Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
350/18.0T8SCD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉCTRICA
RESPONSABILIDADE OBJECTIVA
DIRECÇÃO EFECTIVA
DANOS
Data do Acordão: 01/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - S.C.DÃO - JUÍZO C. GENÉRICA - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.509 CC, DL Nº 29/2006 DE 15/2
Sumário: 1. A rede nacional de distribuição de electricidade é explorada mediante uma única concessão do Estado, em regime de serviço público, pela E (…) S. A. (Ré).

    2. O operador da rede de distribuição é responsável pela entrega da energia eléctrica aos clientes ligados às suas redes e, consequentemente, pelas questões de âmbito técnico relacionadas com o fornecimento de energia eléctrica, inclusive, derivadas de eventuais interrupções.

    3. Na previsão do n.º 1 do art.º 509º do CC é puramente objectiva a responsabilidade quando se trate de danos resultantes da condução ou transporte e da entrega ou distribuição de energia eléctrica ou de gás, seja qual for o meio utilizado, excepto quando os danos são devidos a causa de força maior (n.º 2) - os danos causados, v. g., pela condução (transporte) ou entrega (distribuição) dessas fontes de energia correm por conta das empresas que as exploram (cabe a quem tenha a direcção efectiva dessas fontes de energia e as utilize no interesse próprio), nomeadamente, como proprietárias ou concessionárias, pois se auferem o principal proveito dessa actividade, é justo que suportem os riscos correspondentes.

    4. Tendo a Ré a direcção da distribuição, é de afirmar a sua responsabilidade pelo risco nos termos do art.º 509º do CC, se o evento danoso (decorrente da supressão na condução e entrega da energia eléctrica), não atribuível a causa de força maior, surge como efeito adequado dos riscos próprios do transporte e entrega, no momento da colocação da energia à disposição do consumidor (segurada da A.), e não releva que, até então, a linha de média tensão estivesse em bom estado de conservação e com condições de segurança adequadas.

    Decisão Texto Integral:








                Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:       

                  

    I. L (…)- Companhia de Seguros, S. A., instaurou a presente acção declarativa comum contra I (…). (1ª Ré) e E (…) S. A. (2ª Ré), pedindo que as Rés sejam condenadas a pagar-lhe a quantia global de € 7 979, acrescida dos juros de mora vincendos.

    Alegou, em síntese: no âmbito da sua actividade celebrou um contrato de seguro do ramo “equipamento electrónico” com C (…)Lda., o qual garantia a cobertura, entre outros, dos riscos de perdas ou danos materiais imprevistos e/ou acidentais, nomeadamente, por efeitos imediatos da corrente eléctrica; no dia 07.01.2016, entre as 16 horas e as 16.30 horas, ocorreram na sede da sua segurada duas interrupções de energia eléctrica, fornecida pela 1ª Ré; a súbita alteração da corrente eléctrica causou danos num ecógrafo e respectivas sondas; pagou a quantia global de € 7 733 à segurada, correspondente ao prejuízo sofrido, deduzido da respectiva franquia contratual, tendo ainda despendido € 246 na regularização do sinistro.

    A 2ª Ré contestou, alegando, nomeadamente: à data dos factos abastecia a segurada da A. de energia eléctrica em baixa tensão cuja rede eléctrica se encontra e encontrava em bom estado de conservação e funcionamento, tendo sido alvo de vistorias, inspecções e acções de manutenção preventiva sistemática; existiram duas interrupções de fornecimento de energia eléctrica de curta duração (inferiores a 1 minuto), no dia 07.01.2016, mas não susceptíveis de causar quaisquer danos em equipamentos eléctricos, até porque, caso assim não fosse, teriam sido registados danos em mais aparelhos electrónicos da segurada da A., bem como teriam sido afectados outros clientes dos 2317 alimentados pela mesma rede, o que não sucedeu; o equipamento em causa não estaria em boas condições de funcionamento e isolamento. Concluiu pugnando pela improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.

    A 1ª Ré também contestou, alegando, em síntese: obrigou-se a fornecer energia eléctrica à segurada da A, em rede de baixa tensão; desconhece se ocorreram as mencionadas interrupções de energia nas instalações da segurada da A. e se serão causa adequada dos danos invocados; a eventual responsabilização pelos danos ocorridos recai sobre a 2ª Ré, operadora da rede de distribuição, uma vez que as interrupções de energia nada têm que ver com o fornecimento da mesma, mas sim com a sua distribuição. Pugnou pela total improcedência da acção e consequente absolvição do pedido contra si formulado.

    Foi proferido despacho saneador que firmou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.

    Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 04.6.2019, decidiu absolver a 1ª Ré do pedido e condenar a 2ª Ré a pagar à A. a quantia de € 7 979, acrescida de juros de mora, à taxa de 4 %, desde a citação até integral pagamento.
    Inconformada, a 2ª Ré apelou formulando as seguintes conclusões:

    (…)

    A A. respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

    Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar e decidir: a) modificação da decisão relativa à matéria de facto/erro na apreciação da prova; b) decisão de mérito, cuja modificação depende, sobretudo, da eventual alteração da decisão de facto.


    *

    II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

    1. A 1ª Ré é uma sociedade anónima que se dedica à comercialização e fornecimento de energia eléctrica.

    2. A 2ª Ré é concessionária do serviço público de distribuição de energia eléctrica em Alta Tensão, Média Tensão e Baixa Tensão no concelho de (...) .

    3. Em 14.01.2011, entre a A. e C (…) Lda. foi celebrado um contrato de seguro do ramo “Equipamento Electrónico”, titulado pela apólice n.º (...) .

    4. Das condições gerais do contrato aludido em II. 1. 3. consta, além do mais, o seguinte:

    Definições:

    (…) Equipamento Electrónico: Toda a espécie de equipamentos eléctricos com predominância de componentes electrónicos, utilizando correntes eléctricas de baixa voltagem.

    (…)

    Artigo 2º - Âmbito da cobertura

    (…) a Seguradora obriga-se a indemnizar o segurado por quaisquer perdas ou danos materiais imprevistos e/ou acidentais, verificados nos bens seguros, seja qual for a causa, com excepção dos excluídos na Apólice, desde que obriguem à reparação ou substituição dos referidos bens. Ficam nomeadamente, mas não exclusivamente, cobertos:

    (…)

    2.2. Efeitos imediatos da corrente eléctrica, tais como curto-circuito, formação de arcos e todos os outros fenómenos eléctricos, estando compreendidos os efeitos da electricidade atmosférica”.

    5. Entre a C (…), Lda. e a 1ª Ré foi celebrado um contrato de fornecimento de energia eléctrica, através do qual esta se obrigou a fornecer àquela energia eléctrica de baixa tensão.

    6. A 2ª Ré, na qualidade de operador da rede de distribuição, abastece de energia eléctrica as instalações da C (…) Lda. a partir do Posto de Transformação n.º 63 - SCD Escola S+C, que se encontra ligado à rede de média tensão (...) / (...) .

    7. No dia 07.01.2016, ocorreram duas interrupções de energia eléctrica no local de actividade de C (…), Lda.

    8. As interrupções de energia eléctrica referidas em II. 1. 7. foram inferiores a 1 minuto.

    9. Em virtude das interrupções de energia eléctrica referidas em II. 1. 7., o ecógrafo Xario 15 e a sonda linear PLT805AT apresentavam: avaria do sistema operativo, erros e bloqueio do sistema quando dada ordem de impressão, deficiente qualidade de imagem nas aquisições ecodoppler com a sonda linear PLT805AT, deficiente sensibilidade à detecção e diferenciação de fluxos venosos e arteriais.

    10. O referido em II.1. 9. implicou a substituição do disco rígido do sistema e reinstalação do software de controlo e de aplicação clínica do sistema.

    11. Em virtude do referido em II. 1. 3., 9. e 10., a A. pagou à C (…) Lda. a quantia de € 7 733 deduzida da franquia contratual, e despendeu a quantia de € 246 na regularização do sinistro.

    12. Até às circunstâncias de tempo referidas em II. 1. 7., a linha de média tensão referida em II. 1. 6. encontrava-se em bom estado de conservação e com condições de segurança adequadas.

    13. A linha de média tensão referida em II. 1. 6. foi inspeccionada nos anos de 2013 e 2015, sem que tivessem sido detectadas anomalias ou defeitos de funcionamento.

    14. Entre a 1ª e a 2ª Ré, enquanto primeira e segunda contratantes, respectivamente, foi celebrado o acordo designado “Contrato de uso de redes”, no qual foram estabelecidas as condições particulares de acesso e utilização, pela primeira contratante, das redes operadas pela segunda contratante no âmbito da rede nacional de distribuição de electricidade em alta tensão e média tensão (RND) e da distribuição de electricidade de baixa tensão, em regime de serviço público.

    2. E deu como não provado:

    a) Antes das interrupções de energia eléctrica referidas em II. 1. 7., o equipamento referido em II. 1. 9. não estava em boas condições de funcionamento e de isolamento;

    b) As interrupções de energia eléctrica referidas em II. 1. 7. ocorreram entre as 16h00 e as 16h30.

    3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

    a) A 2ª Ré/recorrente insurge-se contra a decisão sobre a matéria de facto, invocando a prova pessoal produzida em audiência de julgamento, considerando que deveria ter-se considerado provada a matéria incluída em II. 2. a), supra e a demais indicada nas “conclusões 2ª e 3ª”/ponto I., supra, e não provada a mencionada em II. 1. 9., supra.

    b) Esta Relação procedeu à audição da prova pessoal produzida em audiência de julgamento, conjugando-a com a prova documental.

                c) Pese embora a maior dificuldade na apreciação da prova (pessoal) em 2ª instância, designadamente, em razão da não efectivação do princípio da imediação[1], afigura-se, no entanto, que, no caso em análise, tal não obstará a que se verifique se os depoimentos foram apreciados de forma razoável e adequada.

                E na reapreciação do material probatório disponível por referência à factualidade em causa, releva igualmente o entendimento de que a afirmação da prova de um certo facto representa sempre o resultado da formulação de um juízo humano e, uma vez que este jamais pode basear-se numa absoluta certeza, o sistema jurídico basta-se com a verificação de uma situação que, de acordo com a natureza dos factos e/ou dos meios de prova, permita ao tribunal a formação da convicção assente em padrões de probabilidade[2], capaz de afastar a situação de dúvida razoável.

    d) Consta da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, designadamente (atenta a factualidade impugnada):

    «(…) Quanto aos factos constantes de 9) e 10), o Tribunal atendeu, desde logo, no que toca aos concretos danos e à substituição/reinstalação efectuada, ao relatório de reparação e orçamento da D (…), Lda., empresa que procedeu à reparação do ecógrafo em causa nos autos, de fls. 26-27, do qual constam os danos sofridos no ecógrafo e a substituição e reparação efectuadas, tendo o Tribunal valorado ainda o depoimento da testemunha R (…)[3], perito avaliador da U (…), que elaborou o relatório de fls. 16 e seguintes e tirou as fotografias anexas, tendo confirmado o teor do mesmo e explicado que os prejuízos foram calculados com base na idade do equipamento e na sua expectativa de vida, sendo que a vida útil destes equipamentos em geral é de 8 anos e que o ecógrafo em causa tinha, aquando dos factos, 6 anos.

    Quanto à causa dos danos em apreço - facto 9) -, vejamos, mais concretamente.

    Atendeu o Tribunal ao depoimento da testemunha D (…), que é engenheiro de manutenção de campo - concretamente, é engenheiro de telecomunicações e informática, sendo que tem formações complementares, designadamente, formação específica para equipamentos da marca Toshiba (marca do ecógrafo em apreço) - e presta funções na D (…)., tendo sido o responsável pela realização do diagnóstico ao ecógrafo ora em causa.

    Esta testemunha prestou um depoimento seguro, circunstanciado, espontâneo, isento e credível, tendo relatado ao Tribunal os danos que o equipamento apresentava e tendo referido que a concreta avaria do disco apresentada no ecógrafo é recorrente quando há falhas de energia, sendo que tais falhas também são susceptíveis de causar avarias na sonda.

    Mais referiu que, pese embora possa haver outras causas, que não uma falha de energia, quer para uma avaria no disco, quer para uma avaria na sonda, a verdade é que tais causas (que não uma falha de energia eléctrica) que podem causar uma avaria no disco não são as mesmas que podem causar uma avaria na sonda, sendo que a única causa que conhece capaz de causar uma avaria simultânea no disco e na sonda é uma falha de energia eléctrica.

    Afirmou, pois, tratar-se de “uma grande coincidência” a circunstância de, simultânea e inopinadamente, o ecógrafo apresentar uma avaria no disco e na sonda, mais afirmando que a causa de tais avarias seria, com “forte probabilidade”, uma falha de energia eléctrica.

    Esclareceu também que o facto de o ecógrafo ter três sondas e apenas uma ter apresentado avaria se justifica pelo facto de que apenas essa (a que avariou) estaria na porta activa do ecógrafo, isto é, apenas essa estaria ligada.

    Explicou ainda que nada obsta a que, com uma mesma falha de energia, apenas um aparelho avarie e todos os outros (existentes na clínica, no caso) não apresentem qualquer problema, desde logo por o aparelho que avariou estar, provavelmente, ligado, e também porque nem todos os aparelhos lidam de igual forma com falhas de electricidade.

    Mais referiu que, com as concretas avarias apresentadas no disco e na sonda em causa, não seria possível utilizar o ecógrafo, pelo que, necessariamente, tais avarias terão de ter ocorrido após a última utilização do ecógrafo.

    Ora, neste conspecto, importa atender também ao depoimento da testemunha A (…), médico e proprietário da clínica C (…) que referiu que o ecógrafo estava em boas condições e que o terá usado na véspera do dia em que o mesmo apresentou as avarias em apreço - situando este dia em Janeiro de 2016, pelas 16h00 -, sendo ainda que a testemunha R (…), perito avaliador na U (…), que elaborou o relatório de peritagem, junto a fls. 16 e seguintes, relatou ao Tribunal que lhe foi reportado que as avarias foram detectadas no ecógrafo em 07.01.2016, entre as 16h00 e as 16h30.

    Ou seja, o que causou as avarias no ecógrafo e na sonda terá, necessariamente, tido lugar entre a véspera de 07.01.2016 e o dia 07.01.2016, pelas 16h00.

    Por seu turno, as testemunhas A (…) e J (…) (que (…) exercem funções na 2ª Ré), diferentemente, referiram que as interrupções de energia em causa têm o efeito semelhante a um “ligar e desligar” nos equipamentos ligados à corrente, insusceptíveis de provocar danos nos mesmos, tendo a testemunha J (...) mais referido que o efeito das interrupções de energia em causa é o equivalente a carregar no botão de ligar/desligar ou a arrancar a ficha de um aparelho da tomada.

    Diga-se que a testemunha J (…), questionado, mais uma vez, no sentido de saber se a falha de energia em apreço seria susceptível de causar danos em equipamentos, acabou por referir que “depende do aparelho de que estamos a falar”.

    Referiram estas testemunhas também que, num universo de cerca de 2000 clientes abrangidos pela rede de média tensão em causa, não tiveram registo de mais nenhuma reclamação.

    Quanto à causa das interrupções de energia em causa, estas testemunhas alvitraram a possibilidade de as mesmas poderem ter-se devido a precipitação ou a cascas de eucalipto que, com o vento, tenham voado e colidido com os cabos de alta tensão.

    Ora, o Tribunal não atribuiu credibilidade à versão apresentada por estas testemunhas, no sentido de que as interrupções de energia em causa são insusceptíveis de provocar danos nos equipamentos que se encontrem ligados à corrente.

    Tal ocorreu, como veremos, não apenas por estas testemunhas prestarem funções para a 2ª Ré - até porque essa circunstância não impediu o Tribunal de formar a sua convicção acerca de certos factos tendo por base a credibilidade que, quanto aos mesmos, atribuiu aos seus depoimentos -, sendo que, porém, de qualquer modo, tal circunstância não deve também ser absolutamente desconsiderada, dado que resulta das mais elementares regras da experiência comum que uma testemunha que mantém uma relação de subordinação profissional com uma das partes não estará, em princípio, numa posição de absoluta isenção e distanciamento quanto ao desfecho da causa.

    (…)

    De facto, quanto à concreta factualidade sobre que ora nos debruçamos, além dos depoimentos destas testemunhas, temos, nomeadamente, o depoimento da testemunha D (…), que, como vimos, se apresentou seguro, circunstanciado, espontâneo, isento e credível.

    Assim, o Tribunal, sopesando as duas versões apresentadas quanto à causa dos danos descritos, não atribuiu credibilidade à versão apresentada pelas testemunhas A (…) e J (…), sobretudo, por um lado, pela verosimilhança que mereceu a versão - contrária - apresentada pela testemunha D (…), e, por outro, pela inverosimilhança daqueles depoimentos (….).

    Desde logo, e pese embora o Tribunal não disponha de conhecimentos técnicos na área da electrotécnica, resulta das regras da experiência comum, a que o julgador não pode deixar de atender, que não é verosímil que (…) uma ocorrência (breve interrupção de energia eléctrica) que, como foi afirmado pela testemunha J (…) equivale a arrancar da tomada a ficha de um aparelho ligado.

    Resulta do senso comum, das regras elementares do nosso quotidiano, que o manuseio dos aparelhos electrónicos obedece a alguns procedimentos ou standards com vista ao seu correcto funcionamento e de molde a providenciar pela sua durabilidade. Assim, qualquer utilizador médio de um aparelho electrónico sabe que o accionamento do mesmo, o ligar e desligar, deve ser efectuado de acordo com um certo procedimento, que justifica que os aparelhos venham equipados com botões de on/off, precisamente para o ligar e desligar ocorrer em segurança.

    Deste modo, é igualmente sabido que a postergação destes procedimentos, maxime, desligar um equipamento electrónico em funcionamento directamente da corrente eléctrica, pode provocar danos no mesmo.

    Por outro lado, o Tribunal não olvida que, enquanto a testemunha D (…) prestou um depoimento sempre ponderado, procurando não dar respostas precipitadas e referindo-se a “uma forte probabilidade” da causa que atribuiu às avarias, revelando desinteresse quanto ao desfecho da acção, as testemunhas A(…) e J (…), por sua vez, revelando um cuidado em prestar um depoimento favorável à 2ª Ré, foram peremptórias em referir que as interrupções breves de energia são insusceptíveis de provocar quaisquer danos.

    Tal peremptoriedade apenas resultou esbatida no momento em que a testemunha J (…) acabou por referir que, para saber se a falha de energia em apreço seria susceptível de causar danos em equipamentos, tal “depende do aparelho de que estamos a falar”, circunstância esta que também o Tribunal não desconsidera, no sentido de corroborar a versão que resultou provada, até porque é plausível que um ecógrafo, atentas as suas concretas características, seja um aparelho particularmente sensível.

    Veja-se ainda que o facto de não terem sido (supostamente, note-se) registadas mais avarias na zona, como referiram as testemunhas A (…9 e J (…), não significa que as interrupções de energia em apreço não sejam, em abstracto, idóneas a causar danos em aparelhos electrónicos ligados à corrente, pois, como vimos, a testemunha D (…) explicou ao Tribunal que nem todos os aparelhos lidam de igual forma com falhas de electricidade, o que aliás resulta das regras da experiência comum, sendo, como já dissemos, plausível que um ecógrafo seja mais sensível a tais vicissitudes do que outros aparelhos.

    Acresce que, como já vimos, a(s) causa(s) das avarias no ecógrafo e na sonda terá(ão) tido lugar entre a véspera de 07.01.2016 e o dia 07.01.2016, pelas 16h00, sendo que está provado (e, aliás, é admitido pela 2ª Ré) que as interrupções de energia em apreço ocorreram em 07.01.2016.

    Isto é, temos que um ecógrafo e a sonda respectiva surgiram, cada um deles, com uma avaria inopinada no mesmo dia em que ocorreu uma falha de energia eléctrica.

    Ora, no caso de não haver uma causa única comum a tais avarias, certo é que as várias causas respectivas sempre teriam de ter ocorrido - todas - no período de um dia (período entre a utilização do ecógrafo em boas condições e a utilização do ecógrafo avariado), afigurando-se, pois, muito plausível que as avarias em causa tenham tido uma causa única comum.

    Temos também que há uma testemunha (D (…)) - que é engenheiro de telecomunicações e informática e tem formações complementares, designadamente, formação específica para equipamentos da marca do ecógrafo em causa - que, de forma muito credível, relata ao Tribunal que não vislumbra uma causa única comum para tais concretas avarias que não seja uma falha de energia eléctrica.

    Assim sendo, não teve o Tribunal dúvidas em concluir que foram as referidas interrupções de energia eléctrica a causa dos danos ocorridos no ecógrafo e sonda em causa.

    (…)

    Por fim, a não prova dos factos constantes de A) e B) ficou a dever-se à ausência de prova produzida nesse sentido.»

    e) Vejamos, de seguida, alguns apontamentos e excertos dos depoimentos das testemunhas (pela ordem da sua produção):

    - A (…) (proprietário da ´Cemedical` e médico radiologista responsável; fls. 77 verso):

    No início do ano de 2016 tivemos um problema num ecógrafo. (…) alteração que terá ocorrido a nível da corrente (de energia eléctrica) [segundo a informação depois prestada pela empresa reparadora]. (…) não sou técnico, não sou engenheiro electrotécnico nem percebo nada de electricidade, mas aquilo que tenho em conversa (…) com as pessoas é isso, só vamos pôr aqui um disjuntor porque isto se houver um não sei quantos isto corta, mas, mas às vezes não corta (…) e acho que nomeadamente quando são sobrecargas do género de descargas de faíscas e coisas assim do género que aquilo é um bocado complicado de segurar, e como são aparelhos muito sensíveis (…) que às vezes quaisquer alterações podem provocar essas avarias dos aparelhos. (…) sou proprietário de uma empresa que tem 4 ecógrafos, 2 aparelhos de raio-X, um TAC, tem imensas coisas! Computadores são uns 20 e por aí fora! Que eu me lembre, nessa ocasião só terá sido essa situação. (…) sei que os ecógrafos e outros aparelhos que nós temos são bastante sensíveis a isso, porque aquilo tem uma electrónica apurada em termos de sofisticação..., (…) segundo parece é isso (…)”

    - R (…) (perito-avaliador; fls. 77 verso; elaborou o relatório de peritagem fls. 16):

    Explicitou o que constatou nas instalações da segurada da A. quanto ao estado do equipamento em causa e o que lhe foi transmitido pelo proprietário do ecógrafo/”segurado”.

    “(…) De acordo com o que está escrito no meu relatório, (…) o valor reclamado é inferior ao (…) valor venal. (…) Fiz a análise que faço com este tipo de aparelhos, é uma análise de perceber se liga ou se não liga, se tem algum erro em termos de aparência, mas não faço a desmontagem, digamos assim (…). (…) se está escrito por alguém que analisou com mais cuidado... (…) é a informação que nós pedimos e que nós nos temos... [sendo o depoente Eng.º Civil e tendo-lhe sido dada formação genérica/geral de electricidade e/ou electrotecnia, tudo quanto recolheu na sua averiguação foi-lhe indicado e fornecido pelos técnicos especialistas nessas matérias…]”.

    O tempo de vida útil do equipamento era “8 anos” e tinha “6 anos” mas “sabe dizer que há equipamentos com um período de vida útil de 8 anos que podem durar 20”, tratando-se de “uma razão técnico-científica”. “Por essa altura”, os demais equipamentos da clínica estariam a funcionar normalmente e não tem conhecimento de que o aludido ecógrafo tivesse avariado anteriormente.

    - D (…) (engenheiro “de manutenção de campo” na “D (…), Lda.”; formação académica em engenharia  de telecomunicações e informática; com diversas formações providenciadas pela sua empresa, internas e externas, para lhe permitir fazer assistência técnica em equipamentos de Imagiologia; nove anos de experiência na área de electrotecnia; formação específica em equipamento marca Toshiba de TAC; fez “o diagnóstico” da situação dos autos - abriu o aparelho em causa e analisou - mas não fez o relatório, que terá reproduzido o que verificou com o seu PC…; veio a concluir que “era preciso substituir o disco, software e sonda”; fls. 78):

                Foi-lhe transmitido que havia uma anomalia do equipamento da ´C (…)`”; verificou “(…) que o equipamento não estava a imprimir (“sem imprimir não serve!”) (…), apresentava uma anomalia na qualidade de imagem de uma das sondas (…)”; “Esta avaria, portanto, a avaria da parte do disco é uma avaria que é recorrente, quando ocorrem falhas de electricidade. Não quer dizer que seja exactamente, porque também pode ocorrer por outros motivos, mas, após uma falha de electricidade é típico alguns elementos de software deixarem de trabalhar, por este ou por aquele motivo. Relativamente à sonda, também é possível que uma falha eléctrica produza este tipo de...”. “Uma situação relativamente à parte do disco, uma situação que ocorre é quando falha a energia, (…) a cabeça magnética de leitura escrita, quando falha, ela retrai rapidamente para a posição de origem, digamos assim. Neste tipo de situações, por vezes ocorre, portanto, o que nós chamamos um toque no disco, portanto, no ´plater` - o termo em inglês é ´plater` -, no ´plater` do disco. E este tipo de situações pode provocar exactamente isso. Ligar e desligar, (…) repentinamente. (…) tive de tirar o disco (…); não tenho a certeza que tenha sido a falha da electricidade - estes acontecimentos, há uma forte probabilidade que tenham sido, mas estes acontecimentos, ninguém consegue com 100 % de certeza afirmar isso..., exactamente isso.”

    Questionado e confrontado se é “recorrente a causa ser a falha de energia, mas que não pode ter a certeza, pode haver outras causas, pode ser por outros motivos, (e) que outros motivos além das falhas de energia?”, respondeu que “pode ser a idade do próprio disco, começa a ter falhas por ele próprio, portanto, tipicamente, um disco tem uma duração de 5 anos, 3 a 5 anos, alguns menos, outros mais...”, “(…) depende do fabricante, o fabricante especifica isso nos datas chips dos discos rígidos...”; “(…) há-de haver um período em que deve ser efectuada a troca do disco” mas pode não acontecer, “podeo mesmo ecógrafo ficar sempre com o mesmo disco, o tempo todo”. “(…) É uma grande coincidência, portanto, a falha no disco e na sonda, em simultâneo, (…) mas (…) não posso, de forma alguma, garantir que não terá sido [em simultâneo é uma grande coincidência, mas, lá está, eu também não lhe posso garantir que não foi, também não lhe posso garantir]”. A falha no disco [até por ter atingido o limite da sua efectiva durabilidade] “não pode causar a falha na sonda”. Esta deriva de “uma falha…, uma queda, (…) uma falha de tensão… [No disco não, no disco não” - reafirmou adiante; e explicitou que o software “poderá estar relacionado com a avaria no disco”]” ou “mais situações que possam ocorrer… uma pancada forte… (…), um excesso de corrente eléctrica…”;  

    “(…) Uma falha [na energia que alimenta o aparelho] explica bem essa situação [avaria da sonda]. (…) O excesso… mesmo assim (…) não é fácil de haver um pico de tensão que entre pelo equipamento adentro, (…) e chegue até à sonda. (…) não me lembro de alguma situação ter ocorrido assim, portanto, as duas em simultâneo [avaria na sonda e no disco], e uma situação que gerasse isso, para além da falha. (…) já encontrei várias vezes (…) softwares… (…) em ecógrafos, também, com este problema, portanto, o software falhado, ou o disco falhado; (…) na sonda e no disco [em simultâneo], não (…).

    O aparelho em causa teria três sondas [para diferentes funções: convexa - para exames abdominais -, linear - exames vasculares e doppler - e uma outra para obstetrícia] e a que avariou teria “a porta activa”, sendo que “nunca estão activas duas em simultâneo”.

    “(…) dou assistências a mais aparelhos além daquele [que avariou]”. A sua intervenção “(…) foi só para aquele aparelho, eu não lhe posso precisar se, na Clínica, estariam lá outros a ser reparados na altura. Não lhe posso precisar isso, mas, para mim, foi só para aquele. (…) É possível [que a causa provável tenha sido uma interrupção ou um excesso; é provável/possível que apenas um aparelho avariasse e todos os outros se mantivesse em funcionamento] (…), dependendo da condição em que estavam os outros aparelhos.”

    “(… ) O aparelho que avariou muito provavelmente estaria ligado, (…) e os equipamentos também não lidam todos de maneira igual com as falhas de electricidade, existem equipamentos que têm ´UPS`, (…) existem outros equipamentos que conseguem lidar graciosamente com isso, também não são tão sensíveis a falhas de electricidade, isso depende muito do aparelho.”

                O “Uninterruptible Power Supply [dispositivo “UPS”] (…), se falhar a electricidade, portanto, de rede, garante que mantém energia durante algum tempo, o tempo das baterias durarem, para o que tiver, portanto, posterior a esse ´UPS`. (…) [se] a ´Cemedical` tinha UPS?, (…) não lhe sei dizer... eu não vi todas as salas, portanto, não lhe sei dizer...; Não sei se tinha (…) Equipamentos destes e de outros tipos, sim, sim [a ´UPS`, tendo a potência necessária e em boas condições de funcionamento, evita que estes aparelhos se danifiquem]. (…) Estamos a falar de falhas no sistema operativo. (…) Portanto, quando falha [o fornecimento de energia] é que você tem aquele fenómeno, em que o disco, portanto, a cabeça magnética de leitura escrita recolhe rapidamente, e também nessas alturas é que você pode ter uma baixa na tensão da sonda, que, realmente, pode provocar... os cristais operam numa frequência específica, portanto, são cristais com oscilação, (…) e, se operarem numa frequência abaixo da frequência natural deles, podem rachar, partir. E essa situação é que pode ocorrer. (…).” Na sua experiência, qualquer falha de energia, seja na tomada, seja na rede eléctrica, poderá causar aquele tipo de danos [Pode”].

                O “´on` e “off` aleatório é diferente de ligar e desligar no botão do aparelho”.

    É uma “grande coincidência” serem as duas avarias “em simultâneo[da sonda e do disco, “falha do sistema operativo”; não encontrou “componentes queimados”], com a assinalada causa [falha de energia eléctrica] mas também não pode/sabe identificar uma “outra coisa qualquer” que “provocasse os dois problemas em simultâneo” e não vislumbra mais nada para além do que disse relativamente à falha da energia, inclusive, a possibilidade de existirem num determinado espaço vários aparelhos e que com a mesma falha de energia só um é que avarie.

                Sendo-lhe perguntado se “era possível que ou o disco ou a sonda já estivessem avariados e os médicos que estavam a usá-lo não se apercebessem se estava a funcionar tudo bem, e só quando o outro avariou é que o conjunto deu esta avaria? isso era possível? ou seja, o disco, por exemplo, estar avariado e o ecógrafo funcionar normalmente? ou só a sonda e o ecógrafo funcionar normalmente?” e, ainda, se “havia alguns sectores avariados do disco, e ele poderia estar quando foi usado antes de se detectar a falha, na véspera, ou no mesmo dia ou algumas horas antes, era possível o ecógrafo ter feito ecografias normalmente?”, respondeu, quanto ao primeiro conjunto de questões: “Esta avaria específica no disco [relacionada com a avaria do software], (…) entre várias coisas mostrava, portanto, alguns sectores danificados no disco, portanto, sectores de pista do disco; (…) existem situações em que discos com sectores danificados estão em funcionamento. Existem essas situações (…)”, E, quanto à última questão: “É possível, é possível…

                Perguntado se “terá sido a conjugação da sonda se ter avariado também é que deu origem a esta avaria, aquilo que apareceu lá no ecrã?” e se “é possível haver esta avaria com que se deparou no disco e o ecógrafo estar a funcionar normalmente, o que é que deu origem a que de repente ele deixasse de funcionar, foi a combinação da sonda também ter avariado?”, respondeu: “A combinação da sonda… Não. Não, não. Não, relativamente ao disco, não.”

    E, depois, questionado se “com esta avaria do disco podia estar a funcionar, então o que é que terá dado origem… a mesma avaria de repente permitiu que o ecógrafo deixasse de funcionar, e antes funcionava?”, respondeu: “Eu não lhe consigo precisar se é a mesma avaria, a pergunta que me foi feita é, se um disco, portanto, com aquele tipo de avaria poderia estar a funcionar. Sim, poderia. Agora, eu não sei exactamente a avaria que também fez com que o sistema de impressão começasse a falhar, eu não sei quando é que ocorreu, não tenho, não tenho informação de quando é que ela ocorreu. Portanto, não lhe consigo precisar exactamente, são duas coisas distintas. Um disco pode trabalhar com sectores, alguns sectores danificados, pode; aquele sector exactamente se já estivesse danificado, não poderia (…).”

    Questionado, de novo, “como encontrou, concretamente, este disco, como ele estava naquele momento, ele não podia estar a funcionar na última utilização?” e se “é possível haver sectores do disco avariados e o ecógrafo funcionar, mas concretamente, este disco, como o encontrou, as avarias concretas deste disco, não era possível que ele estivesse a funcionar”, disse: “Como eu o encontrei… ele não poderia estar a trabalhar, sim. A trabalhar normalmente (…), a imprimir, a conseguir imprimir…”

                Por último, mormente na sequência ou no contexto das perguntas “tem de ter sido uma coisa que aconteceu necessariamente entre a última utilização e o momento em que ligaram e se aperceberam da avaria?” e “a concreta avaria daquela sonda e a concreta avaria daquele disco tiveram de ter origem, simultânea ou não, mas, nalguma coisa tiveram, aconteceram entre o último momento em que a máquina foi ligada e o momento em que ligaram e detectaram a avaria?”, o depoente, além de corroborar esta última perspectiva, disse ainda: “Era possível que ela [sonda] estivesse a funcionar com aquela avaria, embora eu julgue que qualquer profissional da área, assim que se desse conta que aquilo não estava a mostrar a imagem com qualidade, o próprio profissional se recusasse a trabalhar. (…) Com má imagem, exactamente, e um clínico, julgo eu, (…) precisa de ter boa imagem para conseguir… [o necessário rigor/minúcia nos exames realizados].

                Qualquer avaria no disco, “sempre que o disco se desliga, não necessariamente desliga o ecógrafo (…) por completo, como se fosse desligar na ficha.”

    - A (…) (Engenheiro Electrotécnico ao serviço da 2ª Ré, há 20 anos, desenvolvendo a sua actividade na manutenção das redes de distribuição de energia eléctrica/“área de média e alta tensão”)[4]:

    Foram incidentes de curta duração (…), sem defeito na linha [“desliga e liga”; encontrava-se “em perfeito estado de conservação]. (…) a protecção [das “linhas de média tensão] é feita ao nível do disjuntor. Temos as subestações, cada subestação tem um conjunto de disjuntores e cada disjuntor protege uma linha. E associado a cada disjuntor, há as protecções em que vêem os tipos de defeitos, vêem se é um defeito face-face, um defeito face-terra... isto tem aqui alguns nomes técnicos que eu também não sei precisar. Há a máxima intensidade (…), há aqui algumas, mas isso não é a minha área específica. (…) Neste caso aqui, houve um defeito de face-terra. Ou seja, houve aqui o tal defeito fugitivo, terá sido uma passagem à terra, não é? Pronto, e a causa não foi apurada. (…) Uma coisa que nós também vimos neste dia, pelo menos é o que consta nos nossos relatórios, é que foi um dia em que houve precipitação e houve também vento, não é? E, geralmente, quando há vento, é susceptível que possa haver contactos, ou com chuva, possa haver ali um escorvamento de um isolador numa passagem à terra. Pronto, e provavelmente, poderão ter sido essas as causas do disparo. (…) aquilo que nós sabemos é que este tipo de defeitos na média tensão, quando passa (…) para as redes de baixa tensão, o que nós vemos é que o efeito será o desliga e liga. Ou seja, será uma desligação e uma ligação. Ou seja, será como ter um interruptor, desliga, liga. (…) Tivemos o cuidado de ver em sistema e, para esse dia, num universo de 2 200 clientes, sensivelmente, não houve nenhuma comunicação de avaria nem tivemos nenhum processo de reclamação associado. (…) se houvesse algo que não tivesse corrido bem, provavelmente teríamos mais consumidores a queixarem-se com danos ou com outro tipo de situações. (…) quando falamos da exploração de redes aéreas de média e alta tensão, este tipo de incidentes de desligação rápidas, não é?, são imprevisíveis. Isto é... costumam ocorrer... principalmente por serem redes aéreas. (…) há uns limites na lei que dizem que, para determinada instalação, ou para determinada zona de serviço, há um número de interrupções que podem ocorrer por área. Ao qual, ao fim desse limite é que poderá haver uma eventual compensação ao cliente, não é?[pela ausência de fornecimento]. “(…) isto regista-se mais em redes aéreas, e depois, dentro das redes aéreas, temos algumas situadas em alguns pontos, onde a probabilidade de acontecerem estes defeitos é maior. (…) Neste caso [na situação em análise], o nosso despacho não identificou a necessidade de mobilizar equipas. Como foram duas religações ali relativamente próximas uma da outra, e digamos que não havia aqui um histórico de más religações, o nosso despacho entendeu que não havia necessidade de fazer qualquer acção. Por norma acontece isso, quando é uma ou duas religações, não há necessidade de fazer intervenção; se fossem várias no mesmo dia, provavelmente, aí haveria equipas a tentar localizar a origem do defeito. (…) não sabe se esta situação foi objecto de reclamação ou não [por danos, na parte comercial, além da dos autos; quanto à parte técnica também não tem conhecimento de ter havido qualquer reclamação], (…) a reclamação terá sido à posteriori.”

    - J (..) (Electricista de Redes e Instalações eléctrica; desenvolve a sua actividade profissional na 2ª Ré, há 37 anos)[5]:

    “(…) Quando há ocorrências de curta duração, nunca se vai ao local, a não ser que a própria condução de rede o solicite, não é? (…) Os incidentes de curta duração são incidentes que ocorrem por variadas causas, não é? Que, como não dão avaria, não são susceptíveis de inspecção imediata, não é? (…) essa rede passa numa zona com muitos eucaliptos e uma das causas são as cascas de eucaliptos projectadas pelo vento, não é? Que caem em cima das linhas e podem provocar este tipo de ocorrências (…) de curta duração. (…) sempre que é necessário, nós fazemos a manutenção de seccionadores, não é? Vem uma equipa de trabalhos em tensão, sem desligar a linha, e faz a manutenção dos órgãos de corte que há ao longo da rede para mantermos, portanto, um bom funcionamento desses mesmos órgãos. E são feitas, portanto, essas manutenções periódicas, não é? (…)  Se não funcionassem [“as protecções”], ela não desligava e voltava a ligar, não é? (…) o toque de uma casca de eucalipto é muito susceptível que possa ocorrer uma passagem de corrente à terra ou até um defeito entre fases, não é? (…) essas interrupções de curta duração (…) podem ocorrer por causa dessas cascas de eucalipto, ou outras coisas que nos sejam alheias, não é? (…) esta rede tem cerca de 32 postos de transformação da distribuição e 14 postos de transformação de clientes, e, portanto, nesses clientes, assim como nos clientes que estão distribuídos pelos postos de transformação de distribuição, não tenho conhecimento que tenha havido reclamações nesses dias. (…) nós temos o sistema, que se chama o SGI, onde estão registados todos os incidentes e as comunicações de avarias. (…) uma ocorrência desta natureza pressupõe-se como, por exemplo, o ligar e desligar um interruptor para apagar uma lâmpada que esteja acesa, não é? E os aparelhos, sejam eles quais forem, têm que estar preparados para esse tipo de situações. O ligar e o desligar é uma falha de energia. (…) se eles [aparelhos ou mecanismos alimentados por energia eléctrica] forem mais sensíveis, terão que optar por um tipo de protecção adequada ao equipamento em questão, não é? Eu não digo que as interrupções possam causar danos. Os aparelhos é que têm de estar preparados para o bom funcionamento deles, não é? Nós, nos nossos computadores, usamos uma UPS, para manter um trabalho que nós estejamos a fazer. Se houver uma falha de energia, não o perdermos, não é? (…) ao ligarmos e desligarmos um aparelho, aquilo tem um interruptor, e o que estamos a provocar é uma quebra de energia, uma falha de energia, não é? (…) Todos os aparelhos hão-de estar preparados para isso. (…) A UPS não é uma protecção, (…) é uma garantia em que, no caso de faltar energia, ela esteja já. Portanto, aquela UPS vai alimentar o aparelho em si, havendo uma falha de energia da rede. É só para isso que serve a UPS. (…) Portanto, imagine um disjuntor que dispare aqui num quadro de baixa tensão, aqui... é susceptível acontecer a mesma coisa. (…) A UPS é só para garantir, no caso de haver uma falha de energia, que o aparelho se mantenha ligado. (…) portanto, se dessem conta depois que a energia faltou, podê-lo-iam desligar, se entendem que isso provocava danos, não é?

    Sendo-lhe perguntado se não interessa haver UPS ou outra protecção qualquer, porque este desligar e ligar é absolutamente insusceptível de provocar danos num aparelho?, respondeu: É isso!” (…) Desligá-la no botão ou desligá-la na totalidade, acaba por ser igual, porque os aparelhos têm que estar preparados para isso tudo. (…) o interruptor faz a mesma coisa! Se carregar no botão de desligar a energia, faz a mesma coisa que arrancar a ficha.

    Na sua experiência de quase 38 anos na EDP, nunca teve conhecimento de nenhum dano causado por uma interrupção de curta de duração. “ (…) que eu tenha conhecimento, não. (…) Porque uma interrupção é aquilo que eu acabei de dizer, portanto, uma falha de energia é como desligar um botão de uma lâmpada e voltar a ligar, não é?”. “(…) Se ele está desligado e vem a energia e liga outra vez, é a mesma coisa. Só o período de tempo é que é mais reduzido ou mais longo, não é?

    Pensa que uma falha de energia de curta duração como a que ocorreu naquele dia não pode causar danos [“Não. Penso que não.”]; “(…) Com tantos postos de transformação de clientes, com tantos postos de transformação de distribuição, há uma pessoa que se queixa. Então, e as outras não tinham danos? Não é?”; “O equipamento, seja ele qual for, pode avariar num momento (…), as pessoas podem atribuir uma avaria a um equipamento ou a ter falhado a energia e isso não corresponder à verdade.” “(…) Se pegar numa tesoura e cortar o cabo, se certeza que é mais provável acontecer uma avaria, não é? (…) A única coisa que pode acontecer (…) é (…) estar a fazer um trabalho e não ter uma UPS, perde o trabalho que está a fazer. Tendo a UPS, aquilo mantém-se ligado e não perde o trabalho que está a fazer. (…) Daí os aparelhos terem que estar preparados para ligar e desligar!

    f) Para a boa ponderação da dita prova pessoal releva igualmente, nomeadamente, o teor dos documentos reproduzidos a fls. 16 (“Relatório de Peritagem”), 24 (“Confirmação de Vistoria”) e 26/55 verso (missiva dirigida pela “D (…), Lda.” à segurada “C (…)Lda.”, datada de 21.01.2016), elementos que corroboram a perspectiva trazida a juízo, principalmente, pelas testemunhas D (…) e R (…)

    4. Ante o referido objecto do recurso da matéria de facto (que permitiu concluir pelo nexo de causalidade entre a avaria do ecógrafo da segurada da recorrida e as falhas da corrente de energia) e a dita prova pessoal, também se nos antolha que as testemunhas D (…) e R (…) denotaram um maior distanciamento em relação aos interesses em presença, e bem assim um maior conhecimento das especificidades técnicas e científicas e demais circunstâncias da realidade do caso concreto, convergindo, tais depoimentos, no sentido da factualidade que a Mm.ª Juíza a quo entendeu dar como provada (e como não provada), mormente, quanto à avaria do equipamento e causas e consequências a ela associadas.

    5. Tendo em atenção o objecto do litígio, a factualidade pacificamente assente e o que decorre da mencionada prova pessoal, documental e pericial, conclui-se, assim, que a factualidade em causa dada como provada e como não provada respeita a prova produzida nos autos e em audiência de julgamento, sendo que, até em razão da exigência de (especial) prudência na apreciação da prova pessoal[6], a Mm.ª Juíza a quo não terá desconsiderado regras elementares desse procedimento, inexistindo elementos seguros que apontem ou indiciem que não pudesse ou devesse ponderar a prova no sentido e com o resultado a que chegou, pela simples razão de que não se antolha inverosímil e à sua obtenção não terão sido alheias as regras da experiência e as necessidades práticas da vida[7]

    A Mm.ª Juíza analisou criticamente as provas e especificou os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, não se mostrando violados quaisquer normas ou critérios segundo a previsão dos n.ºs 4 e 5 do art.º 607º do Código de Processo Civil (CPC), sendo que a Relação só poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662º, n.º 1 do CPC).

    Improcede, assim, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

    6. A Mm.ª Juíza a quo, atendendo à legislação aplicável - rectius, o regime jurídico instituído pelo DL 29/2006, de 15.02 (com as alterações introduzidas pelo DL 215-A/2012, de 08.10), que veio introduzir profundas alterações ao Sistema Eléctrico Nacional (SEN), estabelecendo as bases gerais da sua organização e funcionamento (art.º 1º) e que determinaram a separação das actividades de produção, comercialização e de distribuição de energia, bem como o disposto no DL 172/2006, de 23.8 (com as alterações conferidas pelo DL 215-B/2012, de 08.10), que veio estabelecer o regime jurídico aplicável a estas mesmas actividades -, concluiu, com acerto, que a rede nacional de distribuição é explorada mediante uma única concessão do Estado, exercida em exclusivo e em regime de serviço público, cabendo a mesma à E (…)S. A. (2ª Ré), que é, assim, a entidade concessionária da rede nacional de distribuição (única entidade do SEN a exercer a actividade de distribuição de energia eléctrica em alta, média e baixa tensão), enquanto que a actividade de comercialização foi objecto de liberalização, ficando sujeita à atribuição de licença pela entidade administrativa competente, ou seja, são as empresas de comercialização de electricidade as responsáveis pela gestão das relações com os consumidores finais, incluindo a facturação e o serviço ao cliente (cf., nomeadamente, II. 1. 1., 2. e 6., supra e os art.ºs 3º, 4º, n.ºs 4 e 5, 36º, n.º 1, 42º, n.º 2 e 43º do DL n.º 29/2006, de 15.02 e 2º, alíneas q) e m) do DL n.º 172/2006, de 23.8, republicado pelo DL 215-B/2012, de 08.10).[8] 

    E para evidenciar as atribuições do operador da rede de distribuição (ORD), aludiu, ainda, ao Regulamento de Relações Comerciais no Sector Eléctrico/RRC (Regulamento n.º 561/2014, publicado no DR, II Série, em 22.12.2014), que, no seu art.º 62º (com a epígrafe “Distribuição de Energia Elétrica”), preceitua que a atividade de Distribuição de Energia Elétrica deve assegurar a operação das redes de distribuição de energia elétrica em condições técnicas e económicas adequadas (n.º 1) e que no âmbito da actividade de Distribuição de Energia Eléctrica, compete aos operadores das redes de distribuição: a) Planear e promover o desenvolvimento das redes de distribuição que operam de forma a veicular a energia eléctrica dos pontos de recepção até aos pontos de entrega, assegurando o cumprimento dos padrões de qualidade de serviço que lhe sejam aplicáveis. b) Proceder à manutenção das redes de distribuição. (…) d) Coordenar o funcionamento das redes de distribuição por forma a assegurar a veiculação de energia eléctrica dos pontos de recepção até aos pontos de entrega, observando os níveis de qualidade de serviço regulamentarmente estabelecidos (n.º 2).

    O mesmo Regulamento, no n.º 2 do art.º 3º, deixou o entendimento de que o Cliente é a pessoa singular ou coletiva que compra energia elétrica para consumo próprio; Comercializador, a entidade cuja atividade consiste na compra a grosso e na venda a grosso e a retalho de energia elétrica, em nome próprio ou em representação de terceiros e Distribuição, a veiculação de energia elétrica através de redes em alta, média ou baixa tensão, para entrega ao cliente, excluindo a comercialização (alíneas d), h) e n)).

    7. Na qualidade de ORD, a 2ª Ré/recorrente é responsável pelo fornecimento de energia, no quadro do Regulamento da Qualidade de Serviço (RQS) do SE, aprovado pelo Regulamento n.º 455/2013 (DR, 2ª série, de 29.11) e pela instalação, conservação e manutenção dos equipamentos de medição, conforme o disposto no art.º 239º do citado RRC do SE, pelo que sendo a mesma responsável pela entrega da energia eléctrica aos clientes ligados às suas redes e pelas questões de âmbito técnico relacionadas com o fornecimento de energia eléctrica - com legitimidade e competência para gerir a rede eléctrica -, questionando-se se as interrupções de energia eléctrica ditas em II. 1. 7. e 8., supra, foram a causa dos danos ocorridos num aparelho eléctrico pertencente à segurada da A., o apuramento da responsabilidade por tais danos centrar-se-á na Ré E. D. P - Distribuição, S. A., enquanto operadora da rede de distribuição (responsável pelo abastecimento das instalações onde exerce actividade a segurada da A.), pois a Ré I (...) limita a sua actividade à comercialização de energia, não lhe podendo ser assacada qualquer responsabilização por danos ocorridos nas redes de distribuição de energia.

    8. A Mm.ª Juíza a quo afastou a responsabilização da 2ª Ré por via contratual (por inexistir qualquer relação contratual entre a A., ou a sua segurada, e a 2ª Ré); entendeu, depois, face à materialidade descrita em II. 1. 12. e 13., supra, que a mesma Ré logrou ilidir a presunção de culpa que sobre ela impendia nos termos do disposto no art.º 493º, n.º 2 do CC.

    No entanto, veio a decidir, por último, que se verifica a responsabilidade da 2ª Ré pelo risco, conforme se prevê no art.º 509º do CC.

    Como se verá de seguida, o decidido em 1ª instância, além de respeitar o quadro adjectivo traçado pelo art.º 5º do CPC - designadamente, o seu n.º 3, onde se preceitua que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito -, encontra adequado suporte na factualidade dada como provada conjugada com o regime jurídico substantivo aplicável.

    9. Aquele que tiver a direcção efectiva de instalação destinada à condução ou entrega de energia eléctrica ou do gás, e utilizar essa instalação no seu interesse, responde tanto pelo prejuízo que derive da condução ou entrega da electricidade ou do gás, como pelos danos resultantes da própria instalação, excepto se ao tempo do acidente esta estiver de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação (art.º 509º, n.º 1 do CC). Não obrigam a reparação os danos devidos a causa de força maior; considera-se de força maior toda a causa exterior independente do funcionamento e utilização da coisa (n.º 2).

    10. Na previsão do n.º 1 do art.º 509º do CC temos um novo caso de responsabilidade objectiva, de resto atenuada quanto aos danos resultantes da própria instalação, pois se admite, para afastar a responsabilidade (objectiva), a prova de que a instalação se encontrava, ao tempo do acidente, de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação. É já puramente objectiva, quando se trate de danos resultantes da condução ou transporte e da entrega ou distribuição de energia eléctrica ou de gás, seja qual for o meio utilizado. Os danos causados, v. g., pela condução (transporte) ou entrega (distribuição) dessas fontes de energia correm por conta das empresas que as exploram (cabe a quem tenha a direcção efectiva dessas fontes de energia e as utilize no interesse próprio), nomeadamente, como proprietárias ou concessionárias, pois se auferem o principal proveito dessa actividade e/ou da sua utilização, é justo que suportem os riscos correspondentes.

    O n.º 2 do mesmo art.º, consagrando, no fundo, a teoria da causalidade adequada, exceptua os danos devidos a casos de força maior, isto é, a uma causa exterior, independente do funcionamento e utilização da coisa. Tal é o caso de um ciclone (que provoca a queda de um poste de alta tensão) ou de um raio.[9] E, naturalmente, outro tanto sucede com os danos devidos a facto do próprio lesado (art.º 570º do CC) ou de terceiro.

    Importa, pois, considerar a responsabilidade resultante da instalação da energia eléctrica, propriamente dita, que subsiste, “excepto se ao tempo do acidente esta estiver de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação ou os danos forem devidos a uma causa de força maior”, e a responsabilidade resultante da condução e entrega da energia eléctrica, que só é excluída quando os danos são “devidos a causa de força maior”.[10]

    11. A 2ª Ré desenvolve a actividade de entrega/distribuição da energia eléctrica aos clientes ligados às suas redes, pelo que as questões de âmbito técnico relacionadas com o fornecimento de energia eléctrica, nomeadamente as relacionadas com falhas de fornecimento, são da sua responsabilidade directa.

                Ademais, no caso de condução e entrega de energia, o simples facto de terem sido cumpridas as regras técnicas em vigor e tudo estar em perfeito estado de conservação, não isenta de responsabilidade objectiva a entidade responsável pela condução e entrega da energia (acto de colocação da energia à disposição do consumidor) e, assim, nomeadamente, na situação de falência do sistema de abastecimento eléctrico, no momento da entrega; tal cumprimento só lhe aproveitaria se os danos fossem originados na instalação de energia.[11]

    E se podemos afirmar o risco como inerente ao desenvolvimento da própria actividade de condução e entrega de energia eléctrica -  em geral, causa adequada do dano -, in casu, é igualmente evidente a existência de nexo de causalidade entre as ditas interrupções/falhas no fornecimento/entrega de energia e os danos sobrevindos (cf., sobretudo, II. 1. 7., 8. e 9., supra), realidade em nada beliscada pelas circunstâncias descritas em II. 1. 12. e 13., supra.

    12. Daí que se conclua que a 2ª Ré (que tem a direcção da distribuição) não afastou a responsabilidade pelo risco/objectiva nos termos do art.º 509º, n.º 1, in fine, do CC.

    Tendo a 2ª Ré a direcção da distribuição, é de afirmar a sua responsabilidade pelo risco nos termos do art.º 509º do CC, pois o evento danoso (decorrente da supressão na condução e entrega da energia eléctrica), não atribuível a causa de força maior[12], surgiu como efeito adequado dos riscos próprios do transporte e entrega, no momento da colocação da energia à disposição do consumidor (segurada da A.), e não releva que até às circunstâncias de tempo referidas em II. 1. 7., a linha de média tensão referida em II. 1. 6. estivesse em bom estado de conservação e com condições de segurança adequadas (inspeccionada nos anos de 2013 e 2015, sem que tivessem sido detectadas anomalias ou defeitos de funcionamento).[13]

    13. Ao contrário do sustentado na contestação (art.º 39º) e na apelação, decorre da matéria provada, e do exposto, que os danos no equipamento da segurada da A./recorrida resultaram da condução e distribuição/entrega da electricidade - foram as interrupções de energia que causaram os danos no equipamento da segurada da recorrida.

    14. Dir-se-á, por último, que, não provados quaisquer dos factos levados às “conclusões 2ª e 3ª” das alegações de recurso (ponto I., supra), permaneceu claro o nexo de causalidade entre as questionadas “interrupções” na entrega/fornecimento de energia e os apurados prejuízos[14], ficando a A. sub-rogada no direito de crédito da sua segurada (art.º 136º, n.º 1, do DL n.º 72/2008, de 16.4).

                15. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.


    *

    III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

    Custas pela 2ª Ré/apelante.


    *

    21.01.2020

    Fonte Ramos ( Relator )

    Alberto Ruço

    Vítor Amaral


     

    [1] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 284 e 386 e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, 4ª edição, 2004, págs. 266 e seguinte.
    [2] Refere-se no acórdão da RP de 20.3.2001-processo 0120037 (publicado no “site” da dgsi): A prova, por força das exigências da vida jurisdicional e da natureza da maior parte dos factos que interessam à administração da justiça, visa apenas a certeza subjectiva, a convicção positiva do julgador. Se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação da justiça.   
    [3] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.
    [4] Não foi junta ao processo físico a acta da correspondente sessão da audiência de julgamento.
    [5] Idem.
    [6] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 277.
    [7] Vide, nomeadamente, Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 192 e nota (1) e Vaz Serra, Provas (Direito Probatório Material), BMJ, 110º, 82.

    [8] Cf. ainda, entre outros, os acórdãos da RL de 09.3.2017-processo 1142/12.5TBALQ-2 e da RC de 21.11.2017-processo 502/16.7T8GRD.C1 (subscrito pelos aqui relator e 1º adjunto), publicados no “site” da dgsi (o segundo, também na CJ, XLII, 5, 17).

    [9] Assim, para efeitos do mencionado RQS (aprovado pelo Regulamento n.º 455/2013), dispõe o respectivo art.º 7º que se consideram casos fortuitos ou de força maior, nomeadamente, aqueles que reúnam simultaneamente as condições de exterioridade, imprevisibilidade e irresistibilidade face às boas práticas ou regras técnicas aplicáveis e obrigatórias (n.º 1), sendo casos fortuitos as ocorrências que, não tendo acontecido por circunstâncias naturais, não poderiam ser previstas (n.º 2) e casos de força maior as circunstâncias de um evento natural ou de acção humana que, embora pudesse prevenir-se, não poderia ser evitado, nem em si, nem nas consequências danosas que provoca (n.º 3).

       Veja-se, ainda, o que sobre a matéria se expendeu no acórdão do STJ de 08.11.2007-processo 06B2640 (com dois votos de vencido), publicado no “site” da dgsi: «O funcionamento e a utilização de uma rede de distribuição de energia eléctrica não pode localizar fora de si própria a existência normal de trovoadas e de raios.// As trovoadas e os raios não são independentes do funcionamento e utilização da rede de distribuição.» e, assim, «não preenchem, por isso, o conceito de causa de força maior tal como o define o n.º 2 do art.º 509º como excludente da responsabilidade objectiva prevista no n.º 1 do artigo.//A menos que - admite-se - tivessem algo de especial, algo de fora do comum.», circunstancialismo a alegar, e a provar, pela empresa distribuidora.

    [10] Vide Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 496; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 1982, pág. 620 e Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª Edição, Almedina, 2016, págs. 654 e seguinte.
    [11] Cf., entre outros, o acórdão do STJ de 13.7.2010-processo 5492/04.6TVLSB.L1.S1, publicado no “site” da dgsi e o citado acórdão da RL de 09.3.2017-processo 1142/12.5TBALQ-2 [dir-se-á que o acórdão do STJ de 03.10.2013-processo 3584/04.0TVLSB.L1.S1, publicado no “site” da dgsi (citado pela recorrente/fls. 130) respeita a uma situação de responsabilidade contratual, afastando-se, claramente, da previsão do art.º 509º do CC].

       Vide, ainda,  Vaz Serra, Responsabilidade pelos Danos Causados por Instalações de Energia Eléctrica ou Gás e por Produção e Emprego de Energia Nuclear, BMJ n.º 92, pág. 155: «as instalações de energia eléctrica são constituídas pelo agrupamento de factores convergentes para a criação e armazenagem de energia eléctrica, sendo a condução e a entrega formadas pelos meios mecânicos destinados a levar a energia eléctrica da instalação a outros locais (transporte), até à sua canalização para o consumidor (distribuição), respectivamente».
    [12] Isto é, causa exterior independente do funcionamento e utilização da coisa - n.º 2 do art.º 509º do CC - susceptível de excluir a responsabilidade na interrupção do fornecimento de energia eléctrica; e a 2ª Ré nem sequer alegou a correspondente factualidade…

    [13] Cf., no mesmo sentido, designadamente, o referido acórdão da RL de 09.3.2017-processo 1142/12.5TBALQ-2, quando refere que “estando em causa nos autos acidente ocorrido na condução e entrega da energia, não se tendo verificado caso de força maior, existe responsabilidade objectiva da R., não interessando sequer saber se a instalação se encontrava ao tempo do acidente de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação”.

    [14] Podemos ainda considerar as especificidades em matéria de repartição do ónus da prova no domínio da responsabilidade pelo risco que vemos sublinhadas, entre outros, no citado acórdão da RL de 09.3.2017-processo n.º 1142/12.5TBALQ-2 e no acórdão da RC de 10.9.2013-processo 548/11.1TBOPH.C1, publicado no “site” da dgsi, bem como o que se expendeu na decisão recorrida - reproduzindo o aludido acórdão do STJ de 13.7.2010-processo 5492/04.6TVLSB.L1.S1 - a respeito do invocado sistema alternativo de produção de energia, comummente chamado de “UPS” (Uninterruptible Power Supply).