio - então deverá a presente sentença também ser alterada na parte em que absolveu o Fundo de Garantia Automóvel do pedido, condenando este em conformidade com as normas plasmadas nos artºs 21°, n° 2, al. a) do Dec. Lei 522/85 de 31.12, e artº 483° do Código Civil.
A C..... formulou as seguintes conclusões

1- A divergência do recorrente em relação à douta sentença circunscreve-se quer quanto à determinação da responsabilidade pela eclosão do sinistro em sede de culpa quer quanto à quantificação dos danos a título de lucros cessantes pela Incapacidade Parcial Permanente que o recorrido ficou a padecer.

2- A ora recorrente, face à factologia provada, entende que o sinistro decorre de conduta culposa do condutor do motociclo, aqui autor, que não regulou a velocidade de modo a parar em segurança no espaço livre e visível à sua frente, circulava sem cuidado e atenção à via.

3- Diga-se, antes de mais, que o local onde ocorreu o sinistro tem pavimento asfaltado em razoável estado de conservação e tem cerca de oito metros de largura, dispondo de duas hemi-faixas de rodagem cada uma com um sentido de marcha e desenvolve-se numa recta com boa visibilidade;

4- O local é marginado em ambos os lados por unidades fabris;

5- Na data referida estava nevoeiro que não permitia ver a mais de dez metros de distância e era noite e não existia luz artificial. Não obstante todo este factualismo, o autor conduzia o motociclo na hemi-faixa de rodagem direita no sentido Vilarinho - Pereiras a uma velocidade não inferior a 50 Km/hora;

6- Então, deparou-se à sua frente com o veículo com a matrícula 00-00-CG (pesado de mercadorias de caixa aberta) imobilizado junto à entrada de uma unidade fabril com as luzes desligadas e sem sinais de presença assinalados na via ou no camião;

7- Registe-se que o CG ocupava, estacionado, a berma e 1,50 m da faixa de rodagem direita, atento o sentido de marcha Vilarinho -Pereiras;

8.c- Devido ás condições atmosféricas, o autor deparou-se com o veículo 00-00-CG quando estava a não mais de 10 metros de distância do mesmo e colidiu com a rectaguarda do camião (repare-se que não colidiu com os toros...)

9- Perante tal factualidade provada, temos para nós seguro que verifica-se que o autor, não conseguiu deter a marcha do veículo que conduzia antes do embate em que foi interveniente, isto é, não conseguiu parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, o que, em condições de velocidade adequada, poderia e deveria ter ocorrido, independentemente da existência de quaisquer sinais de pré-sinalização de perigo (suponha-se, a título exemplificativo, que o obstáculo fosse a existência de uma árvore de grandes dimensões tombada no solo da estrada e a ocupar toda a largura da faixa de rodagem) .

10- Diga-se que naquele circunstancialismo de tempo e de lugar, circular a mais de 50 Kms/h quando se tem uma visibilidade de apenas 10 metros) e muito próximo da berma é uma condução negligente, imprudente e culposa.

11- Diga-se que o segurado cumpriu o disposto no art.º 4.º do Código da Estrada pois estacionou na berma e a ocupar a faixa de rodagem indispensável a esse estacionamento, pelo que nenhuma responsabilidade lhe pode ser imputada.

12- Ocupando um espaço mínimo da faixa de rodagem -1,5 metros, podia o autor bater apenas de raspão mas bateu na traseira do veículo parado.

13- Acrescente-se que, dada a prova produzida, as testemunhas foram passando pelo camião estacionado e não chocaram com o mesmo - testemunhas E...., F...,G... , H.... , I.... , J...., L.... , com especial realce para o depoimento da primeira daquelas, M..... , que o presenciou - logo se infere a distracção e a negligência que presidia à condução do autor.

14- Impunha-se que em face das circunstâncias meteorológicas e do próprio estado da via, o autor adequasse a velocidade às condições de visibilidade que se lhe apresentavam, por forma a deter o veículo face a alguma ocorrência ou eventualidade subsistente na faixa de rodagem.

15- E foi pela omissão dessa conduta, que o autor deve ser considerava exclusivamente culpado na produção do sinistro em crise nos presentes autos.

16- Mesmo que assim se não considere, podemos então considerar que a conduta dos condutores do motociclo e do CG, uma e outra, abstractamente consideradas, podem ser apontadas como causa do dano (se o autor seguisse a uma velocidade adequada às condições que enfrentava poderia ter parado o veículo no espaço livre e visível que à sua frente dispunha; se o condutor do veículo CG tivesse pré-sinalizado a sua presença o autor poderia antecipadamente adequar a marcha, tomando outras precauções, e assim evitar o embate), a responsabilidade deverá caber em partes iguais -ou seja, 50% de responsabilidade subjectiva para cada condutor.

17- Ao decidir nesta matéria, nos termos constantes da douta Sentença em recurso o Tribunal a quo violou o disposto nos arts. 7.º, 24.º, n° 1; 25°, n° 1, al. c); 27°, n° 1 do Código da Estrada, dos quais fez uma errada interpretação e/ou aplicação.

18- A recorrente C....também não se conforma com a fixação da indemnização por via da Incapacidade Parcial Permanente que o recorrido sofreu por via do presente sinistro;

19- Nos autos temos os seguintes factos: à data do acidente o A., como serralheiro de 1.a, auferia a remuneração mensal líquida de € 1.044, 16; tinha 29 anos de idade; o limite de vida activa é de 65 anos - a idade a ter em conta como termo da vida activa para efeito de indemnização por perda de ganho ou de capacidade de ganho que, em condições normais e de normal previsibilidade, qualquer trabalhador adquiriria o direito à reforma e pensão de velhice.

20- Nos presentes autos, e atenta a matéria de facto provada, verifica-se que da IPP que o recorrido ficou a padecer, não se vislumbra nem se verifica uma perda efectiva de rendimento. No caso dos autos, apesar da IPP que ficou a padecer, as sequelas descritas são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços acrescidos.

21- Ou seja, tal incapacidade não tem tradução correspectiva no montante do seu vencimento.

22- Com efeito, da situação de IPP não decorre uma efectiva diminuição na percepção de salários ou rendimentos, não se reflectindo essa IPP em concreto e efectivo dano patrimonial.

23- Nestes casos, considera-se que a obrigação de indemnização não pode medir-se com base em critérios exclusivamente matemáticos e com base em factores onde apenas se sopesa uma futura evolução positiva da situação do lesado.

24- Ora, o tribunal não pode ignorar que o nível de rendimento do lesado não foi afectado, não ocorrendo por via da IPP qualquer diminuição efectiva do seu património traduzido numa incapacidade laboral efectiva.

25- Por tudo o exposto, e não obstante as doutas considerações do aresto recorrido, julgamos que, em termos de equidade, é ajustada a importância de € 65.000,00, a este título.

26- Ao não os interpretar da forma acima assinalada, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 483°, 562° e 564°, n° 2, todos do Código Civil.
II. Fundamentos de facto
A primeira instância considerou provados os seguintes factos, não tendo sido tal decisão objecto de impugnação:
1. O autor nasceu no dia 5 de Julho de 1973.
2. No dia 9 de Dezembro de 2002, pelas 6 horas e 30 minutos, na estrada municipal que atravessa a zona industrial de Oliveira de Frades, ocorreu um embate entre o motociclo com a matrícula 0-0FR-00-0 e o veículo pesado de mercadorias com a matrícula 00-00-CG.
3. A estrada apresenta pavimento asfaltado em razoável estado de conservação.
4. Tem cerca de oito metros de largura.
5. Dispõe de duas hemi-faixas de rodagem cada uma com um sentido de marcha.
6. Desenvolve-se numa recta com boa visibilidade.
7. Marginada em ambos os lados por unidades fabris, de entre as quais a M..., que se situa à direita da estrada, atendendo ao sentido Vilarinho – Pereiras.
8. Na data referida em 2. estava nevoeiro que não permitia ver a mais de dez metros de distância.
9. Era noite e não existia luz artificial.
10. O motociclo com a matrícula 0-OFR-00-00 pertence ao autor.
11. O autor conduzia-o na hemi-faixa de rodagem direita no sentido Vilarinho — Pereiras.
12. A velocidade não inferior a 50 Km/hora.
13. Com as luzes acesas nos médios.
14. E com todas as luzes de presença em bom estado de funcionamento.
15. Com o capacete de protecção na cabeça.
16. Então, deparou-se à sua frente com o veículo com a matrícula 00-00-CG imobilizado junto à entrada da unidade fabril referida em 7. com a frente direccionada no sentido Vilarinho – Pereiras.
17. Com todas as luzes desligadas.
18. E sem sinais de presença assinalados na via ou no camião.
19. Ocupava, estacionado, a berma e pelo menos 1,50 m da faixa de rodagem direita, atento o sentido de marcha Vilarinho – Pereiras.
20. O veículo com a matrícula 00-00-CG é um pesado de mercadorias de caixa aberta.
21. Estava carregado com toros de madeira que iam ser descarregados na M..., aguardando a abertura da fábrica.
22. Os toros de madeira referidos em 21. ultrapassavam a caixa do camião na rectaguarda.
23. O condutor do veículo 00-00-CG não colocou na via qualquer sinal de aviso a anteceder o camião.
24. Nem colocou nos toros de madeira qualquer sinal reflector.
25. O autor deparou-se com o veículo 00-00-CG quando estava a não mais de 10 metros de distância do mesmo.
26. Colidiu com a rectaguarda do camião 00-00-CG.
27. De imediato, o autor e o motociclo 0-0FR-00-0 caíram junto à traseira do veículo 00-00- CG e ficaram no pavimento.
28. Em consequência, o autor sofreu:
• Traumatismo craniano;
• Fractura de quatro arcos costais à esquerda;
• Traumatismo toráxico;
• Hemopneumotorax à esquerda;
• Hematoma retroperitoneal;
• Fractura do baço;
• Laceração da artéria renal esquerda com trombose;
• Contusão pancreática; e
• Pancreatite aguda traumática.
29. Foi conduzido ao Hospital de ...... onde deu entrada com diagnóstico de “ventre agudo traumático”.
30. Fizeram-lhe tratamentos, limpeza, desinfecção e medicação das escoriações e lesões.
31. Submeteram-no a exames de sangue, RX do tórax, ecografia abdominal, TAC toracoabdominal, TAC abdominal e DIC.
32. No dia referido em 2. o autor foi submetido a uma intervenção cirúrgica, tendo-lhe sido feita laparotomia exploradora, esplenectomia, nefrectomia esquerda e drenagem aspirativa após colocação de DIC por hemapneumotorax esquerdo.
33. Após o que foi transferido para a UCIP onde permaneceu até 11 de Dezembro de 2002.
34. Voltou ao serviço de cirurgia 1-A devido ao seu estado febril.
35. Fez uma ecografia abdominal no dia 29 de Dezembro de 2002 e um TAC no dia 30 de Dezembro de 2002 que revelaram um abcesso no loca renal esquerdo.
36. Fez uma drenagem com colocação de dois drenos, com drenagem inicial de material purulento.
37. E como mantinha a massa abdominal e a febre, foi submetido a laparotomia exploradora, tendo-se verificado que o traumatismo pancreático tinha evoluído para pancreatite aguda traumática e abcesso pancreático.
38. Em 6 de Janeiro de 2003, o autor foi submetido a uma necrosectomia pós aspiração de material purulento, lavagem e drenagem.
39. Foi colocado dreno canelado no flanco esquerdo, sonda para lavagem peritoneal contínua e feito o encerramento da parede.
40. Foi colocado CVC na VJI direita e cateter arterial na AR esquerda no bloco operatório.
41. Em 9 de Janeiro de 2003, o autor foi transferido na UCIP para vigilância e monitorização.
42. Foi relaparotomizado tendo sido efectuada nova necrosectomia e drenagem.
43. Em 11 de Janeiro de 2003, o autor foi transferido para o serviço de cirurgia 1-A e em 31 de Janeiro de 2003 fez ecografia abdominal de controlo.
44. Em 7 de Fevereiro de 2003, o autor teve alta hospitalar, tendo sido remetido para o domicílio a fim de se manter em repouso absoluto.
45. Passou a ser acompanhado em regime ambulatório de tratamentos e consultas externas no Hospital de São Teotónio.
46. Um mês após a data referida em 44. o autor foi internado durante oito dias para ser sujeito a tratamentos e medicação.
47. Desde então passou a ser acompanhado pelos serviços médicos da N..., para a qual a sua entidade patronal tinha transferido a responsabilidade por acidentes de trabalho.
48. Posteriormente, o autor foi internado para tratamento de uma hérnia que se desenvolveu após o embate referido em 2. na Casa de Saúde de ......, por conta e orientação da N..., donde teve alta em 14 de Dezembro de 2003.
49. Continuou em tratamentos em médicos particulares da especialidade de ortopedia, os quais terão de continuar, sem possibilidade de recuperação total.
50. Em consequência das lesões sofridas aquando embate o A. passou a sofrer de falhas de memória e tonturas.
51. Em virtude das lesões sofridas o A. sente dores quando faz esforços e fica por vezes enjoado.
52. Com as lesões e tratamentos, o autor teve e tem dores.
53. As dores referidas em 52. acentuam-se nas mudanças de tempo.
54. Em consequência das intervenções cirúrgicas, o autor ficou com cicatrizes na barriga.
55. O que o deixa triste e abatido.
56. O A. ficou com uma incapacidade permanente para o trabalho em geral de 30%.
57. Na data referida em 2. o autor era robusto, saudável, trabalhador, alegre e jovial.
58. O A. jogava futebol e andava de bicicleta. 
59. Não pode continuar a jogar a futebol e andar de bicicleta.
60. Sofre desgosto com as lesões.
61. Aquando do acidente o A. trabalhava na O......, como serralheiro de 1ª, auferindo a remuneração mensal líquida de € 1.044,16.
62. Na data referida em 2. o motociclo estava em bom estado de conservação, pintura, chaparia, motor, mecânica, estofos, pneumáticos e pneus, e nunca tinha tido um embate.
63. Valia € 1.500.
64. Actualmente e por força do embate referido em 2., vale € 1.000.
65. O veículo com a matrícula 00-00-CG pertence ao réu B....
66. Na data e local referidos em 2. era conduzido por D....
67. Na data e local referidos em 2. não circulava nenhum veículo no sentido Pereiras — Vilarinho.
68. Na data referida em 2., o veículo 00-00-CG circulava com o certificado provisório n.°323694 emitido pela C...., ...., no dia 3 de Dezembro de 2002 e válido até 1 de Janeiro de 2003, tendo posteriormente celebrado um contrato de seguro.

III. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se na resposta às seguintes questões:
1) No que respeita ao recurso da ré seguradora, está em causa: a culpa na produção do acidente, e a indemnização por danos patrimoniais decorrentes da perda da capacidade de ganho.
2) No que respeita ao recurso do autor, estão em causa: danos futuros, a relegar para liquidação em execução de sentença; o montante atribuído a título de danos não patrimoniais; o montante atribuído por danos decorrentes da perda da capacidade de ganho; e o momento em que se inicia a contagem de juros.

2. Apreciação da culpa.
Como se referiu, a Apelante seguradora suscita a reponderação da culpa, alegando em síntese que o autor, não conseguiu deter a marcha do veículo que conduzia antes do embate em que foi interveniente, isto é, não conseguiu parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, o que, em condições de velocidade adequada, poderia e deveria ter ocorrido, independentemente da existência de quaisquer sinais de pré-sinalização de perigo.
Na decisão recorrida, recortou-se a seguinte factualidade essencial relevante, contida nos pontos 2 a 27 da factualidade provada:
a) O acidente consistiu no embate entre o motociclo com a matrícula 0-0FR-00-0 e o veículo pesado de mercadorias com a matrícula 00-00-CG;
b) A estrada apresenta pavimento asfaltado em razoável estado de conservação; tem cerca de oito metros de largura; dispõe de duas hemi-faixas de rodagem cada uma com um sentido de marcha; desenvolve-se numa recta com boa visibilidade; e é marginada em ambos os lados por unidades fabris, de entre as quais a M..., que se situa à direita da estrada, atendendo ao sentido Vilarinho – Pereiras;
c) Na data referida estava nevoeiro que não permitia ver a mais de dez metros de distância; era noite e não existia luz artificial;
d) O autor conduzia o motociclo na hemi-faixa de rodagem direita no sentido Vilarinho - Pereiras; a uma velocidade não inferior a 50 Km/hora; com as luzes acesas nos médios; com todas as luzes de presença em bom estado de funcionamento; e com o capacete de protecção na cabeça;
e) Deparou-se o autor com o veículo com a matrícula 00-00-CG à sua frente, um pesado de mercadorias de caixa aberta, imobilizado junto à entrada da unidade fabril referida em 7, com a frente direccionada no sentido Vilarinho – Pereiras; com todas as luzes desligadas; sem sinais de presença assinalados na via ou no camião; ocupando, estacionado, a berma e pelo menos 1,50 m da faixa de rodagem direita, atento o sentido de marcha Vilarinho – Pereiras; carregado com toros de madeira; os quais ultrapassavam a caixa do camião na rectaguarda;
f) O condutor do veículo 00-00-CG não colocou na via qualquer sinal de aviso a anteceder o camião; nem colocou nos toros de madeira qualquer sinal reflector;
g) Quando se lhe deparou o veículo pesado, nas condições referidas, o autor estava a não mais de 10 metros de distância do mesmo; e veio a colidir com a retaguarda do camião.
Perante esta factualidade, salvo o devido respeito, estamos perante um caso paradigmático de culpa grosseira por parte do condutor do camião, que omitiu todos os seus deveres de diligência, violando de forma evidente, regras estradais destinadas a proteger terceiros, criando com essa omissão uma autêntica “armadilha” onde inevitavelmente alguém acabaria por cair.
Com efeito, provou-se que estava nevoeiro que não permitia ver a mais de dez metros de distância, era noite e não existia luz artificial, e mais se provou que foi nestas condições que o condutor do camião o deixou com todas as luzes desligadas, sem sinais de presença assinalados na via ou no camião, ocupando a berma e pelo menos 1,50 m da faixa de rodagem direita, carregado com toros de madeira que ultrapassavam a caixa do camião na retaguarda, sem ter colocado na via qualquer sinal de aviso a anteceder o camião, sem ter colocado nos toros de madeira qualquer sinal reflector.
Perante este quadro, evidencia-se a violação grosseira por parte do condutor do camião, de normas estradais que a mais elementar consciência cívica não pode deixar de observar, sob pena de se criarem riscos eminentes para a vida e integridade física de quem tem o direito a circular em segurança nas estradas.
Vejamos as proibições ostensivamente violadas com a conduta do condutor do veículo pesado, face à factualidade descrita:
Preceitua o artigo 49.º n.º 1 a) do Código da Estrada do C. Estrada, na redacção em vigor à data do acidente (emergente do DL 2/98, de 3 de Janeiro), que é proibido estacionar em todos os lugares de insuficiente visibilidade.
De acordo, ainda, com o disposto no artigo 50.º n.º 2 a) do mesmo diploma legal, é proibido o estacionamento, fora das localidades, de noite, nas faixas de rodagem.
Nos termos do artigo 56.º n.º 2 h) do mesmo diploma, á proibido o trânsito de veículos carregados por tal forma que possam constituir perigo ou embaraço para os outros utentes da via, devendo na disposição da carga prover-se a que tratando-se de veículos destinados ao transporte de mercadorias aquele se contenha em comprimento e largura nos limites da caixa.
Nos termos do artigo 59.º n.º 2 do citado código, é obrigatório o uso de dispositivos de sinalização luminosa ou de iluminação dos veículos sempre que existam condições meteorológicas que diminuam sensivelmente a visibilidade, nomeadamente em caso de nevoeiro, durante a paragem ou estacionamento dos veículos, salvo se a mesma se fizer integralmente fora da faixa de rodagem.
Perante o quadro factual e normativo descrito, salvo o devido respeito, temos a maior dificuldade em compreender a argumentação da Apelante C..., por se revelar por demais manifesta a culpa do condutor do veículo segurado.
Como se refere na sentença recorrida, com ampla invocação jurisprudencial, no âmbito do Direito Estradal, quando ocorrer violação de leis ou regulamentos, a mera culpa ou negligência traduz-se nessa violação dispensando-se a sua prova em concreto, desde que o acidente seja um daqueles que a norma violada pretendeu evitar.
  Vem sendo maioritariamente considerado pela jurisprudência do STJ que a prova da inobservância de leis ou regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos decorrentes de tal inobservância, dispensando a concreta comprovação da falta de diligência Acs. de 28.05.74, 20.12.90, 10.01.91, 26.02.92, 10.03.98 e 09.07.98, BMJ 237º-231, 402º-558, 403º-334, 414º-533, 475º-635 e 479º-592, respectivamente.
Nesse sentido decidiu o STJ, em acórdão de 19.10.2004[1], cujo sumário se transcreve parcialmente:

«Sob pena de tornar-se excessivamente gravoso ou incomportável, o ónus probatório instituído no art. 487.º C.Civ. deverá ser mitigado pela intervenção da denominada prova prima facie ou de primeira aparência, baseada em presunções simples, naturais, judiciais, de facto ou de experiência - praesumptio facti ou hominis, que os arts.349º e 351º C.Civ. consentem, precisamente enquanto deduções ou ilações autorizadas pelas regras de experiência - id quod plerumque accidit (o que acontece as mais das vezes).

IV - A prova da culpa consiste, assim, frequentemente numa prova indirecta, que, em termos práticos, se reconduz à prova de circunstâncias que, segundo as regras da experiência, constituem indícios ou revelações de culpa

V - Como assim, e dum modo geral, a ocorrência de situação que em termos objectivos constitua contravenção de norma(s) do Código da Estrada importa presunção simples ou natural de negligência, que cabe ao infractor contrariar, recaindo sobre ele o ónus da contraprova, isto é, de opor facto justificativo ou factos susceptíveis de gerar dúvida insanável no espírito de quem julga…»
No mesmo sentido, veja-se o douto aresto do mesmo Supremo Tribunal, datado de 09.11.1995[2], que considerou que, desde que se configure objectivamente um caso de violação de uma norma estradal, com base em factos que tornam muito verosímil a culpa, deparamos com uma situação em que funciona a chamada prova prima facie, ou de primeira aparência, que é de considerar suficiente à luz de uma presunção natural firmada nas máximas da experiência ou em juízos correntes de probabilidade.
Perante o exposto, face à factualidade provada, afigura-se óbvia a culpa do condutor do veículo pesado de mercadorias, pelo que, salvo o devido respeito, improcedem as doutas conclusões da Apelante C..., nesta parte.

3. Apreciação dos danos futuros não liquidados
Alega o Apelante (autor), que se provou a existência de danos futuros, a relegar para liquidação em execução de sentença, pelo que deverá a seguradora ser condenada a pagar ao Autor as quantias que se vierem a liquidar em execução de sentença, emergentes dos tratamentos médicos da especialidade de ortopedia a que este continuar a ser submetido, bem como os de nefrologia que venham a ser necessários.
Na petição inicial, formulou o ora Apelante o seguinte pedido de condenação da Ré: «a pagar ao Autor as importâncias que se vierem a liquidar em execução de sentença, pelos danos futuros previsíveis emergentes das intervenções cirúrgicas que ainda terá de efectuar, tratamentos, medicação, consultas a que terá de se submeter, tempo de internamento e consequências definitivas.»
Sobre este pedido não se pronunciou a sentença.
Quanto à factualidade relevante, provou-se que:
«48. Posteriormente, o autor foi internado para tratamento de uma hérnia que se desenvolveu após o embate referido (…) donde teve alta em 14 de Dezembro de 2003.
49. Continuou em tratamentos em médicos particulares da especialidade de ortopedia, os quais terão de continuar, sem possibilidade de recuperação total.»
Dispõe o n.º 2 do artigo 564.º do Código Civil: «Na fixação da indemnização pode o tribunal atender esses danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior».
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Outubro de 1994[3], por dano futuro deve entender-se aquele prejuízo que o sujeito do direito ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é considerado.
Uma expressão feliz retirada do referido aresto, define temporalmente o dano futuro, nestes termos: «Nesse tempo já existe um ofendido, mas não existe um lesado.»
Apreciando a questão concreta suscitada, haverá que definir os conceitos de dano futuro previsível e imprevisível, determinável e indeterminável.
Acompanhando de perto a fundamentação do acórdão citado, os danos futuros podem dividir-se em previsíveis e imprevisíveis.
O dano é futuro e previsível quando se pode prognosticar, conjecturar com antecipação ao tempo em que acontecerá, a sua ocorrência.
No caso contrário, isto é, quando o homem medianamente prudente e avisado o não prognostica, o dano é imprevisível.  
De harmonia com o disposto no normativo citado, o dano imprevisível não é indemnizável antecipadamente - o sujeito do direito ofendido só poderá pedir a correspondente indemnização depois de o dano acontecer, depois de lesado.
Quanto aos danos previsíveis, o citado aresto subdivide-os em certos e eventuais.
Dano futuro certo corresponde àquele cuja produção se apresenta como infalível, no momento de acerca dele formar juízo, como infalível.
Dano futuro eventual corresponde àquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como meramente possível, incerto, hipotético.
O carácter eventual pode conhecer vários graus: desde um grau de menor eventualidade, de menor incerteza, em que não se sabe se o dano se verificará imediatamente, mas se pode prognosticar que ele acontecerá num futuro mediato mais ou menos longínquo, até um grau em que nem sequer se pode prognosticar que o prejuízo venha a acontecer num futuro mediato, em que mais não há que um receio.
No grau de menor incerteza, o dano futuro deve considerar-se como previsível e equiparado ao dano certo, sendo indemnizável.
No grau de maior incerteza, o dano eventual, esse que mais não seja que um receio, deve equiparar-se ao dano imprevisível, não indemnizável antecipadamente (isto é, só indemnizável na hipótese da sua efectiva ocorrência).
Só perante cada caso concreto é que será possível fazer a avaliação do grau de previsibilidade em ordem a determinar se o dano é ou não indemnizável antecipadamente.
Como se refere no acórdão citado, há sempre um determinado espaço, uma terra de ninguém, onde só mediante o julgamento é possível estabelecer a certeza que o direito tem que realizar.
Por sua vez, o dano certo pode subdividir-se em determinável e indeterminável. É determinável é aquele que pode ser fixado com precisão no seu montante; é indeterminável é aquele cujo valor não é possível de ser fixado antecipadamente à sua verificação.
Nesta classificação o critério é diverso, pela sua natureza, do que presidiu às classificações anteriores, agora, o que está em causa é tão somente a extensão do prejuízo e a sua expressão monetária.
Determinável ou indeterminável, o dano futuro certo é sempre indemnizável. A diferença está em que, no momento de julgar, se deve fixar a indemnização do dano determinável, ao passo que em relação ao dano certo mas indeterminável na sua extensão, a fixação da indemnização correspondente é remetida para decisão ulterior, a execução de sentença, nos termos do disposto no artigo 564.º, n.º 2, do Código Civil e 661.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Recapitulando a factualidade relevante provada nestes autos («48. Posteriormente, o autor foi internado para tratamento de uma hérnia que se desenvolveu após o embate referido (…) donde teve alta em 14 de Dezembro de 2003; 49. Continuou em tratamentos em médicos particulares da especialidade de ortopedia, os quais terão de continuar, sem possibilidade de recuperação total.»), concluímos que o dano em causa é futuro, certo, mas indeterminável, pelo que a correspondente indemnização terá que ser relegada para liquidação em execução de sentença.
Em suma, face à factualidade provada, mais do que «previsível», o tribunal recorrido considerou como «certo» o dano futuro, traduzido nos tratamentos da especialidade de ortopedia, como decorre de forma transparente, da expressão «os quais terão de continuar», pelo que se deverá relegar a sua quantificação para momento ulterior (depois de o Apelante realizar e pagar esses tratamentos).
Nesse sentido, veja-se o acórdão do STJ de 24.02.1999[4]: «Os danos futuros tanto podem ser danos emergentes - como as lesões corporais a determinar ou as despesas com tratamentos - como lucros cessantes - como a incapacidade permanente parcial.»
Face ao exposto, atenta a prova produzida, procedem parcialmente as alegações do Apelante nesta parte, devendo ser alterada a decisão recorrida, de forma a que dela conste a condenação da seguradora a pagar ao Apelante/autor as quantias que se vierem a liquidar em execução de sentença, emergentes dos tratamentos médicos da especialidade de ortopedia a que este vier a ser submetido, devido a lesões decorrentes do acidente.

4. Apreciação do montante arbitrado a título de dano patrimonial futuro (perda da capacidade de ganho)
Ficou decidido na douta sentença recorrida:
«Nesta conformidade, tendo em conta os padrões jurisprudenciais que vêm sendo seguidos em casos similares, tem-se por adequada e conforme à equidade, enquanto justiça do caso concreto, arbitrar ao A. a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro correspondente à perda da capacidade de ganho o montante de € 100.000,00, montante este devidamente actualizado.»
Contra esta decisão se insurgiram o Autor e a Ré seguradora, nas suas alegações de recurso.
Preconiza o Apelante (autor), uma indemnização no montante de € 201.731,71.
Preconiza a Apelante (ré seguradora), o valor de € 65.000,00, alegando que não se verifica uma perda efectiva de rendimento.
Para além da natureza e gravidade das lesões provadas, relevam particularmente os seguintes factos: o A. tinha 29 anos de idade (facto 1); à data do acidente o A., como serralheiro de 1ª, auferia a remuneração mensal líquida de € 1.044,16 (facto 61); O A. ficou com uma incapacidade permanente para o trabalho em geral de 30% (facto 56); em virtude das lesões sofridas o A. sente dores quando faz esforços e fica por vezes enjoado (facto 51).
Constitui jurisprudência pacífica, o entendimento de que, para o cálculo da indemnização correspondente a danos patrimoniais futuros, decorrentes da perda de capacidade de ganho, se deve tomar como base o rendimento anual perdido, a percentagem da incapacidade para o trabalho, a idade ao tempo do acidente, a idade normal da reforma, o tempo provável de vida posterior e o acerto resultante da entrega do capital de uma só vez[5].
Para a fixação da indemnização – que deverá ser operada com recurso à equidade – deve ser considerada a esperança média de vida, e não o tempo provável de vida activa[6].
De acordo com as estatísticas produzidas pela ONU a expectativa de vida para os nascidos em Portugal entre 2000 e 2005 é de 73 anos para os homens e 80 para as mulheres[7], sendo actualmente para os homens, de cerca de 71,40 anos.
No acórdão do STJ, de 22-01-2008[8], considera-se como termo médio de vida no caso dos homens, 73 anos.
Como refere Laurinda Guerreiro Gemas[9], firmou-se na jurisprudência o entendimento, quase pacífico, de que a incapacidade permanente parcial representa, em si mesma, um dano patrimonial, não podendo reduzir-se à categoria de danos não patrimoniais, pela inerente afectação da capacidade de ganho que implica.
Veja-se, a título meramente exemplificativo, os seguintes restos do STJ, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/: 05B3436, de 17.11.2005, 06B3977, de 23.11.2006; 298/06.0TBSJM.S1, de 19-05-2009; 292/04.6TBVNC.S1, de 23-04-2009; 08B2686, de 09.10.2008; e 08B761, de 27-03-2008.
O acórdão do STJ de 27.03.2008[10], contém a síntese argumentativa sobre esta matéria, pacificamente aceite na jurisprudência: «A mera afectação da pessoa do ponto de vista funcional - dano biológico – sem perda de rendimento profissional lato sensu, independentemente de ser considerada para efeitos de compensação em termos de danos não patrimoniais, releva para efeitos indemnizatórios, porque determina consequências negativas a nível da sua actividade geral.»
Este “dano biológico”, pacificamente aceite na jurisprudência como fundamento de indemnização por perda da capacidade de ganho, ainda que não se verifique a “perda de rendimento”, porque o lesado mantém o posto de trabalho e a retribuição anteriores ao acidente, está em crise, face à publicação da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio (não aplicável in casu).
Com efeito, como refere a autora citada[11], com a publicação da referida Portaria o legislador vem “arrepiar o caminho que vinha sendo traçado” pela jurisprudência, consignando logo no Preâmbulo do referido diploma legal, que: “Uma das alterações de maior impacte será a adopção do princípio de que só há lugar à indemnização por dano patrimonial futuro quando a situação incapacitante do lesado o impede de prosseguir a sua actividade profissional habitual ou qualquer outra. No entanto, ainda que não tenha direito à indemnização por dano patrimonial futuro, em situação de incapacidade permanente parcial o lesado terá direito à indemnização pelo seu dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física e psíquica”.
Para além de ficar em aberto a discussão sobre a natureza do “dano biológico”, que poderá ou não ser integrado na categoria dos danos patrimoniais, face às novas regras de reparação, fica afastada (nos casos posteriores à entrada em vigor da Portaria 377/2008), a possibilidade de ressarcimento do dano patrimonial futuro quando a IPG do lesado não o impede de prosseguir a sua actividade profissional habitual ou qualquer outra.
Refere a mesma autora, que a orientação jurisprudencial dominante não está isenta de crítica, sobretudo pela forma como foi levada à prática, por vezes sem adequado suporte fáctico e gerando situações de injustiça relativa.
Tal crítica incide fundamentalmente no facto de a atribuição de indemnização por danos futuros decorrentes de incapacidade permanente parcial assentar numa ideia-chave: a de que uma tal incapacidade afecta inevitavelmente a capacidade de ganho (mesmo que não tenha “repercussão profissional”), sendo duvidoso que uma tal conclusão se possa bastar com argumentos avançados em sede de fundamentação jurídica, mormente o de que tal incapacidade torna mais penoso o exercício da actividade profissional e prejudica a obtenção de rendimento suplementar, equiparando os casos em que assim é, àqueles os casos em que os factos provados evidenciam uma efectiva perda da capacidade de ganho.
Não tendo as lesões “repercussão profissional”, não ocorrendo perda objectiva da capacidade de ganho porque se trata de um baixo grau de incapacidade e o lesado se mantém apto para o exercício da sua profissão, o ressarcimento do dano patrimonial futuro só se poderá fundar nas «consequências negativas a nível da sua actividade geral», a que se refere o acórdão citado (STJ, 08B761, de 27.03.2008).
Ora, não existindo “repercussão profissional”, tais “consequências negativas”, não terão directamente a ver com “perda da capacidade de ganho”, mas com outra realidade, mais próxima do dano de natureza não patrimonial.
Regressando à questão sub judice, cumpre referir que, não lhe sendo aplicável o novo regime da Portaria 377/2008, se revela coerente com a jurisprudência pacífica do STJ, o raciocínio que a M.ª Juíza desenvolve na douta sentença recorrida, na quantificação do dano patrimonial futuro.
Face ao exposto, não assiste razão à Apelante seguradora, quando preconiza a redução da indemnização pelo facto de não ter existido “uma perda efectiva de rendimento” do lesado (já vimos que a indemnização por dano biológico, de acordo com a jurisprudência citada, é compatível com o facto de o lesado manter o seu posto de trabalho e a sua integral retribuição).
Por outro lado, também não assiste razão ao Apelante/autor, quando preconiza uma indemnização por perda da capacidade de ganho, correspondente a 30% do rendimento anual a multiplicar por 46 anos (a indemnização por dano biológico não se reporta directamente à perda de retribuição – que não existiu in casu – mas «às consequências negativas a nível da sua actividade geral.»).
Passamos a apreciar o montante indemnizatório definido na sentença recorrida (€ 100.000,00), contra o qual se insurgem ambos os Apelantes, com recurso à equidade, e aos restantes factores enunciados: esperança média de vida do lesado, lesões decorrentes do acidente, grau de incapacidade, retribuição auferida, etc.
Como se referiu, o lesado tinha à data do acidente, 29 anos de idade, pelo que, de acordo com os critérios enunciados supra, com referência a essa data, tem uma esperança média de vida de 44 anos.
Por outro lado, o lesado auferia à data do acidente a retribuição de mensal de € 1.044,16, o que significa que, em termos puramente aritméticos a sua desvalorização, no caso de determinar efectiva perda de retribuição, corresponderia a € 192.960,76 (€ 1.044,16 x 14 x 44 x 30%).
Finalmente, o lesado exerce a profissão de serralheiro, o que implica esforço físico, e em virtude das lesões sente dores quando faz esforços e fica por vezes enjoado, o que se traduz em acrescida penosidade no desempenho profissional.
Considerando todos os factores enunciados, nomeadamente idade, lesões, esperança de vida e o facto de não ter havido efectiva perda de retribuição, conjugados num juízo de equidade ou justiça no caso concreto, tendo em conta um esforço de uniformidade de critérios, baseado na jurisprudência conhecida[12], consideramos adequada a indemnização por dano patrimonial traduzido na perda da capacidade de ganho, traduzida no valor de € 125.000,00.
Tal valor considera-se actualizado com referência à presente data.
Procede assim parcialmente o recurso do Apelante (autor), improcedendo em absoluto o recurso da Apelante (ré).

5. Apreciação do montante arbitrado a título de danos não patrimoniais.
Foi decidido na douta sentença recorrida:
«No caso dos autos, atendendo para tanto às lesões, sequelas, dores, tratamento e internamentos a que foi sujeito, limitações, de natureza estética (emergente das cicatrizes), lazer, padecimentos, receios que daquelas advieram para o A. que, sendo um homem de 29 anos de idade à data do acidente, terá de conviver o resto da vida com o facto de possuir apenas um só rim e de ter de adequar a sua forma de vida a essa limitação, com as restrições que isso lhe acarreta, conclui-se que tais danos assumem gravidade de elevado relevo e merecem a tutela do direito, mostrando-se razoável e equilibrado computar em € 8.000,00 o montante da indemnização a arbitrar ao A. a título de danos não patrimoniais.»
Insurge-se o Apelante (autor) contra este valor, argumentando nas suas alegações:
«Atendendo a todos os factos dados como provados no tocante aos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor, bem como a propensão natural que se tem vindo a verificar no sentido de não atribuição de indemnização miserabilísticas aos lesados, ao intenso grau de culpa do lesante pela produção do acidente, é justa e equitativa a quantia, a este título, de € 60.000,00.»
Apreciando.
De acordo com o disposto nos artigos art. 496.º e 494.º do Código Civil, na fixação da indemnização haverá que atender aos danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, fixando o valor indemnizatório, com referência à equidade, atendendo ao grau de culpa, à situação económica do lesante e do lesado e às demais circunstâncias do caso que o justifiquem.
É pacífico na doutrina, o entendimento de que o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, devendo ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.[13]
Conforme entendimento expresso no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17.11.2005[14], na determinação do quantum da compensação por danos não patrimoniais deve atender-se à culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico por ele experimentado, sob o critério objectivo da equidade, envolvente da justa medida das coisas.
De acordo com a orientação defendida no acórdão desta Relação, de 15.06.2004[15], a jurisprudência actual é pacífica no sentido de, não obstante a dificuldade em quantificar os danos não patrimoniais, a indemnização a fixar dever ser justa e equitativa, e não com um alcance meramente simbólico, devendo a indemnização ter uma expressão monetária elevada se o dano for muito grave.
Como se refere no acórdão do STJ, de 5.11.2009, relatado pelo Conselheiro Santos Bernardino[16], a gravidade do dano é um conceito relativamente indeterminado, carecido de preenchimento valorativo a fazer caso a caso, de acordo com a realidade fáctica apurada. Não obstante dever essa apreciação ter em conta as circunstâncias de cada caso, deverá medir-se por um padrão objectivo, devendo, por outro lado, ser apreciada em função da tutela do direito: o dano deverá ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.
O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado, em qualquer caso, segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, e às demais circunstâncias do caso, entre as quais se contam, seguramente, as lesões sofridas e os sofrimentos, físicos e psíquicos, devendo ter-se em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
Não visando a indemnização ressarcir, tornar indemne o lesado, mas proporcionar-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido, impõe-se que tal compensação seja significativa, e não meramente simbólica, sendo necessário, como se refere no citado aresto, procurar um justo grau de “compensação”, com fundamento no sofrimento provado e na equidade traduzida «num momento da concreta realização do direito».
Provaram-se lesões graves: traumatismo craniano; fractura de quatro arcos costais à esquerda; traumatismo toráxico; hemopneumotorax à esquerda; hematoma retroperitoneal; fractura do baço; laceração da artéria renal esquerda com trombose; contusão pancreática; e pancreatite aguda traumática.
Por outro lado, o Apelante foi sujeito a vários exames médicos e intervenções cirúrgicas em vários hospitais, teve alta hospitalar em 7 de Fevereiro de 2003, passando a ser acompanhado em regime ambulatório de tratamentos e consultas externas, tendo sido novamente internado durante oito dias para ser sujeito a tratamentos e medicação, após o que foi novamente internado para tratamento de uma hérnia que se desenvolveu em consequência do acidente, donde teve alta apenas em 14 de Dezembro de 2003.
Durante os vários internamentos, surgiram várias complicações, como as que se descrevem nos factos 35 a 40 – foi detectado um abcesso no loca renal esquerdo, foi feita drenagem com colocação de dois drenos, com drenagem inicial de material purulento, como mantinha a massa abdominal e a febre, foi submetido a laparotomia exploradora, tendo-se verificado que o traumatismo pancreático tinha evoluído para pancreatite aguda traumática e abcesso pancreático, foi submetido a uma necrosectomia pós aspiração de material purulento, lavagem e drenagem, foi colocado dreno canelado no flanco esquerdo, sonda para lavagem peritoneal contínua e feito o encerramento da parede, foi colocado CVC na VJI direita e cateter arterial na AR esquerda no bloco operatório.
Depois de um ano de sucessivos internamentos (o acidente ocorreu em 9.01.2002), continuou em tratamentos médicos da especialidade de ortopedia, os quais terão de continuar, sem possibilidade de recuperação total (facto 49), sofreu dores e continua a sofrer, acentuadas “nas mudanças de tempo”, ficou com cicatrizes na barriga, “triste e abatido”, com uma incapacidade permanente para o trabalho em geral de 30%, teve que deixar de jogar futebol e de andar de bicicleta, o que fazia antes do acidente.
Perante este quadro, face aos critérios enunciados, consideramos que o valor arbitrado na douta sentença (€ 8.000,00) se revela desajustado, pelo que entendemos alterar tal valor, atribuindo ao Apelantes (autor), a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 35.000,00, considerando este valor actualizado.
 
6. A questão dos juros
Alega o Apelante (autor), que os juros moratórios são devidos desde a citação (art. 805° n.º 3 do C. Civil) quanto à indemnização por acidente de viação e sem distinguir entre danos patrimoniais e não patrimoniais, e que no caso dos Autos o Autor reclamou a condenação no pagamento dos juros, à taxa legal, desde a citação pelo que o tribunal deveria ter condenado a C... no pagamento dos juros devidos à taxa legal, quanto a todos os danos sofridos pelo Autor.
Salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.
Na douta sentença recorrida, entendeu-se, e bem, que os juros são devidos apenas desde a data da sua prolação e até integral pagamento os relativos ao montante arbitrado à demandante a título de danos não patrimoniais e aos arbitrados a título de danos futuros e, desde a data da citação e até integral pagamento os relativos ao montante arbitrado a título de danos patrimoniais – € 500,00 -, juros moratórios esses à taxa de 7% até 30 de Abril de 2003 e de apenas 4% a partir de então, nos termos das disposições legais conjugadas dos Arts. 805º do C. Civil, Dec. Lei 260/83, de 16.06 e Portarias Nº 262/99, de 12.04. e 291/2003, de 08.04.
Tal entendimento tem suporte no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 9 de Maio de 2002, publicado no D.R., I Série, nº 146, de 27 de Junho de 2002, que determina que, quando a sentença recorrida nenhuma menção ou referência fizer a qualquer actualização da indemnização devida a título de danos não patrimoniais, os juros devidos deverão ser contados desde a citação.
Acontece que as indemnizações pelo dano futuro de perda de capacidade de ganho e por danos não patrimoniais, são obviamente, actualizados.
O mesmo não acontece quanto ao dano patrimonial de € 500,00, vencendo-se juros sobre tal valor desde a citação.
Improcede, face ao exposto, a apelação nesta parte. 

IV. Decisão
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso do Apelante A... e totalmente improcedente o recurso da Apelante C..., e, em consequência:
a) Manter a douta sentença recorrida, apenas quanto à indemnização por danos patrimoniais de € 500,00, e à forma de fixação dos juros moratórios;
b) Alterar a sentença recorrida, no que respeita ao montante da indemnização pelo dano patrimonial futuro correspondente à perda da capacidade de ganho, que se fixa em € 125.000,00; 
c) Alterar a sentença recorrida, no que respeita ao montante da indemnização pelos danos não patrimoniais, que se fixa em € 35.000,00; 
d) Condenar a Apelante (ré) C..., a pagar ao Apelante (autor), as quantias que se vierem a liquidar em execução de sentença, emergentes dos tratamentos médicos da especialidade de ortopedia a que este vier a ser submetido, devido a lesões decorrentes do acidente.
Custas da acção e do recurso a cargo dos Apelantes na proporção do decaimento nesta instância, fixando-se o valor da sucumbência, no que respeita à condenação a liquidar em execução de sentença, para efeitos meramente tributários, em € 2.500,00.
Notifique.


[1] Proferido no Processo n.º 04B2638 (disponível em http://www.dgsi.pt)
[2] Proferido no Processo n.º 087162 (disponível em http://www.dgsi.pt)
[3] In CJ, Ac. STJ, Ano II, Tomo III, pág. 84.
[4] Processo n.º 99B005 (disponível em http://www.dgsi.pt)
[5] Acórdão do STJ, de 24.09.2009, Proc. n.º 09B0037 (http://www.dgsi.pt)
[6] Acórdão do STJ, de 19.02.2009, Proc. n.º 08B3652 e acórdão de 8.03.2007, Proc. 06B4320 (http://www.dgsi.pt)

[7] Acórdão do STJ, de 07.11.2006, Proc. n.º 06A3349 (http://www.dgsi.pt)

[8] Proferido no Processo n.º 07ª4338 (http://www.dgsi.pt)
[9] Revista Julgar, n.º 8, Coimbra Editora, pág. 53.
[10] Proferido no Processo n.º 08B761 (disponível em http://www.dgsi.pt)
[11] Laurinda Gemas, in Revista Julgar, n.º 8, Coimbra Editora, pág. 54.

[12] Acórdão deste Tribunal, Processo n.º 436/05.0TBAGN.C1 (disponível em http://www.dgsi.pt)
[13] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª edição, pág. 501
[14] Processo n.º 05B3436 (disponível em http://www.dgsi.pt)
[15] Processo n.º 1179/04 (disponível em http://www.dgsi.pt)
[16] Processo n.º 1350/1998.S1 (disponível em http://www.dgsi.pt)