Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4163/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. SERRA BAPTISTA
Descritores: ACÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE POSSE
Data do Acordão: 03/16/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: ART.º 659.º N.º 3 E 490.º N.º 1 E 2 DO C.P.C.
Legislação Nacional: ART.º 659.º N.º 3 E 490.º N.º 1 E 2 DO C.P.C.
Sumário:

1. O possuidor restituído tem o direito de ser indemnizado pelo prejuízo que haja sofrido em consequência do esbulho, indo buscar-se no que a tal indemnização respeita o prescrito na parte geral das obrigações desta natureza.
2. Não estando o A. dispensado de alegar os factos que revelem a existência e a extensão dos danos e provado que o R., com a sua conduta, os causou ao A., mas não tendo sido possível averiguar, na acção declarativa, o seu montante, desde logo por não haver elementos para fixar a sua quantidade, deve a respectiva quantificação ser relegada para execução de sentença.
3. As despesas suportadas pelo A. com a defesa do seu direito à restituição da posse ofendida, embora em relação a eles se possa verificar nexo de causalidade com a ilícita conduta do R., têm o seu ressarcimento previsto em diploma especial - o Código das Custas Judiciais - em sede de custas de parte e de procuradoria, deixando de ser nessa parte aplicável o regime da responsabilidade civil.
Decisão Texto Integral:
Apelação nº 4163/03

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


BB veio intentar acção com processo sumário contra o CC, pedindo a condenação deste a:
a) restituir-lhe a posse da cabine, bomba eléctrica, automatismos, tubagens de água e cablagem eléctrica destinados à captação e transporte da água do poço melhor identificado na p. i. e a não interferir com a manutenção desse sistema no mesmo lugar e nas mesmas condições em que se encontravam antes da respectiva demolição e remoção;
b) pagar-lhe, a título de indemnização, todos os prejuízos decorrentes da privação do uso da água do poço e despesas por ele suportadas com a defesa do seu direito à mesma água, a liquidar em execução de sentença.
Alega, para tanto, e em suma:
Em 29/4/70, a Câmara Municipal de Tomar concedeu a DD, viúva, mãe do A. e aos restantes herdeiros de EE, pai do A., entre eles o próprio A., o alvará nº 7/70, para loteamento de um prédio denominado "Quinta da Palhavã" ou "Quinta de Santa Maria", que melhor identifica, mediante determinadas condições, que também melhor explicita na sua p. i.
Tal alvará veio a sofrer posteriormente diversas alterações, constando duma delas, nomeadamente, que os requerentes cediam ao Município os terrenos necessários á realização de um logradouro comum e prescindiam do direito a utilizar em exclusivo a água do poço existente em tais terrenos.
Desde há muitos anos antes de 1976 que a água desse poço era utilizada pelo A. e seus antecessores para gastos domésticos e de rega do quintal, continuadamente, á vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, na convicção de exercerem um direito próprio e de não prejudicarem quem quer que seja.
No dia 3/2/99, a Ré, através de seus funcionários, procedeu ao corte do tubo de encamisamento no exterior da cabine que albergava a bomba eléctrica de captação e condução da água do poço, bem como os cabos eléctricos de alimentação de tal bomba, tendo procedido, em 17/2/99, à demolição da própria cabine, dela retirando a bomba e os demais automatismos próprios ao seu funcionamento, de valor superior a 250.000$00.
Impedindo que o A. use a água do dito poço.
O que lhe acarretou prejuízos, quer com as diligências destinadas à defesa do seu direito, quer com a própria privação da água.
Citado o R., veio o mesmo contestar, alegando, ainda em síntese:
A concessão do alvará fez transmitir para o R. os terrenos cedidos, sem qualquer reserva e, assim, com o poço.
O A. não tem qualquer direito á água do poço, nem a qualquer indemnização.
Foi proferido despacho saneador, sem recurso. Tendo sido fixados os factos tidos por assentes e organizada a base
instrutória.
Realizado o julgamento, decidiu o senhor Juiz a matéria de facto da base instrutória. Sem reclamação das partes.
Foi proferida a sentença, na qual foi julgada parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenado o R. a restituir ao A. a posse da cabine, da bomba eléctrica, automatismos e tubagens da água do poço situado nas traseiras do lote nº 12 do loteamento nº 7/70 e a não interferir com a manutenção do sistema no mesmo lugar e nas mesmas condições em que se encontrava antes da demolição e remoção. Sendo o R. absolvido do pagamento da indemnização a liquidar em execução de sentença.
Inconformados, vieram A. e R. dela recorrer.
Tendo o R., posteriormente, desistido da apelação que interpôs.
Formulando o A., na sua alegação, as seguintes conclusões:
1ª - Ao proporem a presente acção, que tinham de fazer em prazo adequado à não caducidade do procedimento cautelar anteriormente decretado, não era possível aos AA determinar de modo definitivo as consequências do facto ilícito praticado pelo R., que perduraram ainda por cerca de mais um ano;
2ª - Tal pedido indemnizatório tem como causa de pedir o ressarcimento dos danos e despesas suportados pelos AA em consequência da privação da água do poço e para defesa do seu direito à água, danos esses cuja existência foi desde logo manifestada e alegada na p. i., mas cuja extensão viria a perdurar ainda por muitos meses após a propositura da acção;
3ª - Era-lhes assim lícito formular pedido genérico de indemnização nos termos em que o fizeram, não podendo o Tribunal deixar de atender a toda a aquisição probatória, nomeadamente à facturação junta no processo apenso que só por si traduz um dispêndio de mais de 800 euros em água da rede durante o período de desapossamento da água do poço;
4ª - Pelo que ao julgar improcedente o pedido de indemnização a sentença violou o disposto nos arts 470º, nº 1, al. b) do CPC e 483º do CC;
5ª - Resultando, ainda, com tal decisão, violado o disposto no art. 456º do CPC, na medida em que a actuação do R. que obrigou os AA a recorrerem a Tribunal, bem como a conduta processual por eles sustentada, cuja falta de fundamento não podia ignorar constituíam também fundamento para aquele ser sancionado com a obrigação de ressarcir os AA com as despesas que têm de suportar para defesa do seu direito;
6ª - Acresce que se efectivamente houvesse deficiência de alegação factual por parte dos AA competia ao senhor Juiz convidá-los a suprir tal irregularidade sob pena de violação do disposto no art. 508º, nº 3 do CPC, em vez de proferir a presente decisão-surpresa absolutória;
7ª - Ou, quando menos, se se estivesse efectivamente perante uma deficiência de causa de pedir, o caso seria de ineptidão da p. i., cujo resultado será a declaração de nulidade do processo - nessa parte - com a consequente absolvição do R. da instância (não do pedido);
Veio o R. contra-alegar, pugnando pela manutenção do decidido.
Corridos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.

*

Vem dado como PROVADO da 1ª instância:

Em 29/4/70 a Câmara Municipal de Tomar concedeu a DD, viúva, mãe do A., e aos restantes herdeiros de EE, nomeadamente o A., seu filho, o alvará nº 7/70 para um prédio denominado "Quinta da Palhavã" ou "Quinta de Santa Maria", sito na freguesia de Santa Maria dos Olivais, Tomar, a confrontar do norte com a estrada da Serra, sul com estrada de Marmelais de Cima e Vasco António Mendes Godinho, nascente com herdeiros de Manuel Martins Diogo e de Joaquim Maria de Almeida e poente com herdeiros de Henrique Torres e Manuel Gonçalves Vieira - al. A) dos factos assentes;
Nesse alvará foi acordada a cedência ao Município, por parte dos promotores do loteamento, para efeitos de construção de parques de estacionamento, passeios e espaços verdes, dos terrenos compreendidos entre os lotes nºs 15, 16, 17, 18 e 19 e a estrada da Serra, com a área total de 1.716 m2, logo que os referidos lotes se fossem edificando - al. B);
O dito alvará de loteamento veio posteriormente a sofrer diversas alterações, nomeadamente a correspondente ao averbamento nº 3, segundo o qual a Câmara, por deliberação de 2/5/80, aprovou a alteração constante de uma planta anexa, abrangendo os lotes 8 a 19, condicionada à cedência ao Município ora R. do terreno interior destinado a logradouro - al. C);
Dessa deliberação consta que a citada alteração era aprovada desde que os requerentes viessem a ceder ao Município os terrenos necessários para realização do logradouro comum e a prescindir do direito a utilizar em exclusivo a água do poço existente nos terrenos destinados a logradouro comum - al. D);
No dia 3 de Fevereiro de 1999, os funcionários da CM de Tomar, operando uma retroescavadora, cortaram os fios de alimentação eléctrica da bomba de água - al. E);
O A. e outros formularam um pedido de alteração do loteamento reservando para si o uso da água do poço - al. F)
A CM de Tomar deferiu ao requerido, desde que os interessados prescindissem do uso exclusivo da água do poço - al. G);
O A. e os demais interessados foram notificados da deliberação da Câmara - al. H);
Os mesmos nada disseram, tendo a CM de Tomar efectuado o registo, por averbamento ao alvará de loteamento nº 7/70 das alterações introduzidas - al. I);
O A. e demais interessados deram andamento ao loteamento, vendendo e construindo de acordo com as datas fixadas na deliberação - al. J);
Nas traseiras do lote nº 12 situa-se um poço - resposta ao quesito 1º;
Desde há alguns anos, antes de 1976, que a água desse poço era utilizada pelo A. e pelos seus antecessores para gastos domésticos da respectiva casa de habitação que se situava a poucos metros do referido poço e que foi demolida quando se procedeu ao loteamento do prédio - resposta ao quesito 2º;
Por volta de 1976/77 o A. procedeu á construção de uma nova casa, a nascente do prédio urbanizado e sita no actual nº 2 da R. Gregório Lopes (art. 2478 urbano da freguesia de Santa Maria dos Olivais), passando nessa altura a água do poço a ser utilizada para todos os gastos domésticos da nova moradia do A., como já sucedia com a outra casa, bem como para regar o respectivo jardim e quintal, que ocupa uma área de cerca de 1.000 m2 - respostas aos quesitos 3º e 4º;
Nessa altura a vala pela qual foi conduzida tubagem para transporte da água e para passagem dos cabos eléctricos para accionamento da bomba, a partir da moradia, foi aberta pelas máquinas e pelos trabalhadores da própria Câmara Municipal, tanto mais que tal tubagem atravessa a Rua Gregório Lopes, situada a nascente, para chegar à casa do A. - resposta ao quesito 5º;
Tal utilização da água do poço continuou nos anos seguintes até agora - resposta ao quesito 6º;
A captação da água do poço era feita por uma bomba eléctrica, que se encontrava no interior de uma cabine existente junto do poço, bomba essa que substituíra uma outra idêntica, a qual fora instalada há mais de 30 ou 40 anos - resposta ao quesito 7º;
Era no interior dessa cabine que se encontrava a bomba e o automático, tendo a mesma uma porta com fechadura destinada a resguardar tais equipamentos - resposta ao quesito 8º;
O A. vem usando para sua habitação permanente e de sua família a moradia em causa há mais de 20 anos - resposta ao quesito 9º;
Bem como vem utilizando para os gastos domésticos e de rega do quintal e jardim a água do poço há mais de 20, 30 e até 40 anos, continuadamente, ninguém se tendo oposto a tal utilização, agindo convicto de não estar a prejudicar ninguém e de que tinha o direito de utilizar tal água - respostas aos quesitos 10º, 11º, 12º e 13º;
O corte dos fios de alimentação, referido em E), foi efectuado por ordem do R. e, em consequência de tal conduta, teve o A. que recorrer à utilização da água da rede para regar o jardim e o quintal - respostas aos quesitos 14º e 15º;
O poço em questão situa-se num lote de terreno cedido pelo A. e outros ao CC - resposta ao quesito 16º.

Podendo, ainda, dar-se como provado, nos termos do art. 659º, nº 3 conjugado com o art. 490º, nºs 1 e 2 do CPC (facto admitido por acordo):

No dia 17 de Fevereiro de 1999 funcionários camarários procederam á demolição da cabine, tendo daí retirado e removido a bomba eléctrica e os automatismos destinados a retirarem água do poço e a enviá-la para casa do A. (art. 49º da p. i. não impugnado).

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É sabido que a delimitação objectiva do recurso é feita pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo razões de direito ou a não ser que aquelas sejam de conhecimento oficioso - arts 664º, 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 3 do CPC , bem como, entre muitos outros, Acs do STJ de 27/9/94, de 13/3/91, de 25/6/80 e da RP de 25/11/93, CJ S Ano II, T. 3, p. 77, Act. Jur. Ano III, nº 17, p. 3, Bol. 359, p. 522 e CJ Ano XVIII, T. 5, p. 232, respectivamente.

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São as seguintes as questões que nos são suscitadas pelo apelante:
1ª - A violação do disposto nos arts 470º, nº 1, al. b) do CPC e 483º do CC por banda da sentença recorrida, ao julgar improcedente o pedido indemnizatório do A., cuja formulação genérica, tal como teve lugar, foi lícita;
2ª - A violação do art. 456º do CPC, na mesma sentença, ao não ter sancionado o R. com a obrigação de indemnizar o A. também com base em tal norma, já que este obrigou, com a sua conduta, o A. a recorrer a Tribunal, com despesas que teve de suportar para defender o seu direito;
3ª - A violação do disposto no art. 508º, nº 3 do CPC, já que se houve deficiência de alegação factual por parte do A. deveria o senhor Juiz ter convidado o mesmo, antes de decidir, a corrigir tal irregularidade;
4ª - Se houve falta de causa de pedir quanto aos invocados danos, tal originaria, nessa parte, a ineptidão da p. i., com a consequente absolvição do R. da instância (e não do pedido).

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Antes de entrarmos na análise do recurso, atentemos, porém, na explicitação de uma confusão qe grassa nos autos, situação esta que, embora sem importância de maior, urge precisar.
É o que faremos em

I - Questão prévia:

Carlos Alberto Martins da Silveira intentou esta acção na qualidade de casado com Maria de Lurdes da Luz Silveira, no regime da separação judicial de bens.
É ele, porém, a única parte activa nesta acção e não também sua mulher.
Assim, só ele - e bem - outorgou a necessária procuração forense.
Contudo, logo a p. i. foi autuada no Tribunal Judicial de Tomar com o nome de ambos os membros do casal como autores, tendo o R., também na sua contestação, falado em acção por ambos contra ele movida.
O que já vimos não corresponder à verdade.
Sendo certo que o senhor Juiz a quo, embora nas actas respectivas também se aluda aos membros do casal como autores na acção, giza a sua sentença - já o mesmo não sucedendo com o seu despacho em que julgou a matéria de facto - com o A. Alberto Silveira como única parte activa, condenando apenas a ele, e não também a sua mulher, no pagamento das custas respectivas.
Já o recurso aparece recebido como tendo sido interposto por ambos os membros do aludido casal, sendo a alegação formulada também em sua representação, não obstante a aludida mulher do A. não ter outorgado qualquer procuração ao mandatário forense de seu marido.
Contudo, como se disse, o único autor é CARLOS ALBERTO MARTINS DA SILVEIRA, pecando do aludido vício também a autuação efectuada nesta Relação, a qual, oportunamente, deve ser corrigida.

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II - Da apelação:

O A., na presente acção, arrogando-se também dono e possuidor de uma cabine, bomba eléctrica, automatismos, tubagens de água e cablagem eléctrica destinados á captação e transporte de água de um poço que melhor identifica, pede para ser restituído à respectiva posse, pelo R. ilicitamente ofendida, bem como para ser indemnizado dos danos que este, com tal conduta, lhe causou. Os quais deverão ser liquidados em execução de sentença.
Alegando, no quanto a tal importa, que o R., com a actuação que descreveu e que lhe tem impedido a posse do dito poço e da sua água, a qual, desde muito antes de 1976, era utilizada para gastos domésticos da casa de habitação e para rega do jardim e quintal, que ocupa uma área de cerca de 1.000 m2, com consumo irrelevante da água da rede pública - só havia recurso a esta em caso de avaria da bomba ou noutro ponto do sistema de captação a partir do poço - lhe tem causado prejuízos com tal privação, sendo certo que o gasto mensal de água, mormente no verão, atinge valores na ordem das centenas de metros cúbicos, chegando a bomba a trabalhar 10 horas por dia, debitando cerca de 3 m3/h.
Mais alegando que a actuação ofensiva por banda do R., que acabou por originar o corte em absoluto da água, o obrigou a efectuar despesas, para defesa do seu direito á restituição do uso da água, com a constituição de advogado e com a sua demanda judicial.

Estamos, assim, desde logo em consonância com o pedido (e causa de pedir) em sede de acção de restituição de posse a que alude o art. 1278º, nº 1 do CC, e não, salvo o devido respeito, como começa por dizer o senhor Juiz a quo, na fundamentação da sua sentença, perante uma acção de reivindicação de propriedade, cujo reconhecimento do direito e consequente restituição do que ao seu titular pertence está contemplado no art. 1311º do mesmo diploma legal.
Aliás, o mesmo senhor Juiz a quo, no desenrolar da dita fundamentação, reconhece que o A. deve ser restituído á posse da cabine, da bomba eléctrica, automatismos e tubagens de água do poço, não devendo o R. interferir com a manutenção do sistema no mesmo lugar e nas mesmas condições anteriores à demolição e remoção a que deu lugar. Invocando, de forma expressa, o mencionado art. 1278º, que rege precisamente quanto á manutenção e restituição da posse.
Acabando por condenar o R. no primeiro dos formulados pedidos, ou seja, a restituir ao A. a posse a cujo direito se arrogava.

Mas, como já vimos, o A. cumulou tal pedido possessório - que viu satisfeito, com trânsito em julgado - com o de indemni-
zação pelos prejuízos que o R. lhe causou.
Improcedendo este último já que, conforme entendeu o senhor Juiz a quo, não alegou o A. - nem demonstrou - factos bastantes que permitam concluir pela existência e definição do dano.
Sendo certo, diz ainda, que não tendo sido precisados os próprios danos, apurando-se apenas que, em consequência da conduta do R., o A. teve de recorrer à utilização de água da rede para regar o jardim e quintal, tal é insuficiente para formulação de um pedido genérico, podendo e devendo o mesmo desde logo ter alegado os consumos com água da rede que teve eventualmente de suportar. Não podendo o conteúdo da sua decisão apenas se concretizar numa fase que seria de mera liquidação e não de definição.

Ora, o possuidor restituído tem o direito a ser indemnizado do prejuízo que haja sofrido em consequência do esbulho (ou da turbação) - art. 1284º do CC, em consonância com o art. 470º, nº 1 do CPC.
Indemnização essa que deve ser decretada na mesma sentença de restituição.
E, reconhecido o direito à restituição, deve o esbulhador (ou o turbador) reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado a lesão, só tendo lugar a indemnização em dinheiro nos termos do art. 566º do CC, obedecendo a sua fixação ás normas dos arts 563º e 564º do mesmo diploma legal - P. Lima e A. Varela, CCAnotado, vol. III, p. 59.
Indo buscar-se tudo o que respeita a esta indemnização à parte geral das obrigações desta natureza (arts 562º a 572º) - Rodrigues Bastos, Notas ao CC, vol. V, p. 40.

Na sua p. i., alem do mais, quanto à parte indemnizatória, formula o A. um pedido genérico, requerendo a condenação do R. a pagar-lhe todos os prejuízos decorrentes da privação do uso da água do poço e das despesas que suportou para defesa do seu arrogado direito, a liquidar em execução de sentença - art. 471º, nº 1, al. b) do CPC.
Permitindo o art. 569º do CC a quem exigir indemnização a não indicação da importância exacta em que avalia os danos.
Não dispensando, porém, tal preceito legal a alegação de factos pelo lesado que revelem a existência e a extensão dos danos.
Sendo certo que, se o Tribunal verificar o dano mas não tiver elementos para fixar o seu valor deve relegar essa fixação, na parte que não considere ainda provada, para execução de sentença nos termos do art. 661º, nº 2 do CPC (quer o autor tenha pedido um montante determinado, quer tenha formulado um pedido genérico).
Não devendo sequer o Tribunal fazer uma fixação equitativa dos danos, nos termos do art. 566º, nº 3 do CC, enquanto houver possibilidade, através de meios que lhe seja possível utilizar, de fixar o exacto valor dos danos ou de averiguar esse valor em execução de sentença. E se nesta não for ainda possível averiguar tal valor exacto, haverá, então, lugar á apreciação equitativa ao abrigo do aludido art. 566º, nº 3 - Vaz Serra, RLJ ano 114º, p. 288, em anotação ao Ac. do STJ de 6/3/80.
Assim, provado que o R., com a sua conduta, causou danos ao A., mas não averiguado, na acção declarativa, o montante de tais danos, desde logo por não haver elementos para fixar o seu objecto ou a sua quantidade, deve a respectiva quantificação ser relegada para execução de sentença.

Provado ficou que, antes do esbulho, o A. utilizava a água do poço para todos os gastos da sua casa e para regar o jardim e quintal, que ocupa uma área de cerca de 1.000 m2
E que, desde Fevereiro de 1999, face á actuação do R., deixou de poder utilizar tal água, primeiro porque os funcioná-
rios do R. cortaram os fios de alimentação eléctrica da bomba, depois porque demoliram a cabine dela retiraram o equipamento que permitia a utilização da água tal como o A. desde há muito vinha fazendo.
Tendo o A., consequentemente, que recorrer à utilização da água da rede pública - que é paga, como notoriamente se sabe -
para regar o jardim e o quintal e também necessariamente para os seus gastos domésticos, sabendo-se que era com a água do poço que os mesmos eram satisfeitos.
Provado, assim, ficou, alem do mais, o dano do A., corres-
pondente à impossibilidade de utilização da água do poço tal como o lesado o vinha fazendo desde pelo menos, 1976, que lhe permitia satisfazer os seus consumos domésticos e os de rega do jardim e quintal.
Sendo conhecido por todos que a água da rede pública é paga, e não obstante também ser de todos conhecido que o mesmo A., para captar e conduzir aos seus pertences a água do poço, teria necessariamente de despender dinheiro no pagamento da energia eléctrica para fazer funcionar o sistema (além, eventualmente, de outros gastos com a amortização do equipamento e sua manutenção), não deixará de poder concluir-se ter o A. sofrido um dano efectivo com a dita impossibilidade de exercício da arrogada posse. Faltando-nos, contudo, elementos que permitam saber qual a extensão do comprovado dano - a facturação junta à providência cautelar, só por si, não pode obviamente, sem correspondente alegação factual nesta acção, ser tida aqui em apreço - devendo esta, por impossibilidade de averiguação neste processo ser relegada para execução de sentença.

Mas o A. pede ainda indemnização, igualmente a liquidar em execução de sentença, pelas despesa que terá suportado com a defesa do seu direito.
Fazendo, agora, também apelo ao art. 456º do CPC.
Permitindo tal preceito a condenação da parte que tiver litigado com má fé numa indemnização à parte contrária.
Podendo esta consistir, face ao disposto no art. 457º seguinte:
"1. a) No reembolso das despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos;
b) No reembolso dessas despesas e na satisfação dos restantes prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má fé.
O juiz optará pela indemnização que julgue mais adequada á conduta do litigante de má fé, fixando-a sempre em quantia certa.
2. Se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, serão ouvidas as partes e fixar-se-á depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas das despesas e de honorários apresentados pela parte.
3. Os honorários são pagos directamente ao mandatário, salvo se a parte mostrar que o seu patrono já está reembolsado."
Tratando este preceito da indemnização pelo uso ilegítimo do direito de acção, realidade substancialmente distinta do direito subjectivo que se pretende fazer valer em juízo.

Ora bem:
O que o A. pediu na acção foi também a condenação do A. em indemnização "pelas despesas por ele suportadas com a defesa do seu direito á ... água, a liquidar em execução de sentença".
Alegando, a tal propósito, que a actuação do R. - com a privação da água do poço - o obrigou a constituir mandatário e a agir judicialmente, desconhecendo os custos que terá de suportar, sendo ainda obrigado a diligências destinadas à defesa do seu direito, com inerentes dispêndios de tempo e de energias.
Após a contestação do R. nada disse, nomeadamente quanto á má fé do mesmo.
O senhor Juiz a quo, na sua sentença, e alem do mais, julgou improcedente o pedido de indemnização também formulado a este respeito.
O A., no seu recurso, e nesta parte, vem também arguir a violação do preceituado no art. 456º, alegando que a actuação processual do R., sustentando a sua defesa em fundamento cuja falta não podia ignorar, o deveria fazer incorrer na sanção por má fé e na sua consequente indemnização.
Contudo, além do A. não ter colocado esta questão na 1ª instância e de, em consequência, a mesma não dever ser apreciada neste Tribunal em sede de recurso, já que este visa modificar a decisão proferida e não a criar decisão sobre matéria nova (Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, vol. III, p. 266), sempre se dirá, mesmo a entender-se que a mesma deve ser oficiosamente conhecida, não se vislumbrar má fé na conduta do R. na acção, já que preenchido não se verifica qualquer um dos seus pressupostos, enumerados no citado art. 456º. E, designa-
damente, que ele tivesse deduzido oposição cuja falta não devesse ignorar. Pois, o que se terá passado é que o R. terá interpretado incorrectamente uma cláusula do que entre as partes foi convencionado. Pautando depois a sua conduta, um tanto temerariamente diga-se de passagem, em conformidade com tal convicção. Não chegando a mesma ousada conduta - que já lhe terá provocado custos com a imposta reposição da situação que anteriormente se verificava - a poder revelar-se intencional ou gravemente negligente, requisitos estes sempre subjacentes à ora pretendida má fé.
Mais se dizendo, na sequência do decidido na 1ª instância, embora esta vertente não tivesse sido assim apreciada, que as despesas que o A. terá, por certo, suportado com a defesa do seu direito à restituição da posse ofendida, embora em relação a elas se possa eventualmente até verificar nexo causal com a aludida conduta do apelado, têm o seu ressarcimento previsto em diploma especial - o Código das Custas Judiciais - em sede de custas de parte e de procuradoria, deixando de ser aqui aplicável, de qualquer modo, o regime da responsabilidade civil - acs da RC de 18/10/94, CJ Ano XIX, T. 4, p. 38 e da RP de 10/3/98, CJ Ano XXIII, T. 2, p. 255.
Nesta parte, tem de improceder a pretensão do apelante.

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A decisão agora proferida torna inútil o conhecimento das demais questões suscitadas.

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Face a todo o exposto, acorda-se nesta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, condena-
-se ainda o R. CC a pagar ao A., a título de indemnização, os prejuízos decorrentes da privação do uso da água do poço, a liquidar em execução de sentença. Nesta parte se revogando a sentença recorrida.
Custas, na 1ª instância, provisoriamente, por A. e R., em 1/3 para aquele e em 2/3 para este, sendo certo estar o mesmo delas isento, deixando-se o rateio definitivo para depois da liquidação.
Custas nesta Relação em partes iguais, tendo-se ainda em conta a mesma isenção.