Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | HÉLDER ROQUE | ||
Descritores: | EMBARGOS DE EXECUTADO RESPONSABILIDADE CIVIL EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ | ||
Data do Acordão: | 03/04/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | MARINHA GRANDE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 447º; 456º, Nº 2, 668º, NºS 3 E 4; 916º, Nº 1DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
Sumário: | 1. A responsabilidade civil do exequente para com o executado, em relação às perdas e danos que aquele, culposamente, lhe tenha causado, e à multa, quando se demonstre ter agido com simples negligência, só nascem quando for julgada justificada a procedência da oposição à execução, tendo sido decretada a penhora, independentemente de citação prévia. 2. Verificado este pressuposto substancial, o oponente pode lançar mão da acção comum para obter o ressarcimento do dano sofrido, com fundamento na procedência da oposição à execução, ou formular o pedido de indemnização, nos próprios autos de oposição à execução, designadamente, através do incidente de litigância de má fé. 3. A decisão que julgou extinta a instância executiva, por inutilidade superveniente da lide, não é extensível à extinção do pedido de condenação da exequente como litigante de má fé, formulado nos autos de oposição á execução apensos. 4. Não se tendo chegado a concretizar a penhora, em bens do executado, nem, por maioria de razão, a citação prévia daquele, a procedência da oposição à execução não determina a responsabilidade civil do exequente pelos danos ao mesmo, eventualmente, causados, nem desencadeia a aplicação da multa correspondente. 5. A ordem jurídica coloca uma limitação de exigência, de natureza ética, ao princípio da licitude do exercício dos meios processuais conferidos por lei a quem litiga em juízo, que consiste em a parte estar de boa fé ou no convencimento sobre a justiça da sua pretensão, não gozando do direito de afirmar uma versão oposta à realidade por si sabida, sob pena de ilícito processual, a que corresponde uma sanção civil e uma sanção penal. 6. Tendo um dos co-executados feito cessar a execução, pelo pagamento, determinou, por acto próprio, a cessação do processo executivo, com a consequente inutilidade superveniente da lide da oposição à execução, tornando-se, consequentemente, responsável exclusivo pelo pagamento das custas, quer da execução, quer da oposição à execução à mesma deduzida. | ||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: “A....”, nos autos de oposição à execução que lhe move “B....”, interpôs recurso de agravo da decisão que julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, considerando que o pagamento da quantia exequenda torna inútil o prosseguimento dos autos, sendo o pedido de condenação de uma parte como litigante de má fé secundário e dependente do conhecimento do mérito da causa, que deixa de ter lugar, entendendo carecer de fundamento e pretensão do oponente quanto ao prosseguimento da execução, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, formulando as seguintes conclusões: 1ª – O objecto do presente recurso abrange a decisão de folhas 66 e a sentença de folhas 53, nos termos e para os efeitos do artigo 686º, n°2, do CPCivil. 2ª – A sentença de folhas 53 é nula nos termos do artigo 668º, n°1, d), do CPC porque omitiu a pronúncia sobre o requerimento da oponente e recorrente para prosseguimento dos autos de oposição para julgamento do pedido de condenação da exequente como litigante de má fé, em multa e indemnização. 3ª - O despacho de folhas 66 é igualmente nulo pois mantém a decisão anterior e a consequente recusa do tribunal a pronunciar-se sobre o pedido de condenação da exequente como litigante de má fé. 4ª - Ao considerar que o pedido de condenação da exequente como litigante de má fé é secundário o Meritíssimo Juiz a quo violou os direitos processuais da oponente e as disposições legais que investem o julgador no poder-dever de conhecer oficiosamente da litigância de má fé da exequente e recorrida. 5ª - A oponente requereu em 13 de Setembro de 2006 que fosse identificada a entidade que terá procedido ao pagamento o que também foi omitido à recorrente na decisão de folhas 53 sendo desse modo manifestamente ilegal e arbitrária a decisão que considera não ter sido posto em crise por nenhum dos executados o requerimento de folhas 82. 6ª - A condenação da recorrente em custas da execução e da oposição, nos termos do artigo 447° do CPC é ilegal pois a recorrente “A....” não deu causa à instauração da execução pois o seu nome nem sequer consta dos títulos executivos e também não reconheceu qualquer obrigação pecuniária na pendência da execução. 7ª - O facto de a recorrente litigar com o beneficio da protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário concedido à oponente/recorrente a condenação em custas da execução e da oposição não prejudica a apreciação da oposição e do pedido de litigância de má fé, porque não é juridicamente indiferente à recorrente a condenação em custas em face do disposto no artigo 13° da Lei n°34/2004, de 29 de Julho. 8ª - A oponente teve de suportar todas as despesas imediatas que a demanda lhe causou, como sejam, honorários de advogado e despesas de expediente, bem como os prejuízos decorrentes com a nomeação à penhora de bens imóveis da recorrente, nomeadamente deslocações às Conservatórias e às Finanças para ver se foram registadas penhoras sobre os imóveis de que é proprietária. 9ª - A condenação da exequente como litigante de má fé impõe-se porque a recorrente viu o seu nome a constar nas listas de devedores disponíveis para consulta nos Tribunais, o que desde logo acarreta óbvios prejuízos e afecta o seu bom nome comercial na actividade industrial do ramo da indústria vidreira e de iluminação. 10ª - Constitui negligência grave o comportamento da recorrida/exequente ao instaurar uma execução contra a ora oponente/recorrente “A....” quando esta nem sequer constava do título executivo e porque não é respeitado o disposto no n°3 da Base II da Lei 4/73 de 4 de Junho. 11ª - A instauração de execução contra a agrupada “A....” é agravada em relação à oponente/recorrente pela nomeação à penhora de bens imóveis de sua propriedade os quais não respondem pelas dívidas do ACE, numa execução que a todos os título é, tecnicamente escandalosa, porque ilegal e injusta. 12ª – Foram violadas as normas dos artigos 2o, 156, n°1, 456º, 457º, 458º, 447º e 819º, todos do CPC, 13°, da Lei n°34/2004, de 29 de Julho, e n°3 da Base II da Lei 4/73, de 4 de Junho. Nas suas contra-alegações, a exequente sustenta que deverá ser julgado improcedente o presente recurso e mantida, integralmente, a decisão recorrida. A Exª Juiz sustentou a decisão impugnada, por entender que não foi causado qualquer agravo à recorrente. Com interesse relevante para a decisão do mérito do agravo, importa reter a seguinte factualidade: * Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir. As questões a decidir, no presente agravo, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes: I – A questão da admissibilidade do prosseguimento da execução com vista à apreciação da litigância de má fé deduzida pela oponente, não obstante a extinção da instância executiva, por inutilidade superveniente da lide. II – A questão da eventual determinação da condenação em litigância de má fé. III – A questão da condenação nas custas da execução.
I. DO PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO PARA APRECIAÇÃO DA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Dispõe o artigo 813º, nº 1, que “o executado pode opor-se à execução no prazo de 20 dias a contar da citação, seja esta efectuada antes ou depois da penhora”, acrescentando o artigo 817º, nº 4, ambos do CPC, que “a procedência da oposição à execução extingue a execução, no todo ou em parte”. Porém, não tendo havido, no caso em apreço, penhora nos bens da executada, nem, consequentemente, como é óbvio, citação prévia daquela, preceitua o artigo 819º, nº 1, do CPC, que “procedendo a oposição à execução sem que tenha tido lugar a citação prévia do executado, o exequente responde pelos danos a este culposamente causados e incorre em multa correspondente a 10% do valor da execução, ou da parte dela que tenha sido objecto de oposição, mas não inferior a 10 UC nem superior ao dobro máximo da taxa de justiça, quando não tenha agido com a prudência normal, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que possa também incorrer”. A responsabilidade civil do exequente para com o executado, em relação às perdas e danos que aquele, culposamente, lhe tenha causado, e a multa, quando se demonstre ter agido com simples negligência, só nascem quando for julgada justificada a procedência da oposição à execução, sem que tenha tido lugar a citação prévia do executado, ou seja, quando for decretada a penhora, independentemente de citação prévia deste. Verificado este pressuposto substancial, o oponente pode lançar mão da acção comum para obter o ressarcimento pelo dano sofrido, com fundamento na procedência da oposição à execução. Por outro lado, este pedido de indemnização pode ser formulado, nos próprios autos de oposição à execução, designadamente, através do incidente de litigância de má fé, como aconteceu, ou, em acção comum proposta pelo executado, considerando a natureza facultativa, e não imperativa, do pedido indemnizatório poder ser formulado, nos próprios autos de oposição à execução, no âmbito do preceituado pelo artigo 819º, do CPC, citado[1]. Definidos estes parâmetros estruturais, importa atender que a decisão recorrida, ao julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, limitou o seu âmbito à oposição à execução, deixando, consequentemente, de se justificar o seu prosseguimento, para efeitos de ser apreciado o mérito do pedido opositório, mas não deixou que perdesse utilidade o pedido formulado, em sede de litigância de má fé. Efectivamente, nos autos de oposição à execução, veio a ser enxertada, através do estipulado pelo artigo 819º, do CPC, uma acção de indemnização, distinta e autónoma, da oposição à execução, com pedido diferente, isto é, uma indemnização por perdas e danos, em virtude de a presente execução ter sido instaurada, alegadamente, contra lei expressa e ainda contra empresas agrupadas que não constam dos títulos apresentados, situação agravada em relação à oponente, pela nomeação à penhora de bens imóveis de sua propriedade, que não respondem pelas dívidas do ACE, mas com causa de pedir idêntica, qual seja a da invocada culpa da exequente na instauração da execução. Ora, se a quantia exequenda se encontra satisfeita, pelos executados ou por um deles, nos termos do disposto pelo artigo 916º, nº 1, do CPC, deixou, manifestamente, de ter utilidade o prosseguimento da execução, razão pela qual foi correcta e oportuna a decisão que a julgou extinta, por inutilidade superveniente da lide. Mas já não assim a decisão que julgou, igualmente, extinto o pedido de condenação da exequente como litigante de má fé, por assumir a natureza de pedido autónomo e não secundário, dependente do conhecimento do mérito da causa, sendo irrelevantes, para o efeito, as consequências indirectas ou reflexas daquela decisão, designadamente, as de natureza indemnizatória[2]. Assim sendo, a decisão que julgou extinta a instância executiva, por inutilidade superveniente da lide, não é extensível à extinção do pedido de condenação da exequente como litigante de má fé, formulado em oposição à execução.
II. DA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ Com efeito, a ordem jurídica coloca uma limitação ao princípio da licitude do exercício dos meios processuais conferidos por lei, que consiste no convencimento pela parte sobre a justiça da sua pretensão, não gozando do direito de afirmar uma versão oposta à realidade por si sabida, sob pena de ilícito processual, a que corresponde uma sanção civil e uma sanção penal, isto é, a multa. Deste modo, considera-se sanada a arguida omissão de pronúncia da sentença, com assento no artigo 668º, nº 1, d), que, podendo e devendo ter sido suprida, não foi levada em consideração, após a apresentação das alegações de recurso, por parte da executada, pela Exª Juiz, quando, ao determinar a subida dos autos a esta Relação, não observou o estipulado pelo artigo 668, nº 4, com referência ao artigo 744º, todos do CPC. Entende-se, porém, não se justificar a baixa dos autos, à primeira instância, para sanar a omissão ocorrida, dada a inocuidade prática deste procedimento. Assim sendo, impondo-se ao Juiz que se pronuncie, expressamente, sobre todas as questões de que deva conhecer, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, sob pena de nulidade, em conformidade com o estipulado pelos artigos 668º, nº 1, d), 660º, nº 2 e 156º, nº 1, todos do CPC, e não o tendo feito o Tribunal «a quo», oportunamente, porquanto não vigora, no ordenamento jurídico nacional, o princípio da absolvição implícita, importa reconhecer que foi dada causa a uma nulidade da sentença, cuja procedência determina a modificação do seu dispositivo. Nestes termos, suprindo a nulidade cometida, em consonância com a prova produzida e de acordo com o estipulado pelo artigo 668º, nºs 3 e 4, do CPC, entende-se não se encontrar verificada a factualidade necessária, como tal determinante de responsabilidade processual subjectiva da exequente, com base em litigância de má fé. I - A responsabilidade civil do exequente para com o executado, em relação às perdas e danos que aquele, culposamente, lhe tenha causado, e à multa, quando se demonstre ter agido com simples negligência, só nascem quando for julgada justificada a procedência da oposição à execução, tendo sido decretada a penhora, independentemente de citação prévia. V - A ordem jurídica coloca uma limitação de exigência, de natureza ética, ao princípio da licitude do exercício dos meios processuais conferidos por lei a quem litiga em juízo, que consiste em a parte estar de boa fé ou no convencimento sobre a justiça da sua pretensão, não gozando do direito de afirmar uma versão oposta à realidade por si sabida, sob pena de ilícito processual, a que corresponde uma sanção civil e uma sanção penal. * DECISÃO: Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar, parcialmente, provido o agravo e, em consequência, revogam a decisão recorrida, no segmento em que esta condenou a executada-oponente nas custas, mas que confirmam, quanto a tudo o demais, embora com base em fundamentação diversa da apresentada. * Custas, a cargo da executada-oponente e da exequente, na proporção de 2/3 e de 1/3, respectivamente. * Notifique.
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