Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
233/05.3GBOBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO VENTURA
Descritores: ARGUIDO
FALTA
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
NULIDADE INSANÁVEL
Data do Acordão: 10/08/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE OLIVEIRA DO BAIRRO.
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PARCIALMENTE CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 119.º, N.º 1, ALÍNEA C) E 113.º, N.º 3 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I. - De acordo com o disposto no artº 113º, nº3, do CPP, a notificação por via postal simples considera-se efectuada no 5º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, o que envolve presunção de que a correspondência expedida chegou efectivamente à caixa postal do destino.

II. – A indicação da Rua não constitui o único elemento identificativo da morada, enquanto endereço postal. Este é composto por todos os elementos correspondentes à localização de uma caixa postal de depósito de correspondência, o que usualmente envolve indicação da localidade, rua, andar e número de polícia e também o código postal.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

Nos presentes autos, com o NUIPC 233/05.3GBOBR do Tribunal Judicial de Oliveira do Bairro, por sentença proferida em 01/02/2008, foi o arguido … condenado: pela prática de um crime de difamação p. e p. pelo artº 180º, nº1, 182º e 183º, nº1, al. a) do CP, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), perfazendo o montante global de €600,00 (seiscentos euros); absolvido da prática de um crime de injúria p. e p. pelo artº 181º do CP; julgado parcialmente procedente o pedido cível formulado por … e condenado a pagar a este o montante de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais.

Inconformado com essa condenação, veio o arguido interpor o presente recurso, extraindo das motivações as seguintes conclusões:

O Recorrente prestou Termo de Identidade e Residência a fls. 31 dos autos, em 20/06/2005, tendo ai indicado ao Órgão de policia criminal encarregue da realização da Diligência em que aquele compareceu como morada de residência e para efeitos de notificação a Rua … — Cacia.

Não obstante tal indicação, todas as notificações que foram dirigidas ao Recorrente foram feitas para uma morada totalmente diferente, ou seja, para a Rua … e, não, como devia e foi a morada indicada pelo Recorrente, para a rua ….

Infere-se do TIR que no campo a preencher referente ao domicilio foi corrigido, pela entidade policial a palavra Covo (que se encontra rasurada), o mesmo não sucedendo, como devia, no campo referente ao preenchimento da morada para efeitos de notificação, erro esse ao qual o Recorrente é totalmente alheio, porquanto

Transmitiu ao agente que elaborou o TIR as informações correctas sobre a sua Identidade, bem como os elementos referentes a sua morada. Assim

O Recorrente após a sua constituição como arguido e de ter prestado declarações não mais recebeu qualquer notificação referente aos presentes autos e, muito menos, da dedução da douta acusação e da data para a realização da audiência de discussão e julgamento, tendo-lhe, por tal facto. sido vedado o acesso de poder exercer os seus direitos, designadamente, requerer, se assim o entendesse, a abertura de instrução ou, posteriormente, ter vindo apresentar a sua defesa, conforme a lei de processo e a própria Constituição lhe garantem.

O Recorrente desconhece em que receptáculo postal o expedidor dos correios terá depositado as notificações que o Tribunal a quo lhe dirigiu, porquanto

Na Vila onde reside o Recorrente não existe nenhuma Rua corn o nome de …, conforme se infere da declaração passada pela Junta de Freguesia de Cacia — cfr. doc. n.° 1.

Por outro lado, também o Recorrido / assistente quando deduziu a douta acusação particular e formulou o pedido de indemnização civil veio indicar uma morada totalmente diferente daquela onde reside o Recorrente, nomeadamente, indicou que este mora na "Rua … — Cacia — Aveiro", a qual também não existe — cfr. doc. n.° 1

Tendo a Meritíssima Juiz a quo na parte introdutória da douta sentença recorrida e onde identifica o Recorrente mencionado a morada que foi indicada pelo Recorrido, ou seja Quinta do …, n° … Quinta do Loureiro, Cacia, Aveiro, e, não, a que consta do TIR e indicada pelo Recorrente.

O Recorrente não pode ser penalizado, nem responsabilizado, por urn erro do Tribunal que enviou as cartas com uma morada inexistente e diferente daquela que foi indicada pelo Recorrente para efeitos do TIR; erro ao qual o Recorrente é totalmente alheio e a ele não deu causa.

Resulta a evidência do alegado que o Recorrente desconhecia que contra ele fora deduzida acusação, bem como que se encontrava agendado o julgamento, ate porque sempre residiu naquela sua morada, factos que determinaram que não apresentasse a sua defesa nem que pudesse estar em julgamento, como era sua pretensão para repor a verdade dos factos, ao qual é totalmente alheio e a eles não deu causa. Ora

Não tendo o arguido estado em julgamento e uma vez que näo foi cumprida a sua notificação, pelos fundamentos acima deduzidos, mostra-se cometida uma nulidade insanável, uma vez que a lei exige a notificação e comparência do arguido para julgamento, mostrando-se assim afectado todo o processado ulterior, nomeadamente a sentença recorrida, impondo-se a sua anulação, com as legais consequências.

A notificação por carta simples e com prova de depósito — prova esta feita por uma entidade terceira estranha ao Tribunal — não garante que a pessoa a quem foi dirigida a comunicação a venha a receber ou dela tomar conhecimento ou que seja colocada na morada correcta.

Deste modo, e como se comprova nos presentes autos em que o Recorrente — muito embora o expedidor postal tenha enviado ao Tribunal documento comprovativo do depósito — a notificação por carta simples não foi depositada na caixa de correio do Recorrente e nem sequer a morada estava correcta; ate porque, tal endereço não existe, devendo o expedidor ter devolvido as notificações, como devia, com a indicação de endereço insuficiente, ou inexistente.

Pelo que a forma de notificação prevista no artigo 113° n.° 3 do Código de Processo Penal, viola uma das garantias constitucionalmente consagradas em processo criminal e como tal, a referida forma de notificação e inconstitucional, o que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos, por violação do disposto no artigo 32° n.º 1 da Constituição Portuguesa que refere "o processo criminal assegura todas as garantias de defesa",

E como tal deverá também garantir e prever os meios eficazes para que os visados possam exercer os direitos de defesa, designadamente, e a forma como deverão ser feitas as comunicações para que o interessado possa exercer os seus direitos de defesa, ou seja, prever meios em que corn certeza absoluta se afira que determinada pessoa foi efectivamente notificada podendo / devendo o Tribunal na ausência do defensor do Recorrente, como resulta da acta da audiência de julgamento, ter, pelo menos ,aguardado pela segunda data designada , até tendo em conta a complexidade dos factos e dos quais a douta defensora deles não tinha qualquer conhecimento, inteirando-se somente no decorrer da audiência , o que também não deveria ter sucedido .

No entanto e sem prescindir, o que só por dever de patrocínio se coloca, sempre se dirá que atenta a douta motivação constante da douta sentença recorrida, nunca o Tribunal a quo poderia ter dado como provado, além de outros, o seguinte facto:"De seguida dirigiu-se ao Estabelecimento comercial denominado "C….e", sito na mencionada Rua …. e pintou também corn tinta branca, em letras Maiúsculas no vidro da montra a seguinte frase "CHULO DUM CABRÃO" e no asfalto em frente ao estabelecimento comercial "OBRIGOU A MAE A ASSINAR DOCUMENTOS EM BRANCO"; "ROUBOU 8.000 CONTOS A MÃE R P….".

Isto porque nenhuma das testemunhas ouvidas presenciou esse facto, apenas a testemunhas … alegou ter visto o Recorrente - como era possível aquela hora da noite, em lugar escuro? - a pintar no asfalto as palavras "chulo" e "Osório" — e não outras —; não tendo mais nenhuma das demais testemunhas presenciado os factos ou referido, com certeza absoluta que tivesse sido o Recorrente o autor das expressões constantes da douta acusação pública.

Pelo que não se entende, com o devido respeito por douta opinião em contrária, face a prova "unilateral" que foi produzida nos autos e na ausência do arguido e sem que este estivesse notificado para tal ou que lhe tivesse sido garantido o direito de defesa, como, perante as declarações das testemunhas ouvidas, o Tribunal a quo pudesse dar como provado que o Recorrente escreveu as expressões constantes da douta acusação particular na montra do estabelecimento comercial que pertence ao Recorrido.

Donde resulta não poder ser imputada ao Recorrente a autoria das expressões que se encontravam escritas na montra do estabelecimento, nem se poderá tirar tal ilação dos juízos subjectivos e conjectural feitas pelas testemunhas, cuja isenção o Recorrente coloca em causa, e

Nem sequer as palavras que uma e só testemunha referiu ter visto a escrever são atentatórias da honra e dignidade pessoal do Recorrido, que mereçam a tutela penal, pelo que deveria, desde logo o Recorrente ter sido absolvido, também, da prática deste crime.

Também a pena que lhe foi aplicada, a ter cometido o crime por que foi condenado, que não praticou, peca por excessiva e não teve em conta as condições económicas do Recorrente; as quais são bastantes precárias — cfr. doc. n.° 2.

No entanto e em face do que se deixa dito ab initio não poderá haver lugar ao arbitramento de indemnização cível.

Admitindo porém e sem conceber, pela não procedência do recurso em matéria penal e mesmo que se mantenha a condenação do Recorrente, tem de reconhecer-se que a indemnização fixada é excessiva, considerando a situação material do Recorrente, não tendo sido observado o principio da equidade, devendo por isso ser substancialmente reduzida.

Ao ter decidido como decidiu violou o Tribunal a quo, além do mais, o disposto nos artigos 113°, nº 7, 119° alínea c) e 122° do Código de Processo Penal, artigo 180° do Código Penal e artigos 493° e 494° do Código Civil.

TERMOS EM QUE

Deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, ser declarado nulo o julgamento por falta de notificação do arguido, ou se assim não se entender, que seja alterada a douta sentença condenatória por outra que absolva o recorrente da prática do crime por que vinha acusado e do montante em que foi condenado na parte cível ou se assim não entenderem Va Ex.a, deverá a pena que Ihe foi aplicada ser reduzida, bem como na parte civil ser alterado o montante da indemnização por outro em que sejam aplicados os critérios que devem subjazer ao seu arbitramento, tudo com os demais termos ate final.

Respondeu apenas o magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo, dizendo, sem elaborar conclusões, que a desconformidade entre a morada indicada como de residência e para notificação e a ressalva de rasura constitui irregularidade do TIR, sanada porque não arguida; que só alegando e provando antes do recurso a falsidade das declarações lavradas pelos distribuidores do serviço postal nas provas de depósito de fls. 47, 57, 75 e 87, poderia a defesa ilidir a presunção de efectiva realização do acto de notificação do arguido; que não se verifica a nulidade prevista no artº 119º, al. c), do CPP, por a lei não exigir a sua comparência; que o artº 113º, nº3, do CPP, não ofende o disposto no artº 32º, nº1, da CRP; que a prova produzida comportava, de forma cabal, a decisão sobre a matéria de facto nos precisos termos em que a mesma foi exarada na decisão recorrida; e, por fim, que a pena mostra-se adequada e bem doseada.

Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral adjunto emitiu douto parecer, no qual deixa concordância com a posição do MºPº na 1ª instância quanto à arguição de nulidade e valoração da prova. Considera, porém, que se verifica o vício previsto no artº 410º, nº2, al. a), do CPP – insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – na medida em a sentença recorrida nada refere quanto à situação económica e financeira do arguido e seus encargos pessoais.

Notificado, nos termos e para os efeitos do artº 417º, nº2, do CPP, o não houve resposta.

Foram colhidos os vistos e procedeu-se a conferência.
Fundamentação
Delimitação do objecto do recurso

É pacífica a doutrina e jurisprudência[i] no sentido de que o âmbito do recurso delimita-se face às conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso[ii].

A conformação do recurso determina a apreciação das seguintes questões:

 Verificação de nulidade insanável, nos termos do artº 119º, al. c), do CPP;

Violação do disposto no artº 32º, nº1, da CRP, na dimensão normativa contemplada no artº 113º, nº3, do CPP;

Impugnação da decisão em matéria de facto;

Ausência de preenchimento do tipo penal;

Medida da pena, reputada de excessiva;

Medida da obrigação de indemnizar, igualmente reputada excessiva.

A estas questões junta-se aquela suscitada pelo Sr. Procurador-Geral adjunto: vício da decisão por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Da nulidade insanável

A primeira questão a conhecer prende-se com a arguição de nulidade. Considera o arguido que a sua ausência a julgamento decorreu da circunstância de não ter sido validamente notificado para o acto pois todas as notificações que constam do processo foram enviadas para uma morada diferente da que indicou e, por isso, delas não podia conhecer. Porém, os autos demonstram realidade diversa. Vejamos.

Decorre de fls. 31 que o arguido prestou Termo de Identidade e Residência (TIR) no Posto Territorial de Oliveira do Bairro em 20/06/2005, em acto seguido ao da recolha de declarações e constituição como arguido (fls. 29). Nesses actos teve intervenção o 1º sargento RA.

Ora, quer o auto de declarações, quer o termo de identidade e residência ostentam no local relativo à residência declarada pelo arguido a menção “Rua…”. Porém, nessa menção dactilografada, a primeira letra da palavra “Covo” surge, em ambos os locais, rasurados, com a letra “C” manuscrita. Nenhum dos autos ostenta a ressalva da rasura, como obriga o disposto no artº 94º, nº1, do CPP, o que deixa a dúvida sobre quem efectuou a alteração e se o fez antes ou depois da assinatura dos mesmos.

Acontece, porém, que o TIR ostenta no campo correspondente à morada indicada para efeitos de notificação menção que apenas diverge da anterior exactamente na letra rasurada. Em vez de “Rua… “Rua Vale do Povo” mas, sublinhe-se, tudo o mais é idêntico. O código postal é o mesmo “3800-591” e os demais elementos de localização “Quintã do Loureiro – Cacia”. Essa circunstância junta outra dúvida àquela atrás referida: qual a razão que levou a que quem rasurou e alterou a morada “Covo” não tivesse procedido do mesmo modo – e a não ressalvar a emenda - com a indicação da morada para efeitos de notificação, afinal, o elemento mais relevante na perspectiva do desenvolvimento do processo, atento o sistema decorrente dos artsº 113º e 333º do CPP? Certo é que tal divergência na designação da rua encontra-se no cerne da pretensão do arguido de invalidar a sua notificação postal para qualquer acto do processo até à notificação, por contacto pessoal, da sentença.

 Com efeito, decorre dos autos que, a partir do TIR, todas as notificações endereçadas ao arguido foram-no para “Rua 00-000– Cacia” e, invariavelmente, os avisos postais constam dos autos com a declaração de depósito no receptáculo postal do endereço. A prova de depósito correspondente à notificação para oposição a constituição de … como assistente consta de fls. 47. Aquela correspondente à notificação do despacho que admitiu essa intervenção encontra-se a fls. 57. Por seu turno, a prova de depósito relativa à notificação da acusação particular e do despacho do MºPº que a acompanhou encontra-se a fls. 75, assim como a fls. 86 a prova de depósito do despacho que recebeu a acusação e o pedido de indemnização civil bem como designou dia para julgamento consta de fls. 87. Em suma, dos autos não resulta qualquer devolução de correspondência dirigida ao arguido.

De acordo com o disposto no artº 113º, nº3, do CPP, a notificação por via postal simples considera-se efectuada no 5º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, o que envolve presunção de que a correspondência expedida chegou efectivamente à caixa postal do destino.

Pretende agora o arguido ilidir essa presunção dizendo que a “Rua Vale do Povo” não existe, o que apoia com declaração da Junta de Freguesia da Vila de Cacia em como não existe naquela freguesia artéria com essa designação.

Simplesmente, a indicação da Rua não constitui o único elemento identificativo da morada, enquanto endereço postal. Este é composto por todos os elementos correspondentes à localização de uma caixa postal de depósito de correspondência, o que usualmente envolve indicação da localidade, rua, andar e número de polícia e também o código postal, hoje composto por sete algarismos.

O código postal foi introduzido pelos diversos sistemas nacionais de distribuição postal fundamentalmente para acelerar o processo de separação dos objectos, designadamente através de mecanismos automáticos com utilização de leitores ópticos, mas também para ultrapassar situações de erros de endereçamento e diferenças na designação dos locais, assim facilitando a entrega da correspondência[iii]. Nessa medida, o código postal constitui hoje o elemento fundamental do endereçamento postal, permitindo ultrapassar erros e divergências de toponímia, sendo acessível todos os cidadãos. Qualquer pessoa pode saber, seja por contacto com os CTT, seja através das diversas ferramentas informáticas acessíveis online, qual a morada correspondente a um código postal e vice-versa.

Ora, o confronto do código postal referido no TIR, seja na menção rasurada, seja na menção não rasurada, e utilizado nas notificações efectivamente expedida – 3800-591 – com aquelas ferramentas, deixa perceber que tal código corresponde unicamente à Rua Vale do Covo, Quintã do Loureiro, Cacia, o que permitiu aos distribuidores postais encontrar e depositar as mesmas na caixa de correio do arguido, seu destinatário. Aliás, esse mesmo código postal vem indicado em todas as menções nos autos relativas à Rua Vale do Covo.

Essa mesma conclusão surge reforçada pela indicação de que a Rua Vale do Povo não existe, conjugada pela ausência de devolução da correspondência. É que, ao contrário do que parece entender o arguido, o destinatário postal não pode deixar de depositar o aviso postal sempre que existe um pequeno lapso no endereço mas sim, e apenas, quando esse lapso não pode ser ultrapassado pela consideração global dos elementos identificativos, mormente do código postal. Assim decorre do artº 113º, nº4, do CPP, em que se condiciona a devolução à impossibilidade de proceder ao depósito, como certamente aconteceria se os distribuidores postais fossem confrontados com local de distribuição inexistente. Ao invés, no caso dos autos, os distribuidores postais depararam com endereço que, tomando o código postal, apenas era incorrecto na primeira letra da designação da rua, o que decorria evidente da inexistência da Rua Vale do Povo, e, suplantando o lapso manifesto, depositaram as cartas na residência do arguido, sita na Rua Vale do Covo – 3800-591 – Quintã do Loureiro[iv] - Cacia.

Cumpre, então, concluir que não existe fundamento para infirmar a presunção decorrente do depósito no local indicado no TIR, mostrando-se, por conseguinte, cumpridas as obrigações de notificação decorrentes das disposições conjugadas dos artsº. 283º, nº6, 285º, nº3, 313º, nº3, 113º, nºs. 1, al. c) e 3 e 196º, todos do CPP. Nessa medida, não ficou o arguido privado de exercer direitos, como o de requerer a abertura de instrução ou de comparecer na audiência, como sustentado no recurso.

Inexiste, pelo exposto, a evocada nulidade.
Da infracção constitucional do disposto no artº 113º, nº3, do CPP

Na conclusão O), o recorrente sustenta que o disposto no artº 113º, nº3, do CPP não respeita o ditame constitucional de que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, consignado no artº 32º, nº1, do CRP. Embora em termos sucintos, a dimensão normativa indicada cinge-se à indicação de que a presunção de conhecimento decorrente da prova de depósito não estará conforme com a CRP por não constituir meio para que “com certeza absoluta se afira que determinada pessoa foi efectivamente notificada”.

Importa, desde logo, na aproximação à questão colocada, afastar um dos seus pressupostos, a saber, a circunstância do arguido não ter tido possibilidade de conhecer as notificações da acusação e para a audiência de julgamento, em virtude da notificação por aviso postal não ter sido depositada na caixa postal que indicou no momento da prestação do TIR. Como se decidiu supra, esse depósito teve efectivamente lugar. Assim, a dimensão normativa aplicada e cuja conformidade constitucional subsiste questionada, reconduz-se à aludida presunção, constante do artº 113º, nº3, do CPP.

O referido sistema normativo de notificação do arguido através de aviso postal simples decorre da revisão efectuada no ordenamento processual penal Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000, de 15 de Dezembro, e visou, tal como a modificação operada no processo civil, atingir maior celeridade, perante a morosidade muito significativa induzida pela anterior exigência de notificação por contacto pessoal. Para tanto, o legislador introduziu no artigo relativo à prestação de TIR a possibilidade do arguido indicar a sua residência ou outro local para receber as notificações acompanhada da exigência de expressa advertência de que as posteriores notificações seriam efectuadas por essa via e para o endereço postal indicado, ou outro que seja ulteriormente comunicado (artº 196º, nº2 e 3, al. c), do CPP). Paralelamente, impôs que fosse emitida prova de depósito da comunicação na caixa postal indicada, com referência à data e local exacto em que o foi (artº 113º, nº3, do CPP).

A conjugação dos referidos preceitos envolve o conhecimento por parte do arguido de que a recolha da correspondência colocada na caixa postal indicada no TIR assume a importância correspondente ao exercício dos seus direitos processuais de defesa, permitindo-lhe, ao mesmo tempo, acautelar situações de afastamento temporário ou inacessibilidade com a previsão da oportuna comunicação ao Tribunal através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento. Note-se que o arguido encontra-se obrigado a não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado (artº 196º, nº3, al. b), do CPP).

A partir daí, qualquer arguido, incluindo naturalmente o recorrente, vê assegurada com segurança e fiabilidade a cognoscibilidade das notificações que lhe são dirigidas e, inerentemente, garantido o conhecimento indispensável para o exercício do direito de defesa.

Inexiste, assim, a sustentada inconstitucionalidade.
Da decisão recorrida

Importa, agora, para a apreciação das demais questões, verificar o teor da decisão recorrida[v]:

Factos provados:

No dia 19.05.2005 cerca das 3h da manhã o arguido dirigiu-se à Rua 30 de Junho- Oiã, à entrada para a Conde D ‘Águeda escreveu no asfalto em letras maiúsculas e pintadas com tinta branca “CHULO, CHULO OSÓRIO” e pintou uma seta a apontar para a aludida rua.

De seguida dirigiu-se Estabelecimento comercial denominado “C….e”, sito na mencionada Rua Conde D ‘Águeda em Oiã e pintou também com tinta branca, em letras maiúsculas no vidro da montra a seguinte frase “CHULO DUM CABRÃO” e no asfalto em frente ao estabelecimento comercial “OBRIGOU A MÃE A ASSINAR DOCUMENTOS EM BRANCO”;  “ROUBOU 8.000 CONTOS Á MÃE RP”.

Tais frases, quer as escritas na montra do estabelecimento Comercial, quer nas ruas Conde D’ Águeda e 30 de Junho, eram dirigidas à pessoa do Assistente.

O arguido agiu livre voluntária e consciente, bem sabendo que tais expressões eram susceptíveis de ofender a honra e consideração do assistente e que a sua conduta era criminalmente punível.

O Assistente é proprietário do C…., onde estava escrita a frase “CHULO DUM CABRÃO”.

O Assistente prontamente procedeu à limpeza das montras e pediu para a estrada ser limpa mas as operações de limpeza só terminaram no final dessa manhã.

Durante esse período o Assistente manteve o café aberto, sofrendo humilhação perante os clientes.

O supra mencionado café situa-se numa vila, meio pequeno, alvo de todos os comentários e criticas.

Durante o período de um mês houve um decréscimo na clientela.

A conduta do arguido provocou no ofendido instabilidade emocional, mal estar, desgosto, amargura e tristeza.

O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e criminalmente punida, porque susceptível de atingir a honra e consideração do assistente o que representou e quis.

Ficou o ofendido afectado no seu nome, honra e dignidade pessoal e prestigio.

O ofendido sentia vergonha de sair de casa e encarar os seus clientes habituais.

O Assistente é pessoa respeitada no lugar onde vive e trabalha.

Factos não provados:

Que a diminuição de clientela tivesse resultado dos factos praticados pelo arguido.

Que o Assistente, com a perda da clientela, tivesse sofrido um prejuízo efectivo de 1500€.

Que durante cerca de duas semanas o ofendido se tivesse isolado em casa, saindo apenas para o indispensável.

Motivação:

A convicção do Tribunal baseou-se, fundamentalmente, na prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento conjugada com a prova documental de fls 4 a 7 – fotografias do local.

A testemunha … relatou ter presenciado a prática de parte dos factos pelo arguido quando se encontrava na varanda de sua casa sita na Rua 30 de Junho. Esclareceu que se encontrava com um amigo em casa quando ouviu chegar uma viatura e, como tinha ocorrido um assalto a uma Caixa Multibanco no dia anterior, foi ver o que se passava.

Deparou-se então com o arguido que se encontrava na Rua 30 de Junho, tendo o mesmo olhado à volta para verificar se estava a ser observado mas não se apercebendo da presença da testemunha, começou a pintar com tinta branca o asfalto a expressão “chulo” e o nome “…” .

No dia seguinte dirigiu-se a testemunha ao café do assistente e apercebeu-se que as vitrinas também estavam escritas mas não se recorda quais as expressões utilizadas, também existindo escritos na estrada em frente ao café. Precisou que o tipo de letra e a tinta (branca) eram idênticos. Esclareceu que em Oiã se ouviu falar que tinham escrito coisas sobre o Osório e notou que algumas pessoas deixaram de ir ao café durante cerca de 3 semanas.

Finalmente, relatou que o assistente ficou triste com o sucedido.

O depoimento de … foi no sentido de ter conversado com o arguido no dia anterior ao sucedido 18 de Maio não sabe se 2006 se 2007 e este ter dito que o assistente era ladrão e ter utilizado a mesma frase que estava escrita no asfalto em frente ao café, ou seja que o assistente tinha obrigado a mãe (…) a assinar papéis em branco para levantar 8000 contos e estava escrito o nome da mãe do assistente no chão, com um erro “…”

Quando viu o sucedido no café nessa manhã ate disse ao assistente “Já não cumprimentas? Deve ser por estares rico com os 8000 contos da tua mãe” e acrescentou ainda que o … estava furioso.

…, filha do assistente descreveu que há cerca de 2/3 anos no início do ano numa altura em que estava a trabalhar no café do pai  foi chamada por este cerca das 11h para limpar as frases que haviam sido escritas na vitrina do mesmo, sendo que também havia frases no chão, tudo a branco e recorda-se apenas das expressões “chulo” e “cabrão” não conseguindo precisar onde. A rua onde estavam os escritos, segundo disse, é muito movimentada, tem o talho e o café e a rua 30 de Junho também por causa dos bancos. Ela só limpou as vitrinas depois de servir os cafés, por volta da hora de almoço. Esclareceu que durante duas semanas sentiu que faltaram alguns clientes ao balcão, nos cafés à hora de almoço, mas não soube quantificar o prejuízo.

…. descreveu o estado do sogro como triste, sentido e alterado na sequência do sucedido. Relatou que quando chegou ao local no aludido dia se encontravam no café alguns clientes e referiu alguma perda de clientela à noite, bem como o facto de o assistente ser uma pessoa respeitada pois até já foi presidente da associação desportiva.

No que concerne aos antecedentes criminais, atendeu-se ao teor do CRC (cópia) de fls 108. Os factos não provados resultam da ausência de prova.

O DIREITO:

O arguido vem acusado da prática dos crimes de difamação e injúria p.p. pelo art. 180º a 183º do CP.

Dispõe o artigo 180º que:

“1- Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita um facto ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação, ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.”

2-A imputação não é punível quando:

for feita para realizar interesses legítimos;

o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.

3- Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º2 do art.31º o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar de imputação de facto relativo à intimidade da vida provada ou familiar.

4- A boa fé referida na alínea b) do nº2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação”.

Por sua vez o art. 183º estatui que:

Se nos casos dos crimes previstos nos art. s 180º, 181º e 182º:

a ofensa for praticada através de meios ou circunstâncias que facilitem a sua divulgação; ou tratando-se da imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação as penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.

se o crime for cometido através de meio de comunicação social, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias.

Este tipo legal visa proteger a honra enquanto bem jurídico pessoalíssimo e imaterial 

São pressupostos do tipo legal de crime de difamação:

- a imputação, ainda que sob a forma de suspeita, ou a formulação de um juízo, ou a reprodução de tal imputação ou juízo:

-perante terceiros;

-que sejam ofensivos da honra ou consideração do visado

-com a consciência de que a imputação do facto ou a formulação do juízo ou a reprodução de um ou outro, são ofensivos daquela honra e consideração.

Quanto ao primeiro requisito objectivo, a lei distingue entre a imputação de um facto e a formulação de um juízo, e distingue em termos muito relevantes, dado que apenas quanto à primeira situação referida é que o agente poderá fazer a prova da verdade, como resulta do disposto no nº 2 e 4 do art. 180º do CP.

Tal distinção é lógica, na medida em que apenas relativamente a factos, poderá o agente fazer uma prova objectiva da verdade da imputação (neste sentido Ac RC 04.06.82 CJ III p 90 ) pois no que concerne aos juízos de valor, estes têm sempre uma componente acentuadamente subjectiva, não sendo assim susceptíveis da prova da verdade. Quando muito o agente poderá alegar e provar a ocorrência de factos que justificam a formulação de determinado juízo de valor quanto a determinada pessoa.

Atente-se que a lei equipara as condutas de quem imputa o facto ou formula o juízo com a daqueles que reproduzem tal imputação ou tal formulação.

O segundo pressuposto referenciado, permite distinguir o tipo legal de crime de difamação do tipo legal de crime de injúria, sendo aliás este, o único aspecto em que ressalta tal diferença.

No que toca ao terceiro e quarto elementos eles surgem interligados.

Na verdade, o crime de difamação, tal como o de injúria, é um crime de perigo abstracto-concreto, uma vez que a ofensividade surge aqui ligada à conduta do agente mediante a qual o perigo é desencadeado, devendo a mesma ser adequada à criação do evento perigoso, isto é, para a verificação do elemento subjectivo basta a coincidência da genérica perigosidade da conduta ou do meio da acção previsto na norma incriminatória, sem que se exija que o agente tenha previsto o perigo concreto.

Daí que, para a verificação do crime seja indiferente que o agente queira ofender a honra e consideração alheias, ou que se haja conformado com tal resultado, ou mesmo que haja previsto a efectiva possibilidade e probabilidade de lesão do bem jurídico tutelado pelos art.180º.

Assim sendo, ao julgador caberá apenas a tarefa de, uma vez apurada a conduta ou acção por parte do agente, averiguar se as mesmas são ou não genericamente perigosas, socorrendo-se para tanto de critérios da experiência, bem como se o agente agiu com consciência dessa perigosidade.

Cumpre analisar a factualidade provada, à luz das considerações precedentes.

Provou-se que o arguido escreveu as frases descritas nos factos provados dirigidas ao assistente.

Segundo Faria Costa em Comentário Conimbricense CP I p 609 “a noção de facto se traduz naquilo que é ou acontece, na medida em que se considera como um dado real da experiência. Assume-se, por conseguinte, como um juízo de afirmação sobre a realidade exterior, como um juízo de existência.. o juízo... deve ser percebido, neste contexto, não como apreciação relativa à existência de uma ideia ou de uma coisa mas ao seu valor”.

Ora, os escritos do arguido traduzem a imputação de factos e a formulação de juízos de valor que surgem numa relação estreita, sendo certo que a formulação de juízos de valor que encontram tradução nos epítetos de “chulo cabrão” incidem sobre a pessoa do visado e não apenas sobre a conduta do mesmo.

A isto acresce que o arguido imputa ao ofendido determinados comportamentos menos dignos atenta a frase escrita no asfalto em frente ao estabelecimento.

Ora, tais imputações são, para a generalidade das pessoas, ofensivas. Tais juízos de valor constituem clara ofensa da honra e consideração do visado, designadamente se figurarmos a honra como um bem jurídico complexo, abrangendo quer uma dimensão interior radicada na sua dignidade pessoal, quer uma dimensão externa, enquanto reputação e consideração exterior (Faria Costa p. 607)

É inequívoco que qualquer pessoa se sentiria diminuída na sua dignidade interior pela imputação dos aludidos comportamentos e com a utilização de tais epítetos, sendo certo que a sua reputação exterior também se mostra atingida.

Mais se provou que representou atingir a honra do visado, ciente de que as suas palavras eram susceptíveis de produzir tal efeito.

Ora, face ao exposto, conclui-se que o arguido com a sua conduta preencheu os elementos objectivos e subjectivos do crime p.p. no art. 180º nº1 de que vinha acusado, não tendo ocorrido nenhuma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.

Mais se considera que o facto de as frases terem sido escritas na via pública, em ruas com muito movimento e na vitrina em letras maiúsculas, a branco, facilitou a sua divulgação pelo que tal factualidade é susceptível de integrar a previsão do art. 183º nº1 a)  do CP.

O arguido vem ainda acusado da prática de um crime de injúria p.p. pelo art. 181º do CP.

Estabelece este artigo que: Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias.

O bem jurídico protegido por este tipo legal é a honra (bem jurídico eminentemente pessoal) entendido como juízo que cada pessoa faz de si mesma (sentido subjectivo) e representação que os outros têm sobre o valor de uma pessoa, o mesmo é dizer, a consideração, o bom nome, a reputação de que uma pessoa goza no contexto social envolvente (sentido objectivo).

No tocante ao tipo objectivo de ilícito, distingue-se do crime de difamação uma vez que na injúria existe uma imputação directa (conexão bipolar) ao passo que, na difamação, a imputação dos factos é veiculada através de terceiros ou indirecta (relação triangular ).

Encontra-se hoje superada a antiga controvérsia relativa à exigência de um dolo específico (animus injuriandi), entendendo-se actualmente que, para preenchimento do tipo subjectivo de ilícito basta o dolo genérico em qualquer das suas modalidades (directo, necessário ou eventual).

Ora no caso vertente não estamos perante uma conexão bipolar, isto porque o arguido não se dirigiu directamente ao ofendido, motivo pelo qual deverá o mesmo ser absolvido pela prática deste crime.

Realizado o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, importa agora determinar a natureza e medida da sanção a aplicar.

Como já se referiu, o crime de difamação é punível com pena de prisão até 6 meses ou pena de multa agravado nos termos do disposto no art. 183º do CP - elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.

Em sede de critério de escolha da pena postula o artigo 70º do Código Penal que: “ Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, consagrando-se, deste modo, o princípio da preferência pelas reacções criminais não detentivas ( “A pena privativa da liberdade só deve ser aplicada como última ratio da política criminal “ Figueiredo Dias in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime pag. 113).

No caso em apreço, não pode olvidar-se que o arguido tem antecedentes (uma condenação em pena de multa) mas uma vez que se trata de crime de diferente natureza (estradal), entendemos que a pena de multa ainda se mostra adequada a realizar as exigências de prevenção geral e especial (art. 40.º do C.P).

A determinação concreta da pena deverá ser feita dentro dos limites das molduras abstractas, em função da culpa do agente (limite inultrapassável - artigo 40º nº 2 do Código Penal) e das exigências de prevenção geral e especial (artigo 71º nº1 do Código Penal).

Deverá ainda atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, de alguma forma se revelem como susceptíveis de depor contra ou a favor do arguido – artigo 71º nº2 do Código Penal.

O comportamento do arguido é merecedor de um juízo de censura, na medida em que actuou com dolo, representou e quis imputar factos e utilizar expressões que sabia lesivas da honra e consideração do ofendido.

Deverá ter-se em conta que, no caso dos autos, o grau de ilicitude é elevado, atentos os epítetos proferidos e a gravidade das imputações.

As necessidades de prevenção geral são elevadas, sendo frequente a prática deste crime pelo que se torna premente restabelecer na comunidade o respeito por esse bem jurídico eminentemente pessoal, ligado à dignidade da pessoa humana, que é a honra.

As necessidades de prevenção especial (a prevenção especial prende-se com a necessidade de conformação do agente com o quadro de valores vigentes, em particular com aqueles que tutelam o bem jurídico atingido) são elevadas, tendo em conta os antecedentes e a personalidade revelada pela sua ausência a julgamento.

Ponderado tudo o que foi referido, entende-se por justo e adequado aplicar uma pena de 100 dias de multa e fixar a taxa diária em 6€ por se desconhecer a situação sócio económica do arguido.

PEDIDO CIVIL:

Cumpre, por último, apreciar o pedido de indemnização civil formulado pelo assistente.

A responsabilidade civil e consequente indemnização por perdas e danos que resultem da prática de um crime é regulada, quantitativamente e nos pressupostos pela lei civil (artigo 129º do Código Penal).

No que concerne aos danos patrimoniais não se provou a existência de qualquer nexo de causalidade entre a ausência de alguns clientes e os factos praticados pelo arguido, pelo que não logra tal factualidade integrar a previsão legal, sendo por conseguinte o pedido improcedente.

Quanto aos danos não patrimoniais de referir que os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis e não podem ser reintegrados mesmo por equivalente mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas da utilização do dinheiro.

Não se trata, portanto, de atribuir ao lesado um “preço da dor” mas de lhe proporcionar uma satisfação, em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir mesmo interesses de ordem refinadamente ideal (Mota Pinto, Teoria Geral, pag. 115, 3ª ed. Almedina).

O art. 496º do CC prevê que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

Tal gravidade deve medir-se por um padrão objectivo e não à luz dos factores subjectivos (uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente  requintada na expressão do Professor Antunes Varela).

No caso sub judice tendo em conta a gravidade das imputações e a perturbação e transtorno sofridos pelo assistente, entendemos justo e adequado fixar o montante de 1.500€

DECISÃO:

Pelo exposto, condena-se o arguido …, como autor material de um crime de difamação p.p. pelo art. 180º nº1, 182º e 183º nº1 a) do CP numa pena de 100 (cem) dias multa à taxa diária de 6€ (seis Euros) o que perfaz o montante global de 600€ (seiscentos Euros).

Absolve-se o arguido da prática do crime de injúria p.p. pelo art. 181º do CP.

Julga-se parcialmente procedente por provado o pedido civil formulado por … e condena-se o arguido a pagar o montante de 1.500€ por danos não patrimoniais acrescidos de juros à taxa legal a contar desde a notificação prevista no art. 78º do CPP.

Vai ainda o arguido condenado a pagar as custas criminais, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça, acrescida de 1% sobre a mesma a favor do FAV com procuradoria mínima, de acordo com os artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal e 95º do Código das Custas Judiciais.

Custas cíveis na proporção do decaimento.

Deposite  e notifique e, após trânsito, boletim à DSIC.
Da impugnação da decisão em matéria de facto

A primeira dimensão de discordância relativamente à condenação dirige-se à decisão em matéria de facto, com expressão nas alíneas Q) a U).

Nos termos do artº 428º do CPP, as relações conhecem de facto e de direito, podendo modificar a decisão de facto quando a decisão tiver sido impugnada nos termos do artº 412º, nº3 do mesmo código.

Tem sido salientado a uma voz pelos Tribunais Superiores que o recurso em matéria de facto é de fulcral importância para a salvaguarda dos direitos constitucionais de defesa e, para tanto, deve a Relação proceder a efectivo controlo da matéria de facto provada na 1ª instância, por confronto desta com a documentação em acta da prova produzida oralmente na audiência. Porém, essa dimensão do recurso não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, como se a decisão da 1ª instância não existisse, mas sim, e apenas, remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, expressamente indicados pelo recorrente[vi].

Assim, para atingir a completa delimitação do objecto do recurso e obstar à utilização do recurso apenas para sobrepor uma nova apreciação àquela formulada em 1ª instância, veio o legislador processual penal da revisão operada pela Lei 48/2007, de 29/8, a par da eliminação da exigência da transcrição dos depoimentos[vii], impor ao recorrente em matéria de facto que na motivação proceda a uma tríplice especificação: concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; e ainda, quando o solicitar, concretas provas a renovar. Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: deve o recorrente ter como referência o consignado na acta quanto ao registo áudio ou vídeo das prova prestadas em audiência mas também indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (nºs 4 e 5 do artº 412º do CPP). Esta exigência justifica materialmente a extensão do prazo de recurso de 20 para 30 dias[viii].

Compulsada a motivação apresentada, verifica-se que o recorrente concretiza minimamente os pontos de facto que reputa de incorrectamente julgados, na medida em que afirma não ter sido produzida prova bastante de que foi ele o autor das inscrições efectuadas. Encontra-se, assim, respeitado o ónus imposto pela al. a) do nº2 do artº 412º do CPP.

Porém, tomando agora a exigência de especificação das provas que impõem – pois esse é o critério legal – decisão diversa, com concretização das passagens das gravações em que se funda a impugnação, verifica-se que a recorrente omite por completo tal concretização. Apenas a testemunha Nuno Silva vem referida, sem qualquer indicação de passagens do respectivo depoimento, deixando inteiramente por cumprir o ónus imposto pelo nº4 do artº 412º do CPP.

Importa alertar que, porque estamos perante inteira omissão de cumprimento da referida exigência, não deve ter lugar convite ao aperfeiçoamento. De acordo com o disposto nos nºs. 3 e 4 do artº 417º, do CPP, o aperfeiçoamento pode ter lugar quando a motivação não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs. 2 a 5 do artº 412º do mesmo código, mas sempre sem modificar o âmbito do recurso. Então, quando o corpo das motivações não contém especificações exigidas por lei, já não encontramos insuficiência das conclusões, mas sim insuficiência do recurso, com a cominação de não poder a parte afectada ser conhecida. A situação em presença é inteiramente similar àquela que levou o Supremo Tribunal de Justiça a referir que o «convite ao aperfeiçoamento conhece limites, pois que se o recorrente no corpo da motivação do recurso se absteve do cumprimento daquele ónus, que não é meramente formal, antes com implicações gravosas ao nível substantivo, não enunciou as especificações, então o convite à correcção não comporta sentido porque a harmonização das conclusões ao corpo da motivação demandaria a sua reformulação, ao fim e ao cabo, contas direitas, inscreveria um novo recurso, com novas conclusões e inovação da motivação, precludindo a peremptoriedade do prazo de apresentação do direito ao recurso»[ix]. Por outro lado, a conformidade constitucional deste entendimento, relativo à ausência de cumprimento do disposto no artº 412º, nº3, do CPP nas motivações e conclusões, e não apenas nas conclusões, face à norma do artº 32º, nº1, da CRP, tem sido unanimemente reconhecida pelo Tribunal Constitucional[x].

Face ao exposto, não pode este Tribunal conhecer da impugnação fundada na apreciação – audição – da prova pessoal produzida em audiência.
Do crime de difamação

Na conclusão com a alínea U), o recorrente sustenta que deveria ter sido absolvido do crime de difamação pois, entende, as inscrições não são atentatórias da honra e dignidade pessoal do assistente e não merecem a tutela penal. Sem razão.

Concretizando a protecção constitucional do bom nome e reputação[xi], o crime de difamação p. e p. pelo artº 180º, nº1, do CP pune quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, sendo equiparadas, nos termos do artº 182º do mesmo código, as formas de expressão oral e escrita. Conceito polissémico[xii], a honra e consideração – bem jurídico tutelado na infracção – estrutura-se, na sua dimensão social, através da merecida pretensão de respeito nas relações de comunicação e de interacção social de cada um[xiii]. Repetindo Beleza dos Santos[xiv], a honra consiste aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale; refere-se ao apreço de cada um por si, à auto-avaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral. Por seu turno, a consideração é integrada por aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa à falta de consideração ou ao desprezo público; refere-se ao juízo que forma ou pode formar o público no sentido de considerar alguém um bom elemento social, ou pelo menos de não o julgar um valor negativo. Não estamos, é bom salientar, perante conceitos contrastantes, antes perante diferentes perspectivas do mesmo complexo, pois honra e consideração imbricam-se indissociavelmente na valoração social de cada um. Como refere Figueiredo Dias[xv], «a jurisprudência e a doutrina jurídico-penais portuguesas têm correctamente recusado sempre qualquer tendência para uma interpretação restritiva do bem jurídico ‘honra’, que o faça contrastar com o conceito de ‘consideração’ (...) ou com os conceitos jurídico-constitucionais de ‘bom nome’ e de ‘reputação’. Nomeadamente, nunca teve entre nós aceitação a restrição da ‘honra’ ao conjunto de qualidades relativas à personalidade moral, ficando de fora a valoração social dessa mesma personalidade; ou a distinção entre opinião subjectiva e opinião objectiva sobre o conjunto das qualidades morais e sociais da pessoa; ou a defesa de um conceito quer puramente fáctico, que – no outro extremo – estritamente normativo».

Ora, ficou provado nos autos que o arguido escreveu no asfalto junto à entrada da Rua Conde d’Agueda, em Oiã, as palavras “Chulo, Chulo Osório” e pintou uma seta a apontar para a referida rua. E, na montra de estabelecimento comercial explorado pelo assistente OC, escreveu “Chulo dum cabrão” e no asfalto fronteiro “Obrigou a mãe a assinar documentos em branco” e “Roubou 8.000 contos à mãe RP”.

É manifesto que chamar alguém de “chulo” comporta degradação importante da sua imagem social. O adjectivo designa quem explora a prostituição e a degradação pessoal associada ao tráfego sexual, surgindo associado a uma representação social parasitária, fortemente negativa.

Acresce que a expressão “chulo dum cabrão” adita a essa pretendida degradação social a imagem de infidelidade e insucesso conjugal, juntando-lhe a lesão da consideração devida ao núcleo familiar.

Por fim, não pode deixar espanto que o arguido considere que acusar alguém de ter roubado 8.000 contos, como fez relativamente ao assistente, não afecta a reputação do visado nem justifica a tutela penal. Trata-se da imputação da prática de um crime, e de crime com gravidade significativa, ou seja, de comportamento socialmente intolerável ao ponto de justificar materialmente a cominação de privação da liberdade até quinze anos. A afectação da honra e consideração do visado é por demais evidente.

Face ao exposto, dúvidas não restam que o arguido cometeu o crime de difamação por que foi condenado.
Da medida da pena/vício da decisão

Refere o arguido que a pena aplicada peca por excessiva pois não teve em conta as suas condições económicas.

Na ponderação concreta da pena, tendo em atenção os critérios do artº 71º do C.P., cumpre determinar a medida da sanção tendo como limite e suporte axiológico a culpa do agente e em função das exigências da prevenção de futuros crimes, sem esquecer que a finalidade última da intervenção penal é a reinserção social do delinquente, sendo incompatível com o Estado de direito democrático finalidade retributiva[xvi]. No modelo que enforma o regime penal vigente, norteado, como decorre do artº 40º do CP, pelo binómio prevenção-culpa, cumpre encontrar primeiro uma moldura de prevenção geral positiva, determinada em função da necessidade de tutela das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da validade da norma violada[xvii]. Fixada esta, correspondendo nos seus limites inferior e superior à protecção óptima e protecção mínima do bem jurídico afectado, deve o julgador encontrar a medida concreta da pena em conjugação com as exigências de prevenção especial de socialização do agente, sem ultrapassar a culpa revelada na conduta antijurídica. Nesta tarefa, os critérios do artº 71º do CP «têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha e medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação de valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento, ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente)»[xviii].

Aqui chegados, importa ponderar a questão suscitada pelo Sr. Procurador-Geral adjunto, a saber, insuficiência de apuramento dos factos relevantes para a decisão da causa, na vertente do apuramento da situação económica e financeira do arguido e dos seus encargos pessoais, vício da decisão que, entende, deverá conduzir a reenvio parcial, nos termos conjugados dos artºs 410º, nº2, al. a) e 426º, nº1, do CPP.

Como referem Simas Santos e Leal-Henriques, o vício estipulado na al. a) do nº2 do artº 410º do CPP quando do texto da decisão permanece «lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher. Porventura, melhor dizendo, só se poderá falar em tal vício quanto a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final»[xix]. Estamos, efectivamente, perante corolário da estruturação fundamental do ordenamento processual penal vigente: de estrutura de base acusatória, integrada pelo princípio da investigação ou da verdade material, nos termos do qual ao tribunal incumbe o poder-dever de esclarecer e instruir autonomamente, para além e independentemente das contribuições dos sujeitos processuais, o «facto» que integra o objecto do processo, assegurando a reunião de todas as bases necessária à «boa» decisão[xx].

O princípio da investigação tem aplicação em todas as fases e momentos do processo mas encontra particular importância no julgamento e, em especial, na determinação da espécie e medida da sanção[xxi]. Essa ponderação levou o legislador a impor no artº 369º, nº2, do CPP, que no processo de deliberação – individual ou colectivo – exista um momento em que o Tribunal confronte a questão da suficiência de elementos de facto ao seu dispor, devendo, caso a resposta seja negativa, solicitar elementos complementares, mormente na forma de relatório social (artº 370º, nº1, do CPP)[xxii], ou decidir pela reabertura da audiência (artº 371º do CPP). 

Ora, tomando a decisão recorrida, verifica-se que o pelo Sr. Procurador-Geral adjunto tem inteira razão quando aponta a insuficiência de apuramento de factos pessoais do arguido. Na verdade, a ausência do arguido em julgamento não dispensa o Tribunal de porfiar, como é seu poder-dever, no sentido de apurar a personalidade e condições de vida, na altura dos factos e no presente, do arguido que se propõe sancionar. Antes pelo contrário, o julgamento nessas circunstâncias impõe redobrados esforços no sentido na obtenção de bases adequadas a uma decisão justa, porque respeitando as finalidades preventivas gerais, o limite da culpa no facto desviante e o respeito pela necessidade de (re) socialização do agente. 

No caso, e sem que se encontre qualquer motivação ou alusão a impossibilidade de obtenção de tais elementos, o Tribunal a quo passou à fase de determinação da medida da pena sem cuidar de apurar as condições socioprofissionais do arguido, o que significa ausência do mínimo indispensáveis ao conhecimento das características do arguido e do efeito que a sanção comporta para o mesmo. Aliás, esse fundamental desconhecimento encontra clara tradução na decisão, mormente no momento em que abordou a fixação da taxa diária para a multa, a qual foi fixada em 6€[xxiii] «por se desconhecer a situação sócio económica do arguido».

Face ao exposto, cumpre concluir pela procedência da questão suscitada pelo Sr. Procurador-Geral adjunto, verificação do vício contemplado na al. a) do nº2 do artº 410º do CPP e pelo reenvio do processo para novo julgamento, delimitado, na vertente criminal, pelo apuramento da personalidade do arguido, da sua condição socioeconómica, tendo em vista a determinação da medida da pena, com prévia solicitação e obtenção de relatório social, sem prejuízo de outra prova que, ao abrigo do disposto no artº 371º do CPP, se entender dever ser produzida. Tudo com a observância na nova decisão a proferir do disposto no artº 409º, nº 1 CPP.
Do recurso quanto à condenação em indemnização civil

A última questão prende-se com a vertente do pedido indemnizatório, que o recorrente diz não ter fundamento porque não praticou os factos e ainda que a indemnização concedida peca por excessiva, pois não atentou na sua situação económica.

A matéria de facto encontra-se estabilizada, como decorre da falência da impugnação da decisão nessa parte, sendo claro que a conduta comporta lesão e danos não patrimoniais merecedores de tutela do direito (artº 496º, nº1, do CC).

Acontece que, de acordo com o disposto no artº 400º, nº2, do CPP, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.

Sendo o valor da alçada do tribunal recorrido no momento do pedido de €3.740,98, fácil é concluir que a sucumbência do recorrente - €1500,00 - não ultrapassou o limiar de recorribilidade, pelo que o recurso deve ser rejeitado nessa parte.
Dispositivo

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em:
Rejeitar o recurso, por inadmissível, quanto à condenação em indemnização civil;
Julgar improcedente o recurso e manter a condenação do arguido … pela prática de um crime de difamação p. e p. pelo artº 180º, nº1, 182º e 183º, nº1, al. a) do CP;
Determinar o reenvio para novo julgamento, na parte relativa à determinação da medida da pena, com prévia solicitação e obtenção de relatório social, sem prejuízo de outra prova que, ao abrigo do disposto no artº 371º do CPP, se entender dever ser produzida.
Condenar o arguido/demandante, pelo decaimento no recurso, em 6 (seis) Ucs.


[i] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2ª ed., Ed. Verbo, pág. 335 e Ac. do STJ de 99/03/24, in CJ (STJ), ano VII, tº 1, pág. 247.
[ii] Cfr., por exemplo, art.ºs 119.º, n.º 1, 123.º, n.º 2, 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do CPP e acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/95, publicado sob o n.º 7/95 em DR, I-A, de 28/12/95.
[iii] Para maior desenvolvimento, http://www2.ctt.pt/fewcm/wcmservlet/ctt/faqs/faq9.html.
[iv] Anota-se que essa é topónimo referido no documento junto com o recurso, e não aquele indicado pelo arguido a fls. 130, em que refere “Quinta do Loureiro”, sem que exista razão para dizer, por essa pequena diferença de assento, que forneceu morada inexistente. Do mesmo modo, também se encontrou alusão à Rua Val Covo, em vez de Vale do Covo, manifestação da utilização de diversos topónimos para a artéria que o arguido indicou como residência.
[v] Transcrição.
[vi] Ac. do S.T.J. de 17/05/2007, Pº 071397, relatado por Santos Carvalho, acessível em www.dgsi.pt. Cfr., ainda, dentre a jurisprudência mais recente do nosso mais Alto Tribunal, acessível no mesmo sítio internet, os Acs. de 23/05/2007, Pº 07P1498 (relator Henriques Gaspar), 14/03/2007, Pº 07P21 (relator Santos Cabral) e de 15/03/2007, Pº 07P610 (relator Pereira Madeira).
[vii] O que foi justificado na proposta de Lei nº 109X da seguinte forma: «No âmbito da motivação, para pôr cobro a uma das principais causas da morosidade na tramitação do recurso, elimina-se a exigência de transcrição da audiência de julgamento. O recorrente pode referir as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida indicando as passagens das gravações; não é obrigado a proceder à respectiva transcrição (artigo 412.º). O tribunal ad quem procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que, porventura, considere relevantes».
[viii] Sem elaborar sobre a necessidade para o exercício da defesa de tal prazo, não pode deixar de se confrontar o mesmo com o prazo concedido pelo legislador para a prolação de sentença nos casos de especial complexidade – 10 dias, nos termos do artº 373º do CPP  – e  para a elaboração de projecto de acórdão ou elaboração da decisão – 15 dias, nos termos do artºs. 417º, nº9 e 425º, nº3, do CPP.
[ix] Ac. do STJ de 31/10/2007, P07P3218, relator Cons. Armindo Monteiro.
[x] Ac.do TC  nº 140/2004, de 10/3 e decisão sumária nº274/06, de 22/05.
[xi] Artº 26º, nº1, da CRP.
[xii] Tenckhoff, citado por Costa Andrade, In Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, Coimbra Editora, 1996, p. 232 e segs, nota 8, p. 77, apontou sessenta conceitos diferentes de honra, apenas entre juristas.
[xiii] Costa Andrade, ob. cit, p. 81. Vide também Gunther Jakobs, La misión de la proteccion jurídico-penal del honor, inserido na Colectânea Estudios de Derecho Penal, Civitas, 1997, p. 426.
[xiv] R.L.J., ano 92º, p.167-168,  
[xv] R.L.J., ano 115º, pág. 105. No mesmo sentido, Faria Costa, Comentário Conimbricense, Coimbra Ed., Tomo I, 1999, p. 607.
[xvi] Figueiredo Dias, Fundamento, sentido e finalidades da pena criminal, Coimbra Ed., 2001, pág. 104 e segs.
[xvii] Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Ed. Aequitas, 1993, pág. 227.
[xviii] Ac. do STJ de 28/09/2005, Pº 05P2537, relator Cons. Henriques Gaspar, www.dgsi.pt.
[xix] In Recurso em Processo Penal, Editores Rei dos Livros, 7ª ed., 2007, pág. 69.
[xx] Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra Ed., vol 1, 1981, pág. 148
[xxi] Roxin, Derecho Procesal Penal, Ed. del Puerto, 2000, pág. 100.
[xxii] Não se desconhece que os tribunais são amiúde confrontados com manifestação de incapacidade do I.R.S. para satisfazer todos os pedidos ou de responder com a necessária celeridade. Porém, esse problema logístico-orçamental carece de ser respondido noutra sede e não afasta o devido cumprimento dos princípios que regem o processo penal.
[xxiii] Observe-se que o mínimo legal é inferior – €5,00 – nos termos do artº 47º, nº2, do CP.