Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ALBERTO RUÇO | ||
Descritores: | EXECUÇÃO PROCEDIMENTO EXTRAJUDICIAL DE REGULARIZAÇÃO DE SITUAÇÕES DE INCUMPRIMENTO PERSI BANCO COMUNICAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 11/28/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO EXECUÇÃO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ART 14 Nº4 DO DL Nº 227/2012 DE 25/10 | ||
Sumário: | I - Nos termos do n.º 4 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, que instituiu o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro. II – O envio de uma carta, desacompanhada de aviso de receção, na ausência de prova sobre o efetivo recebimento da carta, é insuficiente para provar que a mencionada comunicação do banco ao cliente foi feita. | ||
Decisão Texto Integral: | ~ I. Relatório a) O presente recurso vem interposto da sentença que julgou a oposição deduzida pelo Recorrido à execução que lhe move o banco Recorrente para cobrança de dívidas decorrentes de três contratos de mútuo, cuja mora se iniciou em 2012 e a resolução veio a ocorrer em Dezembro de 2013. O Recorrido deduziu embargos com vários fundamentos, sobressaindo a alegação da inobservância, pelo banco, das obrigações de comunicação decorrentes do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro que instituiu o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI). Concluiu que este incumprimento do banco implicou a impossibilidade da entidade bancária proceder à resolução e posterior cobrança coerciva dos contratos dados à execução. O banco Recorrente contestou e, no que respeita à questão do cumprimento do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), juntou as cartas de integração e de extinção e apresentou prova testemunhal, que corroborou o cumprimento dos procedimentos existentes quanto a esta matéria. Porém, o tribunal entendeu que o banco Recorrente não fez prova do envio e receção das referidas cartas, o que implicou a impossibilidade de resolução dos contratos e a presente execução da dívida, decorrente dos contratos em causa, tornando desnecessário o conhecimento quanto às restantes matérias controvertidas. No final, foi proferida decisão a absolver o Executado/Embargante da instância executiva e a determinar a extinção do Processo Executivo quanto ao Executado/Embargante. b) É desta decisão que vem interposto recurso, quer quanto à matéria de facto, quer quando ao direito. As conclusões do recurso são as seguintes: (…) c) O recorrido não contra-alegou. II. Objeto do recurso Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes: 1 - A primeira questão respeita à matéria de facto. O recorrente pretende que os pontos «I» e «II» da matéria de facto não provada sejam declarados provados, ou seja, que se declare provada a remessa das cartas remetidas para efeitos do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), passando a ter esta redação: ■ «A 10/01/2013, Exequente/Embargada enviou ao Executado/Embargante uma carta a informá-lo da sua integração no por referência ao incumprimento dos contratos de mútuo referidos em 3», com base nos documentos de fls. 47 e 48; e ■ «A 03/10/2013, Exequente/Embargada enviou ao Executado/Embargante uma carta a informá-lo da extinção do PERSI, por ausência de envio de documentação», com base no documento de fls. 48 v. 2 - Em segundo lugar, provando-se esta matéria factual, cumpre verificar se a decisão dos embargos é de improcedência, cumprindo revogar a decisão recorrida. 3 - Em terceiro lugar, cumpre ainda verificar, caso a resposta à impugnação da matéria de facto seja negativa, se os embargos devem proceder, porquanto de toda a restante prova produzida resulta o cumprimento do desígnio último que levou à criação do PERSI. III. Fundamentação A) Impugnação da matéria de facto 1 - O recorrente pretende que sejam declarados provados estes factos: «A 10/01/2013, Exequente/Embargada enviou ao Executado/Embargante uma carta a informá-lo da sua integração no por referência ao incumprimento dos contratos de mútuo referidos em 3»; e «A 03/10/2013, Exequente/Embargada enviou ao Executado/Embargante uma carta a informá-lo da extinção do PERSI, por ausência de envio de documentação». Procede esta pretensão, pelas seguintes razões: Como foi referido pela testemunha (…), funcionária do banco à data dos factos, o procedimento relativo à abertura do PERSI era automático e era gerada e enviada uma carta ao devedor a solicitar-lhe documentação variada (minuto13:45), procedimento este que era iniciado na agência central do banco, não na agência local (minuto 14:16), não passando qualquer um dos documentos do PERSI pela agência local (minuto 14:50). Isto mesmo foi referido pela testemunha (…) (funcionária do Banco à data dos factos, no departamento central de Lisboa de recuperação de créditos), quando referiu que aquando da legislação que instituiu o PERSI foi criada uma equipa no banco para tratar dessa matéria (minuto 03:04), tendo referido que foi expedida carta ao executado embargante a informá-lo da sua integração no PERSI e a solicitar-lhe documentação variada, o qual não respondeu e por isso foi-lhe remetida nova carta a informá-lo da extinção do PERSI, tendo consultado os registos bancários que dão conta destes factos (minuto 03:46 a 04:17 e 05:15; 39:52). Referiu ter ideia que estas cartas não foram acompanhadas de registo nos correios (minuto 40:52), não sendo regra nestes casos o aviso de receção (minuto 51:25), tendo ideia de que era apenas remetida uma simples carta (minuto 52:00). Afigura-se que estes dois depoimentos bastam para formar a convicção de que tais factos ocorreram. Não apenas pelos depoimentos em si, mas sim porque estamos na presença de um procedimento criado por lei e de um banco a quem ele era imposto. Ora, os bancos são instituições altamente profissionalizadas e organizadas, pelo que é altamente provável que ao entrar em vigor esta legislação dirigida aos Bancos, qualquer deles tenha criado uma equipa e um procedimento de rotina, automático, para tratar de todos os casos suscetíveis de serem integrados no mencionado PERSI, isto é, logo que houvesse incumprimento das prestações. Com efeito, uma organização com a dimensão e profissionalismo de um banco não trata de cada caso como se fosse o primeiro. Não procede assim, estuda antecipadamente as matérias e cria instrumentos de rotina que aplica de início a qualquer caso. Acresce que o próprio Banco de Portugal foi chamado a intervir na implementação deste mecanismo bancário. Com efeito, o n.º 5 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, que instituiu o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), determinou que o Banco de Portugal definiria «… mediante aviso, os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação prevista no número anterior». Ou seja, nem que o banco se «esquecesse» de implementar o PERSI, o Banco de Portugal, através da conduta que lhe foi solicitada pelo referido diploma, alertaria o banco para implementar o PERSI. Por isso, os referidos testemunhos são fiáveis quando referem que foi criado um procedimento para efeitos do PERSI, que era gerada uma carta e expedida para o cliente a informá-lo de que tinha sido integrado no PERSI e outra quando o procedimento era encerrado. O depoimento da testemunha (…) (funcionária no escritório do embargante à data dos factos) não invalida o que fica referido, pois apenas disse que recebia e abria todas as cartas remetidas para o escritório (minuto 03:36, 05:36) e que não viu qualquer carta do Banco exequente, nomeadamente sobre essa questão do PERSI (minuto 05:15). Com efeito, ninguém se lembra de todas as cartas que abre e muito menos do seu conteúdo, sendo certo que quanto ao conteúdo esse conhecimento pressupõe a leitura do documento e compreensão do que se leu, o que exige muitas vezes ter conhecimento de informações prévias sobre o contexto, para se perceber o que é referido no documento. Acresce, que os factos em causa só se referem à expedição das cartas, não ao recebimento delas. Procede, por conseguinte, a impugnação, sendo acrescentados tais factos à matéria de facto provada, com os números «5A» e «5B». B) Matéria de facto – Factos provados 1. Os presentes Embargos de Executado e Oposição à Penhora foram propostos a 15-05-2014. 2. A Exequente/Embargada “B (…)” instaurou, a 27-02-2014, o Processo Executivo ao qual os presentes autos se encontram apensados contra (também) o Executado/Embargante J (…), com vista à cobrança coativa dos seguintes créditos (fls.1 a 4 do Processo Executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido): Contrato de 29/12/2006 no montante de €154.161,36: – €117.959,01 de capital; – €1.020,54 de juros remuneratórios, de juros de mora e respetivo Imposto do Selo, desde 11-10-2012 até 13-12-2013, à taxa de juro contratual acrescida da sobretaxa moratória de 4% ao ano; – €1.442,98 de juros moratórios, contados desde 14-12-2013 até à presente data às taxas legais sucessivamente em vigor aplicáveis aos créditos de que são titulares as sociedades comerciais, atualmente fixada em 7,25%; – Juros moratórios vincendos, desde 15/02/2014, à taxa legal aplicável aos créditos de que são titulares as sociedades comerciais, atualmente fixada em 7,25%, até efetivo e integral pagamento. Contrato de 29/12/2006 no montante de €151.238,64: – €116.886,91 de capital; – €1.301,85 de juros remuneratórios, de juros de mora e respetivo Imposto do Selo, desde 11-08-2012 até 13-12-2013, à taxa de juro contratual acrescida da sobretaxa moratória de 4% ao ano; – €1.429,86 de juros moratórios, contados desde 14-12-2013 até à presente data às taxas legais sucessivamente em vigor aplicáveis aos créditos de que são titulares as sociedades comerciais, atualmente fixada em 7,25%; – Juros moratórios vincendos, desde 15/02/2014, à taxa legal aplicável aos créditos de que são titulares as sociedades comerciais, atualmente fixada em 7,25%, até efetivo e integral pagamento. Contrato de 28-05-2012 no montante de €37.600,00: – €37.090,69 de capital; – €234,00 de comissões; – €3.248,99 de juros remuneratórios e respetivo Imposto do Selo, desde 12-12-2012 até 13-12-2013, à taxa de juro contratual acrescida da sobretaxa moratória de 4% ao ano; – €453,72 de juros moratórios, contados desde 14-12-2013 até à presente data às taxas legais sucessivamente em vigor aplicáveis aos créditos de que são titulares as sociedades comerciais, atualmente fixada em 7,25%; – Juros moratórios vincendos, desde 15/02/2014, à taxa legal aplicável aos créditos de que são titulares as sociedades comerciais, atualmente fixada em 7,25%, até efetivo e integral pagamento. 3. No Processo Executivo, a Exequente/Embargada apresentou à execução como títulos executivos 03 (três) contratos de mútuo (fls. 5 a 53 do Processo Executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). 4. A 22-01-2008, o Executado/Embargante comunicou à Exequente/Embargada a alteração da sua morada para o envio de correspondência postal (fls.49 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). 5. Em 2012, os mutuários cessaram o pagamento das prestações mensais relativas aos contratos de mútuo referidos em 3. 5A. A 10/01/2013, Exequente/Embargada enviou ao Executado/Embargante uma carta a informá-lo da sua integração no por referência ao incumprimento dos contratos de mútuo referidos em 3. 5B. A 03/10/2013, Exequente/Embargada enviou ao Executado/Embargante uma carta a informá-lo da extinção do PERSI, por ausência de envio de documentação. 6. A 13-12-2013, a Exequente/Embargada enviou ao Executado/Embargante uma carta de resolução contratual dos contratos de mútuo referidos em 3. (fls.58 e 59 do Processo Executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). C) Apreciação da questão objeto do recurso 1 - Vejamos se os novos factos provados conduzem à improcedência dos embargos. A resposta é negativa pelas seguintes razões: 1 – O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, instituiu o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI). Nos termos do artigo 13.º deste diploma, «No prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, a instituição de crédito informa o cliente bancário do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolve diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado» Prosseguem os n.º 1 e 4 do artigo 14.º nos seguintes termos, respetivamente: «Mantendo-se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, o cliente bancário é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa»; e «No prazo máximo de cinco dias após a ocorrência dos eventos previstos no presente artigo, a instituição de crédito deve informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro». Verifica-se, por conseguinte, que o legislador impôs ao sistema bancário, o mesmo é dizer ao Banco exequente, a obrigação de integrar os clientes em mora num procedimento que definiu. E impôs ao banco o dever de informar o cliente que tivesse sido integrado nesse procedimento, disso mesmo, que tinha sido integrado nesse procedimento. 2. O mesmo regime do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, que instituiu o (PERSI), determina no n.º 1 do seu artigo 18.º, o seguinte: «No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de: a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento; b) Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito; c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual». Verifica-se que o legislador impediu os bancos de acederem aos tribunais para cobrar os créditos sem primeiramente terem cumprido o procedimento prévio do PERSI. Com efeito, durante a vigência do PERSI, o banco fica impedido de instaurar ações judiciais para cobrança do crédito. 3. Resulta dos factos provados que o Banco exequente expediu carta a comunicar ao embargante que tinha sido incluído no procedimento denominado PERSI. Mas não resulta dos factos provados que o embargante tenha recebido a carta em questão. É esta a questão fundamental do recurso. Como se disse, a lei impôs aos bancos a obrigação de contatar o cliente. Tal contato exige que haja contato efetivo ou presumido como tal pela lei. Se a questão acerca de ter existido esse contacto se torna duvidosa, como é o caso dos autos, porque o executado contesta que tenha sido contatado, então incumbe ao banco provar o contato, porque a lei lhe impõe que faça esse contato. Não se prova tal contato provando apenas que foi expedida uma simples carta. A própria lei nos dá disso exemplo, quando determina que a citação é feita mediante «Entrega ao citando de carta registada com aviso de receção, seu depósito, nos termos do n.º 5 do artigo 229.º, ou certificação da recusa de recebimento, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo» - al. b) do n.º 2, do artigo 225 do CPC. Com efeito, uma carta remetida pode extraviar-se e embora os casos de extravio sejam pouco frequentes eles ocorrem e qualquer caso pode ser um caso desses, salvo se se mostrar que não foi o caso. Bastava um conhecimento potencial, nos termos do n.º 1 do artigo 224.º do Código Civil, onde se refere que «A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida;…». No caso dos autos, não foi feita prova de que a carta chegou ao conhecimento do embargado. 4. Verificando-se, por conseguinte, que o Banco estava obrigado a dar início ao PERSI, sob pena de não poder demandar judicialmente o cliente devedor em mora, e não tendo o banco exequente provado que deu conhecimento ao embargante da inclusão deste em tal procedimento, resulta que estava impedido de instaurar a presente ação executiva. Por isso, mesmo provando-se os factos impugnados, os embargos procedem, cumprindo manter a decisão recorrida. 2 – A outra questão enunciada fica prejudicada face à conclusão a que antes se chegou. IV. Decisão Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão recorrida. Custas pelo Banco recorrente. * Coimbra, 28 de novembro de 2018
Alberto Ruço ( Relator ) Vítor Amaral Luís Cravo |