Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
338/15.2GCACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DAS PENAS
TRIBUNAL DA CONDENAÇÃO
DECLARAÇÃO DA EXTINÇÃO DA PENA DE PRISÃO
NULIDADE INSANÁVEL
Data do Acordão: 01/20/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (LOCAL CRIMINAL DE ALCOBAÇA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 119.º, AL. E), E 470.º DO CPP; ART. 138.º, N.º 4, AL. S), DO CÓDIGO DA EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE
Sumário: I - Cumprida a pena privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas a declaração da sua extinção.
II – Sendo tal declaração proferida pelo tribunal da condenação, ocorre a nulidade insanável prevista na al. e) do art. 119.º do CPP.
Decisão Texto Integral:





I. Relatório:

1. A Sra. Juiz do Juízo Local Criminal de Alcobaça, comarca de Leiria, proferiu despacho em 25.06.2020, declarando extinta a pena de prisão aplicada nos presentes autos a J. - cfr fls 405.


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2. Inconformado com tal decisão, o MP interpôs recurso, terminado a sua motivação com as seguintes (transcritas) conclusões:

“1. A matéria da execução das penas obedece, em todos os seus aspectos, ao princípio da legalidade [cf. Artigos 18.º e 470.º/1 do CPP e 133.º, 138.º, n.º 2 e n.º 4, alíneas s) e f) do CEPMPL e artigo 114.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto].

2. Dispõe o artigo 138.º, n.º 2 do CEPMPL que «Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal», acrescentando o n.º 4 do mesmo artigo que: «Sem prejuízo de outras disposições legais, compete aos tribunais de execução das penas, em razão da matéria: […] s) declarar extinta a pena de prisão efectiva […]».

3. No despacho recorrido, declarando extinta a pena de prisão, o Tribunal a quo reconhece que «entende que a declaração de extinção das penas é competência do TEP», mas decidiu avocar a si tal competência, com o fundamento de que «uma vez que foi este Tribunal que emitiu os mandados de desligamento do condenado, passa-se a proferir despacho de extinção da pena», fundamento esse que não tem sustento legal.

4. O despacho recorrido, declarando extinta a pena de prisão sem competência material para tanto, cometeu a nulidade insanável prevista no artigo 119.º, alínea e), do CPP, devendo ser revogado, assim se repondo o princípio da legalidade.”


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3. O Sr. Procurador-Geral-Adjunto, neste Tribunal, teve vista do processo.

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4. Foram colhidos os vistos e realizou-se conferência.

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II. Fundamentação:

1. Elementos, relevantes, a considerar:

A) O despacho recorrido

“Sem prejuízo de nos termos do preceituado no artigo 138.º/4 s) do CEPMPL se entender que a declaração de extinção de penas é competência do TEP, uma vez que foi este Tribunal que emitiu os mandados de desligamento do condenado passa-se a proferir despacho de extinção da pena.

Atento cumprimento, em 08.05.2020, declaro extinta a pena de prisão em que foi condenado o arguido.

Notifique e comunique ao TEP.

Boletim ao registo criminal, averbando-se o facto extintivo acima decidido – artigos 6.º, al. a) da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio.

Caso o Digno Magistrado do Ministério Público nada tenha a opor, oportunamente, arquive. “


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B) Nos presentes autos, o arguido foi condenado na pena única de um ano de prisão suspensa na sua execução, suspensão essa que veio a ser revogada.

Iniciou o cumprimento desta pena mediante mandado de desligamento do processo n.º 181/13.3TARMR do Juízo Central Criminal de Santarém – J4 e ligamento aos presentes autos, mandado esse emitido pelo T.E.P. de Lisboa, no âmbito do processo n.º 2184/17.0TXLSB-A [cf. ref. CITIUS n.º 5866966].

C) Assim, o Ministério Público promoveu nos presentes autos, em 27.04.2020 [cf. ref. CITIUS n.º 93778322], que se aguardasse a comunicação, pelo T.E.P. de Lisboa, da emissão de mandados de libertação do recluso e extinção da pena única de 1 ano de prisão.

Na sequência de tal promoção, o Tribunal a quo solicitou ao T.E.P. de Lisboa que informasse se o recluso beneficiou do perdão previsto na Lei n.º 9/2020, de 10.04 e, em caso negativo, se iria proceder à emissão de mandados de libertação do condenado no termo da pena.

O T.E.P. de Lisboa respondeu nos seguintes termos [cf. ref. CITIUS n.º 6767836]:

Informe que o recluso não pode beneficiar do perdão da lei n.º 9/2020, de 10 de abril, porque, além do mais, cumpre pena pela prática de crime previsto no art. 2.º n.º 6 desse diploma (mais concretamente abuso sexual de crianças).

Solicite que, no termo da sua pena, ligue o recluso ao processo 181/13.3TARMR do juiz 4 do juízo central criminal de Santarém, para continuação do cumprimento da pena ali aplicada.

D) Perante tal informação, o Ministério Público exarou nestes autos a seguinte promoção [cf. ref. CITIUS n.º 93804877]:

 “Competindo ao TEP de Lisboa o ligamento do condenado ao processo nº 181/13.3TARMR (cf despacho de 6-09-2019 proferido pelo TEP de Lisboa - J5 no processo nº 2184/17 remetido aos aos presentes autos pelo oficio de 09-05-2019 com ref CITIUS 3840981, promove-se que os autos aguardem pela comunicação de extinção da pena.

E) Foi então proferido em 05.05.2020 o seguinte despacho pelo Tribunal a quo [cf. ref. CITIUS n.º 93814090]:

“O arguido encontra-se em cumprimento sucessivo de penas a que foi condenado no processo n.º 181/13.3TARMR e nestes autos.

O arguido encontra-se em reclusão à ordem dos presentes autos desde 09/05/2019, quando foram cumpridos os mandados de desligamento e ligamento emitidos pelo TEP.

É assim para nós absolutamente incompreensível a agora assumida posição do TEP quando à competência para a emissão dos mandados de desligamento do arguido destes autos e ligamento ao referido processo n.º 181/13.3TARMR, para cumprimento do remanescente da pena a que aí foi condenado.

Porém, não obstante se concorde com a posição do digno Magistrado do Ministério Público, entendendo-se ser competência do TEP de Lisboa o ligamento do condenado ao processo n.º 181/13.3TARMR, importa porém não olvidar que a pena que o arguido tem a cumprir nestes autos terminará no dia 08/05/2020, tornando inviável a decisão em tempo útil de um qualquer conflito negativo de competência.

Assim, proceda à emissão dos competentes mandados de desligamento do arguido a estes autos e ligamento ao processo n.º 181/13.3TARMR, a fim de cumprir o remanescente da pena a que aí foi condenado.

Remeta os mandados o Estabelecimento Prisional onde o arguido se encontra para cumprimento, certificação e devolução aos presentes Autos, com conhecimento àqueles, bem como ao TEP.

Notifique, dê conhecimento ao TEP e D.N.”

F) Em 19.06.2020, o T.E.P. de Lisboa oficiou aos presentes autos, solicitando que informasse se este tribunal da condenação iria declarar extinta a pena [cf. ref. CITIUS n.º 93814090].

Aberta vista ao Ministério Público, este exarou a seguinte promoção, que antecede o despacho ora recorrido [cf. ref. CITIUS n.º 94113638]:

Ref 6864314: promove-se a prestação de informação no sentido de que o tribunal da condenação é materialmente incompetente para declarar extinta a pena de prisão, atento o disposto no art 138º/4s) do CEPMPL.”

Foi então proferido o despacho ora recorrido, declarando extinta a pena de prisão.


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2 - Importa decidir qual é o tribunal competente, em razão da matéria, para declarar a extinção da pena de prisão imposta ao arguido: o tribunal da condenação ou o Tribunal de Execução das Penas.

Vejamos.

Conforme se assinala no Ac da Rel Porto, de 7 de março de 2018, (relatora Des Elsa Paixão) o art. 470º, nº 1 do Código de Processo Penal (com a redação introduzida pela Lei nº 115/2009 de 12.10), que estabelece a regra geral dispõe que: «A execução corre nos próprios autos perante o presidente do tribunal de 1ª instância em que o processo tiver corrido, sem prejuízo do disposto no art. 138º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.» - (atentas as funções de gestão administrativa do Presidente do Tribunal, correrá por regra perante o juiz da causa, o juiz do processo, devendo assim ser entendida a disposição normativa - cfr Código de Processo Penal dos Conselheiros, pag 1675).

É seguro que a alteração da redacção introduzida pela Lei nº 115/2009 de 12.10 ao referido artigo 470º, nº 1 do Código de Processo Penal, introduzindo a referência ao art 138º, visou reafirmar e clarificar a competência material do Tribunal de Execução de Penas para os actos indicados no artigo 138º do CEP, mantendo-se a competência do Tribunal de 1ª instância para os demais.

Em consonância, aliás, com a declaração de intenções plasmada no ponto 15 da Proposta de Lei nº 252/X (Diário da Assembleia da República, Série II-A, n.279, de 5.3.2009), onde se escreveu: "No plano processual e no que se refere à delimitação de competências entre o tribunal que aplicou a medida de efectiva privação da liberdade e o Tribunal de Execução das Penas, a presente proposta de lei atribui exclusivamente ao Tribunal de Execução das Penas a competência para acompanhar e fiscalizar a execução de medidas privativas da liberdade, após o trânsito em julgado da sentença que as aplicou. Consequentemente, a intervenção do tribunal da condenação cessa com o trânsito em julgado da sentença que decretou o ingresso do agente do crime num estabelecimento prisional, a fim de cumprir medida privativa da liberdade. Este um critério simples, inequívoco e operativo de delimitação de competências, que põe termo ao panorama, actualmente existente, de incerteza quanto à repartição de funções entre os dois tribunais e, até, de sobreposição prática das mesmas. Incerteza e sobreposição que em nada favorecem a eficácia do sistema."

Contudo e não obstante a excelente intenção (sem efeitos jurídicos), continuam a surgir conflito negativo de competência.

A competência do tribunal de execução das penas é regulada por lei especial - art. 18.º do CPP - ou seja, actualmente, pelo Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela referida Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, em vigor desde o dia 10 de Abril de 2010.

Estabelece tal lei, no já referenciado art. 138.º, a competência material do TEP, nos seguintes termos:

“1 - Compete ao tribunal de execução das penas garantir os direitos dos reclusos, pronunciando-se sobre a legalidade das decisões dos serviços prisionais nos casos e termos previstos na lei.

2 - Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal.

3 - Compete ainda ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a execução da prisão e do internamento preventivos, devendo as respectivas decisões ser comunicadas ao tribunal à ordem do qual o arguido cumpre a medida de coacção.

4 - Sem prejuízo de outras disposições legais, compete aos tribunais de execução das penas, em razão da matéria:

a) Homologar os planos individuais de readaptação, bem como os planos terapêuticos e de reabilitação de inimputável e de imputável portador de anomalia psíquica internado em estabelecimento destinado a inimputáveis, e as respectivas alterações;

b) Conceder e revogar licenças de saída jurisdicionais;

c) Conceder e revogar a liberdade condicional, a adaptação à liberdade condicional e a liberdade para prova;

d) Homologar a decisão do director-geral dos Serviços Prisionais de colocação do recluso em regime aberto no exterior, antes da respectiva execução;

e) Determinar a execução da pena acessória de expulsão, declarando extinta a pena de prisão, e determinar a execução antecipada da pena acessória de expulsão;

f) Convocar o conselho técnico sempre que o entenda necessário ou quando a lei o preveja;

g) Decidir processos de impugnação de decisões dos serviços prisionais;

h) Definir o destino a dar à correspondência retida;

i) Declarar perdidos e dar destino aos objectos ou valores apreendidos aos reclusos;

j) Decidir sobre a modificação da execução da pena de prisão relativamente a reclusos portadores de doença grave, evolutiva e irreversível ou de deficiência grave e permanente ou de idade avançada, bem como da substituição ou da revogação das respectivas modalidades;

l) Ordenar o cumprimento da prisão em regime contínuo em caso de faltas de entrada no estabelecimento prisional não consideradas justificadas por parte do condenado em prisão por dias livres ou em regime de semidetenção;

m) Rever e prorrogar a medida de segurança de internamento de inimputáveis;

n) Decidir sobre a prestação de trabalho a favor da comunidade e sobre a sua revogação, nos casos de execução sucessiva de medida de segurança e de pena privativas da liberdade;

o) Determinar o internamento ou a suspensão da execução da pena de prisão em virtude de anomalia psíquica sobrevinda ao agente durante a execução da pena de prisão e proceder à sua revisão;

p) Determinar o cumprimento do resto da pena ou a continuação do internamento pelo mesmo tempo, no caso de revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade ou da liberdade condicional de indivíduo sujeito a execução sucessiva de medida de segurança e de pena privativas da liberdade;

q) Declarar a caducidade das alterações ao regime normal de execução da pena, em caso de simulação de anomalia psíquica;

r) Declarar cumprida a pena de prisão efectiva que concretamente caberia ao crime cometido por condenado em pena relativamente indeterminada, tendo sido recusada ou revogada a liberdade condicional;

s) Declarar extinta a pena de prisão efectiva, a pena relativamente indeterminada e a medida de segurança de internamento;

t) Emitir mandados de detenção, de captura e de libertação;

u) Informar o ofendido da libertação ou da evasão do recluso, nos casos previstos nos artigos 23.º e 97.º;

v) Instruir o processo de concessão e revogação do indulto e proceder à respectiva aplicação;

x) Proferir a declaração de contumácia e decretar o arresto de bens, quanto a condenado que dolosamente se tiver eximido, total ou parcialmente, à execução de pena de prisão ou de medida de internamento;

z) Decidir sobre o cancelamento provisório de factos ou decisões inscritos no registo criminal;

aa) Julgar o recurso sobre a legalidade da transcrição nos certificados do registo criminal. (sublinhado nosso)

Cumpre realçar que o nº 4 do citado artigo atribui, de forma clara e expressa, competência aos tribunais de execução das penas, em razão da matéria para declarar extinta a pena de prisão efectiva.

Ora, conforme o artigo 10.º do Código de Processo Penal «a competência material e funcional dos tribunais em matéria penal é regulada pelas disposições deste Código e, subsidiariamente, pelas leis de organização judiciária».

E o artigo 114º da Lei n.º 62/2013, de 13 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário – LOSJ), estabelece: «1 — Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respetiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º -A do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro.

(…)

3 — Sem prejuízo de outras disposições legais, compete ao tribunal de execução das penas, em razão da matéria:

(…)

r) Declarar extinta a pena de prisão efetiva, a pena relativamente indeterminada e a medida de segurança de internamento;»

Norma que concretiza o referido art.º 138º, n.º2 do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, conforme referido na decisão do Sr. Presidente da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, António Gama, de 25/02/2016, proferida no Proc. n.° 304/09.7GAVFR (disponível em www.dgsi.pt/jtrp).

A predita solução legislativa – competência do tribunal de execução de penas para a declaração de extinção da pena da pena de prisão, após o seu cumprimento – resultou de propósito legislativo expresso e assumido de modo claro e inequívoco na exposição de motivos da Proposta de Lei 252/X [Ponto] “15. - Ac da Rel Porto, de 7 de março de 2018, supra citado.

O Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, como resulta da comparação do seu texto com o da Proposta de Lei, manteve intocada esta solução normativa, que quis romper com a solução pré-vigente, artigo 138.º”.

É certo que a intenção do legislador foi a de fazer cessar a intervenção do tribunal da condenação após o trânsito em julgado da decisão condenatória, transferindo para o tribunal de execução das penas a competência para acompanhar a evolução da execução das penas de prisão e decidir toda a espécie de incidentes, incluindo a sua extinção.

Contudo, haverá que ter em atenção os elementos interpretativos, de ordem literal e sistemática, referidos no Ac Rel Coimbra, 29 de Março de 2017, Des Alberto Mira Presidente da 5ª Secção - Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra), de que se extracta:

“O artigo 138.º, n.º 2, do CEPMLP, delimita a competência do TEP, situando-a impressivamente nos domínios do acompanhamento e fiscalização da pena de prisão, e bem assim da modificação, substituição e extinção, da mesma, tudo sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do CPP, norma esta que, perante a entrada em vigor de lei mais favorável, faculta ao condenado a reabertura da audiência de modo a possibilitar a aplicação do novo regime substantivo penal.

Mas as normas já citadas, e outras inclusas no CEPMPL ou na lei adjectiva penal, não definem expressamente o tribunal a quem compete, no concreto caso, a emissão dos mandados de detenção.

Afigura-se-me, contudo, que, por determinismo sistemático e racional, os mandados de detenção, captura ou libertação inscritos na esfera de competência do TEP, previstos nos artigos 17.º, als. a) e b) e c), 23.º e 138.º, n.º 4, al. t), do CMPMPL, são decorrência funcional dos actos cuja prática - cfr. artigo 138.º referido, n.ºs 1, 2 e 4 – está legalmente atribuída àquele tribunal. Dito por outras palavras, compete ao TEP emitir mandados de detenção, captura ou libertação, quando os mesmos se destinem a cumprir/executar decisões que lhe caiba proferir.

Em síntese conclusiva, os elementos interpretativos, de ordem literal e sistemática, projectam a teleologia das normas consideradas no sentido de a emissão de mandados de detenção contra condenado em pena de prisão, por sentença com trânsito em julgado, pertencer ao Tribunal da condenação.”

A ter em conta também, - quanto aos mandados de desligamento/ligamento - que “Do cotejo do art. 138.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL) que mais completa - e posterior - do que o disposto no art. 91.º da LOFTJ, a explicita, não se retira que incumba ao TEP a emissão dos mandados de desligamento/ligamento a fim de que um determinado arguido passe a cumprir pena à ordem de um processo pendente numa Vara Criminal. Desta forma, prepondera a norma constante do art. 470.º, n.º 1, do CPP. Cabe ao Juiz titular do processo onde se emitiu o título executivo da pena (Tribunal da condenação) à ordem de quem o arguido cumpre pena e não ao T.E.P., a emissão dos mandados de desligamento/ligamento a fim de que um determinado arguido passe a cumprir pena à ordem de processo pendente numa Vara Criminal - Ac Rel Lisboa, de 15-12-2011, processo n.º 455/08.5PCAMD-A.L1-3, Relator: Des Moraes Rocha.

De todo o modo, e tendo em atenção os elementos interpretativos acima mencionados, resulta inequívoco que nos presentes autos, cumprida a pena privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas a declaração de extinção da pena.

Assim sendo, é manifesto que o tribunal da condenação não tinha competência para proferir o despacho recorrido, declarando extinta uma pena de prisão efectiva, pelo que violou as regras de competência material, já que a competência para a declaração de extinção da pena de prisão, após o trânsito em julgado da decisão condenatória, pertence ao Tribunal da Execução das Penas, nos termos das disposições legais citadas.

Em conformidade, o despacho recorrido constitui violação das regras de competência material e configura nulidade insanável, nos termos do disposto no artigo 119º alínea e), do Código de Processo Penal, nulidade que se impõe declarar.

Procede, assim, o recurso.


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III – Dispositivo

Pelo exposto, acordam os juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra, em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, declarando a nulidade do despacho recorrido.

Sem tributação.


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Coimbra, 20 de Janeiro de 2021

Processado e revisto pela relatora

Isabel Valongo (relatora)

Alcina da Costa Ribeiro (adjunta)