Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
164-G/1995.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME FERREIRA
Descritores: PARTILHA DA HERANÇA
NÃO SOLIDARIEDADE DOS HERDEIROS PARA COM OS CREDORES DA HERANÇA
RESPONSABILIDADE
HERDEIRO
Data do Acordão: 09/09/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COVILHÃ – 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NÃO PROVIDO
Legislação Nacional: ARTºS 2068º, 2098º, Nº 1, E 2071º DO C. CIV.
Sumário: I – Em consequência de uma dada partilha (numa herança), sobre cujo acervo existiam créditos de terceiros, deixa de haver solidariedade entre os herdeiros para com esses credores, respondendo cada qual apenas pela quota-parte nessa herança que lhe tenha cabido – artº 2098º, nº 1, do C. Civ..

II - Ou, se quisermos, os credores da herança apenas passam a ter a faculdade de exigir aos herdeiros a quota-parte que a cada um deles tenha cabido na herança.

III - O mesmo não acontecia com a herança antes de partilhada, já que nessa situação se verifica um património autónomo que, enquanto tal, responde pelo pagamento das respectivas dívidas – artº 2068º C. Civ.

IV - E ainda que um herdeiro de um devedor entretanto falecido, venha a ser condenado, em acção declarativa contra este instaurada e onde aquele foi julgado habilitado a nela prosseguir em representação do falecido, como seu sucessor, esse herdeiro só responde pelas dívidas do de cujus na medida do valor dos bens herdados (artºs 2068º e 2071º C. Civ).

V - Estando assente que em processo de inventário a que se procedeu por óbito de A…( autor na acção declarativa principal e em cujo decurso veio a falecer), foram licitadas todas as verbas relacionadas, designadamente um imóvel, o qual foi aí licitado pela filha M…, em relação aos credores dessa herança esta herdeira apenas responde na proporção de ¼, por ter sida esta a quota parte que na dita herança lhe foi atribuída.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
I

No Tribunal Judicial da Comarca da Covilhã, por apenso à acção declarativa de condenação, com o processo ordinário nº 164/1995, na qual os aí Autores A... e mulher B... foram condenados a pagar aos R.R. (C... e marido D...) uma quantia a determinar em execução de sentença, pelos danos morais e materiais resultantes da paragem de uma obra destes, derivada de um embargo de obra nova por aqueles realizado (de acordo com o acórdão desta Relação de 29/02/2000, certificado de fls. 46 a 58 dos presentes autos), instauraram estes (os aí R.R.) execução para liquidação e pagamento relativos a tal condenação – conforme requerimento certificado de fls. 59 a 71 -, mas sendo executados B... e E..., na qualidade de sucessoras habilitadas de A..., que faleceu na pendência da dita acção declarativa.
Na sequência da propositura dessa execução e para segurança e pagamento da quantia liquidada de € 27.433,88 – conforme certidão de fls. 147 a 159 - , foi penhorado um bem imóvel, constituído por prédio urbano sito em Quebra Costas, freguesia de Teixoso, concelho da Covilhã, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 208, conforme certidão de fls. 71, e descrito na Conservatória do Registo Predial da Covilhã sob o nº 1831/20040809 – fls. 116 e 117 deste apenso.
II

Na sequência dessa penhora foi pela Executada E... apresentado o requerimento certificado a fls. 72 e 73, no qual esta refere pretender pagar a sua quota-parte de responsabilidade na dívida exequenda, no montante de € 8.071,25 , com o acréscimo das custas da sua responsabilidade, montantes esses que foram efectivamente depositados, conforme resulta da certidão de fls. 77 a 79, face ao que por esta Executada foi requerido que fosse declarada extinta a execução em relação a si, com o levantamento da penhora sobre o imóvel, sua propriedade.
A esta pretensão responderam os Exequentes, conforme certidão de fls. 80 a 83 destes autos, onde sustentam que tendo o referido imóvel sido penhorado, ele responde pela totalidade da dívida exequenda, na medida em que o dito pertencia à herança por óbito de A..., pelo que não pode ser levantada a penhora sobre o dito prédio, além de que a obrigação da Executada/Requerente é solidária, isto é, responde pela prestação integral em dívida.
III

Apreciando tal questão, foi proferido o despacho certificado a fls. 30 e 31, do qual consta o seguinte: «A responsabilidade da executada E... nestes autos corresponde à sua quota-parte de responsabilidade na dívida exequenda – a medida da responsabilidade da executada determina-se pela proporção da quota que lhe tenha cabido na herança.
...
Essa responsabilidade parcial determina que o prédio da executada penhorado nestes autos apenas responda por parte da dívida.
A executada recebeu ¼ do valor dos bens da herança, ou seja € 8.071,25.
A executada depositou a sua quota-parte de responsabilidade na dívida exequenda da herança.
Para além disso, procedeu ao depósito das custas que são da sua responsabilidade.
Paga a quantia exequenda que é da sua responsabilidade e depositadas as custas da sua responsabilidade, julgo verificados os pressupostos do disposto no artº 919º, nº 1, do CPC e, consequentemente, decido declarar parcialmente extinta a presente execução, na parte em que é executada E..., prosseguindo os autos contra a executada B....
Em consequência do supra exposto, ordeno o levantamento da penhora sobre o imóvel cujo termo de penhora consta de fls. 91 dos autos de execução, pertencente à executada E...».
IV
Deste despacho interpuseram recurso os Exequentes – certidão de fls. 32 deste apenso -, recurso que foi admitido como agravo, com subida imediata, em separado e com efeito suspensivo – fls. 91 deste apenso.

Nas alegações que apresentaram os Exequentes/Agravantes formularam as seguintes conclusões:
1ª - Os Exequentes, ora Recorrentes, foram notificados em 12/02/2008 do despacho que declara parcialmente extinta a presente execução, na parte em que é executada E..., e ordena o levantamento da penhora efectuada nos autos.
2ª - Esse despacho é omisso quanto à questão da solidariedade da dívida e consequentemente à oposição ao levantamento da penhora, como foi alegado pelos Recorrentes.
3ª - É, pois, nulo tal despacho, nos termos da al. d) do nº 1 do artº 668º CPC.
4ª - A presente execução foi intentada contra as executadas E... e sua mãe, B....
5ª - Por força do artº 827º do CPC os Exequentes têm legitimidade para penhorar o imóvel que foi objecto de penhora, já que o dito responde pela totalidade da dívida exequenda.
6ª - O pagamento parcial da dívida por parte da Executada E... não implica o levantamento da penhora sobre o imóvel em causa, dado que para o efeito seria necessário o pagamento integral da dívida exequenda.
7ª - A sentença que serve de base à execução condenou as ora executadas ao pagamento de uma quantia a liquidar em execução de sentença.
8ª - Os Exequentes têm a faculdade de exigir a cada uma das executadas o pagamento integral da dívida exequenda, pois que a dívida é solidária – artº 512º C. Civ..
9ª - No que exceder a sua quota-parte, a executada E... tem sempre o direito de regresso contra a executada B....
10ª - O pagamento efectuado nos autos pela Executada E... não extingue a presente execução em relação a si, dado que não se mostra efectuado o pagamento integral da dívida.
11ª - O despacho recorrido viola o disposto nos artº 668º, nº 1, al. d), e 919º do CPC, e o disposto nos nºs 1 e 2 do artº 512º C. Civ..
12ª - Termos em que deve prosseguir a acção executiva apensa, contra ambas as executadas, e, consequentemente, não se deve proceder ao levantamento da penhora efectuada no imóvel.
V
Não foram apresentadas contra-alegações.

No Tribunal recorrido ainda foi proferido despacho de sustentação, conforme fls. 134 e 135, no qual se entendeu manter o despacho agravado, com os fundamentos constantes do dito, e em relação à nulidade de sentença arguida foi aí apreciada tal questão, tendo-se também entendido que não ocorre a dita nulidade, por se dever entender que no despacho recorrido foi concretamente apreciada a questão da solidariedade da dívida suscitada pelos Exequentes, tendo sido entendido que está afastada a dita tese da solidariedade invocada pelos mesmos.
VI
Nesta Relação foi aceite o recurso interposto e tal como foi admitido em 1ª instância, tendo-se procedido à recolha dos necessários “vistos” legais, pelo que nada impede que se conheça do seu objecto, o qual passa pela abordagem das duas seguintes questões:
A – Apreciação da arguida nulidade cometida no despacho recorrido;
B – Reapreciação do despacho recorrido, no sentido de se saber se o imóvel penhorado na execução responde pela totalidade da dívida exequenda ou se apenas deve responder pela referida quota-parte de responsabilidade da E... na dita dívida.

Apreciando, cumpre, antes de mais, que aqui se dê fé dos factos a ter presentes nas sobreditas apreciações.
São eles:
1 - No Tribunal Judicial de Círculo da Covilhã, A... e mulher B..., residentes na Rua do Quebra Costas, nº 11, Teixoso, Covilhã, instauraram contra C... e marido D..., residentes na Rua 25 de Abril, nº 42, Silves, acção declarativa com processo ordinário, com o nº 164/1995, na qual pretendiam que fosse reconhecida uma servidão de vistas a favor de um prédio dos Autores e sobre um prédio dos aí R.R..
2 – Na pendência dessa acção declarativa veio a falecer o A. A..., face ao que foram habilitadas como suas únicas e universais herdeiras, para com elas prosseguir essa acção, as suas viúva e filha, respectivamente B... e E....
3 - Essa acção findou com o trânsito em julgado do acórdão nela proferido por esta Relação, pelo qual foi decidido julgar essa acção improcedente e parcialmente procedente a reconvenção nela deduzida pelos R.R., com a consequente condenação dos aí A.A. (e habilitadas) a reconhecerem que a parede... que deita para o lado da casa dos R.R. dista do prédio destes, no ponto mais afastado, cerca de 50 cms; a reconhecerem que as aberturas referidas na acção distam do prédio dos R.R. menos de 1,50 metros e que violam o direito de propriedade destes; e condenando os A.A. (e habilitadas) a fecharem tais aberturas e a pagarem aos R.R. a quantia que se determinar em execução de sentença, pelos danos morais e materiais resultantes da paragem da obra, motivada pelo embargo de obra nova pelos aí A.A. realizado.
4 - Por apenso à supra referida acção declarativa de condenação, instauraram os aí R.R. – C... e marido D... - execução para liquidação e pagamento relativos a tal condenação – conforme requerimento certificado de fls. 59 a 71 -, sendo executados B... e E....
5 – Por acórdão desta Relação de 21/10/2003, transitado em julgado, foi liquidada essa quantia indemnizatória em € 27.433,88 , conforme certidão de fls. 147 a 159.
6 - Na sequência da propositura dessa execução e para segurança e pagamento da quantia liquidada de € 27.433,88 , juros e custas, foi penhorado um bem imóvel, constituído por prédio urbano sito em Quebra Costas, freguesia de Teixoso, concelho da Covilhã, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 208, conforme certidão de fls. 71, e descrito na Conservatória do Registo Predial da Covilhã sob o nº 1831/20040809, penhora essa que teve lugar em 10/04/2006.
7 - Em 21/09/2004 E... requereu inventário por óbito de A..., falecido em 12/07/1997, o qual correu termos no Tribunal Judicial da Comarca da Covilhã, sob o nº 1395/04.2TBCVL, tendo desempenhado as funções de cabeça de casal B....
8 – Em conferência de interessados a que se procedeu nesse inventário foram licitadas todas as verbas relacionadas, designadamente o prédio urbano sito no Quebra Costas, freguesia de Teixoso, concelho da Covilhã, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 208 e descrito na Conservatória do Registo Predial da Covilhã sob o nº 01831/09082004, o qual foi licitado pela interessada E....
9 – Dá-se aqui como reproduzido o mapa de partilhas elaborado nesse inventário, de que se acha junta certidão a fls. 112 destes autos.
10 – A sentença que homologou esse mapa transitou em julgado em 23/03/2006.
11 – Na descrição predial constante da Conservatória do Registo Predial da Covilhã, encontra-se inscrita a aquisição do supra referido imóvel a favor de E..., desde 11/05/2006, em consequência da referida partilha.
12 - Na sequência da penhora supra referida, foi pela Executada E... apresentado o requerimento certificado a fls. 72 e 73 dos presentes autos, no qual esta refere pretender pagar a sua quota-parte de responsabilidade na dívida exequenda, no montante de € 8.071,25 , com o acréscimo das custas da sua responsabilidade.
13 – Tais montantes foram efectivamente depositados pela dita Executada, conforme resulta de fls. 77 a 79, face ao que por esta Executada foi requerido que fosse declarada extinta a execução em relação a si, com o levantamento da penhora sobre o imóvel, sua propriedade.
14 - A esta pretensão responderam os Exequentes, conforme fls. 80 a 83 destes autos, onde sustentam que tendo o referido imóvel sido penhorado, ele responde pela totalidade da dívida exequenda, na medida em que o dito pertencia à herança por óbito de A..., pelo que não pode ser levantada a penhora sobre o dito prédio, além de que a obrigação da Executada/requerente é solidária, isto é, responde pela prestação integral.
15 - Apreciando tal questão, foi proferido o despacho certificado a fls. 30 e 31, do qual consta o seguinte: «A responsabilidade da executada E... nestes autos corresponde à sua quota-parte de responsabilidade na dívida exequenda – a medida da responsabilidade da executada determina-se pela proporção da quota que lhe tenha cabido na herança.
...
Essa responsabilidade parcial determina que o prédio da executada penhorado nestes autos apenas responda por parte da dívida.
A executada recebeu ¼ do valor dos bens da herança, ou seja € 8.071,25.
A executada depositou a sua quota-parte de responsabilidade na dívida exequenda da herança.
Para além disso, procedeu ao depósito das custas que são da sua responsabilidade.
Paga a quantia exequenda que é da sua responsabilidade e depositadas as custas da sua responsabilidade, julgo verificados os pressupostos do disposto no artº 919º, nº 1, do CPC e, consequentemente, decido declarar parcialmente extinta a presente execução, na parte em que é executada E..., prosseguindo os autos contra a executada B....
Em consequência do supra exposto, ordeno o levantamento da penhora sobre o imóvel cujo termo de penhora consta de fls. 91 dos autos de execução, pertencente à executada E...».
16 - É deste despacho que vem interposto o presente recurso.
17 - Pela Executada E... fora, entretanto, deduzida oposição à referida penhora (apenso nº 164-F/1995), conforme certidão de fls. 94 a 133, oposição essa que foi objecto de decisão, já transitada em julgado, e da qual consta o seguinte: «... A questão a resolver nestes autos é a seguinte: saber se o prédio penhorado à executada E... responde na totalidade – ou apenas em parte – pela dívida exequenda.
Se antes da partilha os bens da herança indivisa respondem colectivamente pela satisfação dos respectivos encargos (artº 2097º C. Civ.), efectuada a partilha cada herdeiro só responde pelos encargos na proporção da quota que lhe tenha cabido na herança.
Na verdade, após a partilha cada um dos bens do de cujus entra na esfera patrimonial do herdeiro a quem coube.
Assim, se antes da partilha os credores da herança têm um devedor único, isto é, o património autónomo composto pela herança indivisa, após a partilha esse devedor desaparece, dando lugar a uma pluralidade de devedores, tantos quantos os herdeiros. A medida da responsabilidade de cada um deles determina-se pela proporção da quota que lhes tenha cabido na herança e não por qualquer outro critério, designadamente pelo valor dos bens que lhes tenham sido adjudicados.
Assim, os herdeiros respondem pelos encargos da herança em proporção das quotas que lhes tenham cabido na herança e não necessariamente e só com os bens herdados, sendo responsáveis pelo pagamento da dívida.
Na verdade, as quotas de cada um dos herdeiros não têm necessariamente de ser preenchidas com bens, podendo ser adjudicados todos os bens a um único herdeiro, pagando este tornas aos demais. Neste caso, o herdeiro a quem foram adjudicados todos os bens não fica responsável pela totalidade dos encargos, antes respondendo apenas na proporção da sua quota parte no valor da herança, a não ser que isso tenha ficado acordado (artº 2098º, nºs 2 e 3, do C. Civ.).
...
O prédio penhorado nos autos de execução foi um dos bens inventariados e foi recebido pela Executada/Opoente do de cujus, portanto responde pelos encargos da herança.
In casu, na herança à executada E... coube uma determinada quota dos bens inventariados – ¼ dos bens inventariados... -, pelo que a responsabilidade da executada pela dívida exequenda determina-se na exacta medida dessa proporção na dita herança e tem como limite de responsabilidade o valor correspondente à quota-parte recebida.
...
Essa responsabilidade parcial determinará que o prédio em discussão nesta oposição pertencente à executada apenas responda por parte da dívida.
...
Esse prédio garantirá – na totalidade, enquanto bem inventariado – a responsabilidade da executada nestes autos, ou seja, a sua quota-parte de responsabilidade na dívida exequenda, pois a medida da responsabilidade da executada determina-se pela proporção da quota que lhe tenha cabido na herança e não por qualquer outro critério, designadamente pelo valor dos bens que lhe tenham sido adjudicados.
Para que fosse ordenado o levantamento da penhora seria necessário que a executada depositasse (pagasse) a sua quota-parte de responsabilidade na dívida exequenda da herança...
Em conformidade, concluo que não assiste qualquer razão à executada E..., ora opoente nestes autos, não existe fundamento legal para se ordenar o levantamento da penhora em conformidade com o requerido, pelo que importa julgar improcedente a presente oposição à penhora, ... o que se decide».
***
Cumpre, pois, apreciar as sobreditas questões:
Começando pela questão da arguida nulidade do despacho recorrido, é sabido que as causas de nulidade da sentença – previstas no artº 668º, nº 1, do CPC – são igualmente aplicáveis aos despachos processuais, conforme resulta do artº 666º, nº 3, do CPC.
Sustentam os Exequentes /Agravantes, que o despacho recorrido é nulo, porque nele não houve pronúncia sobre uma determinada questão que foi invocada pelos Exequentes no seu articulado de contestação ao requerimento apresentado pela Executada E... no sentido de dever ser julgada extinta a execução em relação a essa Executada/Requerente, com o levantamento da penhora sobre o único imóvel penhorado.
Tratar-se-ia da “não alegada apreciação” da questão suscitada sobre a verificação de uma obrigação solidária quanto a cada um dos Executados, nos termos do artº 512º, nº 2, do C.Civ..
Ora, analisando o despacho recorrido, constata-se que, na verdade, nele apenas é abordada a questão da responsabilidade da Executada E... corresponder à sua quota-parte de responsabilidade na dívida exequenda – o que se determina pela proporção da quota que lhe tenha cabido na herança -, responsabilidade parcial essa que determina, segundo esse despacho, que o prédio da executada penhorado nos autos apenas responda por parte da dívida, isto é, por um valor equivalente a ¼ do valor dos bens da herança, ou seja € 8.071,25.
Porém, na referida oposição a este incidente, os Exequentes também sustentaram que, nos termos do nº 1 do artº 512º C. Civ., sendo a sentença que serve de base à execução anterior à partilha efectuada, e tendo nela sido as executadas condenadas ao pagamento de uma quantia a liquidar em execução de sentença, têm os Exequentes a faculdade de exigir a cada uma das executadas o pagamento integral da dívida exequenda, por se tratar de uma dívida solidária, ainda que as executadas tenham, em momento ulterior, procedido à partilha da herança, com fixação dos respectivos quinhões.
Uma vez que este tema configura uma verdadeira questão de direito, sempre cumpria apreciá-lo de forma directa e expressa, face ao que, assim não tendo sucedido, foi cometida uma nulidade, nos termos arguidos, pelo que cumpre a esta Relação, nesta fase processual, conhecer dessa dita questão (regra da substituição ao tribunal recorrido), nos termos do artº 715º, nº 1, do CPC.
Assim sendo, procede-se à apreciação de tal questão, isto é, saber se no presente caso existe ou não solidariedade de ambas as executadas em relação ao montante exequendo e resultante da liquidação efectuada e supra referida, o mesmo é dizer que se procede, também de imediato, à apreciação da segunda das questões supra referidas - reapreciação do despacho recorrido, no sentido de se saber se o imóvel penhorado na execução responde pela totalidade da dívida exequenda (caso de haver responsabilidade solidária por parte das executadas) ou se apenas deve responder pela referida quota-parte de responsabilidade da E... na dita dívida (afastamento da dita responsabilidade solidária).
Ora, como já antes se deu fé, tal questão já foi objecto de anterior apreciação, no apenso de oposição à penhora do imóvel em causa, conforme ponto 17 supra, incidente esse no qual os agora Agravantes deduziram contestação, conforme certidão de fls. 118 a 120, onde já os agora Recorrentes defendiam que “pode o exequente penhorar o referido imóvel para pagamento da totalidade da dívida...”.
Nessa referida decisão, transitada em julgado, consta o seguinte: “Se antes da partilha os bens da herança indivisa respondem colectivamente pela satisfação dos respectivos encargos (artº 2097º C. Civ.), efectuada a partilha cada herdeiro só responde pelos encargos na proporção da quota que lhe tenha cabido na herança.
Na verdade, após a partilha cada um dos bens do de cujus entra na esfera patrimonial do herdeiro a quem coube.
Assim, se antes da partilha os credores da herança têm um devedor único, isto é, o património autónomo composto pela herança indivisa, após a partilha esse devedor desaparece, dando lugar a uma pluralidade de devedores, tantos quantos os herdeiros.
A medida da responsabilidade de cada um deles determina-se pela proporção da quota que lhes tenha cabido na herança e não por qualquer outro critério, designadamente pelo valor dos bens que lhes tenham sido adjudicados.
Assim, os herdeiros respondem pelos encargos da herança em proporção das quotas que lhes tenham cabido na herança e não necessariamente e só com os bens herdados, sendo responsáveis pelo pagamento da dívida.
Na verdade, as quotas de cada um dos herdeiros não têm necessariamente de ser preenchidas com bens, podendo ser adjudicados todos os bens a um único herdeiro, pagando este tornas aos demais. Neste caso, o herdeiro a quem foram adjudicados todos os bens não fica responsável pela totalidade dos encargos, antes respondendo apenas na proporção da sua quota parte no valor da herança, a não ser que isso tenha ficado acordado (artº 2098º, nºs 2 e 3, do C. Civ.).
...
O prédio penhorado nos autos de execução foi um dos bens inventariados e foi recebido pela Executada/Opoente do de cujus, portanto responde pelos encargos da herança.
In casu, na herança à executada E... coube uma determinada quota dos bens inventariados – ¼ dos bens inventariados... -, pelo que a responsabilidade da executada pela dívida exequenda determina-se na exacta medida dessa proporção na dita herança e tem como limite de responsabilidade o valor correspondente à quota-parte recebida.
...
Essa responsabilidade parcial determinará que o prédio em discussão nesta oposição pertencente à executada apenas responda por parte da dívida.
...
Esse prédio garantirá – na totalidade, enquanto bem inventariado – a responsabilidade da executada nestes autos, ou seja, a sua quota-parte de responsabilidade na dívida exequenda, pois a medida da responsabilidade da executada determina-se pela proporção da quota que lhe tenha cabido na herança e não por qualquer outro critério, designadamente pelo valor dos bens que lhe tenham sido adjudicados.
Para que fosse ordenado o levantamento da penhora seria necessário que a executada depositasse (pagasse) a sua quota-parte de responsabilidade na dívida exequenda da herança...
Em conformidade, concluo que não assiste qualquer razão à executada E..., ora opoente nestes autos, não existe fundamento legal para se ordenar o levantamento da penhora em conformidade com o requerido, pelo que importa julgar improcedente a presente oposição à penhora, ... o que se decide”.

Por outras palavras, em consequência de uma dada partilha (numa herança), sobre cujo acervo existiam créditos de terceiros, deixa de haver solidariedade entre os herdeiros para com esses credores, respondendo cada qual apenas pela quota-parte nessa herança que lhe tenha cabido – artº 2098º, nº 1, do C. Civ..
Ou, se quisermos, os credores da herança apenas passam a ter a faculdade de exigir aos herdeiros a quota-parte que a cada um deles tenha cabido na herança.
O mesmo não acontecia com a herança antes de partilhada, já que nessa situação se verifica um património autónomo que, enquanto tal, responde pelo pagamento das respectivas dívidas – artº 2068º C. Civ.
E ainda que um herdeiro de um devedor entretanto falecido, venha a ser condenado, em acção declarativa contra este instaurada e onde aquele foi julgado habilitado a nela prosseguir em representação do falecido, como seu sucessor, esse herdeiro só responde pelas dívidas do de cujus na medida do valor dos bens herdados (artºs 2068º e 2071º C. Civ) – Ac. R. Po. de 10/10/2000, in C. J. 2000, tomo IV, pg. 203.
Logo, não têm razão os Recorrentes na sua afirmação de que têm a faculdade de exigir a cada uma das executadas o pagamento integral da dívida exequenda, em consequência de na sentença que serve de base à execução terem as ora executadas sido condenadas no pagamento de uma quantia a liquidar em execução de sentença – a referida solidariedade dita passiva.
No sentido exposto podem ver-se, entre outros, os Prof Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil anotado, vol VI, pgs. 158 a 161, onde escrevem:«uma vez realizada a partilha da herança, o panorama jurídico da responsabilidade pelos encargos dela (nomeadamente quanto aos antigos débitos do de cujus) sofre uma alteração substancial, embora sem nunca esquecer a raiz da proveniência dessas dívidas.
Enquanto a herança se manteve no estado de indivisão, porque nenhum dos herdeiros tinha ainda direitos sobre bens certos e determinados, todos os bens hereditários respondiam colectivamente; a partir da divisão da herança, passa a responder cada herdeiro, individualmente, pela satisfação de cada dívida da herança (ou de cada encargo dela), mas apenas em proporção da quota que lhe coube na partilha (dentro, por conseguinte das forças dos bens que especificamente recebeu da herança, nos termos resultantes do disposto no artº 2071º)».
Ainda no mesmo sentido pode ver-se Rabindranath Capelo de Sousa, in “Lições de Direito das Sucessões”, vol. II, pgs. 109 a 120.
Ora, estando assente que em processo de inventário a que se procedeu por óbito de A..., A. na acção declarativa principal e em cujo decurso veio a falecer, foram licitadas todas as verbas relacionadas, designadamente um imóvel, o qual foi aí licitado pela filha E..., em relação aos credores dessa herança esta herdeira apenas responde na proporção de ¼, por ter sida esta a quota parte que na dita herança lhe foi atribuída, conforme mapa de partilha certificado a fls. 112.
Esse valor corresponde a € 8.071,25 , pelo que é nesse valor que esta herdeira e executada responde para com os credores da herança.
E uma vez que esta executada depositou tal montante nos autos, assim como o valor das custas da sua responsabilidade – ponto 13 supra -, nada obsta, pois, a que se declare extinta a execução quanto a esta executada, nos termos do artº 919º, nº 1, do CPC, conforme foi decidido no despacho recorrido.
Carecem, pois, os Agravantes de razão no seu propósito de pretenderem prosseguir com a execução sobre os bens que no inventário foram adjudicados a esta Executada, para obterem pagamento da totalidade da quantia exequenda, pois que ela nada mais tem a responder para com os credores da herança, os quais apenas podem prosseguir com a execução quanto à Executada B... e sobre os bens desta que lhe tenham cabido nessa partilha, designadamente sobre o dinheiro que lhe coube em tornas (na execução movida contra o herdeiro só podem penhorar-se os bens que ele tenha recebido do autor da herança – artº 827º, nº 1, CPC).
Apenas cumpre salientar que a dívida que está em causa na presente execução não foi tida em conta no inventário referido, onde nem sequer foi relacionada, conforme consta da certidão de fls. 105 a 113, relativamente ao que os agora Exequentes/Credores da herança, que já o eram à data, poderão tomar as atitudes que tiverem por convenientes, sendo certo que tal circunstância em nada afecta a anterior apreciação - artº 1360º CPC.
Importa, assim, confirmar o despacho recorrido, negando-se provimento ao agravo interposto, o que se decide.
VII
Decisão:
Face ao exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso interposto, confirmando-se o despacho recorrido.

Custas pelos Agravantes.
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Tribunal da Relação de Coimbra, em