Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
51/17.6GASRE.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE JACOB
Descritores: AMEAÇA;
ACUSAÇÃO MANIFESTAMENTE INFUNDADA
Data do Acordão: 06/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE COIMBRA - JUIZ 1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 153.º, N.º 1, DO CP; ART. 311.º, N.ºS 2, AL. A), E 3.º, AL. D), DO CPP
Sumário:
I – A incerteza decorrente da pluralidade de significados atribuíveis à expressão “Eu hei-de fazer-te a folha” só poderá converter-se numa verdade penalmente relevante, recondutível ao tipo de crime de ameaça, se for possível determinar, com a certeza juridicamente exigível, a intenção subjacente à sua verbalização.
II – Detendo, em abstracto, a dita expressão a potencialidade de provocar medo ou inquietação ou de prejudicar a liberdade de determinação do visado, a acusação pública deduzida não pode ser considerada “manifestamente infundada”, nos termos e para os efeitos previstos no art. 311.º, n.ºs 2, al. a), e n.º 3, al. d), do CPP.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO:

Nos autos de processo comum (tribunal singular) supra referenciados, o Mmº Juiz do Juízo Local Criminal de Coimbra - Juiz 1, proferiu o despacho que seguidamente se transcreve:

O Ministério Público acusa em processo comum e para intervenção de Tribunal singular, A…, com os sinais dos autos, imputando-lhe a autoria material de um crime de ameaça, p. e p. pelo art.º 153.º, 1 do CP, fundado nos seguintes factos:

“No dia 09 de Janeiro de 2017(…), o arguido dirigiu-se ao queixoso B… nos seguintes termos, visando-o: “Eu hei-de te fazer a folha”. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, pretendendo com o comportamento por si perpetrado infundir no ofendido um fundado receio de que um mal futuro lhe sucederia, nomeadamente à sua integridade física, o que logrou, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.”

Cumpre apreciar e decidir.

Vejamos o tipo legal de crime de ameaça simples:

“Art.º 153.º do Cód. Penal

1. Quem ameaçar outra pessoa com a prática de um crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.

2. O procedimento criminal depende de queixa.”

São assim elementos constitutivos:

- O anúncio de que o agente pretende infligir a outrem um mal que constitua crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor;

- Que esse anúncio seja adequado a provocar-lhe receio, medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação;

- Que a conduta do agente seja dolosa.

“Ameaçar é anunciar a alguém um grave e injusto dano necessariamente futuro, e pelo que a pessoa visada com a ameaça de um mal tipificado de um facto punível não pode deixar de ficar receosa e na expectativa séria de que o facto se virá a produzir; isso é bulir com a sua tranquilidade e coarctar a sua liberdade, o que fundamentalmente é protegido pelo crime de ameaças, p. e p. pelo art.º 155.º do Cód. Penal.”

Na vigência do Cód. Penal de 82 este tipo legal de crime era configurado como de resultado.

Com a alteração levada a cabo pelo Cód. Penal de 95 este tipo legal de crime passou a crime de perigo, bastando-se com a adequação da ameaça a provocar o medo, a inquietação...

Como escreve M. MAIA GONÇALVES, “A introdução, feita na revisão (...) da expressão de forma adequada a provocar-lhe mais não é do que um afloramento da doutrina da causalidade adequada, perfilhada na Parte Geral, para definir o nexo causal entre a conduta e o resultado nos crimes materiais. E nestes termos a expressão introduzida seria dispensável, como se dispensou na versão originária, sem que a solução divergisse; tem ela no entanto, a vantagem de coarctar cerce todas as dúvidas que a este respeito possam surgir.”

Para A. TAIPA DE CARVALHO, “O critério da adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação, ou de modo a prejudicar a liberdade de determinação é objectivo-individual: objectivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa ( critério do “homem comum” ); individual, no sentido de que devem relevar as características psíquico-mentais da pessoa ameaçada ( relevância das “subcapacidades” do ameaçado ).”

A afirmação imputada ao arguido como dirigida ao visado “Eu hei-de te fazer a folha”, é susceptível de preencher os elementos constitutivos do tipo legal de crime imputado? Como refere A. TAIPA DE CARVALHO, “O conhecimento da ameaça por parte do sujeito passivo desta é elemento integrante do tipo objectivo do ilícito de ameaça: “quem ameaçar outra pessoa”. Sendo irrelevante a forma utilizada pelo agente ameaçador, indispensável é, para preenchimento do tipo, que a ameaça chegue ao conhecimento do seu destinatário (…). Que o agente faça a ameaça directa e pessoalmente, que utilize um meio ( p. ex., telefone, carta ), ou que se sirva de interposta pessoa é, portanto, irrelevante.”

No entanto, não se extrai dessa imputada afirmação que o arguido pretenda infligir ao visado um mal que constitua crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor.

Como defende AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, “O mal ameaçado, isto é, o objecto da ameaça tem de constituir crime, isto é, tem de configurar em si mesmo um facto ilícito típico.

…a Revisão de 95 restringiu a amplitude deste elemento. Especificando que o crime, objecto da ameaça, tem de ser contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor.”

A supra referida afirmação, alegadamente proferida pelo arguido, não nos permite concluir de que ameaça se trata, se de ameaça se pode falar. Neste contexto, importa concluir pela não susceptibilidade de preenchimento dos elementos constitutivos do tipo legal de crime imputado.

Consequentemente é de rejeitar a acusação, porque manifestamente infundada ( art.º 311.º, 2 a) e 3 d), do CPP ).

Face ao exposto, nos termos do art.º 311.º, 1, 2 a) e 3 d), do Cód. Proc. Penal, rejeita-se a acusação, porque manifestamente infundada.

(...)

Inconformado com esta decisão, dela recorre o M.P., retirando da motivação do recurso as seguintes conclusões:

1. O Ministério Público discorda do despacho proferido em 11/12/2017 pelo Exmo. Sr. Juiz de Direito do Tribunal “a quo” que, no momento em que recebeu a acusação pela prática do crime de ameaça, p. e p. pelo art.º 153.º n.º 1 do Código Penal, rejeitou aquela acusação, por a considerar “manifestamente infundada”, uma vez que a expressão “Eu hei-de te fazer a folha” não é susceptível de preencher os elementos constitutivos daquele crime.

2. Não se desconhece a existência de jurisprudência que defende, assim como o despacho recorrido, que este tipo de expressões não prefigura ameaça na medida em que o agente não anuncia a prática de qualquer um dos crimes referidos no texto do art.º 153.º, n.º1 do Código Penal, veja-se v.g. os Acs. do TRC de 05/05/1999, proc. n.º 88/99, relatado por Barreto do Carmo, e de 09/01/2008, proc. n.º 823/05.4TACBR, relatado por Gabriel Catarino, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

3. Mas, a verdade é que outros arestos que se pronunciaram sobre o mesmo assunto concluíram no sentido oposto, como v. g. o Ac. do TRC de 30.10.2013, proc. n.º 175/12.6GATBU.C1, relatado por Paulo Valério, e o Ac. do TRP de 30/09/2009, proc. n.º 104/08.1GBMDL.P1, relatado por Ernesto Nascimento, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

4. Segundo esta jurisprudência, as palavras constituem expressões, retalhos, pedaços de vida e não podem ser lidas, de forma anódina, como que extraídas de uma redoma, reduzidas a instrumento de experiência de laboratório esterilizado, muito menos desintegradas do seu contexto.

5. O carácter vago da expressão não retira o seu carácter de ameaça, pois de outro modo a quem queira ameaçar outrem basta ter um uso habilidoso da língua para ameaçar sem o dizer expressamente, ou até para utilizar palavras que significam o contrário do que querem dizer.

6. A expressão “faço-te a folha” não tem um sentido unívoco, pois, se se concluir que a expressão, em concreto, atentas as personalidades e atitudes de quem a emite e de quem a recebe, tem sentido inequívoco e comummente aceite de representar a ameaça de ofensa à integridade física, então, não se pode excluir, bem pelo contrário, a possibilidade de provocar medo e inquietação na pessoa do visado.

7. A expressão usada pelo arguido dirigida ao ofendido, com a significação que lhe está associada, tem a aptidão para, em relação a qualquer pessoa, traduzir a possibilidade da execução de uma acção agressiva, e portanto estão preenchidos os elementos típicos do crime em causa.

8. Assim sendo, no estádio actual do processo, atento o exposto, não é possível dizer sem mais que a expressão “Eu hei-de te fazer a folha” não tem a virtualidade de preencher os elementos típicos do crime de ameaça, muito pelo contrário.

9. Só após ampla e contraditória discussão em sede de audiência de julgamento se poderá confirmar, com os necessários juízos de certeza e segurança jurídicos, a existência ou não dos actuais indícios do crime de ameaça.

10. Salvaguardando a estrutura acusatória do processo penal, dispõe o art.º 311.°, n.º 1 do C P Penal que recebidos os autos o tribunal pronuncia-se sobre nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer, prevendo a possibilidade de rejeitar a acusação quando manifestamente infundada, enumerando taxativamente no seu n.º 3 os casos em que a acusação se considera manifestamente infundada, designadamente se os factos não constituírem crime – al. d) do n.º 3 daquele dispositivo.

11. Ao abrigo desta norma, para que o juiz possa rejeitar a acusação é necessário que os factos descritos não constituam inequivocamente crime, sendo que o entendimento divergente das várias correntes seguidas pela jurisprudência não se basta para o efeito.

12. A alínea d), do nº 3 do art.º 311º do C P Penal não acolhe um exercício dos poderes do juiz que colida com o acusatório. O tribunal é livre de aplicar o direito, mas não pode antecipar a decisão da causa para o momento do recebimento da acusação.

13. Assim, se os factos narrados na acusação correspondem à prática de crime segundo uma corrente jurisprudencial significativa, esta não é de rejeitar se dela resulta a existência dos elementos objectos e subjectivo das acções típicas descritas na norma legal.

14. Perante o exposto, não se pode afirmar que os factos descritos na acusação não constituem a prática do crime de ameaça, pois a expressão “Eu hei-de te fazer a folha” não pode deixar de ser entendido, pelo menos nesta fase do processo, como consubstanciando a ameaça de um futuro ajuste de contas - segundo um critério objectivo-individual.

15. Aqui reside o mal futuro que no despacho recorrido não se vislumbrou, não obstante a jurisprudência já se ter debruçado sobre o assunto e o ter admitido como integrador da prática do crime de ameaça.

16. Desta forma, o despacho recorrido não só violou o disposto no art.º 311.º, n.º 2 al.ª a) e n.º 3, do Código de Processo Penal, como fez ainda uma errada interpretação do disposto no art.º 153.º, n.º 1 do Código Penal.

Nestes termos, deverá ser determinado que o despacho recorrido seja revogado e substituído por outro que receba a acusação proferida pelo Ministério Público e designe a audiência de julgamento, fazendo assim, como sempre, Justiça.

O arguido A… respondeu, pronunciando-se pela improcedência do recurso.

O Exmº Procurador-Geral Adjunto, acompanhando a posição assumida pelo M.P. em 1ª instância, exarou parecer no sentido do provimento do recurso.

O arguido respondeu, renovando a posição anteriormente assumida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, tendo presente que o âmbito do recurso se delimita pelas conclusões formuladas pelo recorrente, sem prejuízo do que seja do oficioso conhecimento do tribunal.

No caso vertente, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, a única questão de que verdadeiramente importa conhecer é esta:

- A expressão “Eu hei-de te fazer a folha” tem aptidão para integrar a tipicidade do crime de ameaça?

II – FUNDAMENTAÇÃO:

Como é sabido, e disso deu conta o despacho recorrido, não é toda e qualquer ameaça que releva do ponto de vista penal. Para os efeitos do art. 153º do Código Penal apenas releva a ameaça com a prática de um crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação do destinatário da ameaça.

A redacção introduzida no tipo legal pela revisão de 1995 conformou-o como crime de mera acção e de perigo concreto, já que não se exige que o destinatário tenha sentido medo ou inquietação ou que de alguma forma tenha sido prejudicada a sua liberdade de determinação, sendo suficiente que a ameaça seja adequada a produzir qualquer dessas finalidades - Cfr. Américo Taipa de Carvalho, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo I, pags. 340 e ss..

O cerne da questão trazida ao conhecimento desta Relação reside no relevo penal da expressão “Eu hei-de te fazer a folha” quando utilizada para preenchimento do tipo legal do crime de ameaça.

O problema que esta expressão levanta prende-se não só com a subjectividade imanente à linguagem, mas com a intersubjectividade estabelecida na relação de quem diz com quem ouve, na medida em que a linguagem é essencialmente um jogo de significâncias, verbalizadas com o intuito de comunicar, isto é, de transmitir a um ou a vários destinatários uma mensagem cujo conteúdo normalmente coincidirá com o verbalizado, mas que dele poderá intencionalmente divergir, ou que poderá mesmo ser vago e indeterminado, deixando deliberadamente ao receptor a possibilidade de «determinar» o seu real significado. Só que muitas vezes esse significado existirá apenas na forma como a mensagem foi descodificada pelo destinatário; e é precisamente aqui que para o direito penal começa o problema das expressões vagas, das afirmações imprecisas e dos significados polivalentes.

Para atribuir à equívoca expressão «fazer-te a folha» um relevo penal é necessário interpretá-la, optando por um dos seus múltiplos significados.

A interpretação de uma frase faz-se em função do seu teor, em função do contexto em que foi proferida e em função das inferências lógicas que ela permite. Simplesmente, sabido que sobretudo na comunicação verbal a vertente emocional se sobrepõe ao sentido estritamente objectivo, essas inferências, sendo obra do intelecto do intérprete, podem ultrapassar o horizonte psicológico ou a intenção subjectiva do locutor, não sendo esse, aliás, o único perigo atinente à interpretação duma expressão equívoca, havendo que adicionar-lhe o risco da atribuição de um significado não verbalizado (quando o podia ter sido) que também não foi verdadeiramente desejado - Cfr. Enciclopédia EUNADI, vol. 11 (Oral Escrito – Argumentação, pags. 130/131, 218 e ss., 223.

Já vimos atribuir a essa frase o sentido de ameaça de morte, de ameaça à integridade física, de ameaça de desacreditar o visado perante a entidade patronal ou perante o superior hierárquico, de ameaça de denúncia às autoridades policiais; e outras serão certamente possíveis. Certo é, no entanto, que subjacente a esta expressão está sempre uma ameaça velada, deixando transparecer um intuito de atingir ou, pelo menos, prejudicar o destinatário.

Não oferece dúvidas de maior a conclusão de que muitas das asserções da expressão «fazer a folha» serão insusceptíveis de preencher a tipicidade do ilícito a que nos reportamos, o que no entanto não exclui de todo o potencial dessa expressão para tal efeito. Só que a incerteza decorrente dessa pluralidade de significados só se poderá converter numa verdade penalmente relevante se fôr possível determinar com a certeza jurídicamente exigível a intenção subjacente à sua verbalização.

Como decorre do teor da acusação formulada, o recorrente teve o cuidado de verter naquela peça processual não apenas a expressão proferida pelo arguido, mas também o sentido e a intenção com que aquele a proferiu.

Recapitulemos: No dia 09 de Janeiro de 2017, (…), o arguido dirigiu-se ao queixoso B… nos seguintes termos, visando-o: “Eu hei-de te fazer a folha”. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, pretendendo com o comportamento por si perpetrado infundir no ofendido um fundado receio de que um mal futuro lhe sucederia, nomeadamente à sua integridade física, o que logrou, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (sublinhados nossos).

Esta acusação contém todos os elementos necessários para ser recebida e a conclusão de que a expressão proferida pelo arguido não tem a virtualidade de preencher o tipo legal de crime de ameaça é algo precipitada. O que está em causa neste tipo de crime é uma conduta adequada a provocar receio, medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação do visado; conduta que nem sequer tem que consistir numa afirmação; pode ser um simples gesto carregado de significado (pense-se por exemplo, no acto de passar a mão estendida pelo pescoço, paralela ao queixo, que numa primeira impressão equivale a dizer “corto-te o pescoço”, mas que pode valer com significados diversos, dependendo da situação em concreto, a interpretar caso a caso). Em abstracto, a expressão verbalizada pelo arguido tem a potencialidade de realizar esse fim e a acusação descreve a intenção com que foi proferida. Assim sendo, tudo dependerá da prova que em concreto vier a ser produzida. O que não se poderá admitir é que se descarte desde já a possibilidade de averiguar a real intenção subjacente à actuação do arguido. Fazê-lo, equivaleria a conceder que uma personalidade mais sibilina ou astuciosa pudesse livremente incutir medo ou inquietar a seu bel prazer quem quer que fosse, sem risco de ser incomodado ou de responder pela sua actuação, bastando-lhe para tanto utilizar expressões de dúbio sentido, de intenção determinável apenas através do conhecimento do (mau) relacionamento existente, de inimizade grave, de disputas anteriores ou de todo um sem número de hipóteses possíveis que muito para além da mera verbalização darão corpo à ameaça e cuja real intenção, no entanto, o destinatário bem compreenderia.

Vale tudo isto por dizer que a acusação, nos termos em que foi deduzida, não se poderá considerar «manifestamente infundada» nos termos previstos nos arts. 311º, nº 2, al. a) e nº 3, al. d), do Código de Processo Penal, havendo assim que revogar o douto despacho recorrido.

III – DISPOSITIVO:

Nos termos apontados, acordam nesta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que receba a acusação deduzida se nenhum outro fundamento a isso obstar.

Sem taxa de justiça.


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Coimbra, 20 de Junho de 2018

(texto processado e revisto pelo relator)

Jorge Miranda Jacob (relator)

Maria Pilar Oliveira (adjunta)