Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
234/09.2GBOBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: OLGA MAURÍCIO
Descritores: CHICOTE
ARMA PROIBIDA
Data do Acordão: 09/28/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGO 86.º, N.º 1, AL. D) DO REGIME JURÍDICO DAS ARMAS E MUNIÇÕES
Sumário: Um chicote composto de fio metálico com bainha em material têxtil e alma em alumínio, entrelaçado com uma fivela, que era no passado usado pelos lavradores para fustigarem os animais e ainda o é nas quintas com cavalos e nas escolas equestres, sendo igualmente um mero «objecto de decoração”, podendo ser utilizado como meio de agressão, não integra a previsão do crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art.º 86.º, n.º 1, al. d) do Regime Jurídico das Armas e Munições.
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO

1.
Nos presentes autos foram os arguidos AA... e BB... condenados:
1º - AA... nas penas de 140 dias de multa e 120 dias de multa, ambas à taxa diária de 9 €, respectivamente pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, do art. 143º, nº 1, do Código Penal, e de um crime de detenção de arma proibida, do art. 86°, nº, 1 d), da Lei nº 5/2006, de 23/2. Efectuado o cúmulo jurídico foi aplicada ao arguido a pena única de 200 dias de multa, à taxa referida, a que correspondem 133 dias de prisão subsidiária.
2º - BB... na pena de 140 dias de multa, à taxa de 7 €, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, do art. 143°, nº 1, do Código Penal, a que correspondem 93 dias de prisão subsidiária.

2.
Inconformado, o arguido AA... recorreu, retirando da motivação as seguintes conclusões:
«1. No modesto entendimento do recorrente, o Meritíssimo Juiz do tribunal a quo deveria ter considerado como não provados os factos que constam da fundamentação de facto na parte tocante ao ora recorrente, nomeadamente
(i) - "o arguido AA..., munido de um chicote com 60 cms de comprimento, desferiu chicotadas no corpo do arguido BB...", como consta do primeiro parágrafo do ponto um da folha 3 da M. D. sentença condenatória
(ii) - o nexo de causalidade estabelecido entre o facto anterior em crise e os alegados danos sofridos pelo arguido BB... e que constam do primeiro parágrafo do ponto dois da folha 3 da M. D. sentença condenatória,
(iii) - "O chicote utilizado pelo AA..., a si pertencente", como consta do ponto três, na folha 4 da M. D. sentença condenatória;
(iv) - O ponto 4 e 6 na parte tocante à autoria material e elemento volitivo imputados ao ora recorrente AA...,
(v) - O ponto 5, estes (pontos 4, 5 e 6) conforme constam da folha 4 da M. D. sentença condenatória,
2. Aos quais deverá ser dada uma outra valoração ou conclusão, pois impõe-se a não prova de chicotadas perpetradas pelo aqui recorrente na pessoa do arguido BB…,
3. Num chicote tido como mero adorno ou objecto de decoração, ainda bem comum do casal desavindo,
4. Não se provando os nexos de imputação e causalidade - por reporte activo à pessoa do aqui recorrente,
5. Jamais tendo este intencionado agredir o arguido BB…,
6. Ou ainda, nunca tendo considerado o chicote como arma,
7. Atendendo às declarações prestadas pelo recorrente AA... e aos depoimentos prestados pelas testemunhas GG... e CC...,
8. Quando por outra banda existia uma testemunha hostil ao aqui recorrente, a sua ex-mulher DD... e o seu actual e respectivo companheiro, o aqui arguido BB…,
9. Numa convicção alicerçada também nos depoimentos abonatórios das testemunhas EE... e FF...,
10. Além de um cadastro impoluto por parte do aqui recorrente AA...,
11. O qual tinha acabado de chegar de uma viagem transatlântica com a sua futura esposa, para um viagem de turismo por Portugal.
Acresce
12. A verificação de uma contradição quanto à matéria de facto dada como provada, porquanto
13. Se o recorrente AA...e a testemunha DD... ainda não fizeram as partilhas do divórcio, o chicote não podia ser da propriedade do decorrente, ademais tendo este provindo do seu sogro - e pai da testemunha DD... -, o que também enferma a D. sentença em recurso.
Depois,
14. A título de solução de direito, quanto aos crimes alvo de condenação, ao recorrente deveria ter sido reconhecido a situação de legítima defesa, conforme decorre do plasmado no art.º 32.º do Código Penal - até nem se verificando a previsão do art.º 33.º, atendendo aos vários danos físicos que resultam da prova fotográfica junta aos autos na primeira sessão de audiência de julgamento -,
15. Ou, sem conceder, em caso de alguma dúvida deve prevalecer o princípio plasmado no disposto no n.º 2, 1.ª parte, do art. 32.º, e artigos 1.º, 2.º e 18.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa, do in dubio pro reu;
16. Ainda, agora tão-só quanto à questão do chicote ser tratado como arma proibida e respectiva detenção,
17. A título de propriedade a mesma não é única à pessoa do aqui recorrente,
18. Sendo que tal objecto adveio, permaneceu e sempre foi encarado como se tratando daquilo que é e sempre foi, um mero objecto de decoração,
19. Jamais tendo o recorrente o considerado, quer única quer concomitantemente, como arma.
Por último, sem conceder,
20. Quanto à medida da pena o D. tribunal a quo decidiu não só separar em dois crimes, quando se crê, a título académico e discursivo, em como um chicote seria mais um instrumento para o cometimento de um crime de ofensas corporais, assim consumido,
21. Para além de, quanto a este crime, decidiu aplicar a mesma pena a ambos os arguidos,
22. Quando o recorrente, ao invés do arguido BB..., é primário, bem tido e considerado na sua comunidade, assim com uma necessidade bastante mais reduzida quanto às exigências de prevenção especial
Portanto,
23. pugna-se pela absolvição do arguido.
24. Tudo de molde a ser administrada a melhor e sempre inteira, sã e costumada justiça».

3.
O recurso foi admitido.

4.
O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu, defendendo a manutenção do decidido, desde logo porque os factos dados como correspondem à prova produzida nos autos.

Nesta Relação, o Exmº P.G.A. emitiu parecer no mesmo sentido. Relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, entende que o recurso não deve ser conhecido por incumprimento do disposto no art. 412º do C.P.P.

Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do C.P.P..

5.
Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.
Realizada a conferência cumpre decidir.
*
*

FACTOS PROVADOS

6.
Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
«1. No dia …, cerca das 22 horas, na Rua …, Aveiro, no âmbito de uma discussão:
- o arguido AA..., munido de um chicote com 60 cms de comprimento, desferiu chicotadas no corpo do arguido BB...;
- o arguido BB... desferiu murros no corpo do arguido AA..., ambos se envolvendo numa luta em que se agarraram e desferiram mutuamente murros, caindo no chão.
2. Estes factos causaram:
- ao arguido BB..., uma equimose com escoriação no dorso do nariz, uma equimose na palpebra inferior direita, duas equimoses no tórax, uma escoriação no joelho direito e uma escoriação no joelho esquerdo, lesões estas que lhe determinaram um período de doença de 8 dias com afectação da capacidade de trabalho geral por 3 dias;
- ao arguido AA..., duas escoriações na face esquerda, uma equimose na região infra-orbitáría esquerda, com edema subjacente, uma equimose no pescoço, uma equimose e cinco escoriações no tórax, uma ferida no braço direito, duas feridas no braço esquerdo, uma escoriação no joelho direito, uma escoriação e uma equimose na perna esquerda, lesões que lhe determinaram um período de doença de 8 dias com afectação da capacidade de trabalho geral por 3 dias.
3. O chicote utilizado pelo AA..., a si pertencente, é composto de fio metálico com bainha em material têxtil e alma em alumínio, entrelaçado com uma fivela.
4. Cada um dos arguidos de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de ofender o corpo e a saúde do outro.
5. Bem sabia o arguido AA... que não lhe era permitida a detenção daquele chicote, instrumento construído especificamente para funcionar como arma, de cujas características estava bem ciente.
6. Estavam, ainda, os arguidos bem cientes de que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
7. Por virtude das lesões de que foi alvo o arguido AA...deu entrada no Serviço de Urgência do Hospital de Aveiro, onde lhe foi prestada assistência e cujos encargos ascenderam a € 108,00.
8. O arguido AA...:
- aufere mensalmente cerca de €1.500.
- vive com uma companheira em casa de renda mensal de cerca de €400;
- tem como habilitações literárias o 9º ano de escolaridade;
- por alguns que o conhecem é tido como pessoa bem comportada e respeitadora;
- não tem antecedentes criminais.
9. O arguido BB...:
- aufere mensalmente cerca de € 700 a €800;
- vive com uma companheira (que é a ex-mulher do arguido AA...);
- tem como habilitações literárias o 9° ano de escolaridade;
- do seu CRC constam averbadas condenações por crimes de falsificação de documento, burla, emissão de cheque sem provisão, furto qualificado, furto simples».

7.
Não houve factos relevantes julgados não provados.

8.
O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre os factos provados e não provados nos seguintes termos:
«O tribunal, num juízo crítico de apreciação da prova produzida, formulou a sua convicção, com base nos seguintes elementos:
a) nas declarações de cada um dos arguido quanto: ao contexto espácio-temporal em que ocorreram os factos; às agressões de que cada um foi alvo por parte do outro e lesões sofridas; às respectivas situações económicas, familiares e habilitações literárias. Pelo arguido BB... foi ainda mencionado que inicialmente o arguido AA...se serviu do chicote para o agredir, objecto esse que lho conseguiu retirar e que depois entregou à GNR. Confirmou este arguido BB... ter agredido o arguido AA...da forma apurada, mas apenas para se defender (situação de legítima defesa que não logrou convencer). Por ambos os arguidos foi dito que entretanto chegou ali um senhor (a testemunha GG...) que os separou quando, no âmbito dessa luta, o arguido BB... estava por cima do arguido AA.... Mais foi referido pelo arguido AA...ter ido às urgências do hospital a fim de receber tratamento, sendo que este mesmo arguido confirmou que tinha na sua posse aquele chicote, referindo contudo que se serviu de tal objecto apenas para se defender das investidas do arguido BB... quando este o agrediu com uma moca (situação que não logrou demonstrar), mas negando que ter dado quaisquer chicotadas no BB... com tal chicote.
b) no depoimento das testemunhas
- GG..., o qual ao passar no local de carro apercebeu-se que dois indivíduos estavam em luta a socarem-se, estando um por cima do outro, tendo então parado, saído do carro e ido junto dos mesmos, tendo-os separado, puxando para trás o arguido BB... que estava em cima do arguido AA..., pondo assim fim àquela luta.
- DD... (já na altura ex-mulher do arguido AA...e companheira do arguido BB...) a qual referiu ter entrado na casa junto da qual ocorreram as agressões (casa essa que considera também sua e do arguido AA...por ainda não terem feito as partilhas do divórcio, e onde discutiu com o arguido AA...e com a companheira deste - a testemunha CC...que também ali se encontrava) sendo que a certa altura viu o arguido AA...munido do referido chicote a descer as escadas da casa e saído para o exterior na direcção do arguido BB..., tendo depois no exterior visto os dois arguidos envolvidos em luta (a murro e a pontapé) sendo que a certa altura foram separados pela testemunha GG..., o arguido BB... estava por cima do arguido AA.... Referiu que apesar de não ter visto o arguido AA...a bater com o chicote no BB... (explicando que o AA...saiu daquela casa na direcção do BB... antes da testemunha) o BB... apresentava marcas no corpo de ter sido agredido com aquele chicote.
- CC... (já na altura companheira do arguido AA...), ouvida em declarações para memória futura, a qual referiu ter visto os arguidos a lutar em com o outro, luta essa que ainda terá começado no interior da casa e continuou na rua até que a testemunha GG... os separou.
Confirmou que o arguido AA...tinha o chicote na mão embora não tendo visto que o tivesse utilizado para agredir o BB....
- EE..., os quais, não tendo assistido aos factos a que alude a acusação, teceram as melhores considerações acerca do comportamento e reputação do arguido AA..., pessoa que demonstraram conhece, há largos anos;
c) no teor dos relatórios de perícia médico-legal de fls. 15 a 17 e 47/48 destes autos e de fls. 6 a 8 e 10 a 12 do apensado Inquérito nº 1138/09.4PBAVH; no teor do auto de exame de fls. 92, na factura de fls. 139, no teor dos CRC de fls. 151 e 167 a 183, bem como no teor das fotografias juntas aos autos em sede de audiência de julgamento.
d) nas regrar da experiência comum ligadas à liberdade de actuação na detenção daquele objecto, bom como quanto à consciência da ilicitude por parte do arguido AA..., regras estas tendo em conta as características de tal objecto e que não obstante a versão deste arguido de que desconhecia que fosse proibida por lei tal detenção, não foram postas em causa em sede de audiência».
*
*

DECISÃO

Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.

Por via dessa delimitação são as seguintes as questões a resolver:
I – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
II – Impugnação do enquadramento legal dos factos provados
III – Impugnação da pena aplicada ao crime de ofensa à integridade física

*

I – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

Diz o art. 428º, nº 1, do C.P.P. que as relações conhecem de facto e de direito. Na lei actual o poder de cognição da relação abrange, sempre, a decisão sobre a matéria de facto, isto se ela estiver impugnada.
Mais do que conhecê-la a relação pode, mesmo, alterar essa decisão, conforme decorre do art. 431º do C.P.P., que diz: «sem prejuízo do disposto no artigo 410º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base;
b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do nº 3, do artigo 412º; ou
c) Se tiver havido renovação da prova».

O arguido AA... ataca a decisão sobre a matéria de facto no que respeita à utilização de um chicote na agressão desferida ao arguido BB..., quanto ao nexo de causalidade estabelecido entre esta utilização e os ferimentos apresentados por este arguido, quanto ao elemento volitivo dessa utilização e, ainda, relativamente ao facto de o objecto ser de sua propriedade, socorrendo-se, para tanto, do mecanismo estabelecido no art. 412º do C.P.P.
Nos termos do nº 3 desta norma «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas».
Acrescenta o seu nº 4 que «quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação».
É este o iter procedimental a cumprir em caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Na especificação dos factos o recorrente terá que indicar o facto individualizado que consta da sentença recorrida e que considere incorrectamente julgado. Quanto às provas, terá que especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida: quando o recorrente se socorra da prova documental tem que especificar o documento ou o excerto do documento que demonstra o erro da decisão; quando se socorra de prova gravada tem que indicar o(s) depoimento(s) em questão (por identificação da pessoa em causa), tem que relatar a passagem ou passagens desse depoimento que demonstra o erro em que incorreu a decisão e tem, conforme resulta do nº 4 acima transcrito, que localizar este excerto no suporte que contém a gravação da prova, por referência ao tempo de gravação.
Ou seja, quando o recorrente pretenda ver alterada a matéria de facto por via do mecanismo previsto no art. 412º, nº 3 e 4, do C.P.P., tem os seguintes ónus a cumprir:
1º - especificar os factos erradamente julgados;
2º - concretizar a(s) prova(s) que impõe(m) decisão diversa da recorrida;
3º - quando se trate de prova oral tem, finalmente, que localizar no respectivo suporte o excerto de que se socorreu para demonstrar o erro da decisão e que impõe, na sua tese, decisão diversa.
O cuidado da lei ao fixar os pressupostos de uma impugnação vitoriosa deve-se à circunstância de o recurso sobre matéria de facto, não obstante incidir sobre a prova produzida e o seu reflexo na matéria assente, não configurar um novo julgamento. Se estivéssemos perante um novo julgamento as especificações exigidas seriam, claro está, inúteis. Mas sendo o recurso um remédio, então o que pretende é corrigir os concretos erros de julgamento no que à matéria de facto respeita. Por isso a lei impõe que os erros que o recorrente entende existirem estejam especificados e que as provas que demonstram a sua existência estejam, também elas, especificadas e localizadas. E também por isso o nº 6 do mesmo art. 412º determina que o tribunal procede à análise da prova mediante a audição (ou visualização) das passagens indicadas, o que demonstra bem a obrigação de o recorrente indicar e localizar as passagens dos depoimentos que determinam a alteração do decidido. Claro que o juiz pode, sempre, ouvir ou visualizar outras passagens que entenda relevantes ao apuramento da verdade e boa decisão da causa Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, pág. 1135..

Embora a impugnação da matéria de facto tenha falhas, entendemos ser aproveitável no sentido pretendido pelo arguido, de sindicância da decisão perante a prova produzida, relevada pelo arguido.
Para demonstrar os erros da decisão o arguido AA... invoca os depoimentos do arguido BB... e das testemunhas DD... e GG... .
Vejamos então.

Começando pelas declarações prestadas pelo arguido BB... disse este que no dia em causa foi com a companheira, que é ex-mulher do arguido AA..., à queima das fitas da filha da companheira e do arguido AA.... No final passaram pelo café que a companheira explora para ligarem as máquinas, como fazem todos os domingos. No primeiro andar desse mesmo prédio situa-se a habitação do arguido AA....
Quando chegaram verificaram que havia luz na habitação e estranharam o facto, porque sabiam que o arguido AA...estava no Brasil.
Então a sua companheira subiu à casa para ver o que se passava.
A certa altura ouviu a companheira gritar e por essa razão entrou no hall de entrada do prédio e percebeu que o arguido AA...estava lá dentro a ameaçar a sua companheira. Por essa razão disse-lhe que se ele queria bater que batesse em alguém do seu tamanho. Perante isto o arguido AA...respondeu-lhe «espera aí que já vou».
Momentos depois o arguido veio ter consigo e trazia na mão um chicote, com que lhe bateu. Depois pegaram-se e andaram «à porrada».

DD..., companheira do arguido BB... e ex-mulher de AA..., começou o seu depoimento dizendo estar de relações cortadas com o ex-marido.
Quanto aos factos disse que no domingo em causa foi ao seu café ligar a máquina de café, como é habitual. Quando chegou reparou que havia luz na habitação do arguido AA..., que se situa por cima do café.
Como sabia que não estava ninguém em casa, por o ex-marido estar para o Brasil, foi acima ver o que se passava e viu uma senhora na cozinha. Perguntou-lhe o que estava ali a fazer e ela disse que estava com o arguido AA.... Perante isto, e como o ex-marido não deixa que ela esteja naquela casa, que ainda é de ambos, com o seu companheiro, também não admite que o ex-marido lá esteja com uma mulher e disse-lhe que ela não podia ficar.
O arguido AA...começou a discutir consigo e empurrou-a.
O arguido BB..., que estava fora, ouviu a discussão e disse-lhe «não te metas com ela, mete-te com gente da tua altura». Aqui o arguido AA...foi buscar o chicote e desceu com ele.
Quando desceu os arguidos já estavam pegados. As coisas acalmaram quando um senhor os separou.
Relativamente ao chicote, disse que o ex-marido já o tinha no tempo do casamento e que não sabia quem lho tinha dado. Disse, ainda, que o arguido AA...tem coisas antigas, que estavam expostas numa sala da casa, e recorda-se que esse chicote também lá estava.

Finalmente GG... disse ia a passar de carro junto ao café, depois do jantar, e viu uma senhora a pedir socorro. Parou e viu os senhores pegados: o arguido AA...estava no chão, de barriga para cima, e o outro estava sentado por cima, aos murros.
*

Nos termos do art. 127º do C.P.P. excepto quando a lei disser o contrário «… a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente».
A verdade que se busca no processo, mesmo no processo penal, não é a verdade ontológica, absoluta, pois que a reconstrução exacta dos factos ocorridos é impossível e o juiz, que não é divino, não consegue alcançar um tal patamar.
Mas o processo também não se basta com a verdade formal, apesar de a nossa lei de processo conter espartilhos que, por vezes, a impõem.
O que se busca no processo, verdadeiramente, é a verdade material acessível ao nosso conhecimento: verdade material porque afastada da influência que a acusação e a defesa exerçam sobre ela; verdade material porque verdade judicial, prática e obtida, não a todo o preço, mas de forma processualmente válida Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 2004, pág. 193/194..
Daí que a prova, para alguns, mais não seja do que uma demonstração do racional, um esforço de razoabilidade: é a verdade contextual e possível que resulta, precisamente, do trabalho de apreciação da prova, apreciação esta que é livre.
Mas esta liberdade não é arbitrariedade. O juiz terá sempre uma margem de liberdade dentro dos limites fixados na lei, limites estes constituídos por vectores, essenciais e que integram a base do nosso sistema processual penal, e que são o grau de convicção exigido para a decisão, a proibição de determinados meios de prova e o respeito absoluto pelos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo Limites enumerados por Paulo Pinto de Albuquerque, no seu Comentário ao Código de Processo Penal, 1ª ed., pág.335..
Trilhado todo este percurso surge, então, a decisão, que mais não é do que a opção por uma das versões em conflito no processo. Não sendo opção do julgador não decidir, terá ele que fazer a sua escolha de acordo com as regras enunciadas.
Dito tudo isto bem se percebe quão indispensável é que o juiz cumpra o dever constitucional de fundamentação adequada, consagrado no nº 1 do art. 205º, explicitando os motivos que o levaram a decidir daquele modo. E pela motivação que exercita o mecanismo de controlo do processo de formação da convicção do tribunal. É a motivação que legitima a decisão, ou seja, é a motivação que legitima o poder judicial num Estado de Direito, pois que o que se exige é que o seu destinatário e a comunidade em geral percebam a decisão proferida, isto mesmo que com ela não concordem.
Por isso é processualmente inútil desferir um ataque à decisão sobre a matéria de facto cuja causa radique, apenas, na circunstância de a conclusão alcançada não agradar ao recorrente. Conforme se diz no acórdão do S.T.J. de 15-07-2008, processo 418/08, «uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se faz da prova e outra é detectarem-se no processo de formação da convicção do julgador erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório».
Assentando a decisão recorrida na atribuição de credibilidade a determinadas fontes de prova em detrimento de outras, só haverá fundamento válido para proceder à alteração da decisão se esta não se apresentar como uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência. Dito de outro modo, se a decisão do julgador for uma das soluções plausíveis a retirar da prova produzida, prova esta analisada e valorada segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que julgue de acordo com a sua livre convicção. Por isso a lei exige que quando se impugne a decisão sobre a matéria de facto se indiquem as provas que imponham decisão diferente da recorrida: só quando essas provas impuserem decisão diferente da recorrida é que se concluirá que esta não respeitou tais provas e haverá, por isso, que proceder à alteração. Se as provas apenas permitirem decisão diferente e se a decisão impugnada estiver devidamente fundamentada, então tudo se passa no âmbito de liberdade de apreciação atribuída por lei ao juiz, pelo que ela será imodificável.
*

Ora, é precisamente isto que se passa no caso em análise.
Aceitando que o arguido AA... dê à prova produzida uma interpretação diferente da que foi dada na sentença, as provas que apresentou não determinam, não impõem, como exige a lei, decisão diversa da recorrida.
Ao invés, a tese acolhida pelo tribunal é, pelo menos, tão verosímil como a defendida no recurso.
Assim sendo, não impondo a prova apresentada qualquer alteração, têm-se por assentes os factos consignados.
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II – Impugnação do enquadramento legal dos factos provados

Relativamente ao enquadramento legal feito aos factos dados por assentes na sentença recorrida, o arguido AA... discorda da condenação pela prática do crime de detenção de arma proibida porque, diz, o chicote era «mero adorno ou objecto de decoração» e nunca o considerou «como arma».

Como ficou provado, em 3-5-2009 o arguido AA... agrediu BB... com um chicote.

Este facto determinou a sua condenação pela prática de um crime de ofensa à integridade física e, ainda, de um crime de detenção de arma proibida, do art. 86º, nº 1, al. d), da Lei 5/2006, de 23/2, que dispõe:
«1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou exportação, usar ou trouxer consigo:
d) Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão eléctrico, armas eléctricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, silenciador, partes essenciais da arma de fogo, munições, bem como munições com os respectivos projécteis expansivos, perfurantes, explosivos ou incendiários, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias».
Sobre o enquadramento da conduta do arguido AA... na previsão desta norma diz a sentença recorrida: «Entrando agora na análise do crime de detenção de arma proibida também imputado ao arguido AA.... Por deter na sua posse, de forma deliberada, livre e conscientemente o chicote (objecto esse que apenas serve como arma de agressão, não apresentando qualquer justificação válida que justificasse a sua detenção naquelas circunstâncias, tendo inclusive utilizado o mesmo nas agressões infligidas sobre o arguido BB..., e sabendo que tal conduta era punida por lei, mostra-se por demais evidente que o arguido AA...incorreu também na prática do crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86º nº 1 d) da lei 5/2006, punível com pena de prisão de 1 mês até 3 anos ou com pena de multa de 10 a 360 dias. Com efeito não surgem quaisquer dúvidas que o chicote em causa, pelas suas próprias características, é tido como um objecto construído apenas com o fim de ser usado como arma de agressão, sendo a sua detenção proibida por força do mesmo preceito legal».
A sentença enquadrou a posse do chicote na previsão do crime de detenção de arma proibida por ele servir, apenas, como arma de agressão.
No entanto, no Dicionário Editora de Língua Portuguesa on line podemos ler chicote é um objecto de «corda entrançada ou tira de couro terminada em ponta e presa a um cabo para fustigar cavalos».
Por exemplo, quem tenha alguma experiência do trabalho no campo sabe que no passado, quando este trabalho era feito com auxílio de animais, o chicote era usado pelos lavradores precisamente para fustigarem os animais. E era usado, e ainda é, nas quintas com cavalos, nas escolas equestres, aqui já não, normalmente, para fustigar os animais.
Do mesmo modo que não pode ser considerado um instrumento utilizado exclusivamente como arma de agressão, também não pode ser tido como instrumento sem aplicação definida que pode ser usado como arma de agressão de que a lei também fala.
Podendo ser – e foi -, usado como arma de agressão, o chicote não é uma arma e tem uma funcionalidade específica.

A eventual degradação da sua utilização não determinou, pura e simplesmente, o desaparecimento de tais objectos do mercado. Para além de os antigos se manterem – e haverá quem os conserve com especial cuidado -, continuam a fazer-se, conforme se percebe em muitas feiras de artesanato que proliferam no país, onde eles continuam a aparecer.
Então para que se compram, ainda hoje, chicotes?
Para decoração, também. Como o próprio arguido alega, pode este instrumento ser um mero «objecto de decoração» (isto mesmo que se conteste o gosto decorativo).
E esta realidade tem que ser considerada e devidamente ponderada quando se discuta a possibilidade de inclusão de um qualquer objecto no tipo legal em discussão.
E para ilustrarmos o que queremos dizer socorremo-nos das palavras que constam do acórdão da relação de Évora de 16-12-2008, proferido no processo 1878/08-1: há que ter um especial cuidado nesta tipificação, sob pena de «todo e qualquer objecto se poder transformar em arma. A caracterização de um objecto como arma terá … a ver com as suas características e com a utilização ou afectação normal delas, com a idoneidade dessa utilização ou afectação normal como meio de agressão. Mas o uso desviado das propriedades do objecto não pode servir como critério para o definir como arma. Um cinto, podendo embora ser brandido de forma a com ele se infringirem danos físicos severos, decerto ninguém o considerará uma arma. Mesmo uma navalhinha de bolso, daquelas de descascar maçãs, não é “promovida” a arma por haver a possibilidade de ser utilizada como instrumento ofensivo. E um guarda-chuva, pode ser aproveitado como instrumento de agressão, quiçá mortal, se utilizada a sua ponteira metálica, sem que seguramente ninguém defenda que é uma arma … arma não é (talvez seja preferível, definir o conceito negativamente, por exclusão) o objecto que, podendo excepcionalmente ser aproveitado para praticar uma agressão, não foi fabricado com essa finalidade nem é essa a sua utilidade normal. Posto isto, entendemos que uma bengala feita de “picha de boi” [ O objecto em análise naquele processo.] que se sabe ter sido originariamente criada para vergastar o lombo dos animais na condução dos mesmos pelos campos e ainda como amparo ao caminhar do pastor (tal como a sua homónima de pau ou o cajado), mas a qual, pela curiosidade do material de que é feita e o aspecto que tem, foi sendo também progressivamente erigida como curioso objecto de artesanato característico de algumas zonas sobretudo do interior centro e norte do país continental e até objecto de decoração (independentemente do bom ou mau gosto da mesma, com o qual ninguém tem nada a ver) – o que justifica a respectiva posse –, podendo embora ser utilizada como meio de agressão, não pode ser havida como arma».
Entendemos que estas palavras se aplicam, na integra, ao nosso caso.
A utilização do chicote pelo arguido AA...para agredir o arguido BB... consubstancia um uso desviado daquele objecto, que não foi originariamente criado para ser instrumento de agressão. Assim, e embora tenha sido usado como instrumento de agressão, não integra o conceito de arma proibida, do art. 86º, nº 1, al. d), da Lei nº 5/2006, de 23/2.

Não obstante a degradação da utilização do chicote, entendemos que também não é possível integrá-lo no conceito de instrumentos sem aplicação definida e usado exclusivamente como arma de agressão, precisamente pelas razões já expostas.
Para além disso, à sua consideração enquanto tal falta um outro elemento, de que a lei faz depender a verificação do crime, que é a circunstância de o seu portador não justificar a sua posse.
É certo que a sentença diz, no excerto relativo ao enquadramento jurídico-criminal, que o arguido AA... tinha na sua posse o chicote «não apresentando qualquer justificação válida que justificasse a sua detenção naquelas circunstâncias». Mas esta consideração não assenta nos factos provados de cujo elenco, como se pode ver, não consta este dado.
Sendo a falta de justificação para a posse elemento fundamental do tipo, a sua omissão nos factos provados integraria o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, da al. a), do nº 2 do art. 410º do C.P.P. (suprível, ao abrigo do art. 431º do mesmo diploma).
Só que aquele pressuposto legal também não consta da acusação deduzida.
E não constando da acusação não podia ser conhecido no julgamento, conforme decorre do princípio do acusatório e da vinculação temática, acolhidos entre nós.
Nem se diga que o problema poderia ser solucionado com recurso ao mecanismo do art. 359º do C.P.P. que permite, em determinadas circunstâncias, atender à alteração substancial dos factos decorrente da discussão da causa.
É que este mecanismo é um expediente legal para tratar situações de impasse quando do julgamento resultam factos novos que alteram, para pior, a situação do arguido, ou porque agravam os limites máximos das sanções aplicáveis, ou porque determinam a imputação de crime não indicado na acusação. Não serve, claro, para sanar vícios estruturais, pré-existentes, de articulados constantes do processo, mormente da acusação.
O recurso ao mecanismo do art. 359º no caso redundaria, entendemos, num desvirtuamento da filosofia do instituto.

Deste modo, embora por razões diferentes das invocadas pelo arguido, não pode a condenação pela prática do crime de detenção de arma proibida manter-se.
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III – Impugnação da pena aplicada ao crime de ofensa à integridade física

Finalmente, o arguido AA... impugna a pena que lhe foi aplicada pelo crime de ofensas à integridade física dizendo, de relevante, que o facto de ser primário, ser trabalhador, ter profissão estável, impunham que a sua pena fosse inferior à aplicada ao arguido BB....
Nos termos do art. 40º do Código Penal as finalidades das penas e das medidas de segurança são a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (nº 1), não podendo, em caso algum, a pena ultrapassar a medida da culpa (nº 2).
A medida concreta da pena é fornecida, primeiramente, pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, ou seja, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção); já no âmbito desta moldura e em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, se inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais encontraremos a medida concreta da pena. Finalmente, a pena nunca pode ultrapassar a medida da culpa Anabela Rodrigues, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, nº 2, Abril-Junho de 2002, pág. 147 e segs..
A determinação da pena concreta é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (art. 71º, nº 1, do Código Penal). Culpa e prevenção são as referências a ter sempre em mente aquando da determinação da pena concreta, cujo percurso corresponde a um exercício de graduação e que culmina na definição do quantum da pena.
Na prossecução desta tarefa é o julgador auxiliado pelo nº 2 do art. 71º do Código Penal, que enumera alguns dos factores mais relevantes a ter em conta. Dispõe esta norma, cuja epígrafe é “determinação da medida da pena”:
«1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2. Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3. Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena».
Portanto, na fixação da pena temos que considerar os factores relativos à execução do facto, os factores relativos à personalidade do agente e os factores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto.
Aquando da fixação das penas concretas dos arguidos a sentença recorrida relevou, de negativo, quanto ao arguido BB... o seu passado criminal e quanto ao arguido AA...o facto de a agressão ter sido perpetrada com um chicote. Se é certo que o passado criminal do agente pode relevar em sede de fixação da pena, também as circunstâncias concretas do caso relvarão, e muito.
E em sede de factos concretos temos a considerar (ponto 1. dos factos provados), 1º, que «o arguido AA..., munido de um chicote … desferiu chicotadas no corpo do arguido BB...» e, 2º, que «… ambos se envolveram numa luta em que se agarraram e desferiram mutuamente murros …». Se à pena tivesse presidisse apenas uma contabilidade rigorosa da agressão, então a pena do arguido AA... teria que ser mais elevada que a aplicada ao arguido BB..., desde logo porque foi, na primeira parte, perpetrada com um objecto.
Mas é aqui que entrou o passado criminal do arguido BB..., que determinou uma punição idêntica para ambos.

É, pois, manifesta a falta de razão do arguido no ataque desferido.
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DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos:

I – Concede-se parcial provimento ao recurso e, em consequência, absolve-se o arguido AA... do crime de detenção de arma proibida.

II – Quanto ao mais, nega-se provimento ao recurso.

Sem custas.
Elaborado em computador e revisto pela relatora, 1ª signatária – art. 94º, nº 2, do C.P.P.


Coimbra, 2011-09-28 (posse em 7/9)