Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
520/06.3JALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO VENTURA
Descritores: CRIME DE ROUBO
CRIME DE SEQUESTRO
CONCURSO EFECTIVO
CONCURSO APARENTE
Data do Acordão: 03/11/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO CRIMINAL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 30.º; 158.º E 210.º DO C.P.
Sumário: I. - «A pluralidade de normas típicas concretamente aplicáveis ao comportamento global constitui sintoma legítimo ou presunção prima facie de uma pluralidade de sentidos autónomos daquele comportamento global e, por conseguinte, de um concurso de crimes efectivo, puro ou próprio. Casos existem, no entanto, em que uma tal presunção pode ser elidida porque os sentidos singulares de ilicitude típica presentes no comportamento global se conexionam, se intercessionam ou parcialmente se cobrem de forma tal que, em definitivo, se deve concluir que aquele comportamento é dominado por um único sentido de desvalor jurídico-social; por um sentido de tal modo predominante, quando lido à luz dos significados socialmente relevantes – dos que valem no mundo da vida e não apenas no mundo das normas –, que seria inadequado e injusto incluir tais casos na forma de punição prevista pelo legislador quando editou o art. 77.º».
II. - Na esfera de protecção do crime de roubo pode estar contemplada uma pluralidade de ilícitos puramente instrumentais (crime-meio), os quais, por via de regra, estão numa relação de concurso aparente com o crime-fim.
III. – As condutas que conlevam da tipicidade das condutas engolfadas no nos crimes de roubo e sequestro assumem-se como um dos exemplos mais frequentes de relacionamento instrumental entre dois tipos de crime, ou seja, em que «um ilícito singular surge, perante o ilícito principal, unicamente como meio de o realizar e nesta realização esgota o seu alcance e os seus efeitos».
IV. – Nos casos em que um crime se apresenta como meio da realização típica de outro crime a solução passa por reconhecer que existe concurso aparente e prevalece o crime dominante: o crime-fim.
V. - O crime de sequestro é um crime de execução permanente e não vinculada, em que se tutela o bem jurídico liberdade de locomoção, sendo a privação da liberdade e o constrangimento daí resultante uma das possibilidades de execução do crime de roubo. Quando a subtracção ou a entrega por constrangimento de coisa móvel é precedida ou contemporânea de privação da liberdade ambulatória, o critério reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência para discernir entre as situações de concurso real e de concurso aparente passa pela ultrapassagem, ou não, da medida naturalmente associada à prática do crime de roubo. Para tanto, a perspectiva que nos deve nortear encontra-se na vontade que, em concreto, animou o agente do crime, i.e. no desígnio criminoso.
Decisão Texto Integral: I. Relatório
Nos presentes autos com o NUIPC 520/06.3JALRA do 1º Juízo Criminal de Leiria, por acórdão proferido em 11/04/2008, foram os arguidos …, nascido em 08/06/67, e …, nascido a 22/12/74, condenados:
 Como co-autores de um crime de extorsão, na forma tentada, p. e p. pelos artºs. 22º, 223º, nºs 1 e 3, al. a) e 204º, nº2, als. a) e f) do Código Penal (CP), na pena, cada um, de três anos de prisão;
 Como co-autores de um crime de roubo, p. e p. pelo artº 210º, nº1 do CP, na pena, cada um, de um ano e seis meses de prisão;
 Como co-autores de um crime de sequestro, p. e p. pelo artº 158º, nº1 do CP, na pena, cada um, de um ano de prisão;
 Em cúmulo dessas penas, ­­pena única de quatro anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova.
O arguido … não se conformou com a condenação e interpôs recurso. Apresentou as seguintes razões, com expressão nas conclusões que se passam a transcrever:

— Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto:

1ª — Na decisão relativa à delimitação dos factos provados e não provados, o Tribunal a quo violou os princípios consagrados nos artigos 127° e 128°, n.° 1 do CPP, e, por inerência, o princípio in dubio pro reo, consagrado no artigo 32°, n.° 2 do CRP.

2ª — Ao, sustentando-se nesses factos, condenar o arguido, em co-autoria material e em concurso efectivo heterogéneo, pela prática de um crime de extorsão na forma tentada, p.p. pelo artigo 223°, n°s 1 e 3-a), conjugado com o artigo 204°, n.° 2-a) e f) e artigo 22°, todos do Cód. Penal, na pena de três anos de prisão; pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo, p.p. pelo artigo 210, n.° 1 do Cód. Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão; pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de sequestro, p.p. no artigo 158°, n.° 1 do Cód. Penal, na pena de um ano de prisão; e, por fim, no pagamento, ao ofendido, de € 3.220,00, o Tribunal a quo incorreu na violação dos citados normativos, e, ainda, na violação do artigo 129° do Cód. Penal, em concomitância com os artigos 483°, 562° e 563° do Cód. Civil.

3ª — Essa violação resulta da circunstância de, in casu, ter interpretado os indicados artigos 127° e 128°, n.° 1 do CPP, no sentido da irrelevância, in casu, das regras da experiência comum e dos depoimentos das testemunhas presenciais, no momento de apreciar e valorar as provas, analisando-as redutora e simplisticamente.

4ª — O vício referido na conclusão anterior encontra-se patenteado na definição dos factos provados e não provados, repercutindo-se, em prejuízo do arguido, na decisão da matéria de direito, que acabou por culminar em condenação.

5ª — O Tribunal a quo deveria ter interpretado tais normativos no sentido contrário. Precisamente no sentido de que a livre convicção do julgador deverá ser sempre temperada com as regras da experiência e deverá sedimentar-se, de acordo com essas regras, na análise conjunta/global e conjugada de todas as provas carreadas e produzidas, dando-se prevalência, no que à prova pessoal respeita, às testemunhas presenciais.

6ª — Em consequência, o acórdão recorrido padece de erro de julgamento quanto à definição dos factos provados e não provados.

7ª - Constando do processo todos os elementos que serviram de base à decisão do tribunal de 1ª instância, tendo havido impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, e estando o Tribunal ad quem investido dos poderes de cognição, de facto e de direito, encontra-se habilitado para modificar a decisão de facto (artigos 428° e 431° do CPP), e, como decorrência dessa modificação — que seguidamente se enunciará —, deverá determinar a absolvição do arguido:

7.1ª - Factos que devem considerar-se provados:

Apenas os seguintes:

— Por razões concretamente não apuradas, mas conforme havia sido combinado previamente entre ambos, no dia 14 de Dezembro de 2006, pelas 14.00 horas, …e, fazendo-se transportar no seu veículo automóvel, dirigiu-se à residência do arguido…, acompanhando-se de um livro de 150 cheques.

— Aí chegado, por acordo entre ambos, preencheu e entregou àquele arguido os seguintes cheques, todos sacados sobre a conta n.° XXXXXXXXXXX  do Banco Santander, da qual era titular:

- cheque n.° 1100000898, de € 9.000,00, datado para 28/03/2007; - cheque n.° 2900000896, de € 9.000,00, datado para 28/01/2007; - cheque n.° 2000000897, de € 9.000,00, datado para 15/02/2007.

— Na data referida em A) o saldo da conta identificada em B) era de € 131,24.

— Os indicados cheques não foram apresentados a pagamento.

— Em 18-12-2008, na pastelaria denominada "PQ...", sita em...., por acordo entre o ofendido J... e o arguido F..., este entregou àquele, um dos mencionados cheques de € 9.000,00, recebendo, em troca, outros dois cheques, igualmente sacados sobre a conta identificada em B):

- Cheque n.° 5400000904, no valor de € 5.000,00 e datado para 28-03-2007;

- Cheque n.° 6300000903, no valor de € 4.000,00, data para 19-12-2006.

— Também estes dois cheques não foram apresentados a pagamento.

7.2ª - Factos que deveriam considerar-se não provados:

Pela razões e provas indicadas supra e por serem incompatíveis com os elencados na precedente conclusão:

- Todos os discriminados nos parágrafos 1 a 47, constantes de fls. 2267 a 2276;

- Os alegados no PIC, indicados a fls. 2276, ponto 2.

8ª — Na procedência da argumentação vertida nas conclusões anteriores, deve o Tribuna ad quem determinar a modificabilidade da decisão de facto nos termos preconizados e, por inerência, declarar a absolvição dos arguidos.

Impugnação da decisão de direito:

9ª — Improcedendo o que se defendeu nas conclusões precedentes, incumbe invocar, a título subsidiário, que, subsistindo a factualidade provada tal como foi configurada pelo Tribunal a quo, se verifica erro na qualificação jurídica desses factos:

10ª — Percorridos estes, verifica-se que privação da liberdade do ofendido foi o meio utilizado para a consumação do roubo, pelo que este ilícito consome o sequestro.

11ª - O roubo consome, igualmente, a extorsão, uma vez que os factos provados não traduzem uma disposição patrimonial directamente empreendida pelo ofendido, diferida no tempo, mas sim actos de apropriação perpetrados pelos arguidos, simultaneamente àquela privação da liberdade.

12ª - Ao condenar os arguidos pela prática dos três referidos crimes, em concurso real/efectivo heterogéneo, o Tribunal a quo desrespeitou as regras informadoras das relações de concurso aparente existentes entre cada um dos ilícitos, descurando que, in casu, o crime de roubo consome os crimes de sequestro e de extorsão, incorrendo, desse modo, na violação dos artigos 158°, n.° 1, 210°, n.° 1 e 223° do Cód. Penal.

13ª — Esta violação decorre exactamente da circunstância de, face ao conjunto dos factos provados, não ter interpretado os citados normativos no sentido vertido na conclusão anterior.

14ª - Deve, portanto, determinar-se a revogação do acórdão recorrido, condenando o arguido apenas pela prática de um crime de roubo, p.p. no artigo 210°, n.° 1 do Cód. Penal.

15ª — Por força do imperativo consagrado no artigo 409° do CPP, não sendo interposto recurso pelo Ministério Público, o Tribunal ad quem não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo do arguido.

16ª - Pela prática do crime de roubo, o recorrente foi condenado na pena parcelar de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução.

17ª - Face à factualidade provada constante de fls. 2276 a 2278 e de fls. 2280, procedendo os fundamentos ora invocados, e ao abrigo do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 210°, n.°1,  40°, 50°, 71º , todos do Cód. Penal, essa pena parcelar deverá ser convertida numa pena única igualmente suspensa na sua execução, fixada no seu limite mínimo: um ano.
Respondeu o magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo, deixando as seguintes conclusões:
 Os factos dados como assentes pelo tribunal recorrido fundaram-se na prova produzida na audiência de julgamento, mormente, as declarações do ofendido, as quais, desde o início, com a denúncia, e posteriormente, em sede de audiência de julgamento, foram coerentes e plausíveis sem que suscitassem ao colectivo dúvidas razoáveis sobre a sua veracidade;

II) Tal depoimento, conjugado com a restante prova recolhida no inquérito — objectos e documentos relacionados com os factos denunciados, apreendidos na casa do arguido F... — e com os depoimentos dos inspectores da P. Judiciária, alicerçaram a convicção do tribunal a quo sobre os factos imputados aos arguidos;

III) As testemunhas indicadas pela defesa não infirmaram a veracidade de tais factos, não só porque os não presenciaram, mas também porque algumas são pessoas com ligação próxima — a ex-esposa, mas residente - ou profissional ao arguido - jardineiros -;

IV) No caso vertente os crimes de roubo e extorsão não consomem o crime de sequestro, porquanto, a privação da liberdade do ofendido prolongou-se para além do tempo necessário ao cometimento daqueles ilícitos e, para além disso, a forma com que o mesmo foi impedido de se locomover — manietado e preso a uma cadeira sem possibilidade de sair da cave do arguido — e, depois, obrigado, sob ameaça, a acompanhar os arguidos ao banco, preenche este tipo legal de crime, para cuja verificação não se exige, aliás, um determinado período mínimo ou específico de tempo;

V) O tribunal recorrido apreciou, pois, correctamente, as provas produzidas na audiência de discussão e julgamento, não incorrendo em qualquer erro de julgamento, ou vício na apreciação e fundamentação de facto ou de direito, pelo que deve ser confirmado na íntegra, negando-se, consequentemente, provimento ao recurso.
Neste Tribunal, a Srª. Procuradora-Geral adjunta emitiu douto parecer, nos termos do qual, e em síntese, considera que não se verifica violação do princípio in dubio pro reo, nem deficiente interpretação do disposto nos artsº 127º e 128º do Código de Processo Penal (CPP). Entende que o recorrente não oferece provas que imponham decisão diferente, mais não fazendo do que invocar a sua compreensão da prova produzida em julgamento, em contraponto com aquela efectuada no acórdão recorrido, mas sem demonstrar que a convicção do Tribunal se revela impossível, porque contrária às mais elementares regras da lógica ou da experiência comum. No plano do Direito, considera que, como foi decidido, existe concurso real entre os crimes de extorsão, sequestro e roubo e que as penas aplicadas devem ser mantidas.
Cumprido o disposto no artº 417º, nº2 do CPP, não houve resposta.
Foram colhidos os vistos e procedeu-se a conferência.
Fundamentação
Delimitação do objecto do recurso
É pacífica a doutrina e jurisprudência[i] no sentido de que o âmbito do recurso delimita-se face às conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso[ii]. As questões colocadas pelo recorrente, com expressão nas conclusões, são as seguintes:
Impugnação da decisão em matéria de facto, dirigida a todos os factos narrados na acusação dados como provados e ao segundo facto dado como provado dentre os alegados no pedido de indemnização civil;
No plano do direito, verificação de concurso aparente entre os crimes de roubo, sequestro e extorsão, defendendo o recorrente que deve subsistir apenas o primeiro;
Em função da decisão da questão anterior, a medida da pena do crime de roubo.
Da decisão recorrida (em matéria de facto)
Numa primeira aproximação às questões supra elencadas, importa tomar a factualidade indicada como provada e não provada na decisão recorrida e também a fundamentação apresentada para a decisão em matéria de facto. Consta-se, porém, que existe um lapso de escrita na indicação da data do cheque nº 5400000904, em consonância com a referência a fls. 219, que deixa já corrigido no texto infra transcrito, ao abrigo do disposto no artº380º, nº1, al. b) e 2 do CPP:

II- Factos Provados:

Da Acusação:

Os arguidos … e … acordaram entre si obrigar o ofendido … a entregar-lhes quantias em dinheiro.

Para tanto, o arguido …pediu ao ofendido que se deslocasse à sua residência, sita na …,.

Assim, no dia 14 de Dezembro de 2006, pelas 14 horas, o arguido … telefonou ao ofendido … convidando-o a dirigir-se à sua residência a pretexto de ali se encontrar um cidadão brasileiro interessado em investir na compra de alguns terrenos.

Como o …, ocasionalmente, negoceia terrenos e já antes fizera um ou outro negócio com o arguido F…, acreditou no que ele lhe disse e dirigiu-se à residência daquele.

Aí chegado, em conversa casual, o arguido F... disse-lhe que fizera, recentemente, obras na cave e convidou-o a descer e ver as mesmas.

Sob este falso pretexto, o arguido F... conseguiu atrair o ofendido até à cave sem lhe levantar suspeitas e logo sem que ele oferecesse qualquer resistência.

Porém, logo que o … entrou na cave ouviu a porta fechar-se atrás de si e, de imediato, foi agarrado pelo arguido …que aí o aguardava, o revistou e o empurrou até uma cadeira que ali tinha sido colocada.

De seguida, o arguido D... segurou com força o ofendido impedindo-o de se levantar, enquanto lhe atava os pulsos à cadeira usando fita adesiva, assim o manietando e impedindo-lhe os movimentos.

Logo a seguir, com o ofendido privado de qualquer liberdade de movimentos, o arguido F... exigiu-lhe a entrega da quantia de vinte e sete mil euros, argumentando que lhe era devida, quantia que seria titulada por letras que então circulavam no comércio e cujo pagamento lhe estava a ser exigido pelos possuidores das mesmas.

Ainda que temendo pela sua vida, o ofendido J... argumentava que não possuía, disponível, tal quantia.

Então, o arguido … saiu da cave e dirigiu-se à viatura do ofendido, que ficara estacionada junto à residência, para ir buscar um livro de cheques que levou consigo, regressando à cave.

Enquanto isso, o arguido… permaneceu junto ao …, numa atitude de vigilância.

Quando o arguido F... regressou com os cheques, o arguido … retirou a fita adesiva dos pulsos do ofendido e, após, o arguido F... ordenou a este que preenchesse alguns cheques, apondo-lhes nos lugares próprios as datas e quantias que lhe iriam indicar.

Como o … persistisse na recusa, o arguido … na sequência do previamente combinado com o …, exibiu-lhe uma tesoura de podar e, enquanto o … o agarrava violentamente, ameaçaram aquele que lhe cortariam um dedo com a referida tesoura; ao mesmo tempo, o arguido F... proferia ameaças contra a família do ofendido dizendo que era “melhor pagar”.

O ofendido, vendo-se confinado a um espaço de onde não via possibilidade de fugir, vendo-se naquelas circunstâncias, não foi capaz de oferecer qualquer resistência.

E só por isso, incapaz de oferecer resistência, o … obedeceu e preencheu os cheques conforme lhe disseram.

Assim, preencheu o cheque nº 1100000898, sacado sobre a conta nº 00200036972 do banco Santander onde inscreveu no lugar próprio a quantia de 9 mil euros e a data de 28/03/2007.

Preencheu o cheque nº 2900000896, sacado sobre a conta nº 002000369723 do banco Santander onde inscreveu no lugar próprio, a quantia de 9 mil euros e a data de 28.01.2007, conforme instruções do arguido F...;

Ainda o cheque nº 2000000897, sacado sobre a conta nº 00200036972 do banco Santander onde inscreveu a quantia de 9 mil euros e a data de 15/02/2007 como o arguido lhe ordenou.

Preencheu ainda o cheque nº 380000089, onde inscreveu a quantia de seis mil euros, cheque esse que os arguidos decidiram que seria para o arguido… e que este guardou.

Pretenderam, ainda, intimidar o …, fazendo-o crer que, caso impedisse o pagamento dos cheques, atentariam contra a integridade física ou mesmo a vida dos seus filhos, sendo certo que foi assim que o ofendido entendeu o referido aviso.

Previamente, logo na altura em que o ofendido havia entrado na cave, no início da situação supra descrita, o arguido …, depois de o agarrar, havia-o revistado, retirando a quantia de quarenta euros que o ofendido trazia consigo e ainda o telemóvel marca Nokia modelo 6020, de valor não apurado.

De comum acordo os arguidos determinaram que esta quantia e telemóvel ficassem na posse do arguido …, que logo os guardou e a que deu o destino que entendeu.

De seguida, ainda de comum acordo, os arguidos decidiram levar o ofendido até uma máquina Multibanco, para que este levantasse e lhes entregasse mais dinheiro.

Então, sempre avisando o … que lhes devia obedecer, caso contrário sofreria as consequências assim como os seus filhos, os arguidos obrigaram-no a levantar-se da cadeira e a dirigir-se até ao seu automóvel.

Obrigaram-no a entrar no veículo, sendo acompanhado pelo arguido F... que também tomou lugar na mesma viatura.

De seguida, o arguido … entrou no veículo marca e modelo BMW 525 de matrícula 00-00-MZ, que pôs em marcha, seguindo atrás do veículo do ofendido, para o vigiar e garantir que não oferecesse resistência, tentasse fugir ou procurar auxílio.

Desta forma, seguiram até ao banco B.P.I., sito em ....., estacionando nas imediações.

Após, dirigiram-se à máquina ATM, situada no interior do banco onde o … inseriu o seu cartão multibanco e respectivo código, levantando todo o dinheiro que tinha disponível na conta como lhe havia sido ordenado.

Receoso pela sua vida e pela vida dos filhos, convencido que os arguidos fariam o que prometiam, o … levantou a quantia de cento e trinta euros, única que tinha disponível, e que entregou ao arguido …, como lhe foi ordenado.

No dia seguinte, o arguido … telefonou ao ofendido, exigindo-lhe ainda dois cheques para substituir um dos que o havia obrigado a entregar-lhe, por lhe ser mais conveniente, o que fez renovando as ameaças à sua vida e à vida dos seus familiares.

Então, no dia 18 de Dezembro de 2006, pelas 15 horas, tal como combinado com o arguido …, o … dirigiu-se à pastelaria “PQ...” sita em....., próximo do cruzamento para a localidade do Brogal, em.....

Poucos minutos depois chegou o arguido … que se sentou junto do …, e que, em tom sério, o questionou a respeito do dinheiro, avisando-o que se não o entregasse fariam mal à família.

Exigiu-lhe, também, dinheiro para entregar ao arguido … mas o … disse-lhe que o entregaria pessoalmente.

Nessa altura, o arguido … contactou o arguido …, pelo telefone, tendo o ofendido marcado encontro com este para as imediações do estabelecimento comercial Zara, na cidade de ...., onde se processaria tal entrega, o que aconteceu sempre sob ameaça de que devia obedecer aos arguidos.

Para que não restassem quaisquer dúvidas ao ofendido a respeito da seriedade do mal que lhe anunciava, o arguido dizia-lhe que os brasileiros, amigos do arguido … faziam o dobro do tamanho deste.

E dizia-lhe, ainda, que “em Lisboa mataram quatro indivíduos que não pagaram e mandaram-nos ao rio”. E acrescentou: - “se não fazes o que te digo, nem os ossos te aproveitam. Olha que os gajos não brincam. Lá no Brasil é a vida deles. Sei onde moras e os brasileiros também”.

Então, como o arguido … lhe havia ordenado que fizesse, o … passou e entregou àquele dois cheques: um no valor de quatro mil euros, datado para 19.12.2006, com o nº 6300000903 e outro de cinco mil euros, com o nº 5400000904, datado para 28.03.2007.

Pouco depois, quando abandonavam a pastelaria para se encontrarem com o arguido …, foram abordados por inspectores da Polícia Judiciária que haviam sido alertados para este encontro e respectivo objectivo, altura em que o arguido … foi então detido.

Também pouco depois, o arguido … veio a ser detido pela Polícia Judiciária, junto ao estabelecimento comercial Zara, onde aguardava pelo …, tal como havia sido combinado.

Em virtude da situação supra descrita, os cheques que o ofendido entregara aos arguidos, não foram, assim, levantados.

Os arguidos fecharam o ofendido numa cave, obrigaram-no a sentar-se numa cadeira, ataram-lhe os pulsos com fita adesiva impedindo-lhe os movimentos, obrigando-o a assinar os cheques acima referidos.

Para tal, ameaçaram-no que se o não fizesse lhe cortariam um dedo com uma tesoura de podar, de que se muniram e que lhe exibiram, ainda acrescentando que se não lhes obedecesse seriam os seus filhos a sofrer as consequências, convencendo o J... que atentariam contra a vida e integridade física daqueles.

Assustado pelo que os arguidos lhe diziam, e tolhido na sua liberdade, … não esboçou resistência, assinou os cheques acima discriminados e foi obrigado a deslocar-se até uma máquina Multibanco a fim de levantar todo o dinheiro que tivesse na sua conta, entregando aos arguidos a quantia de cento e trinta euros.

Os arguidos apoderaram-se, ainda, da quantia de quarenta euros que o J... trazia consigo e de um telemóvel, que fizeram seus e a que deram o destino que entenderam, o que conseguiram intimidando o ofendido da forma supra descrita.

Mercê desse comportamento dos arguidos, o … sentiu um grande receio enquanto permaneceu manietado na cave e, posteriormente, enquanto foi obrigado a dirigir-se à máquina Multibanco, por temer qualquer acto de violência física por parte de qualquer dos arguidos, contra si ou contra os seus familiares.

E só por sentir tal receio preencheu os cheques como lhe foi ordenado e, depois, durante a viagem, não fez qualquer gesto ou tomou qualquer atitude que permitisse a alguém que por eles passasse aperceber-se do que lhe estava a acontecer.

Foi contra sua vontade que o … foi conduzido à cave da residência do arguido F... e aí permaneceu por todo o tempo que os arguidos entenderam, assim como foi contra sua vontade que foi levado até à sua viatura e obrigado a dirigir-se até ao Multibanco do BPI, em ...., para levantar dinheiro que entregou aos arguidos.

Ao actuarem da forma descrita, agiram ambos os arguidos livre, voluntária e conscientemente, de comum acordo e em conjugação de esforços, ambos com o intuito de privarem de liberdade e J... e obrigarem-no a entregar-lhes os referidos cheques, dinheiro e telemóvel, bem sabendo que não eram seus e que actuavam contra a vontade do ofendido, agindo com o intuito de obter vantagem patrimonial a que sabiam não ter direito, mediante ameaça à vida e integridade física do ofendido.

Tinham perfeita consciência do carácter reprovável do respectivo comportamento, estando cientes que o mesmo é proibido e punido por lei

2. Do PIC:

O ofendido sofreu muitos incómodos, aborrecimentos.

Temeu pela integridade física e vidas de sua esposa e de seus filhos, bem como pela sua.

3. Das Contestações dos arguidos:

O arguido … é, como era nas datas indicadas na acusação, sócio e gerente da sociedade unipessoal por quotas …l, Lda., NIPC …, com sede no local da sua residência familiar, sita em .......

Essa sociedade tem por objecto a comercialização de produtos de manutenção industrial, higiene e limpeza.

E os seus clientes são, predominantemente, Câmaras Municipais e outras pessoas colectivas de direito público, conforme atesta o documento n.º 4 junto pelo arguido com o requerimento de 08-06-2007.

Antes de constituir a referida sociedade, o arguido já havia estado, durante vários anos, ligado ao mesmo ramo de actividade.

Tendo sido auxiliado por …, o qual assumia as funções de vendedor/comissionista.

Em data que concretamente não apurada, o … apresentou-lhe o ofendido ….

Nesse contexto, trocaram, reciprocamente, os seus contactos telefónicos.

Características de personalidade, pessoais, familiares e sociais do arguido …:

Não obstante se ter divorciado de sua mulher, a testemunha …,, reconciliaram-se em Agosto de 2006, data a partir da qual reataram a vida em comum. Mesmo após o divórcio, o arguido continuou sempre a acompanhar a mulher e os seus filhos, permanecendo na casa de morada da família por longos períodos, praticamente em plena coabitação, especialmente em virtude dos problemas psicológicos de que sofre o seu filho ….

O arguido tem três filhos:

…, com 5 anos;

…, com 8 anos;

E o…, com 10 anos.

Existe entre o arguido e os filhos fortes vínculos afectivos.

E entre ele e sua ex-mulher existe uma relação amistosa e de confiança.

É é um cidadão educado, voluntarioso, bom comunicador e sociável.

Apresenta, actualmente, em virtude da situação processual por si vivenciada, sintomatologia depressiva.

Nos dias 17 e 19 de Julho, e 2 de Agosto de 2007, o arguido foi observado, analisado e avaliado pelos psicólogos clínicos, Prof. C… e Dra. S…, os quais elaboraram relatórios da especialidade.

4. Dos Antecedentes Criminais dos Arguidos:

O arguido … já sofreu as seguintes condenações:

- por um crime de tráfico e consumo de estupefacientes p.p. pelo art 25º alínea a) e 40º nº 1 do Dec Lei 15/93, de 22.01, na pena de 2 anos e seis meses de prisão que lhe foi suspensa pelo período de 3 anos.

Data da prática: 23.07.1996

Data da decisão: 09.04.1999

Por decisão transitada em 09.01.2003 foi declarada extinta a pena, nos termos do art 57º, nº 1 do Código Penal.

- por um crime de falsificação de documento, p.p. pelo art 256º do CP, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 10,00 €

Data da prática: 30.11.1996

Data da decisão: 13.01.2004

Trânsito: 20.04.2006

O arguido … não tem inscritos no CRC quaisquer antecedentes criminais.

5. Da situação económico-social dos arguidos:

…:

O arguido é oriundo de uma família bem integrada socialmente e com nível sócio-económico mediano.

O seu percurso escolar foi pautado por alguma instabilidade devido a sucessivas mudanças de residência.

O arguido aproveitava o período de férias escolar para trabalhar na construção civil.

A partir dos 16 anos iniciou a sua autonomia económica e habitacional.

Aos 18 anos abandonou os estudos e foi trabalhar na indústria química como vendedor, vindo (passado alguns anos) a estabelecer-se por conta própria neste mesmo ramo.

Tem 3 filhos menores aos quais presta toda a atenção e cuidados inerentes em virtude da indisponibilidade da sua companheira;

À data da detenção vivia em união de facto com a mulher de quem se divorciara há cerca de dois anos. Conta com todo o apoio da companheira

À data de 20.06.2007 o arguido apresentava sintomas de Depressão Reactiva, não tratada por se encontrar em reclusão nessa altura

Do Arguido …:

O arguido cresceu no seio de uma família de estrato sócio-económico mediano.

Os pais separaram-se quando tinha 11 anos de idade tendo o arguido ficado a viver com a mãe.

Frequentou a escola até aos 18 anos, tendo concluído o grau escolar equivalente ao 12º ano de escolaridade.

Após o serviço militar iniciou actividade laboral como vendedor.

Em Fevereiro de 2000 emigrou para Portugal tendo legalizado a sua situação em 2003.

Durante um ano trabalhou como porteiro numa discoteca. Exerceu, ainda, a actividade de vendedor quer de produtos “Herbalife” quer de produtos de outras empresas.

É casado tendo fixado residência com a mulher em .... onde viviam em casa arrendada.

Tem um filho com cerca de 1 ano de idade.

Desde 20.12.2006 que se encontra em prisão preventiva à ordem dos presentes autos, tendo sofrido duas repreensões disciplinares.

A sociedade A… disponibiliza-se para lhe dar emprego quando sair em liberdade

Factos Não provados:

- que tenham sido ambos os arguidos a agarrar o ofendido e a atar os seus pulsos à cadeira;

- que o arguido F... tenha vasculhado o interior do veículo do ofendido;

- que o telemóvel subtraído ao ofendido tivesse o valor de 100 euros;

- que a máquina atm em referência  se situasse no exterior do banco;

- que vendo que o ofendido não tinha mais dinheiro disponível que permitisse o levantamento, lhe tenham dito que no dia seguinte lhe telefonariam para combinar um local de encontro, altura em que o J... lhes deveria entregar mais dinheiro.

- que também o arguido … tenha telefonado a …, marcando encontro, com o propósito de este lhe entregar dinheiro, ameaçando que se não obedecesse o … e a família sofreriam as consequências.

- que tivesse sido em virtude de o ofendido ter cancelado os cheques que estes não foram levantados

Do PIC:

Que o ofendido tenha passado noites sem dormir.

Que o ofendido seja o único sustento do seu agregado familiar.

Que devido a instabilidade emocional o ofendido não tenha conseguido trabalhar nos primeiros 15 dias após os factos.

Que ainda hoje não atenda chamadas de telemóveis com nº privado.

Que o telemóvel tivesse o valor de 200,00 €.

Que em virtude de uma “chapada” que o segundo arguido lhe deu com força no nariz, tivesse de ser tratado por médico.

Que o ofendido seja diabético e, após estes factos, devido à ansiedade e nervosismo constantes não mais conseguiu baixar os “níveis” de diabetes.

Da Contestação do arguido …:

Que quer no quadro do exercício da sua actividade, quer, inerentemente, sob o ponto de vista pessoal e social, o arguido seja, reputado como uma pessoa bem sucedida, um empresário respeitado e honesto.

Que na altura em que foram apresentados, o ofendido … se tenha identificado como professor do ISLA, em ...., e também como promotor do BANIF e como estando ligado ao sector do agenciamento imobiliário, disponibilizando-se para, no domínio destas áreas, prestar ao arguido todo o tipo de aconselhamento e ajuda de que eventualmente pudesse vir a necessitar, nomeadamente no que respeita à facilitação de crédito bancário e à concretização de investimento imobiliários.            

Que… o tenha anunciado ao arguido como sendo advogado, exemplificando, inclusivamente, que, enquanto tal, o ofendido já lhe tinha resolvido um assunto relacionado com uma exploração de coelhos..

Que a partir de então, o ofendido tenha passado a telefonar regularmente ao arguido, ora convidando-o para tomar café, ora convidando-o para almoçarem juntos.

Que o ofendido tenha recebido do arguido ofertas com que vulgarmente eram presenteados aos clientes particulares da …, Lda., como sejam garrafas de bebidas e perfumes.

Que, estreitadas, as relações entre ambos, o ofendido … tenha começado a “publicitar” ao arguido outro tipo de serviços que se dizia habilitado a prestar, como seja os de economista, gestor e contabilista, predispondo-se a fornecer tais serviços à …, Lda.

Que o ofendido … apresentasse sempre soluções para todos os problemas: constituição de garantias bancárias, visando o pagamento antecipado de facturas, rápida e imediata concessão de crédito bancário, especialmente se fosse destinado à aquisição de veículos, e, caso fosse necessário incrementar os custos da empresa, também conseguia obter facturas, desde que o arguido suportasse o IVA.

Que fizesse questão de “propagandear” que tinha muitos contactos na administração pública e no sector privado que poderiam facilitar as coisas.

Que em Setembro/Outubro de 2005, o arguido se tenha visto forçado a cessar o vínculo profissional que tinha com o …, em virtude de este se ter apropriado, indevidamente, de cheques emitidos a favor da …, Lda., que, no exercício das suas funções de comissionista, lhe haviam sido entregues por clientes daquela (Município de....., Santa Casa da Ribeira, em ....., e Centro Social e Paroquial da .....).

Que o ofendido … tenha contactado diversas vezes o arguido com o objectivo de o incentivar a reconsiderar a decisão tomada em relação ao ….

Que no âmbito de uma questão de alegado furto de letras, carimbos e cheques a testemunha … lhe tenha comunicado:

Que as letras em causa haviam sido “compradas” ao ofendido … e a um tal de …, que explorava uma imobiliária na Batalha;

Que ele (…), por sua vez, já as tinha endossado e entregue a uma empresa de Aveiro.

Que o arguido tenha contactado o ofendido …, confrontando-o com tal informação.

Que este último estivesse envolvido em qualquer situação referente a letras/carimbos/cheques pertencentes ao arguido, furtados e falsificados.

Que o ofendido … tenha reconhecido ao arguido o seu envolvimento no uso indevido dos carimbos, imitação da assinatura, no preenchimento e utilização das letras, conluiado com o acima identificado Humberto Pereira Rino.

Que face ao manifesto “desespero” do arguido, o ofendido lhe tenha dito:

Que, até ao final do ano (2006), o problema estaria resolvido;

Que também iria chamar à responsabilidade o ….

Que o arguido tivesse começado a receber no seu telemóvel mensagens ameaçadoras à sua vida e integridade física, e dos seus familiares, remetidas pelo mencionado …, relacionadas com este assunto.

Que, o arguido, no início de Dezembro de 2006, tenha contactado, telefonicamente, o ofendido …, solicitando-lhe o favor de, definitivamente, apresentar uma solução concreta para o problema, advertindo-o, uma vez mais, de que, caso contrário, seria forçado a recorrer a Tribunal.

Que o ofendido lhe tenha comunicado, então, que só poderia disponibilizar € 27.000,00, e que esta quantia teria de ser paga em prestações, visto que, de imediato, não tinha a totalidade desse montante.

Que, em meados de Dezembro de 2006, o arguido tenha comunicado ao ofendido, telefonicamente, a sua aceitação, tendo ambos combinado que o acordo seria formalizado em sua casa (do arguido), mediante a entrega de, no máximo, 3 cheques pós-datados para 28/01/2007, 15/02/2007 e 28/03/2007.

Que, de forma livre, voluntária e por sua exclusiva iniciativa, o ofendido tenha preenchido, assinado e entregado os cheques em causa ao arguido, no estrito cumprimento do que entre ambos tinha sido acordado.

Que o preenchimento e entrega tenham ocorrido, sempre, no exterior da habitação do arguido.

Que aquando da entrega dos cheques ao arguido, o ofendido … tenha praguejado e esbracejado, afirmando, revoltado, que quem também devia estar na sua posição era o ….

Que durante todo o período de tempo em que o arguido e o ofendido estiveram a conversar, se encontrasse no local o jardineiro (…) que cuida do jardim existente no logradouro da habitação, e os colaboradores deste.

Que a mulher do arguido se encontrasse no interior da residência a corrigir testes dos seus alunos.

Que em virtude de se sentir incomodado com a presença do jardineiro, o ofendido … tenha pedido ao arguido que, se quisesse continuar a conversa, esta deveria ter lugar num outro sítio, tendo ambos acordado deslocar-se até ao café de Vale das Aveias, sito nos .....

Que, no caminho, o ofendido tenha parado, voluntariamente junto do banco BPI a fim de levantar dinheiro. E que, quando regressou do banco, o ofendido tenha transmitido ao arguido que já não podia continuar a conversa e que já não tinha tempo para tomar café, alegando a marcação de um compromisso de que entretanto se tinha lembrado.

Que o ofendido tenha prometido telefonar-lhe nos dias seguintes – o que só veio a acontecer depois de alguma insistência do arguido.

Que, no dia 18/12/2006, cerca das 11.00 horas, o arguido tenha sido contactado telefonicamente pelo ofendido, e que tenha sido por isso que combinaram encontrar-se na pastelaria/padaria “Os ....”, também conhecido como “café PQ...”, sita em .....

Que o ofendido J... já estivesse a ser instruído pela PJ.

Que tenha sido o ofendido a propor ao arguido a entrega de dois cheques, contra a devolução daquele de € 9.000,00, aliciando-o com o argumento de que um, no valor de € 4.000,00, seria datado imediatamente para o dia 19/12/2006, e o outro, de € 5.000,00, para 28/03/2007.

Que o veículo automóvel do arguido, apreendido à ordem dos presentes autos, se encontrasse estacionado no interior da garagem e daí nunca tenha saído.

Que à entrada desta garagem, estivesse colocada, em cima de um móvel, a tesoura de podar também apreendida, bem como diversos rolos de fita adesiva – idênticos àquele que igualmente se encontra apreendido –, para colar as guias de transporte nas embalagens comercializadas pela …, Lda.

Que, no meio onde se insere, quer sob o ponto de vista pessoal, quer profissional, o arguido goze de boa reputação e idoneidade.

Que seja um cidadão respeitador, honesto, voluntarioso, solidário, compreensivo, generoso para com os outros e amistoso, sendo como tal reconhecido por todos aqueles que o rodeiam e que com ele convivem.

Que valorize o que é tradicional, procurando actuar de acordo com os valores sociais vigentes.

Que seja um sujeito realista, perspicaz, prático, emocionalmente equilibrado e sensato.

Que tenha uma personalidade de tipo sincero, de confiança, responsável e persistente, capaz de fazer adaptações (perante vicissitudes, por exemplo, uma perda), sendo, ao mesmo tempo, reservado e sensível.

Que não seja pessoa violenta, nem pessoa para se envolver em situações de violência.

Motivação:

O Tribunal baseou a sua convicção nos seguintes elementos de prova:

- CRC´s actualizados dos arguidos e competentes relatórios sociais;

- “mapa” de fls 1866, devidamente confirmado pelas testemunhas que se encontravam no local no dia 18 (e pelo proprietário do estabelecimento), quanto á configuração do mesmo e posições em que arguido F... e ofendido se encontravam e ainda quanto à credibilidade e consistência dos depoimentos dos agentes da PJ que se deslocaram ao local no que respeita à possibilidade de escutar as conversas havidas e atitudes observadas (atenta a proximidade do local onde se encontravam sentados);

- cheques de fls 52, 72 e 219;

- auto de apreensão de fls 62;

- auto de busca e apreensão de fls 66 a 107;

- auto de apreensão de fls 114 a 127;

- auto de busca e apreensão a fls 695;

- auto de exame directo  a fls 220 a 223.

Conjugado com os depoimentos do ofendido/demandante quanto ao modo de execução dos factos pelos arguidos: à violência sobre si exercida, constrangimento a entregar telemóvel e dinheiro, ameaças dirigidas contra si e sua família, exibição de tesoura de podar como meio de o intimidar, deslocação forçada a uma agência bancária para levantamento de quantias monetárias; posterior encontro numa pastelaria onde o arguido … confessou perante um conhecido de ambos ter-lhe pregado um valente susto; modo como identificou o arguido … como sendo a 2ª pessoa presente na cave pelo seu aspecto físico (nomeadamente corpulência) na altura em que se dirigiu com os agentes policiais às imediações da Zara (local onde tinha combinado encontrar-se com este arguido a fim de lhe dar o dinheiro por este exigido).

Que na altura em que apareceu na casa do arguido F… encontravam-se aí alguns indivíduos com alguma corpulência, alegadamente jardineiros, que posteriormente associou ao “bando de brasileiros” com que havia sido ameaçado; que quando saiu da cave e foi para o veículo, forçado pelos arguidos, já os “jardineiros” aí se não encontravam.

Ainda nas testemunhas de acusação, inspectores da Polícia Judiciária em ....:

…, que coordenou a investigação; que recebeu um telefonema do ofendido que lhe relatou a situação por si sofrida e que havia sido “convidado” para se deslocar a um local para “entregar cheques”; que em face da denúncia deslocou para o local uma equipa para fazer vigilância; que do interior da pastelaria, onde se tinham colocado em vigilância alguns agentes da PJ, o agente T... lhe enviava mensagens para o telemóvel confirmando que o ofendido se encontrava a ser ameaçado (pelo que podia perceber do que se passava na mesa em que arguido e ofendido se encontravam); buscas efectuadas e por si presenciadas; que acompanharam o ofendido às imediações da Zara, tendo este identificado o arguido D... sem qualquer hesitação;

… que esteve na pastelaria onde ocorreu o encontro entre arguido e ofendido, tendo assistido a parte das conversas: que o arguido F... estava exaltado, proferindo ameaças como: “brasileiros, que era a vida deles, que em Lisboa tinham mandado um indivíduo ao rio por não pagar dívidas”; que, a certa altura, o arguido F... usa o telemóvel e diz para o seu interlocutor “ o J... só te dá o dinheiro a ti”, passa o telemóvel ao ofendido e é combinado um encontro junto à Zara entre ofendido e interlocutor; que após a passagem dos cheques apareceu a testemunha D... e a conversa amenizou; que foi efectuada a detenção do arguido F...; que após se dirigiram com o ofendido à zona da Zara onde este identificou o arguido D... como sendo a 2ª pessoa presente na cave e que o havia manietado e ameaçado; que a este arguido foi apreendido o telemóvel que continha o cartão para onde tinha sido feita a chamada do arguido F...;

…, que esteve presente na pastelaria, que ouviu falar em “brasileiros…eles fazem..”; que o sentido das palavras do arguido F... era ameaçador; que o ofendido denotava constrangimento e o arguido “á-vontade”;

…, que se encontrava no exterior da pastelaria; que se deslocou á Zara; que já tinham a descrição do indivíduo por parte da vítima e que essa descrição encaixava com o arguido D..., o qual se encontrava nas imediações da Zara, perto de um quiosque; que o ofendido aí o identificou e assim se procedeu á sua detenção.

Estas testemunhas (agentes da PJ) atento os factos que presenciaram, quer na pastelaria quer junto à Zara, acabaram por conferir total credibilidade ao depoimento do ofendido, o qual, aliás, depôs com serenidade, coerência e consistência tendo merecido a credibilidade do Tribunal.

Os arguidos negaram ter praticado os factos de que vêm acusados. Reconheceram, no entanto, que, no dia 14 o arguido … se tinha deslocado a casa do arguido …, onde permanecera poucos minutos a fim de tratar de assunto relacionado com um possível emprego. Quiseram, assim, é opinião do Tribunal, justificar porque é que o ofendido identificou o … no dia da detenção querendo, com esta versão, descredibilizar o depoimento do ofendido quanto à situação ocorrida na cave. Não mereceram a credibilidade do Tribunal atendendo à inconsistência e incoerência das suas declarações, desmentidas pelo ofendido e, em parte, pelo depoimento dos agentes da PJ conforme supra referido.

O arguido F..., é convicção do Tribunal, “arquitectou” uma história, com muitos intervenientes, em que teria sido alvo de furtos/falsificações de títulos de crédito que entraram no circuito comercial e cujo pagamento lhe estava a ser exigido. Não explicou porque não aguardou por decisão judicial que demonstrasse não ter sido ele a emiti-los ou a pô-los em circulação (que seria o que qualquer pessoa normal faria) e porque tentou cobrar o dinheiro que lhe era exigido pelos possuidores dos títulos ao ofendido (de facto, não mereceu qualquer credibilidade a sua tentativa de envolver o ofendido naqueles factos por completamente incoerente e inconsistente).

Referindo-se ao acontecido no dia 18, e sem qualquer convicção, referiu que nessa altura pediu ao … para receber uma verba de herbicida que havia vendido ao ofendido e que este, com muita insistência, lhe pediu para falar com o outro arguido tendo-lhe então passado o telemóvel e sido combinado entre aqueles um encontro na Zara para aquele efeito. Esta explicação é deveras estranha e inconsistente. De facto, porque combinar um encontro em centro comercial para receber verbas de uma transacção comercial e não na sede da firma vendedora? Como iria o ofendido reconhecer o arguido … se apenas o tinha visto por 3 minutos no dia 14 no jardim da casa do arguido …? Porque não recebia o arguido … o dinheiro do herbicida se se encontrava precisamente, nesse momento, com o ofendido?

A testemunha … que, no dia 18, compareceu na pastelaria referiu que a certa altura da conversa entre os 3 - ele, ofendido e arguido -, este lhe referiu que “tinha pregado um susto ao J...”; que o ofendido se mostrava constrangido e tinha uma mancha vermelha na cara.

As testemunhas de defesa apresentadas pelo arguido F... nada sabiam sobre os factos constantes na acusação, apenas a testemunha … (companheira do arguido) referiu que estava em casa nesse dia e não se apercebeu de nada de anormal. Porém, o seu depoimento foi nitidamente tendencioso não merecendo a convicção do Tribunal até pelo facto de, contrariamente ao já por si afirmado no processo (em carta aí enviada a fls 318) e ao constante dos relatórios sociais, não reconhecer permanecer ligada, em união de facto, ao arguido.

As testemunhas … e … não confirmaram a versão do arguido F... no que respeita aos factos ilícitos de que este se dizia alvo por parte do ofendido, tendo descredibilizado totalmente as declarações daquele.

Quanto aos jardineiros que, alegadamente, estariam a tratar do jardim de casa do arguido … no dia 14, …, … e …, não conseguiram convencer o Tribunal de que teriam sido efectivamente eles a estar no local àquela hora e que aí tenham permanecido até ofendido e arguido terem saído de carro. Aliás, a testemunha Tiago referiu mesmo “certezas não tenho” ao ser questionado porque se lembrava tão bem deste dia. Não mereceram assim a credibilidade do Tribunal mantendo-se a dúvida “porque se lembravam tão precisa e exactamente” dos factos que naquele dia, alegadamente, presenciara. De facto, se nada de anormal havia acontecido como explicar o seu depoimento, nomeadamente o do jardineiro responsável que foi tão preciso em pormenores?

As testemunhas do arguido … depuseram ao seu bom comportamento, boa inserção social e familiar, ao facto de ser trabalhador.

As restantes testemunhas nada sabiam de relevante que, efectivamente, se relacionasse com o objecto do processo pelo que não foram os depoimentos por si prestados tidos em conta pelo Tribunal para fundamentar a sua convicção.

Quanto aos factos não provados não existiu qualquer prova quanto aos mesmos ou resultou precisamente o contrário do alegado pelo arguido F....

Quanto à restante matéria alegada trata-se de meras conclusões, considerações de direito que relevância alguma tinham para o processo.
Da impugnação da decisão em matéria de facto 
A primeira questão a apreciar prende-se com a impugnação alargada da decisão em matéria de facto formulada pelo recorrente ….
Nos termos do artº 428º do CPP, as relações conhecem de facto e de direito, podendo modificar a decisão de facto quando a decisão tiver sido impugnada nos termos do artº 412º, nº3 do mesmo código. Cabe salientar que essa dimensão do recurso não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, como se a decisão da 1ª instância não existisse, mas sim, e apenas, remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, expressamente indicados pelo recorrente [[iii]]. É o que o recorrente considera acontecer com a quase totalidade da decisão em matéria de facto, pois pretende que não foram respeitadas as regras da experiência comum e, assim, desrespeitado o princípio da livre apreciação da prova consignado no artº 127º do CPP.
O preceito do artº 127º do CPP consagra no ordenamento processual penal o princípio da livre apreciação da prova e estabelece que, «salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente». Acolhe-se o sistema de prova livre, o que não significa ausência de critério e muito menos permissão para a irracionalidade. Nas palavras de Figueiredo Dias «o princípio não pode de algum modo querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente esta discricionariedade (como já dissemos que a tem toda a discricionariedade jurídica) os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material», de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, reconduzível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo» [[iv]]. A mesma ponderação resulta do Ac. do Tribunal Constitucional nº 464/97, incidente sobre a conformidade constitucional dessa norma, quando se refere: «esta justiça, que conta com o sistema da prova livre (ou prova moral) não se abre, de ser assim, ao arbítrio, ao subjectivismo ou à emotividade. Esta justiça exige um processo intelectual ordenado que manifeste e articule os factos e o direito, a lógica e as regras da experiência. O juiz dá um valor posicional à prova, um significado no contexto, que entra no discurso argumentativo com que haverá de justificar a decisão. Este discurso é um discurso mediante fundamentos que a ‘razão prática’ reconhece como tais (Kriele) pois só assim a obtenção do direito do caso “está apta para o consenso”. A justificação da decisão é sempre uma justificação racional e argumentada e a valoração da prova não pode abstrair dessa intenção de racionalidade e de justiça» [[v]]. 
Como se disse, o recorrente discorda da decisão relativamente a todos os factos da acusação dados como provados. Porém, ao longo da motivação não aborda cada um individualmente, antes escolhe referir dois momentos aglutinadores: os factos ocorridos na residência do arguido no dia 14/12/2006 e os factos verificados no dia 18/12/2006, agora no interior da pastelaria “PQ...”. E, a partir dessa discordância globalizada, o discurso argumentativo do recorrente passa quase exclusivamente pela apresentação da sua compreensão da prova produzida, que ilustra com passagens transcritas e alusão a documentos, e raramente pelo esforço de demonstração da irrazoabilidade da decisão recorrida, por incompatível com a experiência comum. Dito isto, passemos a apreciar cada um dos elementos probatórios e as passagens concretas indicadas pelo recorrente, pela ordem constante do corpo da motivação, com vista a determinar se algum deles impõe, e não apenas consente, outra decisão.
Dia 14/12/2006.
Declarações de …
O principal meio de prova individualizado no recuso é integrado pelas declarações do denunciante e demandante civil …, as quais, diz o arguido, encontram-se eivadas de contradições, são titubeantes e enviesadas. Nota-se desde logo que o recorrente socorre-se para tanto do texto da acusação e do pedido de indemnização civil, ambos sem natureza probatória, e muito menos pontos referência para suportar a indicação de afirmações inconciliáveis pelo declarante. É, assim, indiferente para este propósito a alusão a «grande violência» na acusação ou a referência a «chapada no nariz» no pedido, peças processuais que não constituem fonte de prova e que não integram o acervo a ponderar. Vale, sim, o que foi dito em audiência.
Ora, ouvidas tais declarações, nada permite afastar a qualificação desse contributo probatório como sereno, coerente e consistente, tal como exarado o Tribunal recorrido. Falecem especialmente as razões apontadas pelo recorrente para suportar o demérito desse contributo probatório.
Tomando as agressões físicas referidas nos factos provados, considera o recorrente que «não é plausível que alguém que tenha sofrido actos de tamanha violência não tenha sido submetido a tratamento médico». Não se vê que assim seja. Trata-se de uma simples bofetada e do arranque de pelos na zona do pulso por efeito da remoção de fita gomada, o que, por regra, não carece de tratamento médico. Qualquer pessoa sabe que os efeitos desaparecem em poucos dias. Acresce que o facto de tal não ter acontecido – exame médico - não consente a leitura de que não existiram vestígios. … referiu claramente a observação de … com uma mancha vermelha na cara.
Estranha também o arguido … que o cartão SIM do telemóvel tenha sido devolvido. Novamente sem razão. Contrariamente ao pretendido pelo recorrente, não existe neste domínio um «padrão normal de comportamento» que se possa ter por contrariado pela devolução do cartão SIM. Aliás, a experiência judicial demonstra que a aquiescência a esse pedido pela vítima não é rara. Isto sem deixar de referir que a alusão a entrega polida e educada constitui manifesto exagero retórico, sem a menor compatibilidade com a narrativa deixada em audiência.
Pretende ainda o recorrente colocar em dúvida a fidedignidade das declarações do queixoso e demandante civil pela circunstância de não ter procurado de imediato saber da segurança da esposa e filhos. Porém, a explicação oferecida pelo declarante a esse propósito foi lógica e verosímil: como tinha satisfeito todas as exigências, considerou que não existiam motivos para recear represálias imediatas.
Prosseguindo, cumpre agora apreciar o segundo plano probatório avançado pelo recorrente, integrado pela contraposição das declarações do assistente com os depoimentos de …, …, … e …. A partir dos relatos destes últimos, considera existir situação de dúvida irresolúvel e inultrapassável, a valorar no sentido mais favorável ao arguido.
Depoimento de …
A apreciação do registo do depoimento de … oferece-nos relato profundamente marcado pela proximidade vivencial com o arguido, cujas indicações aceita sem questionar, e também condicionado pelos reflexos que o desfecho do caso na sua vida pessoal e familiar. Em especial, releva o factor de descredibilização apontado pelo Tribunal recorrido, de negar a situação de união de facto com o arguido. Ao invés do pretendido pelo recorrente, não se trata de um pormenor. Trata-se de um factor importante para avaliar a credibilidade do seu testemunho e foi objecto de questões concretas e específicas por parte do Tribunal, às quais respondeu sempre no sentido de garantir que não viviam em união de facto e que apenas mantinham a coabitação depois do divórcio em atenção aos filhos. Aliás, porque não se tratava de pormenor, o Sr. Advogado do recorrente perguntou-lhe se não tinha acontecido «um divórcio daqueles de conveniência, porque um dos cônjuges tem dívidas ou outros problemas quaisquer, divorciam-se mas no fundo continuam casados» ao que respondeu «de maneira nenhuma».  
Neste contexto, a ponderação negativa do Tribunal Colectivo quanto à confiabilidade do seu testemunho não constitui desconsideração e muito menos merece o epíteto de análise redutora, simplista, parcial e discricionária da prova. Integra, sim, a aplicação racional de critérios de avaliação que não se esgotam no valor facial da palavra, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.
Depoimento de…
No que respeita aos depoimentos de …, … e …, todos jardineiros e a trabalhar no exterior da casa, ouvidos o registo dos mesmos, não podemos deixar de salientar que foram amiúde confrontados com questões sugestivas pelo Sr. Advogado do recorrente, o que inquina profundamente a valorização desses depoimentos[vi]. Deixemos apenas um exemplo.
Test. …: A gente almoçava da uma às duas, sensivelmente, portanto, sei lá, duas e meia ou quê.
Advogado do recorrente: Se eu lhe disser entre as duas e as três, não estou a fugir...
Test. …: Não, estará a fugir não.
É aqui patente que a testemunha mantinha recordação imprecisa do período temporal, imprecisão que não se pode ter como ultrapassada com pela adesão à sugestão que lhe foi dirigida, projectando todo o depoimento para momento posterior ao que indicara. Todas essas imprecisões e oscilações, bem como o condicionamento operado pela forma como foi questionado, colocam fortes dúvidas sobre a credibilidade da sua narrativa.
Outro aspecto impressivo prende-se com a observação do arguido D.... No momento inicial do seu depoimento em questionado é se o conhecia, respondeu «Talvez tenha visto uma vez em casa do Senhor F...». Mas adiante, e notoriamente por efeito de inquirição que não obedeceu ao disposto no artº138º, nº2, do CPP, a incerteza consubstanciada naquele «talvez» transformou-se numa peremptoriedade e riqueza de pormenores que, efectivamente, causa estranheza, por desconformidade com a experiência comum, no contexto do desenvolvimento de tarefa absorvente e em equipa. Perpassa ainda por todo o seu depoimento o efeito gerado pela circunstância de, como reconheceu, ter sido contactado por Sandra Paula antes de oferecido como testemunha.
Depoimento de …
Passando agora ao depoimento de … e, especificamente, o aspecto dos movimentos de entrada e saída de veículos - aquele em que incidiram praticamente todas as questões - encontram-se  aí novamente factores de incerteza que cumpre destacar. O primeiro encontra-se na circunstância da testemunha ter avançado, sem que a questão abordasse esse aspecto, com a referência «sei que estava lá o carro da dona da casa». Mas, e principalmente, ressalta evidente da resposta às questões colocadas pelo Sr. Procurador que não podia garantir se tal acontecera no dia 14 ou em qualquer outro dia, nem a que hora chegara a casa do arguido. Como deixou claro «as horas nunca eram certas» e a escala organizada apenas indicava o dia, abrangendo vários jardins, o que retira certeza não só ao valor do seu relato como também projecta dúvidas sobre aquele efectuado pela testemunha …. Note-se ainda que esta testemunha não recordou a presença no local do arguido ….
Depoimento de …
O terceiro elemento da equipa de jardineiros ouvido em audiência foi …. Questionado se vira alguma vez o arguido … respondeu que não e recordou apenas que vira «o carro azul» a sair. Porém, essa indicação deve ser tomar em consideração que referiu «Eu também não me recordo muito bem já desse dia» e «Certezas não tenho».
Assim, quer individualmente, quer no seu conjunto, concluímos que as quatro testemunhas apontadas pelo recorrente não apresentam depoimentos coerentes, circunstanciados e suficientemente encorpados para, no confronto com as declarações de J..., colocarem em crise a narrativa deste sobre os factos verificados em 14/12/2006. É certo que existem divergências de prova e que outra poderia ter sido a convicção do tribunal, mas essa simples situação, comum em muitos julgamentos, não permite a modificação da decisão em matéria de facto pela 2ª instância, desprovida da riqueza de detalhes que só o contacto directo com a prova pessoal permite. Não demonstra erro de julgamento, não impõe, como diz a lei, outra decisão. Vale aqui o que se escreveu noutro aresto desta Relação: quando a opção do julgador se centra em elementos directamente interligados com o princípio da imediação, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum[vii]. Crítica essa que manifestamente não encontra aqui cabimento.
Mas, o recorrente não se atém à indicação de prova pessoal. Oferece igualmente prova documental, a qual considera «reforçar todas as dúvidas anteriormente destacadas». A saber, os documentos de fls. 7 e os cheques apreendidos.
Documento de fls. 7
Relativamente o documento de fls. 7 – cópia de consulta de movimentos da conta – a argumentação do recorrente passa não tanto pela sua valoração mas pela circunstância de não ser acompanhado de talão de levantamento da quantia de €130,00. Para o recorrente, fica demonstrado o «carácter ardiloso da denúncia». Não vemos que assim seja. A existência daquele documento em nada colide com o levantamento constante dos factos provados, cuja demonstração não passa necessariamente por prova documental, mormente pelo extracto de conta. Também aqui, vigora a livre apreciação da prova, mormente da prova documental. Aliás, a esse propósito, resulta das declarações de J... que este disse várias vezes que estava na disposição de facultar os seus elementos bancários como também que nunca foi questionado a esse propósito e da ausência de talão de levantamento, mormente pelo Sr. Advogado do recorrente. É patente que o doc. de fls. 7 não contraria minimamente o que consta dos factos provados.
Cheques apreendidos
No que toca aos cheques, começa o recorrente por considerar que «deve ser valorado a favor dos arguidos» o facto de … ter em seu poder um livro de cheques. Porém, não se encontra nessa circunstância qualquer entorse à experiência comum. Cada pessoa tem os seus hábitos e a circunstância do saldo bancário do emitente ser baixo não impede naturalmente a validade dos impressos de cheque, sem esquecer a persistência com que são emitidos os designados cheques «pós datados».
Num segundo plano, diz o recorrente que a conduta do arguido aceite pelo Tribunal de exigir três cheques quando podia exigir mais e em valor superior, ou ainda a sua substituição por outros, não é plausível. Porém, e novamente, não existem padrões de «normalidade» relativamente a condutas como aquela dada como provada, sendo patente que a interacção entre agente e vítima, e em especial a avaliação da solvência desta, levam a que cada caso seja distinto na projecção dos valores e no desdobramento das condutas. Não se encontra na prova desses factos qualquer entorse lógico ou inconciliabilidade com os dados da experiência.
Aqui chegados, cumpre concluir que a decisão recorrida quanto ao sucedido no dia 14/12/2006 mostra-se inteiramente razoável e compatível com a experiência comum, sem infracção de qualquer princípio probatório.
Dia 18/12/2006
Passemos agora ao dia 18/12/2006. Considera o recorrente que, pela configuração do café, os Srs. Inspectores da Polícia Judiciária não podiam ouvir o que declararam em audiência. Em suporte dessa afirmação indica os depoimentos de … e ….
Depoimento de …
Tomando este último, D... referiu que houve uma conversa mas que não recordava o seu conteúdo. Não corresponde à realidade que tenha por alguma forma negado os factos constantes dos factos provados.
Depoimento de …
Por seu turno, … deixou depoimento próprio de quem tem a seu cargo o serviço de clientes e não presta atenção ao que era dito pelo arguido, ao invés do que acontecia com as testemunhas que, por dever de ofício, estavam particularmente atentas ao que se passava.
Também aqui, inexiste fundamento para a modificação do decidido pela 1ª instância.
Qualificação jurídica dos factos
Para a eventualidade de não obter sucesso na pretensão de modificação da decisão em matéria de facto, vem o recorrente sustentar que a conduta provada corresponde à prática de um único crime de roubo, pois, considera, este crime consome no caso em apreço os crimes de extorsão e de sequestro. Na sua óptica, a relação entre os três tipos penais será de concurso aparente e não de concurso real ou efectivo. Ao invés, considera o Ministério Público em ambas as instâncias que deve subsistir a condenação pelos três crimes.
A decisão recorrida apreciou esta questão, embora no contexto de outra posição jurídica do mesmo arguido, veiculada na contestação, a saber, que apenas teria sido cometido um crime de coacção. A solução encontrada foi assim justificada:

III- Da Responsabilidade Jurídico-Criminal dos Arguidos:

Comete o crime de extorsão quem:

“com intenção de conseguir para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, constranger outra pessoa, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, a uma disposição patrimonial que acarrete, para ela ou para outrem, prejuízo…”  (nº 1 do art 223º do CP)…”se se verificarem os requisitos referidos nas alíneas a), f) ou g) do nº 2 do artigo 204º, ou na alínea a) do nº2 do artigo 210º o agente é punido com prisão de três a quinze anos” (nº 3 alínea a) do art 223º).

Ao forçar, através do emprego de violência psíquica e de ameaça com “mal importante” (ofensa à vida/integridade física do ofendido e seus filhos), e como tal entendido pela vítima, ao forçar o ofendido, dizíamos, a assinar e preencher os cheques em questão nos autos com o fim de obter uma disposição patrimonial (de valor consideravelmente elevado) que não tinha qualquer justificativo e que levaria ao empobrecimento deste e consequente enriquecimento (ilegítimo) dos arguidos, cometeram estes um crime de extorsão na sua forma qualificada e tentada, conforme arts 223º, nºs 1 e 3 alínea a) e 22º do CP (punido com pena de prisão entre 7 meses e 4 dias a 10 anos de prisão atendendo à atenuação especial imposta por este último preceito).

E na forma tentada uma vez que os cheques não obtiveram pagamento, contra a vontade dos arguidos.

Distingue-se o crime de extorsão do de coacção uma vez que o comportamento coagido se destina a proporcionar enriquecimento ilegítimo ao agressor ou terceiro e injusto empobrecimento ao ofendido, existindo uma relação de especialidade entre ambos os ilícitos (extorsão como lex specialis relativamente ao crime de coacção).

E não se estaria nesta situação perante um crime de roubo (se bem que, eventualmente, em concurso com um crime de sequestro) e não perante um concurso efectivo de crimes?

Entendemos ser a resposta negativa.

Distingue-se o crime de extorsão do de roubo porque, enquanto neste o sujeito activo consegue apropriar-se - imediatamente - de coisa móvel, na extorsão o que se visa é uma disposição patrimonial (que pode não ser uma coisa móvel), diferida no tempo (nomeadamente quantia titulada por cheques que o sujeito passivo é coagido a assinar).

Assim, e na situação presente, estamos perante um crime de extorsão qualificada na forma tentada quanto aos cheques, em concurso efectivo com um crime de roubo (apropriação do telemóvel e de 40,00 € - ocorrida na cave - e apropriação da quantia de 130,00 € na situação do banco).

Com efeito, comete o crime de roubo p.p. pelo art 210º nº 1 do CP quem “com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir…”

O crime de roubo é um crime complexo que ofende quer bens pessoais quer bens patrimoniais constituindo um “plus” relativamente ao crime de furto qualificado precisamente pela dimensão pessoal que reveste a violência utilizada para se atingir o fim de apropriação de bens móveis.

Ora, ao manietar o ofendido empurrando-o contra uma parede e imobilizando-o, ao proferir ameaças com mal iminente para a integridade física deste, ao ameaçar a vida e integridade física de terceiros, familiares do ofendido (ameaças que o ofendido entendeu como sérias) para se apropriarem de bens móveis (telemóvel e 170,00 €) os arguidos cometeram um crime de roubo p.p. pelo art 210º do CP.

Conforme já por nós referido, foi alegado pela defesa do arguido F... que verificar-se-ia, eventualmente, quanto aos factos relatados na acusação, apenas a existência de um único crime, o de coacção.

Precisemos a nossa posição:

O crime de coacção importa o constrangimento de alguém, por meio de violência ou de ameaça, a uma acção, omissão ou a suportar uma actividade. Ora, neste caso a “coacção” foi apenas o meio que os arguidos utilizaram para facilitar o objectivo querido de apropriação imediata de bens móveis e de obtenção de disposições patrimoniais a seu favor. É, assim, o crime de coacção consumido pelo crime de roubo e pelo crime de extorsão (no que a cada uma das situações se refere).

Comete o crime de sequestro, p.p. pelo art 158º nº 1 do CP quem: “detiver, prender, mantiver presa ou detida outra pessoa ou de qualquer forma a privar da liberdade…”

O bem jurídico protegido com esta incriminação é o de liberdade de locomoção (a liberdade física de mudar de lugar, liberdade de deslocação).

Incluem a doutrina e a jurisprudência, também, neste dispositivo e como forma adequada de impedir a liberdade de locomoção/deslocação, a utilização de violência psíquica ou ameaça quer sobre o ofendido quer sobre terceiro (nomeadamente pessoas por este estimadas) de tal forma séria que impossibilita o sujeito passivo de usar da sua liberdade de locomoção.

Para que se consume o sequestro necessário é que exista uma certa perduração no tempo do impedimento de locomoção (é um crime permanente ou duradouro).

Cfr Ac STJ de 03.10.90 in Anotação ao art 158º do CP (Comentário Conimbricense). “O crime de sequestro (…) é um crime de execução permanente e não vinculada, que não exige o preenchimento de um específico período de tempo (…). Em todo o caso, a privação da liberdade do “ius ambulandi”, para que possa ter algum significado e relevância como elemento do crime, não deverá ter uma duração tão diminuta que, verdadeiramente, não afecte a liberdade de locomoção”.

In casu acontece que o facto de o arguido ter sido manietado, preso a uma cadeira impedido da sair da cave para onde foi atraído, o que durou” ainda algum tempo, o facto de ter sido obrigado a deslocar-se de automóvel, contra sua vontade, para uma agência bancária a fim de proceder ao levantamento de numerário para entregar aos arguidos (sempre sobre ameaças contra si e contra seus filhos, que entendeu por sérias e como tal o inibiram de resistir) consubstancia, efectivamente, a prática de crime de sequestro por parte dos arguidos.

Voltando à questão de eventual concurso aparente de crimes:

Poderia perguntar-se, também, se não existiria um concurso aparente de crimes entre o crime de sequestro e o crime de roubo cometido pelos arguidos por aquele ser o meio (“crime-meio”) para se atingir o crime-fim.

Entendemos que não. De facto, neste caso, se ainda poderia levantar-se a dúvida (quanto a nós de qualquer das formas inexistente) quanto à ocorrência de concurso aparente de crimes relativamente aos factos ocorridos na cave, quando ao ofendido, após revistado e manietado, são retirados o telemóvel, 40,00 € em numerário e é imposto o preenchimento de cheques (por se poder afirmar que a medida da privação da liberdade de locomoção não ultrapassou a medida necessária para a prática dos crimes fim - roubo e extorsão -, o certo é que a privação da liberdade no percurso entre o casa do arguido F... e o banco já ultrapassa a referida medida e, portanto, sempre teríamos concurso efectivo de crimes.
O recorrente aceita que a conduta provada preenche o tipo penal de roubo e, de facto, assim acontece. O crime de roubo, cuja previsão consta do artº 210º do CP, caracteriza-se por ser um crime pluriofensivo na medida em que com ele afecta-se o bem jurídico propriedade mas também a liberdade, a segurança, a integridade física e a própria vida alheia, bens de natureza pessoal [[viii]]. Apresenta como elementos essenciais: a subtracção de uma coisa com violência, intimidação ou constrangimento contra as pessoas; a natureza móvel da coisa; a natureza alheia dessa mesma coisa móvel; e a concorrência ao nível do elemento subjectivo, além do dolo genérico, do específico ânimo de lucro. Caracteriza-se, no cotejo com o tipo penal de furto, pela utilização de violência, intimidação ou constrangimento contra as pessoas, afinal, tudo formas de preenchimento do conceito alargado de violência, em que, para além da violência em sentido estrito, caracterizada pelo emprego da energia física (vis phisica) para vencer um obstáculo real ou suposto, existe anulação, parcial ou total da capacidade de autodeterminação [[ix]]. Por seu turno, a intimidação característica do roubo verifica-se sempre que a vítima seja marcada por um sentimento de angústia e temor, susto e receio, fundado racionalmente e perturbador da capacidade volitiva, determinando uma pressão psicológica que restringe a sua liberdade, neutralizando a eventual oposição e obrigando-o a suportar o resultado típico pretendido, seja a permitir o apoderamento da coisa, seja a entrega da coisa [[x]].
No caso em apreço, encontramos um acordo inicial entre os arguidos no sentido de obrigar … a entregar-lhes dinheiro e que na sua execução, entre outras condutas, passou pela acção do arguido D... de agarrar aquele e, depois de o ter manietado, de lhe retirar contra vontade a quantia de quarenta euros e um telemóvel, que fez seus. Logo aí ficou preenchido o tipo penal de roubo, na medida em que existiu subtracção com utilização de violência em sentido estrito.
Porém, a execução da conduta acordada e a ilícita intenção de apropriação de bens não se esgotou com a subtracção desses bens. Continuou com a acção de obrigar o mesmo … a levantar em caixa ATM [[xi]] e entregar-lhe toda a quantia monetária que tivesse disponível. Para tanto, os dois arguidos, de comum acordo, procuraram e conseguiram causar-lhe temor relativamente à sua integridade física e dos filhos, assim quebrando a sua resistência, culminando no levantamento de €130,00 e na sua entrega ao arguido …. Também aqui encontramos os elementos essenciais do crime de roubo, mormente o constrangimento à entrega através da ameaça com perigo importante para a vida ou integridade física. Mas, de permeio entre esses dois momentos – retirada da quantia de €40,00 e telemóvel e entrega de €130,00 – aconteceram outras condutas, as quais merecem apreciação jurídico-penal no domínio da tipicidade. Quid juris?
Ficou provado que os dois arguidos, sempre em execução conjunta de plano prévio, levaram … a entrar na cave da residência do arguido … e que este, sempre contra a sua vontade, foi empurrado até uma cadeira, os pulsos atados à mesma com fita adesiva, impedindo-lhe os movimentos, após o que lhe foi exigida a entrega da quantia de €27 000,00 (vinte e sete mil euros). E, depois do arguido … ter tido acesso a um livro de cheques daquele, foi exibida uma tesoura de podar a … e anunciado que seria utilizada para lhe cortar um dedo, bem como ameaçada a sua vida e dos filhos, tudo se não emitisse cheques pelo valor referido. Receoso pela concretização desses anúncios acabou por emitir três cheques. Alguns dias depois, novamente determinado por ameaças à sua vida e da família, os arguidos conseguiram que o mesmo … emitisse mais dois cheques, para substituir um dos primeiros três, seguindo-se a detenção dos arguidos.
A decisão recorrida considerou que essa conduta preencheu o crime de extorsão, na forma tentada, p. e p. pelos artºs 22º e 223º, nº1 e 3, al. a) do CP e, pela nossa parte, concordamos que se mostram verificados os elementos essenciais desse tipo-de-ilícito. O crime de extorsão inscreve-se no âmbito de protecção do bem jurídico património, na sua dimensão de liberdade de disposição patrimonial, pois exige intenção de obtenção de enriquecimento ilegítimo à custa de uma disposição patrimonial que acarrete prejuízo para alguém. E, tal como o crime de roubo, embora construído como crime patrimonial, o seu âmbito de protecção é complexo e envolve necessariamente elementos natureza pessoal: o seu elemento central é integrado pelo constrangimento da vítima por meio de violência ou ameaça de um mal importante, exigindo-se adequação entre esse meio e o resultado – obtenção de vantagem patrimonial [[xii]].
Argumenta o recorrente que no caso em presença a privação da liberdade de … foi o meio utilizado para a consumação do roubo e que «os factos provados não traduzem uma disposição patrimonial directamente empreendida pelo ofendido, diferida no tempo, mas sim actos de apropriação perpetrados pelos arguidos, simultaneamente àquela privação da liberdade». Nessa medida, aponta à decisão violação das regras de concurso de crimes. Sem razão, como se passa a explicar.
Na resolução da questão dogmática do concurso de crimes, o legislador penal escolheu o critério teleológico-normativo, referido ao bem jurídico, em que se atende à pluralidade de sentidos sociais autónomos dos ilícitos típicos cometidos [[xiii]]. Diz o artº 30º, nº1 do CP, O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente. Nesse normativo e de acordo com o indicado critério, o segmento «crimes efectivamente cometidos» permite delimitar as situações de concurso efectivo – pluralidade de crimes através da mesma conduta ou complexo de condutas compreendidas numa unidade natural de acção [[xiv]] - daquelas em que, apesar de preenchidos vários tipos de crime, deve considerar-se que existe um desvalor jurídico-social predominante e que impede – torna injusta - a dupla valoração. Como refere Figueiredo Dias, «A pluralidade de normas típicas concretamente aplicáveis ao comportamento global constitui sintoma legítimo ou presunção prima facie de uma pluralidade de sentidos autónomos daquele comportamento global e, por conseguinte, de um concurso de crimes efectivo, puro ou próprio. Casos existem, no entanto, em que uma tal presunção pode ser elidida porque os sentidos singulares de ilicitude típica presentes no comportamento global se conexionam, se intercessionam ou parcialmente se cobrem de forma tal que, em definitivo, se deve concluir que aquele comportamento é dominado por um único sentido de desvalor jurídico-social; por um sentido de tal modo predominante, quando lido à luz dos significados socialmente relevantes – dos que valem no mundo da vida e não apenas no mundo das normas -, que seria inadequado e injusto incluir tais casos na forma de punição prevista pelo legislador quando editou o art. 77º» [[xv]].
No âmbito do concurso aparente, distinguem-se três categorias distintas: especialidade, subsidiariedade e consumpção. É em relação a esta última, que se que se coloca o problema em análise ou seja, saber se o conteúdo do ilícito de roubo já inclui em regra o desvalor da extorsão.
A fronteira entre o crime de roubo e outros tipos de crime constitui seguramente um problema sempre complexo e difícil. As razões para que tal aconteça prendem-se na maior parte das vezes com a configuração complexa do crime tipificado no artº 210º do CP, ele próprio uma unificação pelo legislador de diferentes desvalores, em que a um elemento constante – a subtracção característica do furto – se juntam, ora a coacção, ora a ameaça, ora a ofensa à integridade física [[xvi]]. Reconhece-se, assim, na esfera de protecção do crime de roubo contemplada uma pluralidade de ilícitos puramente instrumentais (crime-meio), os quais, por via de regra, estão numa relação de concurso aparente com o crime-fim. Retomaremos adiante esta questão, a propósito da relação roubo-sequestro.
Porém, no que concerne à relação roubo-extorsão, a dificuldade radica na sintonia de bens jurídicos tutelados. Ambos são crimes contra o património, comungam na previsão dos mesmos meios de execução típica – violência ou ameaça – e podem ser cometidos através do constrangimento à entrega, tornando difícil destrinçar os dois tipos-de-ilícito. Essa pluralidade de pontos de contacto conduziu a doutrina a avançar quatro critérios de distinção [[xvii]]: o primeiro critério decorre da circunstância do objecto da acção do crime de extorsão poder não ser uma coisa móvel, como acontece com o roubo; o segundo critério decorre da exigência no roubo de intenção de apropriação, quando subsiste a extorsão mesmo nas situações de intenção de uso; o terceiro critério decorre do roubo, diferentemente da extorsão, exigir que a ameaça seja de execução iminente. Quando nenhum dos apontados critérios resolva o problema, cabe lançar mão do quarto e último critério: o da entrega imediata, ou não, da coisa móvel alheia.
No caso em apreço, a conduta dos arguidos foi marcada pela intenção de enriquecimento ilegítimo e envolveu, novamente, violência em sentido estrito, bem como ameaça com mal importante, como constitui inequivocamente o anúncio de mutilação e de que seria posto fim à sua vida e dos filhos, e que se encontra em clara relação directa e adequada com actos de disposição patrimonial - emissão de cheques – após o que foi interrompida a execução, com a detenção dos arguidos. Porém, e ao contrário do que refere o recorrente, esses actos de disposição patrimonial não aconteceram de imediato. Na verdade, sendo o acto pela vítima a emissão de títulos de crédito – cheques – e seguro que os arguidos não visaram a mera posse do documento, o iter criminis prossegue necessariamente até à consumação, através da apresentação a pagamento e consequente saque da conta do emitente da quantia neles representada. Mais, a conduta dos arguidos não se esgotou sequer no dia 14/12/2006 pois continuou pelos dias seguintes, culminando no dia 18/12/2006 com novas ameaças com execução diferida e a emissão de mais dois cheques [[xviii]], completando desvalor jurídico-social que ultrapassa nitidamente o roubo.
Assim, porque toda essa ilicitude fica manifestamente fora da esfera de tutela do crime de roubo, não existe dupla punição do desvalor jurídico-social neste tipificado pelo que cumpre concluir pelo efectivo preenchimento de tipos penais distintos e pela procedência da condenação pelos dois crimes (roubo e extorsão, na forma tentada), como decidido pelo Tribunal a quo.
Passemos agora à relação roubo-sequestro, um dos exemplos mais frequentes de relacionamento instrumental entre dois tipos de crime, ou seja, em que «um ilícito singular surge, perante o ilícito principal, unicamente como meio de o realizar e nesta realização esgota o seu alcance e os seus efeitos» [[xix]]. Quando assim acontece, a solução passa por reconhecer que existe concurso aparente e prevalece o crime dominante: o crime-fim. Simplesmente, existem situações em que o agente ultrapassa a fronteira da instrumentalidade e, para além do necessário à realização do crime-fim, prossegue na conduta lesiva do bem jurídico tutelado pelo crime-meio. Também nessas situações, não se encontra violação da proibição jurídico-constitucional da dupla valoração, pois a danosidade social não se esgota na relação de instrumentalidade e deve ser afirmado o concurso efectivo.
O crime de sequestro é exemplo de crime de execução permanente e não vinculada, em que se tutela o bem jurídico liberdade de locomoção, sendo a privação da liberdade e o constrangimento daí resultante uma das possibilidades de execução do crime de roubo. Quando assim acontece, ou seja, quando a subtracção ou a entrega por constrangimento de coisa móvel é precedida ou contemporânea de privação da liberdade ambulatória, o critério reconhecido pela doutrina [[xx]] e pela jurisprudência [[xxi]] para discernir entre as situações de concurso real e de concurso aparente passa pela ultrapassagem, ou não, da medida naturalmente associada à prática do crime de roubo. Para tanto, a perspectiva que nos deve nortear encontra-se na vontade que, em concreto, animou o agente do crime, i.e. no desígnio criminoso [[xxii]]. Como se escreve em aresto recente do STJ: «No crime de roubo verifica-se sempre alguma limitação da liberdade ambulatória, o que pode trazer problemas de concurso – aparente ou real – entre o sequestro e o roubo. Este STJ tem firmado jurisprudência no sentido de que, sempre que a duração da privação de liberdade individual não exceda o que é necessário para a consumação do roubo, é de arredar o concurso real de infracções, reconduzindo a pluralidade à unidade sempre que tal privação se apresente como essencial (crime-meio) para alcance do fim (crime-fim), sendo o sequestro consumido pelo roubo, por via de uma relação de subsidiariedade [...]. Assim, sempre que tal privação da liberdade ambulatória se englobe num desígnio de roubo e se apresente proporcionada e necessária a este desígnio, a conduta do agente integra somente um crime de roubo» [[xxiii]].
Assim apresentado o problema, importa constatar que a questão colocada que não se contém na relação entre aqueles dois crimes. Afirmada a autonomia da punição pelos crimes de roubo e de extorsão, e comportando esta como modalidade de execução a mesma privação de liberdade subsumível ao tipo de sequestro, também aí pode encontrar-se a mesma relação de concurso aparente ou, ao invés, de concurso efectivo, consoante seja, ou não, ultrapassada a relação de instrumentalidade e a prossecução do mesmo – único – desígnio. Ou seja, a plena compreensão do desvalor envolve também a consideração de instrumentalidade entre o crime de extorsão e o crime de sequestro.
À luz destas considerações, cumpre apreciar o caso em apreço, começando por ponderar a relação roubo-sequestro. Nos termos já referidos, a subtracção através de violência atingiu-se com a retirada dos bens pelo arguido D... e, nessa parte do iter criminis, afigura-se claro que a privação da liberdade de locomoção não ultrapassou a fronteira da instrumentalidade. O domínio e a submissão pretendida pelos arguidos passaram, claramente, pelo manietar da vítima. Cabe então considerar que o desvalor do crime de sequestro encontra-se, todo ele, contido no crime dominante: o crime de roubo.
Já na segunda parte da conduta, em que a vítima … foi obrigado através de violência a acompanhar os arguidos até uma máquina ATM e a nela levantar quantia monetária, essa relação de instrumentalidade não assume a mesma nitidez. No entanto, cremos que também aí não se pode dizer que a privação da liberdade de locomoção ultrapassou o necessário para atingir o desiderato perseguido pelos arguidos. Na verdade, é sabido que o levantamento no sistema bancário multibanco carece da introdução do cartão e digitação do PIN[xxiv] pelo que, tendo ficado provada a intenção dos arguidos de que essa operações fossem efectuadas pela vítima, e não por eles próprios, então o sequestro configura-se como peça indispensável para a execução do plano criminoso, sem autonomia. Os arguidos pretendiam dinheiro - todo o dinheiro que a vítima tivesse consigo e pudesse obter a curto prazo, e também meios de pagamento que permitissem a obtenção de dinheiro no futuro próximo - mesmo que para tanto fosse necessário manietar e, em geral, privar da liberdade a vítima. Assim decorre, com nitidez, da circunstância da descrição do sucedido no dia 14/12/2008 constante dos factos provados terminar exactamente no momento em que o dinheiro levantado foi entregue aos arguidos, o que significa que a partir desse momento … deixou de sofrer constrangimento físico.
Paralelamente, retornando ao sucedido na cave após a subtracção de bens e até à emissão dos cheques, pertinente para aferir a relação entre os crimes de extorsão e de sequestro, voltamos a encontrar desvalor que fica inteiramente consumido pela punição do crime de extorsão. O sequestro esgota, também aí, o seu alcance e efeitos, de superiorização e aniquilação da capacidade de resistir ao propósito criminal, devendo considerar-se inteiramente contido na natureza de crime-meio e, por consequência, consumido pelo crime de extorsão.
Importa, pelo exposto, concluir pela procedência parcial da questão colocado pelo arguido, ou seja, pela absolvição dos arguidos quanto ao crime de sequestro p. e p. pelo artº 158º, nº1 do CP, porque consumido pelos crimes de roubo e de extorsão. Nos termos da al. a) do nº2 do artº 402º do CPP, uma vez que os dois arguidos foram condenados como comparticipantes, o recurso aproveita igualmente ao arguido ….
Da medida das penas (parcelares e unitária)
A última vertente do recurso envolve, como se referiu, a medida da pena. O arguido pugnou pela verificação apenas de um crime de roubo e ateve-se na exposição de razões a essa eventualidade e à pena por esse crime. No entanto, por força do que já se decidiu, a questão envolve também a pena parcelar pelo crime de extorsão e a pena unitária. E, por reflexo da retirada da pena parcelar pela prática do crime de sequestro, sempre será necessário encontrar reformular o concurso relativamente a ambos os arguidos, sem perder de vista o disposto no artº 409º do CPP. A proibição da reformatio in pejus veda o agravamento do sancionamento, o que abrange as penas de prisão impostas e a escolha de pena de substituição.
O Tribunal a quo motivou a escolha e medida da pena da seguinte forma:

Esta operação obedece ao critério referido no art. 71.°, n.° 1 do Código Penal (i.e., dentro dos limites da lei, a escolha da pena concreta a aplicar é feita em função da culpa do agente e das exigências da prevenção geral e especial atinentes ao caso em concreto).

A culpa é o factor que limita a fixação do máximo da pena a aplicar.

Semelhante limitação resulta do princípio geral do direito segundo o qual não há pena sem culpa, nem a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa.

A culpa deve referir-se ao concreto tipo de ilícito praticado, uma vez que é pressuposto da especial censura dirigida ao agente em virtude da atitude desvaliosa inerente ao crime praticado por este.

A medida da pena será dada pela necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto.

O seu limite mínimo decorrerá de considerações ligadas à prevenção geral positiva, de integração (i.e. ao reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida).

Dentro da moldura penal "concreta" encontrada, a medida da pena será dada pelas exigências de prevenção especial, quer na vertente de prevenção especial de socialização, quer na de prevenção especial ligada à advertência individual daquele delinquente em concreto.

Assim, e quanto ao caso em apreço atendendo:

- ao dolo intenso revelado pelos arguidos, na forma de dolo directo;

- aos meios utilizados para a prática do crime, que revelam um plano prévio e execução fria;

- à motivação do crime: obtenção de ganho fácil

-. à indiferença revelada relativamente à pessoa do ofendido

- aos sentimentos da comunidade perante ilícitos de tal natureza, que causam grande alarme social

Mas ainda ao facto de estarem plenamente inseridos na comunidade, serem pais de família dedicados e não terem antecedentes criminais por estes tipos de ilícitos, sendo as exigências de prevenção especial diminutas

O Tribunal entende, face às elevadíssimas exigências de prevenção geral, ligadas ao sentimento da comunidade de necessidade de protecção dos bens patrimoniais e pessoais com relevo, à insegurança que actos semelhantes provocam, nomeadamente, na população em geral; considerando as diminutas exigências de prevenção especial, condenar ambos os arguidos nas seguintes penas:

quanto ao crime de extorsão, na sua forma tentada, a pena de prisão de três anos;

quanto ao crime de roubo simples a pena de um ano e seis meses de prisão;

quanto ao crime de sequestro a pena de um ano de prisão.

Temos, assim, uma moldura de cúmulo que vai desde o limite mínimo de 3 anos de prisão até ao limite máximo cinco anos e seis meses de prisão.

Atendendo à especial personalidade dos arguidos evidenciada nos factos (violenta e altamente desconforme com as normas sociais), o Tribunal entende aplicar-lhes a pena única de quatro anos e seis meses de prisão.

Porém, tendo em conta as penas concretas aplicadas aos ilícitos em questão, a personalidade dos agentes revelada nos factos e as circunstâncias em que estes foram praticados, a boa inserção social e familiar dos arguidos, o pequeno prejuízo patrimonial sofrido, atendendo ainda à nova redacção do artigo 50º do Código Penal (introduzida pela Lei n° 59/2007 de 04 de Setembro, que por ser regime mais favorável é aqui aplicável - conforme dispõe art 2° n° 4 do CP), o tribunal faz um juízo de prognose favorável relativamente á reinserção/reabilitação dos arguidos, pelo que, apesar de os condenar em pena de prisão, que lhes fará sentir o desvalor das suas condutas, a suspenderá na sua execução pelo período de quatro anos e seis meses.
Na ponderação concreta da pena, cumpre achar a medida da sanção tendo como limite e suporte axiológico a culpa do agente e em função das exigências da prevenção de futuros crimes, sem esquecer que a finalidade última da intervenção penal reside na reinserção social do delinquente, sendo incompatível com o Estado de direito democrático a finalidade retributiva [[xxv]]. No modelo que enforma o regime penal vigente, norteado, como decorre do artº 40º do CP, pelo binómio prevenção-culpa, cumpre encontrar primeiro uma moldura de prevenção geral positiva, determinada em função da necessidade de tutela das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da validade da norma violada[xxvi]. Fixada esta, correspondendo nos seus limites inferior e superior à protecção óptima e protecção mínima do bem jurídico afectado, deve o julgador encontrar a medida concreta da pena em conjugação com as exigências de prevenção especial de socialização do agente, sem ultrapassar a culpa revelada na conduta antijurídica. Aí chegados, os critérios do artº 71º do CP «têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha e medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação de valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento, ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente)» [[xxvii]].
Os factores de avaliação evidenciados na decisão recorrida mostram-se correctos. Impressiona especialmente o grau de violência empregue, denotando indiferença pelo sofrimento alheio e egoísmo particularmente marcado, tudo sacrificando na busca de dinheiro. Cabe ainda salientar que a consumpção da danosidade correspondente à privação da liberdade de locomoção nos crimes de roubo e de extorsão significa que o grau de ilicitude de ambos surge agora mais importante.
Assim, numa moldura penal do crime de roubo que tem como pena mínima 1 (um) ano de prisão e máxima 8 (oito) anos de prisão, a pena fixada pela 1ª instância, apenas seis meses acima desse limite inferior, não se configura como excessiva. Mostra-se até bastante benevolente, mesmo tendo em atenção que a vertente patrimonial envolve valor relativamente baixo (€170,00).
Também no que respeita à pena pelo crime de extorsão na forma tentada, p. e p. pelos artºs. 22º, 223º, nºs 1 e 3, al. a) e 204º, nº2, als. a) e f) do Código Penal (CP), atenta a moldura penal (mínimo de 7 meses e 6 dias e máximo de 10 anos de prisão), a forte violência empregue – os arguidos ataram os pulsos da vítima a uma cadeira e exibiram uma tesoura de podar, dizendo que a utilizariam para cortar um dedo bem como ameaças dirigidas contra a família – os efeitos na vítima – ficou profundamente angustiado – a intensidade dolosa – evidenciada ao longo dos factos e também nas ameaças dirigidas à vítima no segundo dia – e o valor económico dos cheques – bem acima do limite dos valores consideravelmente elevados – e também a míngua de factores mitigantes,  mormente a ausência de interiorização da gravidade da conduta -  nenhum dos arguidos confessou e revelou arrependimento - levariam, não fora a limitação instituída pelo artº 409º do CPP, a sanção superior à fixada. Mantém-se, portanto, a pena de 3 (três) anos de prisão.
Passemos agora a apreciar a pena unitária, na qual são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (artº 77º, nº1, do CP). Socorrendo-nos mais uma vez da palavras de Figueiredo Dias, na avaliação dessa a pena «tudo deve passar-se ... como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária – do agente relevará, entretanto, a questão se saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)» [[xxviii]].
Nos termos do artº 77º, nº2, do CP, a moldura abstracta do concurso agora em presença situa-se entre a pena concreta mais elevada – 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão – e a soma das penas concretas – 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão. Como se disse, relevam aqui primordialmente as exigências de prevenção especial, e nenhum dos arguidos evidencia passado criminal por crimes similares - apenas o arguido F... sofreu condenações, por tráfico de estupefacientes, na pena de dois anos e seis meses de prisão, e por falsificação de documento, em pena de multa.
Assim, mostra-se adequado fixar a pena unitária no ponto intermédio da moldura do concurso, ou seja, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão. E, pelas razões supra referidas, impõe-se que permaneça inalterada a escolha de pena de substituição.
Dispositivo
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em:
Julgar parcialmente procedente o recurso;
Absolver os arguidos … e … do crime da prática de um crime de sequestro;
Manter a condenação dos arguidos … e …, pela prática, em co-autoria, de um crime de extorsão, na forma tentada, p. e p. pelos artºs. 22º, 223º, nºs 1 e 3, al. a) e 204º, nº2, als. a) e f) do Código Penal (CP), na pena, cada um, de três anos de prisão, e de um crime de roubo,  p. e p. pelo artº 210º, nº1 do CP, na pena, cada um, de um ano e seis meses de prisão;
Em cúmulo jurídico dessas duas penas, condenar os arguidos … e … na pena unitária de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova;


[i] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2ª ed., Ed. Verbo, pág. 335 e Ac. do STJ de 99/03/24, in CJ (STJ), ano VII, tº 1, pág. 247.
[ii] Cfr., por exemplo, art.ºs 119.º, n.º 1, 123.º, n.º 2, 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do CPP e acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/95, publicado sob o n.º 7/95 em DR, I-A, de 28/12/95.
[iii] Acs. do S.T.J. de 17/05/2007, Pº 071397, Cons. Santos Carvalho, de 23/05/2007, Pº 07P1498, relator Henriques Gaspar, de 14/03/2007, Pº 07P21, relator Cons. Santos Cabral e de 15/03/2007, Pº 07P610, relator Cons. Pereira Madeira.
[iv] Direito Processual Penal, Coimbra Ed. 1981, págs. 202 e 203.
[v] www.tribunalconstitucional.pt e DR, 2ª série, nº9/98, de 12/1.
[vi] Por isso o poder/dever contemplado no artº 138º, nº2, do CPP, constitui em primeira linha imperativo para com a verdade, sem colisão com o direito de defesa do arguido ou os poderes próprios dos demais sujeitos processuais. Lamentavelmente, não é raro encontrar menor atenção neste particular.
[vii] Ac. da Relação de Coimbra de 06/03/2002, CJ, ano XXVII, Tomo II, pág. 44.
[viii] Sobre a predominância neste tipo penal da tutela de bens jurídicos eminentemente pessoais, vide o Ac. do STJ de 4/4/91, in BMJ 406, pág. 335 e mais recentemente o Ac. do STJ de 02/05/2007, Pº 07P1024, relator Cons. Santos Cabral, www.dgsi.pt .
[ix] Sobre o conceito de violência no preenchimento do crime de roubo, cfr. Antolisei, Manuale de Diritto Penale, Parte Speciale, vol I, Giuffrè Ed., 11ª ed., 1994, pág. 132.
[x] Juan José González Rus, Curso de Derecho Penal, Parte Especial, obra colectiva dirigida por Manuel Cabo del Rosal, Ed. Marcial Pons, Madrid, 1996, vol. I, pág. 617.
[xi] Acrónimo de «Automated Teller Machine».
[xii] Cfr. Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense, II, Coimbra Ed., 1999, pág.223 e Ac. do STJ de 2710/2004, Pº 04P3237, Relator Cons. Henriues Gaspar, www.dgsi.pt.
[xiii] Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral , 2ª ed. Coimbra Ed., 2007, pág. 990.
[xiv] Figueiredo Dias, ob. cit, pág. 984.
[xv] Figueiredo Dias, ob. cit, pág. 1011.
[xvi] Cfr. Cristina Libâno Monteiro, RPPC, ano 15, nº3, pág. 494, salientando que o tipo legal de roubo provém, por assim dizer, de um concurso efectivo unificado pelo legislador.
[xvii] Taipa de Carvalho, ob. cit, pág. 342.
[xviii] Pré-datados, tal  como os emitidos 
[xix] Figueiredo Dias, ob. cit, pág. 1018. Interessa ainda referir o que o mesmo autor refere em nota inserida na mesma página, ou seja, o aviso de que a formulação desse critério não significa que exista em todos os casos – sempre – uma consumpção do crime-meio pelo crime-fim.
[xx] Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense, I, Coimbra Ed., 1999, pág. 415
[xxi] Acs. do STJ de 20/11/2008, Pº 08P0581, relator Cons. Souto Moura;, de 16/10/2008, Pº 08P1221, relator Cons. Arménio Sottomayor; de 10/10/2007, Pº 07P2301, relator Cons. Henriques Gaspar; de 05/12/2007, Pº 07P3864, relator Cons. Santos Monteiro; de 22/02/02/2006, Pº 05P4129, relator Cons. Oliveira Mendes, de 05/01/2005, Pº 04P4208, relator Cons. Henriques Gaspar; e de 18/04/2002, Pº 02P629, relator Cons. Simas Santos, www.dgsi.pt.
[xxii] Crítica relativamente à apreciação objectiva dessa necessidade, Cristina Libâno Monteiro, ob. cit. 492 e segs.
[xxiii] Ac. do STJ de 29/05/2008, Pº 08P1313, relator Cons. Santos Carvalho, www.dgsi.pt
[xxiv] Acrónimo de «personal identification number».
[xxv] Figueiredo Dias, Fundamento, sentido e finalidades da pena criminal, Coimbra Ed., 2001, pág. 104 e segs.
[xxvi] Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, pág. 227.
[xxvii] Ac. do STJ de 28/09/2005, Pº 05P2537, relator Cons. Henriques Gaspar, www.dgsi.pt.
[xxviii] Direito Penal Português..., págs. 291 e 292.