Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
134/09.6TBCLB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
SOLO APTO PARA CONSTRUÇÃO
Data do Acordão: 03/22/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CELORICO DA BEIRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA A SENTENÇA
Legislação Nacional: ARTS.23, 25, 26, 28 DO CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES
Sumário: No caso de o aproveitamento económico normal da área de implantação e do logradouro não depender da demolição dos edifícios ou das construções, a indemnização pela expropriação corresponde ao somatório dos valores do solo e das construções, determinados: o solo nos termos do art. 26 e as construções nos termos do art. 28/1 (sem a área de implantação e do logradouro), e sem dedução do custo das demolições.
Decisão Texto Integral:               Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados:

              Este processo resulta de uma expropriação total de um prédio urbano de J (…) e mulher, M (…) (= expropriados), que o habitavam e nele tinham um comércio, a favor da EP – Estradas de Portugal, SA (= expropriante).

              Da decisão arbitral que fixou o valor da expropriação, interpuseram recurso os expropriados e a expropriante.

              Os primeiros só punham em causa o valor das despesas de reinstalação dos bens que têm na sua habitação e loja que lá existia, o valor do arrendamento de uma habitação enquanto não pudessem ir habitar para uma nova casa, a desnecessidade de arrendamento de uma loja para o seu comércio pelo mesmo período;  a não valorização das árvores existentes no prédio e a desconsideração dos prejuízos decorrentes da paralisação da sua actividade.

              A expropriante dizia que os árbitros adoptaram para o cálculo do valor do solo um custo de construção de 557,29€/m2 e para o cálculo do valor da habitação um custo de construção de 750€/m2, entendendo que os árbitros deveriam ter usado o mesmo valor para os dois cálculos, o que teria resultado num valor de 118.388,40€, para a habitação, o qual entendia dever ainda ser sujeito a uma desvalorização de 20%, atenta a idade da edificação em causa, resultando assim num valor de 94.694,72€. Alegava ainda que o anexo não valia mais de 9.375€. Discorda igualmente do valor atribuído ao solo, por não terem os árbitros considerado o valor das construções existen-tes no local, mas sim o valor de uma possível construção a implantar no mesmo, o que entende ser inadmissível; discordando também de ter sido aplicado um índice fundiário de 12%, que considera exagerado, defendendo que o mesmo não deverá ir além do 10%. Pugna por isso pela avaliação do solo em 19.252,90€ (o que é igual à multiplicação por 18,5% da soma do valor da habitação com a garagem/arrumos).

              Nomeados os peritos foi elaborado um laudo de avaliação da parce-la a expropriar e depois das alegações foi proferida sentença julgando totalmente improcedente o recurso interposto pela expropriante, decidindo, consequentemente, manter o valor de 210.553,78€ atribuído pela decisão arbitral a título de indemnização pela expropriação pelo solo da parcela n.º 138BR6 e benfeitorias nela implantadas [= 33.007,38€/solo, 159.300€/ /habitação 15.625€/garagem e arrumos, 551.40€/tanque e 2070€/vedação] e julgando parcialmente procedente o recurso interposto pelos expropriados, decidindo, consequentemente: a) atribuir-lhes, a título de indemniza-ção por rendas suportadas por causa da expropriação, 7.200€; b) manter o valor de 2.500€, atribuído pelos árbitros, a título de despesas de reinstalação; e c) negar provimento ao demais peticionado; assim determinando que o valor total a pagar pela expropriante aos expropriados pela expropriação da parcela 138BR6 é de 220.253,78€. Ainda se decidiu que o valor fixado será actualizado até à notificação do despacho proferido em 22/09/2009 e, daí em diante, será actualizado o montante equivalente à diferença entre a quantia atribuída e a ora fixada, nos termos do art. 24º do Código das Expropriações, de acordo com os índices de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicados pelo INE.

              A expropriante interpôs recurso desta sentença – para que a in-demnização seja diminuída para 135.643,62€ -, com conclusões (que não se transcrevem porque não obedecem às normas legais que definem o que é que são con-clusões, no essencial: sínteses de argumentos e não arrazoados) que, em síntese, se traduzem no seguinte:
         A metodologia adoptada pelos árbitros e sentença, para o cálculo do valor do solo, não se mostra tecnicamente correcta, pois que não consideraram o valor das construções existentes, mas sim o valor de uma possível construção, critério esse consagrado no n.° 4 e seguintes do
art. 26° do CE, somente para aplicação a solos sem construções - o que não é o caso. Ao avaliar-se o solo em função da construção possível, pressupõe-se que aí não existem construções. Avaliar o solo em função da construção possível implicaria contabilizar e subtrair o custo da demolição e remoção das construções existentes na parcela, sob pena de benefício dos expropriados.

         Os árbitros e a sentença aplicaram, nos termos do disposto no n.° 6 do art. 26° do CE e num máximo de 15%, um índice fundiário base de 12%. Ora, a percentagem deve ser vista a nível nacional, pelo que, a uma parcela que nem sequer está localizada no núcleo urbano de Celorico da Beira, não se justifica a aplicação de um índice fundiário base superior a 10%.
         O tribunal a quo, unicamente porque os peritos afirmaram, sem fundamentação, que o valor que calcularam para o solo e anexos é o valor de mercado, aderiu àqueles valores. Logo, também a sentença não está fundamentada.
         Para além de uma mera afirmação dos peritos, não constam dos autos elementos que permitam concluir, como o tribunal a quo, que a habitação e anexos têm respectivamente o valor de 159.300€ e 15.625€.
         Não faz qualquer sentido que seja atribuído um valor de construção para habitação superior em 35% ao custo de construção utilizado para o cálculo do valor do solo, para mais a uma construção com 28 anos. Para o cálculo do valor da habitação e do valor do solo poder-se-á concordar com a aplicação de um custo de construção de 557,29€/m2.
         Ao valor da habitação deve, pelo contrário, ser atribuída uma desvalorização de 20%, em função da idade (= coeficiente de vetustez). A tabela constante do art. 44°/1 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, Lei n.° 64-A/2008, para habitação com 28 anos apresenta um coeficiente de vetustez de 0,75, isto é, uma desvalorização de 25%.

              Os expropriados contra-alegaram, defendendo a improcedência do recurso.

                                                                 *

               Questões a solucionar:

               São as conclusões que delimitam o objecto do recurso (art. 684-A/1 e 685/3, ambos do CPC), pelo que, questões afloradas nas alegações mas não nas conclusões, não têm de ser consideradas. Assim, por exemplo, nas alegações de recurso a expropriante também refere a questão do índice de construção para o cálculo do valor do solo. Mas, apesar da extensão das conclusões, não faz nestas qualquer referência à questão do indice de construção. Pelo que não há que cuidar desta questão.

              As conclusões levantam assim as seguintes questões a solucio-nar: qual o valor do solo, da habitação e dos anexos do prédio expropriado.

                                                                 *

              Registe-se que a decisão arbitral foi proferida em 15/11/2007, mas a expropriante apenas em 18/06/2009 enviou o processo para tri-bunal.

                                                                 *

              É o seguinte aquilo que se considerou como provado na senten-ça recorrida:
         1. Pelo Despacho n.º 4268-B/2007, do Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e das Comunicações, de 22/02/2007, publicado no Diário da República n.º 47, IIª Série de 07/03/2007, foi declarada com carácter de urgência, a expropriação por utilidade pública da parcela identificada com o n.º 138BR6, com a área de 618 m2, correspondente ao prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de casas do Soeiro, sob o artigo 22 (com origem nos artigos urbanos 929 e 1656), na altura omisso e actualmente descrito na CRP de Celorico da Beira sob o n.º 5/20090727, confrontando a norte com João de Deus Pereira, de sul e poente com estrada e se nascente com Ana Maria de Carvalho, necessária à execução da obra da A25/IP5 Lanço Mangualde/Guarda – Sublanço Fornos de Algodres/Ratoeira Nascente.
         2. O prédio urbano referido em 1 é propriedade dos expropriados.
         3. Em 11/04/2007, foi realizada a vistoria ad perpetuam rei memoriam referente à parcela 138BR6.
         5. A entidade expropriante tomou a posse administrativa da parcela 138BR6 em 10/09/2007.
         6. Por despacho de 22/07/2009, foi adjudicada à expropriante a parcela de terreno n.º 138BR6, identificada em 1.
         Em 11 de Abril de 2007:
         7. A parcela objecto de expropriação correspondia a uma casa de habitação, respectivo logradouro e anexos para garagens.
         8. A casa de habitação desenvolvia-se em dois pisos, R/C e andar, estando ainda promovido o aproveitamento do sótão para arrumos, cuja estrutura era em betão armado, sendo os pavimentos em lajes aligeiradas assentes numa estrutura diferenciada de vigas e pilares e sendo a cobertura realizada em telha cerâmica assente sobre estrutura de betão armado, com as janelas e as portas exteriores realizadas em caixilharia de alumínio e sendo as portas interiores em madeira tipo placarol.
         9. A área de implantação do R/C correspondia a 94m2, distribuindo-se por um espaço amplo e uma casa de banho. Tinha acesso exterior directo e nele se localizava uma loja de escultura e artesanato, propriedade e exploração do expropriado onde este procedia à venda de diversos artigos como moedas e velharias. Neste piso localizava-se ainda a caldeira para o aquecimento central da casa e as águas domésticas. O pavimento era em betonilha pintada, sendo as paredes rebocadas e pintadas.
         10. No andar, com uma área total de 110 m2, ao qual se tinha acesso por escadas exteriores, localizava-se a zona de habitação constituída por duas salas, cozinha, três quartos, uma casa de banho, hall e corredor de distribuição. Ao longo da fachada Poente localizava-se uma varanda com 12 m2. Do ponto de vista dos acabamentos, o pavimento encontrava-se revestido a alcatifa, com excepção da sala em parquet, estando as paredes e tectos rebocadas e pintadas. No WC, o pavimento era em mosaico e as paredes em azulejo.
         11. O acesso ao sótão, amplo e destinado a arrumos, fazia-se através de uma escada interior de directriz rectilínea, sendo o seu pavimento em betonilha e as paredes e tectos rebocadas e pintadas.
         12. O anexo, destinado a garagem e arrumos, tinha 62,5 m2 e era realizado numa estrutura de betão armado, paredes em alvenaria de tijolo rebocadas e pintadas e cobertura em telha assente em estrutura perna ripa, estando a sua fachada Sul dotada de dois portões de correr em chapa de ferro pintada, possuindo ainda uma outra porta de acesso e uma janela.
         13. Não existiam, em toda a construção, pontos de humidade ou outras condicionantes desvalorizadoras.
         14. O logradouro, ajardinado com diversas espécies, encontrava-se muito bem cuidado nele existindo zonas de circulação em betonilha, envolventes à casa e a promover a interligação dos espaços bem como a entrada da garagem numa área global de 215m2.
         15. Existia ainda um tanque realizado em betão armado com uma área de 3,5m x 3,5m e altura de 1,5m.
         16. Todo o lote se encontrava vedado por muro de tijolo rebocado e pintado com 1m de altura, encimado por um gradeamento com 0,5m de altura numa extensão de cerca de 50 m.
         17. A parcela dispunha das seguintes infra-estruturas: passeios; rede de iluminação pública; rede de distribuição de energia eléctrica; rede de telefones; rede de esgotos ligada a estação depuradora; e rede de água, e tem acesso por estrada pavimentada.
         18. De acordo com o Plano Municipal de Celorico da Beira a propriedade afectada pela expropriação encontrava-se situada em zona definida como Espaço Urbanizável.
         19. Em 15/11/2007 foi elaborada decisão arbitral na qual se avaliou, por unanimidade, a indemnização da parcela em 213.053.78€.
         20. Em 13/11/2009, os peritos atribuíram à parcela expropriada (e benfeitorias) o valor de 218.155,18€, tendo concluído ainda que os expropriados incorreram, directa e necessariamente por causa da expropriação, em despesas de 1.500€ referentes a estudos e licenciamentos, 7.200€ referentes a rendas e 2.500€ referentes a despesas de transferência de mobiliário.
         21. O valor corrente de mercado da parcela expropriada (solo e edificação e benfeitorias nele realizadas) era, à data da DUP, de 218.155,18€.
         22. À data da DUP, os proprietários da parcela residiam no andar de habitação e desenvolviam actividade de comércio de velharias no rés-do-chão.

                                                                  I

                                               Qual o valor do solo?

              Como se explica na sentença recorrida:
         “Os árbitros avaliaram o solo da parcela expropriada come-çando por considerar ser o índice de implantação previsto para o local no Plano Director Municipal de Celorico da Beira, de 0,45.
         Partindo de tal índice, consideraram depois o valor unitário da construção, de acordo com a Portaria n.º 1152/2006. de 30/11, que determina que para o ano de 2007 (ano da declaração de utilidade pública) o preço da construção para a habitação é, para a zona III, de 557,29 €/m2 de área útil.
         Consideraram, todavia, para o valor de construção (= Vc) a utilizar na determinação do valor do terreno, um valor ponderado de 473,70 €/m2, correspondente ao valor de construção do m2 de área útil acima referido, uma vez que a área útil corresponde, sensivelmente, a 85% da área bruta e de cerca de 236,85€/m2 para garagem e arrumos, assim chegando ao valor da construção de 260,54€/m2 [corrigiram-se os valores em itálico, para os pôr de acordo com aquilo que era dito pelos árbitros – parênteses deste acórdão do TRC].
         Consideraram depois um índice de localização, qualidade ambiental, equipamentos e infra-estruturas de 20,5%, correspon-dente a 12%, nos termos do n.º 6 do artigo 26.º do CE (correspon-dendo a 4% para localização, 4% para os equipamentos e 4% para o ambiente) e 8,5% das alíneas a), b), c), d), e), g) e i) do n.º 7 do mesmo artigo.
         Obtiveram, desta forma, o valor unitário do solo de 53,41€/m2, valorizando o solo em 33.007,38[corrigiu-se o valor em itálico, para o por de acordo com o resultado da conta feita pelos árbitros – parênteses deste acórdão do TRC].
         Já os peritos avaliaram o solo de modo em tudo coincidente com os árbitros, excepção feita ao índice de utilização máximo que consideraram ser de 0,55, levando assim a que valorizassem o solo em 40.608,78€.”

              Isto contém uma omissão: os peritos divergiram dos árbitros tam-bém quanto ao valor da construção por m2 da garagens e arrumos, que dizem ser de 240€/m2.

                                                                 *

              Quanto às discordâncias da expropriante quanto a esta forma de cálculo, esgrimidas neste recurso:

              Decorre das conclusões do recurso que a expropriante entende que o valor de 240€/m2 para garagem e arrumos não está fundamentado. Em vez de 240€, a expropriante propõe 150€ o m2, sem fundamentar porquê. Ou seja, ao vício apontado, contrapõe a expropriante uma proposta com o vício que aponta à outra.

              Entre uma e outra qual escolher?

              Em casos idênticos, o valor de construção das garagens é, por regra, de metade do valor da construção da habitação. Assim, nenhum reparo merece o valor atribuído pelos três árbitros, pessoas com presumida experi-ência e saber na área técnica e local em questão. E se cinco peritos (um de-les indicado pela expropriante), com pelo menos igual presunção de experi-ência e saber, aumentam unanimemente aquele valor em cerca de 3,15€ por m2, não se vê qualquer razão para escolher antes a posição da expropriante.  

                                                                 *

              Dispõem os nºs. 6 e 7 do art. 26 do CE:
         6 - Num aproveitamento economicamente normal, o valor do solo apto para a construção deverá corresponder a um máximo de 15% do custo da construção, devidamente fundamentado, variando, nomeadamente, em função da localização, da qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

              A expropriante entende que entre os limites de 0% a 15% implícitos no nº. 6 do art. 26 do CE, o índice fundiário em causa devia ter sido fixado apenas em 10%. E isto porque a percentagem deveria ser vista a nível nacional, pelo que, a uma parcela que nem sequer está localizada no núcleo urbano de Celorico da Beira, não poderia ser atribuído o índice de 12%.

              O índice em causa varia, segundo a lei diz, nomeadamente, em fun-ção da localização, da qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

              O exemplo que a expropriante dá, nas alegações antecedentes à sentença recorrida, para justificar a impossibilidade de fixar, no caso, este índice em valor superior a 10%, é, só por si, suficiente para pôr em causa o raciocínio. É que qualquer cidadão médio deste país, depois de localizar a Praça do Município em Lisboa, a que a expropriante atribui o valor máximo de 15%, sabe que um prédio sito nela tem uma qualidade ambiental péssima (é de resto uma zona quase desabitada de Lisboa…). E enquanto facilmente se imagina um cidadão médio a ponderar com gosto a hipótese de habitar numa ampla vivenda arejada e com logradouro ajardinado ladeada por duas estradas, uma delas nacional, isso não é possível em relação àquela praça de Lisboa.

               Qual é então o valor a atribuir em resultado da aplicação do nº. 6 do art. 26: 10 ou 12?

               Atribuir 10 num intervalo de 0 a 15, é o mesmo que atribuir 13,3 num intervalo de 0 a 20. Ou seja, em linguagem académica ou escolar, seria um suficiente, nunca um bom. Um bom vai de 14 a 18. Ou seja, naquela escala: de 10,5 a 13,5. Um bom médio seria então igual a 12.

               Ora, os factos provados dizem-nos que, tendo nomeadamente em conta a localização, a qualidade ambiental e os equipamentos existentes na zona, o bom médio na prática atribuído pelos Srs. peritos ao prédio expropriado é perfeitamente razoável e justificado.

               É o que decorre disto: apesar do prédio ter 28 anos de idade, não existiam, em toda a construção, pontos de humidade ou outras condicionantes desvalorizadoras, o que dá bem conta do bom ambiente existente e do arejamento de que beneficia, estando situado junto a um cruzamento de duas estradas, uma delas nacional; e nada é referido de negativo no que se refere a aspectos relacionados com o conforto bioclimático e ambiente social, qualidade urbanística, poluição do ar e solo, orientação solar, morfologia do solo, organização social, níveis de concentração urbana, horizonte visual, proximidade de actividades perigosas ou insalubres, os quais, existindo, teriam decerto sido chamados à colação pela expropriante a nível da matéria de facto.

                                                                 *

              A crítica de que o tribunal a quo, unicamente porque os peritos afirmaram, sem fundamentação, que o valor que calcularam para o solo é o valor de mercado, aderiu àqueles valores, não tem razão de ser, pois que, como se vê, a afirmação em causa não foi feita, nesta parte.

                                                                 *

              Falta uma última questão relativa ao valor do solo. A expropriante entende que não pode ser aplicado o critério art. 26º/4 do CE (valor da construção possível). Ou que, a aplicar-se, então teria de ser descontado o valor da demolição e remoção das construções existentes na parcela.

              Os nºs. 1 a 4 do artigo 26º do CE dispõem o seguinte, quanto ao cálculo do valor do solo apto para a construção:
         1 - O valor do solo apto para a construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor, nos termos dos números seguintes e sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 23.º
         2 - O valor do solo apto para construção será o resultante da média aritmética actualizada entre os preços unitários de aquisições, ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, efectuadas na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial, corrigido por ponderação da envolvente urbana do bem expropriado, nomeadamente no que diz respeito ao tipo de construção existente, numa percentagem máxima de 10%.
         3 - Para os efeitos previstos no número anterior, os serviços competentes do Ministério das Finanças deverão fornecer, a solicitação da entidade expropriante, a lista das transacções e das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efectuadas na zona e os respectivos valores.
         4 - Caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no n.º 2, por falta de elementos, o valor do solo apto para a construção calcula-se em função do custo da construção, em condições normais de mercado, nos termos dos números seguintes.

               E o art. 28º do CE diz o seguinte sobre o cálculo do valor de edifí-cios ou construções e das respectivas áreas de implantação e logradouros
         1 - Na determinação do valor dos edifícios ou das construções com autonomia económica atende-se, designadamente, aos seguintes elementos:
         a) Valor da construção, considerando o seu custo actualizado, a localização, o ambiente envolvente e a antiguidade;
         b) Sistemas de infra-estruturas, transportes públicos e proximidade de equipamentos;
         c) Nível de qualidade arquitectónica e conforto das construções existentes e estado de conservação, nomeadamente dos pavimentos e coberturas, das paredes exteriores, partes comuns, portas e janelas;
         d) Área bruta;
         e) Preço das aquisições anteriores e respectivas datas;
         f) Número de inquilinos e rendas;
         g) Valor de imóveis próximos, da mesma qualidade;
         h) Declarações feitas pelos contribuintes ou avaliações para fins fiscais ou outros.
         2 - No caso de o aproveitamento económico normal da área de implantação e do logradouro não depender da demolição dos edifícios ou das construções, a justa indemnização corresponde ao somatório dos valores do solo e das construções, determinados nos termos do presente Código.
         3 - No caso contrário, calcula-se o valor do solo, nele deduzindo o custo das demolições e dos desalojamentos que seriam necessários para o efeito, correspondendo a indemnização à diferença apurada, desde que superior ao valor determinado nos termos do número anterior.

              Tendo em conta estas normas e que a expressão aproveitamento económico normal, usado nos dois artigos, diz respeito ao destino normal que, em condições urbanísticas normais, o proprietário daria ao seu imóvel (parafraseou-se Luís Perestrelo de Oliveira, Código das Expropriações, Al-medina, 1992, pág. 94) e não aquele que lhe vai ser dado pela expropriante, a conjugação das mesmas conduz às seguintes conclusões:

              No caso de o aproveitamento económico normal da área de implan-tação e do logradouro não depender da demolição dos edifícios ou das construções, como no caso não depende, já que o proprietário expropriado para aproveitar a área de implantação e o logradouro manteria os edifícios e as construções, a justa indemnização corresponde ao somatório dos valores do solo e das construções, determinados nos termos do presente Código: o solo, calculado nos termos do art. 26 e a construções calculadas nos termos do art. 28/1. Mais, o edifício e as construções são calculadas sem a área de implantação e do logradouro. Por fim, neste caso, não há que deduzir o cus-to das demolições (o que só ocorreria no caso do nº. 3 do art. 28 - e apenas se o valor apurado fosse superior ao valor determinado nos termos do nº. 2 - e não neste, do nº. 2 do art. 28).

              Não era esta a posição de Osvaldo Gomes, Expropriações por Utilidade Pública, Texto Editora, 1997, págs. 193-194 e 207-208, mas esta tomada de posição reporta-se aos arts. 25 e 27 do CE91, estando hoje afastada pela introdução dos nºs. 2 e 3 do art. 28 do CE99.

              No sentido deste acórdão do TRC, com uma ou outra forma de expressão, vai a jurisprudência que se pronuncia sobre a questão:

              Assim:

              O acórdão do STJ de 04/12/2007 (07B4252 da base de dados do ITIJ):
         Num caso em que tinha de haver demolição parcial para o aproveitamento económico normal, teve que ser adaptada a norma do nº. 2 do art. 28, havendo separação de cálculos para o solo e construções subsistentes. O STJ determinou a anulação parcial do acórdão do TRP com vista à ampliação pertinente da matéria de facto para que pudesse ser decidido o custo das construções, tendo assente o valor do solo.

              O ac. do TRP de 27/01/2009 (0826497 da base de dados do ITIJ):
         Dizia a expropriante: a avaliação da parcela deve ser feita em função do valor da habitação, e não mediante uma avaliação sepa-rada do terreno (como se nele não houvesse habitação) e da habita-ção.
         Dizia o recorrente/expropriado; quando nº 2 do artigo 28 refere que devem ser somados o valor do solo e o valor das construção, calculados nos termos do CE, está a remeter quanto ao valor do solo para o art. 26º e quanto ao valor das construções para o art. 28º/1.
         Diz o acórdão do TRP: o art. 28º/2 do CE estabelece que “no caso de o aproveitamento económico normal da área de implan-tação e do logradouro não depender da demolição dos edifícios ou das construções, a justa indemnização corresponde ao somatório dos valores do solo e das construções, determinados nos termos do presente Código”. Resulta daqui clara uma opção do legislador, em caso de aplicação desse preceito, pela avaliação distinta do solo (por via do art. 26º) e das construções (por via do art. 28º).

              O ac. do TRG de 30/04/2009 (2183/08-1 da base de dados do ITIJ):
         Num dos pontos do sumário diz que só as construções com autonomia económica devem ser consideradas para avaliação do solo apto para construção de acordo com os critérios estabelecidos no art. 28º/1 e 2 do CE. As demais construções que constituam benfeitorias úteis deve antes ser valorizadas autonomamente, não devendo considerar-se novamente no valor do solo calculado de acordo com o referido critério, sob pena de duplicação da indemni-zação.
         No texto escreve-se, aceitando-se o resultado: na avaliação a que se procedeu em sede de recurso da decisão arbitral, quer os peritos que constituíram a maioria, cujo laudo teve acolhimento pleno na decisão recorrida, quer o perito indicado pelo expro-priante optaram, em face da existência de construções, por avaliar esse valor, nos termos do disposto no art. 28º/1 do CE somando-o, conforme nº 2 desta norma, ao valor do solo calculado nos termos do disposto nos nºs 6 e 7 do art. 26.

              E o acórdão do TRP de 16/03/2010 (96/08.7TBETR.P1 da base de dados do ITIJ):
         A expropriante, seguindo de perto o nº 3, do art. 28º, do CE, na hipótese que foi admitida pelos senhores peritos da construção possível, queria que se procedesse à dedução dos custos de demolição.
         O TRP disse que “trata[ndo]-se de uma habitação perfeita-mente consolidada, a avaliação dever-se-á processar pelo estipula-do no art. 28º do CE (nºs. 1 e 2) […] encarando-se este aproveita-mento como economicamente normal. Aliás, só tem de recorrer-se ao critério previsto no nº 3, do artigo 28º do CE, no caso de não ha-ver aproveitamento económico normal da área de implantação e do logradouro, sendo, por isso, necessário proceder à demolição dos edifícios ou das construções).

              De resto, isto tem a ver com a lógica das coisas: os expropriados, postos fora da sua ampla vivenda ajardinada num cruzamento de estradas, têm o direito de obter uma indemnização que lhes permita adquirir uma vivenda igual, com as mesmas condições e localização (ou seja: uma com-pensação em termos de os colocar na posição de adquirir outro bem de igual natureza e valor: Osvaldo Gomes, obra citada, pág. 153).  E é-lhes, a partir daí, indiferente o destino que venha a ser dado à sua anterior vivenda. A que propósito é que teriam que ser eles a pagar a demolição da casa? E em que é que esta demolição tem a ver com a indemnização a que têm direito para adquirir uma casa igual, com logradouro e respectiva área de implan-tação? E se lhes é paga a construção que fizeram no solo, porque é que o solo não lhes seria pago? Se tiverem sido eles a comprar o solo e a construir a casa, pagaram pelas duas coisas. Porque é que só teriam direito ao paga-mento de uma? Se compraram a vivenda já construída naquele terreno, pagaram a construção dela e o terreno. Se o edifício e as construções lhes forem pagos sem o valor do solo e lhes for pago o valor do solo, não há qualquer duplicação. Só haveria duplicação se lhes fosse pago o edifício e as construções e o solo onde estão implantados e para além disso lhes for pago o valor do solo.

              Em suma, no valor do solo calculado nos termos do art. 26 do CE, não há que deduzir nem o custo das demolições, nem o valor da área de implantação do edifício e das construções.

              Dito de outro modo: o valor do solo não tem de ser calculado como uma percentagem de 18,5% do valor que for atribuído ao edifício e constru-ções, como quer a expropriante (sendo o valor dos 18,5% igual à soma de 10% do art. 26/6 e 8,5% do art. 26/7 do CE; esta percentagem, aplicada à soma do valor da habitação de 94.694,72€ + o valor do anexo/garagem de 9.375€, dão o resultado 19.252,90€; estas contas da expropriante estão feitas na pág 3 do seu recurso da decisão arbitral – pág. 159 do processo em papel) seguindo a argumentação da recorrente do caso do ac. do TRP de 27/01/2009.

              Aliás, a consideração do custo da demolição equivaleria a conside-rar que os expropriados destes autos viviam em construção não licenciada, pois que nesse caso é que se abate o valor das demolições (art. 95 do CE).

              Assim, pode-se concluir que todas as críticas dirigidas pela expro-priante ao laudo pericial, seguido pela sentença recorrida, não procedem. E assim sendo, o valor dos 618 m2 de solo apto para construção, deve ser fixado em 40.608,78€, calculado do seguinte modo:

              Índice de implantação: 0,55 m2 (para habitação).

              Índice de implantação: 0,25 m2 (para garagem).

              Valor da construção por m2: 557,29€.

              Valor de construção por m2 da habitação: 557,29€ - 15% = 473,70€

              Valor da construção por m2 de garagem: 240€

              Logo: valor da construção por m2 de terreno:

                                          473,70€ x 0,55 m2                            = 260,54€/m2

                                          240€ x 0,25 m2                                  = 60,00€/m2

                                          Total                                                  = 320,54€/m2

              Aplicando o índice de 20,5 (12% + 8,5% dos nºs 6 e 7 do art. 26, temos para o valor unitário do solo:               320,54 x 20,5% = 65,71 /m2.

              Valor do solo: 618 m2 x 65,71€/m2 = 40.608,78€.


II

Valor da habitação e da garagem


              Quanto ao valor destas, o acórdão arbitral diz o seguinte: “a valori-zação da casa de habitação fundamenta-se no facto de se tratar de uma moradia, com logradouro ajardinado, no seu aspecto arquitectónico, quali-dade dos materiais usados, estado de conservação, condições de conforto, localização e acessos” (pág. 8 do acórdão, pág. 60 do processo em papel).

              E depois atribui os seguintes valores individuais:

              O valor do m2 da construção dos 110 m2 de rés-do-chão é de 375€. O dos 133 m2 do 1º andar é de 750€. O dos 110 m2 sótão e dos 12 m2 da varanda é de 150€. O dos 62,50 m2 da garagem e arrumos é de 250€.

              Não diz porquê.

              E os peritos limitam-se a atribuir, sem mais, estes valores indivi-duais.

              Depois, quando prestam esclarecimentos, dizem: o valor calculado teve como premissa ressarcir os expropriados de forma integral e justa para corresponder ao valor comum do bem a expropriar, ou seja, o valor de mercado. E mais à frente: correspondendo ao valor comum dos bem a expropriar, ou seja, o valor do mercado.

                                                                 *

              Ora, já se viu, o valor da habitação e da garagem deve ser calculado nos termos do art. 28/1 do CE.

              E são vários os índices aí previstos que têm de ser tomados em consideração.

              Para além de que ali (art. 28/1) se fala em valor da construção e não no custo da construção (art. 26/4).

              Para se aceitar o laudo pericial, nesta parte, ele teria que fazer refe-rência, positiva ou negativa, aos vários índices ali previstos. Como não o fez, é impossível aceitá-lo.

              É certo que na sentença recorrida se considera como facto assente que “o valor corrente de mercado da parcela expropriada (solo e edificação e benfeitorias nele realizadas) era, à data da DUP, de 218.155,18€”, aproveitando-se as frases utilizadas nos esclarecimentos dos Srs. peritos.

              Mas isto não é um facto, é uma conclusão de direito, que tem de ser obtida através da aplicação de normas a factos (tal como não são factos, também, os sob 19 e 20, que apenas descrevem as conclusões a que os árbi-tros e os peritos chegaram).

              Aliás, se bastasse que os peritos dessem aquele valor para que esse valor tivesse força para se impor, sem mais, então não havia necessidade da decisão judicial e não seria possível o recurso da mesma.

              E, para além disso, este valor é posto em causa pela própria forma de cálculo invocada... pelos peritos. Se eles dizem que acharam aquele valor aplicando como base o factor de 750€ para custo de construção do m2 (que não explicam como acharam e que para outro efeito consideraram ser de apenas 557,29€), não podem depois, sem mais, dizer que o valor global atribuído corresponde ao valor de mercado. 

              Assim, nesta parte, os autos têm que voltar à primeira instância, para que seja repetida a perícia (art. 712/4 do CPC), se possível pelos 5 referidos peritos, de modo a obter, pelo modo do art. 28/1 do CE, o valor da habitação e da garagem (sem o valor do solo – aqui, como já se viu, seguindo a posição jurisprudencial actual, fruto da solução inovatória do art. 28/2 e 3 do CE, contra a posição que era seguida por Osvaldo Gomes, obra e local já citados acima, no âmbito do CE91).

                                                                 *

              Os expropriados não interpuseram recurso da sentença recorrida, tal como já não o tinham interposto do acórdão arbitral relativamente ao valor do solo, da habitação e da garagem, aceitando pois o total, para estes três bens, de 207.932,38€ [= 33.007,38€/solo, 159.300€/habitação 15.625€/ga-ragem e arrumos].

              Note-se que já estava transitado, também, o valor de 551,40€ para o tanque, 2.070€ para a vedação, 7.200€ para rendas e 2.500€ para despesas de reinstalação.

              Fixado agora o valor do solo em 40.608,78€, restam para a habita-ção e para garagem e arrumos o valor de global de 167.323,6€ que não poderá ser ultrapassado. Ou seja, mesmo que o valor da habitação e gara-gem e arrumos seja superior, terá de ficar reduzido a este, para respeitar o trânsito em julgado daquele valor máximo (art. 684/4 do CPC).

              Note-se que a sentença da 1ª instância não fez isto porque resolveu o valor dos três bens ao mesmo tempo (solo, habitação e garagem). Mas este TRC tem o dever de resolver desde logo tudo o que for possível, de modo a reduzir a complexidade das questões.

                                                                 *

              Sumário:

              No caso de o aproveitamento económico normal da área de implantação e do logradouro não depender da demolição dos edifícios ou das construções, a indemnização corresponde ao somatório dos valores do solo e das construções, determinados: o solo nos termos do art. 26 e as construções nos termos do art. 28/1 (sem a área de implantação e do logradouro). E sem dedução do custo das demolições.

                                                                 *

              Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, anulando-se a sentença recorrida apenas na parte em que fixou o valor do solo, habitação e garagem/arrumos em 207.932,38€, para que seja determinado de novo, com a necessária perícia, o valor da habitação e garagem, nos termos do art. 28/1 do CE (mas em montante não superior a 167.323,6€, a que deve ser reduzido se ultrapassar), ficando desde já fixado em 40.608,78€ o valor do solo.

              Custas pela parte vencida a final na proporção em que o for.


Pedro Martins (Relator)
Virgílio Mateus
António Carvalho Martins