Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3302/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: INDEMNIZAÇÃO POR DANOS
PRINCÍPIO DA REPOSIÇÃO NATURAL
VALOR DE VEÍCULO USADO DADO COMO INUTILIZADO
Data do Acordão: 03/01/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VARA MISTA DE COIMBRA - 2ª SECÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTºS 562º E 566º, Nº 1, DO C. CIV. .
Sumário: I – Entre nós vigora o chamado princípio da restauração ou reposição natural, traduzido na imposição para o lesante de reconstruir a situação anterior à lesão, isto é, no dever de reposição das coisas no estado em que estariam se não se tivesse produzido o dano, só devendo ser a reposição feita em dinheiro quando a reconstituição não seja possível , não repare integralmente o dano ou se mostre excessivamente onerosa para o devedor .
II – Para efeitos de se considerar se a reparação de um veículo é ou não excessivamente onerosa para o devedor não basta ter em conta apenas o valor venal ou comercial do veículo, mas é ainda necessário ter presente o valor do uso que é extraído pelo seu proprietário e que se computa pelo facto do dono ter à sua disposição um automóvel que usa e de que dispõe, e que a mera consideração do valor venal sonega . .

III – O dano resultante da privação do uso do veículo automóvel é indemnizável em si mesmo, não se confundindo com o dano da inutilização ou danificação da viatura .

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório
1. Os autores, A... e sua mulher B..., por si em representação da filha menor de ambos, C..., instauraram a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra a ré, D..., pedindo esta seja condenada a pagar-lhes a quantidade € 16.834,18, correspondente ao total da indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que alegadamente sofreram (e melhor descriminados na pi) por causa de um acidente de viação ocorrido entre o veículo automóvel, de matrícula SJ-07-61, propriedade do autor e por ele conduzido, e o veículo automóvel, de matrícula 90-02-LF, segurado então na ré, e cuja eclosão ocorreu por culpa exclusiva do condutor do último.

2. A ré na sua contestação aceitou a culpa do seu segurado (embora não exclusiva) na produção dito acidente; impugnando, todavia, os danos alegadamente sofridos pelos autores, e particularmente no que concerne à valoração ou quantificação que foi feita da maior parte deles, sendo ainda que no que concerne à reparação do veículo sinistrado do autor considerou ser a mesma excessivamente onerosa.

3. Mais tarde, procedeu-se à realização do julgamento e à resposta aos diversos pontos da base instrutória, seguindo-se a prolação da sentença que, a final, julgando a acção parcialmente procedente condenou a ré a pagar aos autores a quantia total de € 4.451,97 (sendo € 1.000,00 a título de danos não patrimoniais e € 3.451,97 a título de danos patrimoniais).

4. Não se tendo conformado totalmente com tal sentença, os autores dela interpuseram recurso, o qual foi admitido como apelação (e depois de corrigido, já neste tribunal, o efeito que lhe fora fixado na 1ª instância).

5. Nas correspondentes alegações de recurso que apresentaram os autores-apelantes concluíram as mesmas nos seguintes termos:
“1ª
O tribunal a quo violou o disposto no n.º 1 do artigo 566.º do CC ao reputar excessivamente onerosa a reparação do veículo do autor comparando exclusivamente os valores comercial e dos salvados do mesmo como o valor da reparação, sendo este de € 4.450,00 e aqueles de € 1999,19 e € 249,40, afastando o princípio da reposição natural.
Aquela disposição deve ser entendida no sentido de que a excessividade se afere objectivamente em face de elementos que a traduzem, não se cinge apenas ao cotejo daqueles valores e não é um simples dado aritmético, devendo atender-se àqueles valores e não é um simples dado aritmético, devendo atender-se àqueles valores mas também ao valor que subjectivamente tem para a pessoa prejudicada, designadamente ao valor de uso, só sendo, imprópria ou inadequada a reparação quando houver flagrante desproporção entre o custo desta e o interesse do lesado que importa recompor, tendo este o direito ao valor da coisa e do uso da mesma, não podendo no caso em apreço considerar-se excessivamente onerosa a reparação do veículo sendo esta possível.
O tribunal a quo devia, por isso, ter condenado a ré a pagar ao autor o valor da reparação do veículo, porque é ao lesante que incumbe reparar o dano ou, quando muito, com o acordo do lesado, pôr à disposição deste os meios necessários para reparar o dano, o que a ora recorrida não fez, designadamente entregando um veículo ao autor exactamente igual ao sinistrado, nem se provou (não foi sequer alegado) que o ora recorrente pudesse adquirir no mercado aquele veículo.
Mesmo a ser certo o raciocínio expendido na sentença, o que não se aceita, houve violação do disposto no artº 566.º/2 do CC, porque o tribunal recorrido não considerou o valor da coisa danificada na data em que a indemnização era atendida mas ao da época do acidente, nem que a indemnização fixada em dinheiro é medida pela diferença entre a situação patrimonial do lesado teria se não fosse o acidente, quando aquela norma deve ser interpretada que a data mais recente é a da sentença e a situação patrimonial é integrada pelo valor comercial do veículo e também por aquilo que ele representa na esfera do seu património, designadamente o valor de uso ou utilização.
A indemnização de € 1000,00, parcimoniosa como se diz na sentença, por privação do uso do veículo deve ser alterada para a de € 5.500,00,tendo o tribunal a quo violado o disposto no n.º 1 do artigo 570.º do CC e o artigo 264.º/2 do CPC, porque não foi alegado nem provado o agravamento dos danos nem nenhum comportamento culposo do autor pela demora na reparação do veículo (ainda não reparado) e é neste sentido que aquele tribunal deveria ter interpretado as disposições, não podendo substituir a ré naquilo que ela não alegou.
Os danos respeitantes à recolha do veículo numa oficina devem ser indemnizados contra a entrega do recibo comprovativo do pagamento, ou, a não se entender assim, relegados para liquidação, uma vez que não foi provado qual o quantitativo a pagar nem o tempo daquela, sendo previsível que tal possa ocorrer em liquidação com a apresentação do recibo correspondente, se os autores alguma vez vierem a pagar algum quantitativo, tendo o tribunal a quo violado o disposto nos artigos 555.º/3 do CC e 661.º/2 do CPC, pis tais disposições devem ser interpretadas conjugadamente no sentido de só quando a certeza duma total ausência de elementos, presente e futura, que permitam concluir que nunca se poderá apurar qualquer limite ou valor de indemnização se deve recorrer à equidade.
As indemnizações nas quantias de € 250,00 e € 750,00 atribuídas respectivamente às primeira e segunda autoras, são misarabilistas e devem ser fixadas em € 500,00 e € 1.250,00 atenta a natureza das lesões sofridas e suas implicações na saúde daquelas.

6. Não foram apresentadas contra-alegações.

7. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir
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II- Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso.
Como é sabido, e constitui hoje entendimento pacífico, é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto dos mesmos (cfr. artºs 690, nº 1, e 684, nº 3, do CPC).
É também sabido que, dentro de tal âmbito, deve o tribunal resolver todas as questões que lhe sejam submetidas a apreciação, exceptuando-se aquelas questões cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras (cfr. 1ª parte do nº 2 do artº 660 do CPC).
Por fim, vem, também, sendo dominantemente entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a derimir (vidé, por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.” e Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”).
1.1 Ora calcorreando as conclusões do sobreditos recurso verifica-se que as questões que importa aqui apreciar e decidir são as seguintes:
a) Fixação do montante indemnizatório a atribuir aos autores (marido e mulher) pelos danos provocados directamente no seu veículo automóvel.
b) Fixação do quantum indemnizatório referente ao dano sofrido pela privação do uso desse veículo.
c) Fixação do montante indemnizatório referente ao dano relacionado com a recolha do dito veículo numa garagem.
d) Fixação do quantum indemnizatório referente aos danos não patrimoniais sofridos pela autora-mãe e pela autora-filha.
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2. Os Factos.
Dado que a decisão proferida sobre matéria facto não foi objecto de qualquer impugnação, e nem havendo razões para, à luz do disposto no artº 712, nº 1, do CPC, oficiosamente a alterar e considerando ainda, por um lado, que a sentença recorrida atribuiu ao condutor do veículo segurado na ré a exclusividade da culpa na produção do acidente, e, por outro, que no presente recurso somente se discute a fixação do montante indemnizatório a atribuir aos autores pelos diversos danos supra aludidos, apenas se irão aqui, e de seguida, transcrever os factos relacionados com os danos decorrentes do mencionado acidente, que foram fixados na 1ª instância e que são os seguintes:
2.1. A 1ª A. foi observada e tratada nos Hospitais da Universidade de Coimbra, para onde foi transportada após o acidente.
2.2. A 1ª A sofreu traumatismo torácico (causado pelo cinto de segurança).
2.3. A 2ª A. foi observada e tratada no Hospital Pediátrico de Coimbra.
2.4. Sofreu fractura subcapital do úmero esquerdo, tendo-lhe sido aplicada imobilização gessada.
2.5. Tal lesão demandou para se curar um período de 22 dias de doença.
2.6. Em consequência do acidente e da lesão sofrida, a A. Nicole não pôde fazer a sua vida quotidiana normal (designadamente, a higiene corporal própria).
2.7. As 1ª e 2ª AA. sentiram e sofreram dores no corpo, mais fortes imediatamente após o acidente e dias subsequentes.
2.8. O SJ sofreu diversas amolgadelas que o impedem de circular pelos seus próprios meios.
2.9. O SJ encontra-se por reparar.
2.10.A reparação do SJ ascendia a cerca de € 4.450,00.
2.11. O SJ é um Alfa Romeo, modelo 33TI, construído em 1989.
2.12. À data do acidente, tinha já percorrido 102.076,4 kms.
2.13. O SJ, à data do acidente, tinha o valor comercial de 400 contos.
2.14. E os respectivos salvados, após o acidente, valiam 50 contos.
2.15. O SJ esteve recolhido numa oficina, após o acidente.
2.16. As oficinas cobram uma quantia diária pela recolha de automóveis.
2.17. O A exercia a actividade de serralheiro por sua conta; a 1ª A tem um armazém de comércio de materiais de construção onde trabalha; actividades de que retiravam o rendimento com que faziam face às despesas do seu agregado familiar (de que fazem parte, além do A e da 1ª A, 2 filhos)
2.18. O SJ era utilizado indistintamente pelo autor e pela primeira autora no exercício das actividades de ambos, nomeadamente, nas suas vidas profissionais, privadas e familiares.
2.19. A 1ª A não trabalhou durante os 22 dias de doença da 2ª A, sua filha, para poder tomar conta dela.
2.20. A primeira autora gastou em despesas médicas e medicamentosas a quantia de € 15,47.
2.21. E, com a filha Nicole, os AA. gastaram a quantia de € 0,71.
2.22. A primeira autora nasceu em 02-11-1971;
2.23. A segunda autora nasceu em 26-10-1991;
2.24. Por contrato de seguro titulado pela apólice n° 6.463.968, em vigor à data do acidente, MCC-Soluções Inf. Globais Lda havia transferido para a R. a responsabilidade civil que para si adviesse da circulação veículo 90-02-LF
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3. O Direito
3.1 Como supra se deixou expresso, a questão da culpa na produção do acidente de viação a que se reportam os presentes autos está definitivamente julgada e fixada (atribuindo-se a sua exclusiva responsabilidade ao condutor do veículo segurado na ré), sendo que no presente recurso apenas de discute a fixação do quantum indenmizatório a atribuir aos autores no que concerne a alguns dos vários danos sofridos pelos autores (e que acima deixámos descriminados) em consequência do referido acidente e em relação aos quais os apelantes não concordaram com a solução (em termos indemnizatórios) encontrada na 1ª instância.
Desse modo, e antes de nos debruçar-nos sobre cada um dos concretos danos que aqui estão em causa, afigura-se-nos que se justificará tecer umas breves considerações preliminares sobre a obrigação (geral) de indemnizar, e tendo sempre presente o caso em apreço (de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos).
Nos termos do artº 562 do Código Civil – diploma ao qual nos referiremos sempre doravante mencionarmos somente o normativo sem a indicação da sua origem - o objectivo da indemnização consiste em colocar o lesado na situação em que se encontraria se não fora o acontecimento produtor do dano, desde que este seja resultante desse evento em termos de causalidade adequada.
Tal resultado deve ser procurado, em primeiro lugar, pela reposição da situação tal como estava antes da produção do dano - princípio da restauração natural.
Todavia, não raras vezes essa reposição apresenta-se muito difícil ou mesmo impossível (como acontece no caso dos danos não patrimoniais), tendo lugar, então, a indemnização em dinheiro (cfr. artº 566, nº 1).
Ou seja, como decorre os normativos legais acabados de citar, vigora entre nós o principio da restauração ou reposição natural, traduzido na imposição para o lesante de reconstituir a situação anterior à lesão, isto é, no dever de reposição das coisas no estado em que estariam se não se tivesse produzido o dano. Ou melhor ainda, tal reparação do lesado deve, em princípio, ser feita através da restauração ou reposição natural, só devendo a mesma ser feita em dinheiro sempre que tal reconstituição (natural) não seja possível, não repare integralmente o dano ou se mostre excessivamente onerosa para o devedor.
Como resulta do artigo 563, tal obrigação de reparar supõe a existência de um nexo causal entre o facto e prejuízo. Porém, o nexo de causalidade (adequada) exigido entre o dano e o facto não deverá excluir a ideia de causalidade indirecta – que se dá quando o facto não produz ele mesmo o dano, mas desencadeia ou proporciona um outro que leva à verificação deste (vidé, por todos, Profs. Pires de Lima e A. Varela, in «Código Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., pág. 548»).
O montante da indemnização medir-se-á pela diferença entre a situação (real) em que o lesado se encontra e a situação (hipotética) em que se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano (nº 2 do artº 566, que consagra a chamada teoria da diferença).
Na fixação dessa indemnização deve atender-se, não só aos danos patrimoniais, como também aos danos não patrimoniais. Todavia, quanto a estes últimos apenas serão de considerar aqueles que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, sendo essa gravidade medida por um padrão objectivo e não à luz de factores subjectivos (cfr. artº 496, nº 1).
Caberá ao tribunal, assim, em cada caso concreto, dizer se o dano é ou não merecedor de tutela jurídica.
Quanto ao cálculo do montante da indemnização por danos não patrimoniais é sempre feito com base em critérios de equidade, atendendo, nomeadamente, ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, devendo ser proporcional à gravidade do dano e tomando em conta na sua fixação todas as regras da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida (vidé Profs. Pires Lima e Antunes Varela in «Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., pág. 501»).
Como decorre ainda do nº 1 do artº 564, o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, ou seja, os danos emergentes, como também os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, os lucros cessantes, sendo que nos termos do nº 2 daquele mesmo normativo na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; e se não forem determináveis a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.
Postas tais considerações teórico-técnicas, acerca do dano e da obrigação de reparar o mesmo, debrucemo-nos agora, mais de perto, sobre o caso em apreciação nestes autos, embora tendo sempre presente tais considerações.

3.2 Quanto à 1ª questão
Da fixação do montante indemnizatório pelos danos provocados no veículo automóvel.
Como resulta do que já atrás deixámos exarado, em matéria de obrigação de indemnizar vigora entre nós o princípio da restauração ou reposição natural (cfr. artº 562).
Porém, já supra se deixou também expresso, que tal princípio sofre de algumas limitações ou excepções que se encontram previstas no citado nº 1 do artº 561, onde a obrigação de restauração natural é substituída pela obrigação de indemnizar em dinheiro, equivalente ao prejuízo causado. E uma dessas situações de excepção ocorre quando a reconstituição natural se mostre excessivamente onerosa para o devedor.
Ora foi com precisamente com base na ocorrência dessa situação de excepção que na sentença recorrida se optou, quanto ao dano em causa, pela condenação da indemnização em dinheiro em vez da condenação em reconstituição natural, ou seja, concluiu-se ali que a reparação dos danos sofridos pelo veículo dos 1ºs autores se mostrava excessivamente onerosa.
Muito embora o legislador não nos tenha definido ou precisado tal conceito, vem, todavia, sendo dominantemente entendido, quer pela nossa doutrina, quer pela nossa jurisprudência, que a restauração ou reconstituição natural é de considerar excessivamente onerosa para o devedor quando houver uma manifesta desproporção entre o interesse do lesado, que importa recompor, e o custo que a reparação natural envolve para o responsável (cfr., por todos, os Profs. Pires de Lima e A. Varela in “Código Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., págs. 551”; Ac. STJ de 9/5/96 in “CJ, Acs do STJ, Ano IV, T2-61/62”; Ac RLx de4/6/98 in “CJ, Ano XXIII, T3-123/124” e Ac RC de 2/10/90 in “CJ, Ano XV, T4-66”). Sendo que Meneses Cordeiro (in “Direito das Obrigações, 2ª vol., pág. 401”) considera que a indemnização específica é de “considerar excessivamente onerosa quando a sua exigência atenta gravemente contra os princípios da boa fé”.
Por outro lado, vem-se entendendo que será ao julgador, perante cada caso concreto, que compete indagar ou ajuizar se a reparação natural é excessivamente onerosa para o devedor (cfr., por todos, Rodrigues Bastos in “Notas ao Código Civil, vol. III, 1993, pág. 38”).
Na sentença recorrida chegou-se à conclusão de que a reparação do veículo se mostrava excessivamente onerosa para a ré, sendo aquela economicamente desaconselhável, pela constatação fria dos números de que tal reparação (cujo custo orçava em € 4.450,00) importava em mais do dobro do valor comercial do veículo (então de esc. 400.000$00 e correspondente hoje a € 1.995,20). Pelo que, partindo do pressuposto de que com este último valor era possível aos 1ºs autores adquirir um veículo automóvel idêntico ao sinistrado, atribuiu-se-lhe, como valor indemnizatório, esse montante, deduzido do valor dos salvados de esc. 50.000$00 (€ 249.40), ou seja, condenou-se a ré, quanto a tal dano, a pagar-lhe a importância total esc. 350.000$00 (€ 1.745,79).
Porém, e salvo o devido respeito, para chegarmos à conclusão de que a reconstituição natural do veículo se mostra excessivamente onerosa para o devedor e depois para atribuição do respectivo valor indemnnizatório por tal dano, não se pode ter em conta somente a frieza dos aludidos valores.
Desde logo, porque não foi alegado e muito menos ficou demonstrado ou provado (ónus esse que impendia sobre a ré) que é possível com tal valor (esc. 400.000$00) os 1ºs autores adquirirem no mercado um veículo, - em estado de conservação, condições e características – idêntico àquele que foi sinistrado.
Depois, porque – e como bem, a nosso ver, se escreve no acordão da RC de 10/12/98 in “CJ, Ano XXXIII, T5, pág. 42” – uma coisa é ter o valor e outra é ter coisa, ou seja, ter coisa ou o seu valor correspondente não é rigorosamente, passe a expressão, a mesma coisa.
Trocando isso por “miúdos” (numa linguagem mais popular) - e tal como se discorre no Ac. do STJ de 7/7/1999 in “CJ, Acs do STJ, Ano VII, T3 – 17” -, um veículo muito usado fica desvalorizado e vale pouco dinheiro, mas, mesmo assim, pode satisfazer as necessidades do dono, enquanto a quantia, muitas vezes irrisória, equivalente ao seu valor comercial pode não conduzir à satisfação dessas mesmas necessidades, o que é o mesmo que dizer que não pode reconstituir a situação que o lesado teria se não fossem os danos.
Por tudo isso, vem uma corrente da nossa jurisprudência mais recente– que julgamos ser já dominante, e a cujo pensamento nos associamos – entendendo que, para efeitos de se considerar se a reparação do veículo é ou não excessivamente onerosa para o devedor, nos termos da parte final do nº 1 do citado artº 566, não basta ter em conta apenas o valor venal ou comercial do veículo, ou seja, e numa palavra, não basta atender somente o valor do mercado do mesmo, mas ainda, e cumulativamente, ao valor que tem o uso que o seu proprietário extrai dele e que se computa pelo facto de esse seu dono ter à sua disposição um automóvel que usa, de que dispõe, de que disfruta e que a mera consideração do valor venal tout court sonega, elimina ou omite (cfr., entre outros, Ac. do STJ de 27/2/2003, in “CJ, Acs do STJ, nº 166, Ano XXVIII, T1/2003, pág. 112 e ss ”; Ac. do STJ de 16/11/2000, in “CJ, Acs do STJ, Ano VIII, T3 - 124”; Ac. do STJ de 7/7/1999 in “CJ, Acs do STJ, Ano VII, T3 – 17” e Ac. desta Relação de 16/11/2004 in “Rec. Apelação nº 1658/04, 3ª sec.”).
Assim, subsumindo tais considerações ao caso em apreço e com vista a determinar o valor do veículo para efeitos de saber se a sua reparação se mostra ou não excessivamente onerosa, diremos o seguinte:
Objectivamente, e em termos de valor concreto, apenas se sabe que o mesmo na altura do acidente tinha o valor comercial de esc. 400.000$00 (a € 1.995,20) – cfr. ponto 2.13.
Porém, como acima se deixou expresso, tal só por si não basta para fixar o valor do veículo, para efeitos do disposto no nº 1 do citado artº 566, havendo também que atender a outros factores que acima deixámos descriminados.
E nessa medida, teremos em consideração os seguintes factos que ficaram apurados (os quais, devemos reconhecer, pecam pela sua escassez, o que nos limita ou cria dificuldades na tarefa a que nos propusemos):
- Que o veiculo sinistrado, SJ, é um Alfa Romeo, modelo 33TI, construído em 1989 - cfr. ponto 2.11.
- Que à data do acidente, tinha já percorrido 102.076,4 kms - cfr. ponto 2.12.
- Que o mesmo era até então utilizado indistintamente pelo autor e pela sua mulher no exercício das actividades de ambos, nomeadamente, nas suas vidas profissionais (respectivamente, de serralheiro e de dona de armazém de comércio de materiais de construção), privadas e familiares – cfr. pontos 2.18 e 2.17
- E que os respectivos salvados, após o acidente, valiam 50 contos (€ 249,40) – cfr. ponto nº 2.14.
Desse modo, sopesando todos esses factos e lançando mão a juízos de equidade (cfr. artº 566, nº 3), afigura-se-nos ajustado, dentro do possível, fixar o valor do referido veículo em esc. 600.000$00 (€ 2.992,80).
Ora considerando, por um lado, tal valor, e, por outro lado, que ficou provado que a reparação do veículo importa em cerca de 900 contos, e mais concretamente, em € 4.450.00, será que deverá considerar-se a mesma excessivamente onerosa para o devedor?
Temos de reconhecer algumas dificuldades na resposta.
É claro que vendo somente os números de forma fria e crua, parece que, numa primeira leitura, uma diferença de cerca de 300 contos entre o valor do veículo e valor do custo da sua reparação não seria de molde a considerar a mesma como excessiva.
Porém, se considerarmos que estamos perante números de uma grandeza bastante baixa e verificarmos ainda que, mesmo perante uma actualização já feita do seu “valor real”, valendo o veículo 600 contos (moeda corrente à data do acidente) e que o custo da sua reparação ultrapassa o seu próprio valor ainda em cerca de 300 contos (ou seja, ainda em cerca de mais metade do valor do mesmo), aí já se nos afigura (embora reconheçamos não ser a situação de todo clara e podermos estar mesmo perante um caso limite ou de fronteira) haver uma acentuada desproporcionalidade entre os interesses dos 1ºs autores e da ré, que poderia inclusivé levar, face aos dados disponíveis, a um enriquecimento ilegítimo dos primeiros, sendo ainda certo que, valendo os salvados somente 50 contos e perante o valor do seu custo, a reparação se mostra ainda, do ponto de vista económico, de todo desaconselhável.
Assim, e para concluir, afigurando-se-nos que a reconstituição natural (através da sua reparação) do veículo automóvel dos 1ºs autores se mostra excessivamente onerosa, decide-se fixar em € 2.992,80 (esc. 600.000$00) a indemnização a pagar pela ré aos mesmos pelos danos sofridos no seu aludido veículo, em consequência do sobredito acidente. Porém, e com vista a evitar um enriquecimento ilegítimo dos proprietários, deverá tal montante ser deduzido do valor dos salvados do veículo (€ 249,20), razão essa pelo que tal indemnização fica reduzida ao montante de € 1.743,40 (mil setecentos e quarenta e três euros e quarenta cêntimos).

3.3 Quanto à 2ª questão
Da fixação do quantum indemnizatório referente ao dano sofrido pela privação do uso do veículo.
Dado que no presente recurso apenas está em causa a fixação do montante indemnizatório referente à privação pelos 1ºs autores do uso do aludido veículo, e dado que na sentença recorrida se justificou convenientemente a indemnização do mesmo, iremos somente fazer uma breves considerações sobre tal dano.
Vem hoje sendo dominantemente entendido não só que o dano resultante da privação do uso do veículo automóvel é indemnizável como inclusivé não se confunde (sendo dele autónomo) com aquele outro dano, de que atrás analisámos, em que a reparação ou reconstituição natural do veículo não teve lugar, quer por não ser possível, quer por ter sido considerada excessivamente onerosa.
Na verdade, no que concerne ao 1º aspecto, como bem se refere no acordão da RLx de 4/6/1998 (in “CJ, Ano XXIII, T3 – 124”) “nos tempos que correm, em que a possibilidade de usar automóvel faz parte daquilo a que vulgarmente se chama qualidade de vida, já não se pode defender, em termos de razoabilidade, que os incómodos derivados da privação do veículo constituem dano não tutelado pelo direito. O direito tem destinatários concretos e não se compadece com uma visão abstracta da vida”. Afirmando-se ainda mais adiante que “a privação do uso e fruição do veículo consubstancia uma restrição ao direito de propriedade, o que, à luz do conteúdo que lhe é assinalado no artº 1305 do CC, é inadmissível. E nenhum motivo há para entender que a violação ilícita e culposa do direito de propriedade sobre o automóvel não se contem na previsão do artº 483, nº 1, que estabelece um princípio geral”.
No que concerne àquele 2º aspecto servimo-nos aqui das palavras de Júlio Gomes (in “O Dano da Privação do Veículo, RDE, Ano XII, 1986, pág. 209”) “a utilização da coisa distingue-se ou não é idêntica à perda da substância da mesma antes representa aquela vantagem que decorre da propriedade, ao lado da titularidade da coisa, e poder usar a coisa para a satisfação de necessidades”.
No mesmo sentido, vidé ainda, a propósito de tal dano, os Acordãos da RC de 30/1/2001, da RLx de 14/12/2002 e da RP 30/1/200, in “www. dgsi”, e ainda o Ac. do STJ de 27/2/2003, in “CJ, Acs do STJ, nº 166, Ano XXVIII, T1/2003, pág. 114”;o Ac. da RC de 25/1/2005 in “Apelação nº 3505/04, 3ª sec.” e Abrantes Geraldes in “Indemnização do Dano pela Privação do Uso, págs 34 e 53/54”.
Resta, pois, ainda dizer, e como se infere do que se acabou de dizer, que se trata de um dano que tem a natureza não patrimonial.
Ora postas tais considerações e subsumindo-as ao caso em apreço, visando a fixação o quantum indemnizatório de tal dano, diremos o seguinte:
A esse propósito, muito embora a matéria factual apurada continue a não ser abundante, interessa aqui realçar, por um lado, que os 1ºs autores, seus proprietários, vinham utilizando indistintamente o referido veículo sinistrado no exercício das actividades de ambos, e nomeadamente nas suas vidas profissionais privadas e familiares e, por outro lado, o já longo período de tempo que os mesmos se encontram privados do seu uso (e que vem desde a data da ocorrência do acidente em 30/6/2003) e cuja responsabilidade é exclusiva da ré, que, até ao momento, nada fez, como era da sua obrigação, em termos concretos, para minorar ou atenuar os prejuízos sofridos pelos referidos autores, e especialmente no que diz respeito a tal dano. (Sobre a obrigação de a ré providenciar pela reparação dos danos ou tomar a iniciativa de o fazer, sob pena de responder pelas respectivas consequências daí advenientes, vidé, entre outros, Ac. STJ de 05/07/94, in “CJ, Acs., STJ, T3-45”; Ac. RC de 26/04/90, in “CJ, Ano XV, T2, págs. 73 e ss”; Ac RC de 02/10/90, in “CJ, Ano XV, T2, págs. 66/67”; Ac. RLx. de 04/06/98, in “CJ, Ano XXIII, T3, págs. 123/124” e Profs. Pires de Lima e A. Varela in “Código Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., págs. 546”).
Na 1ª instância, e através do apropriado e oportuno recurso ao prudente arbítrio, ou seja, num julgamento ex aequo et bono, tal como decorre do já citado nº 3 do artº 566, fixou-se o montante indemnizatório do aludido dano em € 1000,00.
Porém, pelo que atrás deixámos exposto – e muito embora a escassez dos factos apurados, a esse propósito, não nos permita ir mais além -, afigura-se-nos, mesmo assim, que tal montante peca por defeito, impondo-se um aumento do mesmo.
Assim, por tudo o exposto, afigura-se-nos ajustado fixar a indemnização pela privação o uso do veículo no montante de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) – já devidamente actualizado.

3.4 Quanto à 3ª questão
Da fixação do montante indemnizatório referente ao dano relacionado com a recolha do dito veículo numa garagem.
Estamos, pois, na presença de um dano de natureza patrimonial, que se refere a um dano emergente resultante para os 1ºs autores e que tem a ver com os custos suportados ou suportar pelos mesmos com a recolha do veículo sinistrado numa garagem, em consequência de ter ficado impossibilitado de circular devido aos danos sofridos com o dito acidente.
Mais uma vez, neste recurso não está aqui em causa a obrigação da ré indemnizar aqueles por tal dano (isto sem prejuízo do que adiante se dirá a esse propósito), mas somente fixar o seu quantum indemnizatório.
A esse propósito, os autores alegaram que o dito veículo se encontrava recolhido numa oficina de automóveis desde a data do acidente tendo de pagar por essa recolha uma quantia diária estimada em € 4,00, cujo montante vencido, desde aquela data até à data da instauração da acção, perfazia já a importância de € 4.368,00.
Ora, a tal propósito, apenas foi dado como provado pelo tribunal a quo que:
- O veículo esteve recolhido numa oficina, após o acidente (cfr. ponto 2.15, resultante da resposta dada ao quesito 27º).
- As oficinas cobram uma quantia diária pela recolha de automóveis (cfr. ponto n º 2.16, resultante da resposta dada ao quesito 28º).
Na douta sentença recorrida expendiu-se, a propósito do invocado dano, o seguinte:
Provou-se que o veículo esteve recolhido numa oficina, após o acidente; e que as oficinas cobram uma quantia diária pela recolha de automóveis É um dado da experiência comum, especialmente quando os veículos não são reparados..
É certo que não se provou o exacto valor que cobram, nem o exacto valor que os AA vão ter ou tiveram que suportar; em todo o caso, face ao que se provou, é certo que com alguma despesa os AA irão por certo ter que arcar.
Usando mais uma vez de equidade (e tendo em vista evitar o ónus que uma liquidação de sentença, por causa de tal dano, sempre implicaria), com parcimónia, fixa-se a indemnização de tal dano em € 250,00. (Montante não superior ao dos salvados; montante até ao qual faz sentido, do ponto de vista económico, efectuar despesas na recolha do veículo)”.
Os autores-recorrentes insurgem-se contra o montante indemnizatório fixado, defendendo que ele deve ser fixado mediante a entrega pelos mesmos do recibo comprovativo do pagamento de tal despesa ou, caso assim não se entenda, relegar-se a sua fixação para liquidação em execução de sentença.
Quid iuris?
No que concerne à 1ª solução preconizada pelos apelantes desde logo avançamos que, salvo o devido respeito, a mesma não faz qualquer sentido e nem, a nosso ver, ela tem qualquer suporte jurídico. É que tal solução pressupõe ou fica dependente de um facto futuro incerto (que consubstancia, no fundo, uma condição suspensiva) e de uma prova que, ao contrário, se pressupõe já ter sido produzida em julgamento, sendo que naquele que precedeu a sentença recorrida entendeu-se, inclusivé, que não foi produzida tal prova ou então que a mesma foi manifestamente insuficiente (cfr. decisão sobre a matéria de facto e a sua fundamentação), pois se o tivesse sido certamente que a solução final a que se chegaria seria certamente bem diferente. O nosso sistema jurídico não admite, pois, a figura da condenação condicional (vidé nesse sentido, e para mais desenvolvimento, o prof. Lebre de Freitas in “Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, Coimbra Editora, págs. 653 e 684”).
Quanto ao demais diremos o seguinte:
Preceitua o o nº 3 do artº 566 que “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.
Por sua vez, estatui o nº 2 do artº 661 do CPC, que “se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo da condenação imediata na parte que já seja líquida”.
Como conciliar então tais normativos?
Sintecticamente podemos dizer que o nº 3 do citado artº 566 só regula ou é aplicável aos casos em que exista impossibilidade de averiguar o valor exacto dos danos e não já também quando haja, tão só, falta de elementos para fixar o seu quantum, caso em que é aplicável a regra contida no referido nº 2 do artº 661 do CPC (vidé, entre outros, o Ac da RE de 28/7/1977 in “BMJ 271 – 288” e o Ac. do STJ de 6/3/1980 in “BMJ 295 – 369, anotado por Vaz Serra in “RLJ 144 – 278”).
A tal propósito escreve ainda Vaz Serra (in “RLJ 113 – 328”) que “se ao tribunal for impossível determinar com precisão se existe dano (e não apenas o seu montante), parece de aplicar, por analogia ou interpretação extensiva, o nº 3 do artº 566”.
Ora, salvo o devido respeito, afigura-se-nos ser esta verdadeiramente a situação do caso em apreço.
Na verdade, a esse respeito, tão somente ficou provado que o dito veículo, após o acidente, esteve recolhido numa oficina (e não também, como alegaram os autores, que o mesmo ainda ali se encontre). Fica-se, assim, desde logo, sem saber quanto tempo é que o dito veículo esteve recolhido em oficina.
Por outro lado, muito embora os autores tenham alegado que teriam de pagar por essa recolha uma quantia diária estimada em € 4,00, (cujo montante vencido, desde aquela data até à data da instauração da acção, perfazia já a importância de € 4.368,00), todavia, da matéria factual dada como assente pela 1ª instância (e que não foi objecto de qualquer impugnação) apenas ficou provado, a esse propósito, que as oficinas cobram uma quantia diária pela recolha de automóveis.
Resulta, assim, a nosso ver, que, mais do que a impossibilidade de determinar, for falta de elementos, o montante do dano, da matéria factual apurada não é sequer possível concluir ou determinar, na melhor das hipóteses, com precisão se houve ou não um verdadeiro dano para os autores decorrente de tal situação.
E nesse sentido, e sempre na melhor das hipóteses (para os autores), afigura-se-nos ajustada a solução encontrada pelo srº juiz a quo, pelo que não se justifica que, in casu, se relegue para execução de sentença a liquidação do referido dano.
E sendo assim, e quanto a tal questão, o recurso terá de naufragar in totum.

3.5 Quanto à 4ª questão
Da fixação do quantum indemnizatório referente aos danos não patrimoniais sofridos pela autora-mãe e pela autora-filha (a Nicole).
Danos esses que têm a ver com as lesões que ambas sofreram em consequência do sobredito acidente, e em relação aos quais não está igualmente posta em causa, neste recurso, a obrigação de indemnizar que, pelos mesmos, na sentença recorrida foi imposta à ré, mas, mais uma vez, tão somente o montante indemnizatório a atribuir pelos mesmos.
A propósito de tais danos ficou provado o seguinte:
- A 1ª A. foi observada e tratada nos Hospitais da Universidade de Coimbra, para onde foi transportada após o acidente.
- A 1ª A sofreu traumatismo torácico (causado pelo cinto de segurança).
- A 2ª A. (a Nicole) foi observada e tratada no Hospital Pediátrico de Coimbra.
- Sofreu fractura subcapital do úmero esquerdo, tendo-lhe sido aplicada imobilização gessada.
- Tal lesão demandou para se curar um período de 22 dias de doença.
- Em consequência do acidente e da lesão sofrida, a A. Nicole não pôde fazer a sua vida quotidiana normal (designadamente, a higiene corporal própria).
- As 1ª e 2ª AA. sentiram e sofreram dores no corpo, mais fortes imediatamente após o acidente e dias subsequentes.
Ora perante tais danos o srº juiz a quo decidiu valorar os sofridos pela 1ª autora-mãe no montante indemnizatório de € 250 e os sofridos pela 2ª autora-filha no montante de € 750, enquanto que os apelantes pugnam, neste seu recurso, que tais montantes sejam, respectivamente, fixados em € 500 e € 1250.
Qual então o montante indemnizatório de tais danos que se deve considerar ajustado?
Começaremos por salientar que desde alguns anos a esta parte se tem vindo a enfatizar, nomeadamente em termos jurisprudenciais, a necessidade de elevar, progressivamente, os padrões de indemnização, com vista a afastar a tradição miserabilista que em tal domínio vinha graçando entre nós, sob pena dos nossos tribunais não estarem a acompanhar a dinâmica e a evolução da vida.
No que concerne aos critérios gerais que devem presidir ao cálculo da indemnização de tais danos, de natureza não patrimonial, e para evitar estarmo-nos a repetir, remetemos para o que a esse propósito já supra deixámos exarado (cfr. nº 3.1).
No caso em apreço, para tal cálculo, sempre com base no juízo de equidade, não poderemos deixar de tomar ainda particularmente em atenção, por um lado, que o segurado da ré foi o único responsável pela produção do acidente que vitimou as referidas autoras, a situação de superioridade económica em que se encontra a ré em relação às vitimas e, por outro lado, o tipo, a natureza e as consequências das lesões sofridas por estas, incluindo a intensidade da dor por elas causadas (sendo inovidavelmnente mais graves as sofridas pela 2ª autora Nicole).
Assim, sopesando todas as considerações e circunstâncias supra descritas, somos levados a concluir que se nos afiguram perfeitamente ajustados os montantes indemnzatórios ora reclamados pelas autoras (sendo no que concerne à autora Nicole, o mesmo a pecar será, a nosso ver, mais por defeito).
Pelo que, nesses termos, pelos danos não patrimoniais sofridos pela 1ª e 2ª autoras, em consequência das lesões que tiveram com o sobredito acidente, decide-se atribuir-lhes, respectivamente, os montantes indemnizatórios de
€ 500 (quinhentos euros) e de € 1250 (mil duzentos e cinquenta euros) – já devidamente actualizados, deixando-se, todavia, ainda salientado que não foram pedidos juros de mora.
E desse modo, e quanto a tal questão, o recurso dos autores julgar-se-á procedente, revogando-se, nessa exacta medida, a douta sentença da 1ª instância.
Sendo que no montante final indemnizatório se deverá, para além daqueles que supra deixámos descriminados, ter ainda em conta aqueles outros fixados pela sentença da 1ª instância e que não foram objecto de específica impugnação, por via de recurso.
***
III- Decisão
Assim, em face de tudo o exposto, acorda-se em conceder (apenas) parcial provimento ao recurso – revogando-se nessa exacta medida a douta sentença da 1ª instância - e, em consequência, condena-se a ré, D.... a pagar aos autores, A..., sua mulher B... e C... (aqui representada por aqueles seus pais) a quantia total de € 6.699,58 (seis mil seiscentos e noventa e nove euros e cinquenta e oito cêntimos) – pelos danos supra descriminados e bem assim daqueles ainda referidos na sentença da 1ª instância (e que não foram objecto de específica apreciação neste acordão).
Custas da acção e do recurso pelos autores-apelantes e ré-apelada, na proporção dos respectivos decaímentos, e que para o efeito se fixa em 2/3, para os 1ºs e em 1/3 para a 2ª.

Coimbra,