Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | DR. JOÃO TRINDADE | ||
Descritores: | INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA ADMISSIBILIDADE | ||
Data do Acordão: | 10/29/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | LEIRIA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
Área Temática: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL | ||
Legislação Nacional: | ART. S 71º, 73° N.º2, 74º N.º3 E 82° N.º3 DO CPP | ||
Sumário: | Em pedido de indemnização civil deduzido em acção penal é admissível o incidente de intervenção principal provocada. | ||
Decisão Texto Integral: | Recurso n.º 2755/03-5 Comarca de Leiria – 1º Acordam na Secção Criminal desta Relação: Digno Magistrado do Ministério Público acusou o arguido João Carlos Mansilha Monteiro de Sousa ,melhor identificado nos autos, imputando-lhe a prática de - um crime de ofensa à integridade física por negligência p. e p. pelo artº 148º, nº 1 do CP p. p. pelo art.º 292º do Código Penal (CP) # Os ofendidos/demandantes António de Freitas Luís e mulher Augusta Veiga Freitas Luís deduziram pedido de indemnização civil contra a Companhia de Seguros Tranquilidade ,no montante de 7.978.166$00 , a título de danos patrimoniais e morais. # Na resposta à contestação os demandantes ao abrigo do disposto no artº 325º do CPC requerem a intervenção provocada de Comercial Union Assurance Company. Sustentam o pedido no facto da Companhia em causa ser à data do acidente, a responsável por danos a terceiros pelo veículo OX-95-53. Tendo o respectivo proprietário tal responsabilidade transferida para a mesma , daí a sua legitimidade para a presente acção. # O Tribunal a quo considerando que não é permitida a dedução de incidentes de instância civil enxertada no processo penal indeferiu liminarmente o requerido incidente de intervenção principal provocada. # Inconformados, recorreram os demandantes, concluindo a sua motivação do seguinte modo: 1. O douto despacho recorrido indeferiu liminarmente o incidente de intervenção provocada deduzido pelos recorrentes , com fundamento em dois pressupostos: - Existindo uma norma expressa no CPP – artº 73º - que prevê a intervenção espontânea , não estamos perante um caso omisso, pelo que não há necessidade de recorrer ás normas subsidiárias do CPC. – A intervenção não se justifica , por não ser necessária a uma decisão rigorosa do pedido de indemnização. 2. No nosso modesto entender e salvo o devido respeito por douta opinião em contrário , entendemos que no caso em apreço não se pode fazer uma interpretação tão restritiva das normas processuais e, por outro lado , há necessidade de fazer intervir a chamada sob pena de , não o fazendo , poderem os recorrentes não se ressarcidos , total ou parcialmente , dos danos emergentes de um acidente de viação em que não tiveram qualquer responsabilidade na produção do mesmo. Assim 3. Os recorrentes deduziram pedido de indemnização civil , contra a Companhia de Seguros Tranquilidade , seguradora do arguido cujo procedimento criminal foi extinto por amnistia , a qual excepcionou a sua legitimidade por, na sua tese , a responsabilidade do acidente objecto dos presentes autos , ser da responsabilidade de um outro veículo segurado na Comercial Union Assurance Company. Não tendo a demandada requerido a intervenção desta última, os recorrentes entenderam ser necessário fazê-lo intervir no processo , pois a julgar-se total ou parcialmente procedente a tese da Tranquilidade aqueles não podem ser ressarcidos dos danos emergentes do acidente de viação em causa porque a Comercial Union não é parte , justificando-se a sua intervenção. 4. Dada a extinção do procedimento criminal o incidente de intervenção provocada não é incompatível com a celeridade própria do processo penal . aliás os recorrentes aguardam a realização de exames médicos feitos pelo IML , pelo que , também, por aqui não há motivo para o incidente não ser admitido. Ora , uma vez que estamos apenas no âmbito da questão civil , mais se justifica a necessidade da intervenção requerida. 5. O facto de existir uma norma expressa no CPP, o artº 73º que prevê a intervenção espontânea , não pode de per si, salvo o devido respeito, afastar pura e simplesmente a intervenção provocada no caso em análise pois , e considerando ainda tudo o que já se referiu nas anteriores conclusões , os pressupostos de uma e de outra intervenção são diferentes. 6. Enquanto que na intervenção espontânea , que também está prevista no CPP a interveniente tem interesse em agir , em ser parte, voluntariamente , na intervenção provocada é precisamente o contrário, ou seja, é uma das partes do processo que tem interesse em fazer intervir outrem. Ou seja, no caso dos presentes autos, a Companhia de Seguros Union , não tem qualquer interesse em , voluntariamente , intervir no processo sabendo de antemão que pode ser condenada a pagar aos recorrentes os danos emergentes do acidente de viação, parcial ou totalmente. E , por outro lado , estes últimos têm todo o interesse em fazer intervir esta Seguradora pelos motivos referidos anteriormente. 7. Ao indeferir liminarmente o incidente de intervenção provocada deduzido pelos recorrentes o Mº Juiz “ a quo” violou as norma jurídicas em que se baseou, nomeadamente os artigos 71º, 72º, 73º e 74º do CPP bem como o artº 129º do CPP. 8. Termina pedindo a revogação do despacho recorrido substituindo-se por outro que admita a intervenção provocada de Comercial Union. # O Mº Juiz a quo sustentou tabelarmente o despacho recorrido. # Não foi produzida resposta e o Mº Pº nesta instância não se pronunciou sobre o objecto do recurso. # Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência há que decidir : Consagra a nossa legislação no artº 71º do CPP o princípio da adesão através de uma via de adesão obrigatória da acção civil à acção penal de harmonia com a qual o direito à indemnização por perdas e danos sofridos como o ilícito criminal só pode ser exercido no próprio processo penal , enxertando-se o procedimento (civil) a tal destinado na estrutura o procedimento criminal em curso. ( Simas Santos/Leal Henriques/ Borges Pinho, CPP anotado I- pag. 331) Os fundamentos de um tal sistema de dependência processual radicam na ideia “ do interesse social existente na obrigatoriedade de o delinquente reparar o prejuízo civil que causou com o crime: o dano ex delicto….deveria ser sempre e obrigatoriamente reparado no interesse da defesa social”( - Figueiredo Dias “Sobre a reparação de perdas e danos arbitrada em processo penal”, pag. 543.) que acrescentava que, deste modo , o regime de obrigatória dependência processual do pedido civil…” resultaria não apenas do interesse e da função eminentemente públicos ligados à indemnização , mas também de que assim se cumpririam da melhor forma exigências compreensíveis de economia processual , protecção do lesado e auxílio à função repressiva do direito penal”. Acima de tudo e para além do referido acentuava que a maior vantagem residia em permitir uma “realização mais rápida , mais barata e mais eficaz do direito do lesado á indemnização , favorecendo os económica e socialmente mais desprotegidos da comunidade, contribuindo o processo de adesão para esbater a desproporção económico – social das armas dos contendores e, neste sentido para assegurar uma real e eficaz protecção a muitas vítimas de uma infracção penal. “. Perante este quadro que ressalta a obrigatoriedade ,a protecção do lesado e razões de economia e celeridade processuais são essas mesmas razões que nos fazem defender posição não coincidente à do tribunal a quo. Na verdade, com o devido respeito por opinião contrária ( - Ac. desta Relação de 9-4-97, CJ,II-55), entendemos que nada na lei adjectiva processual impede o recurso aos incidentes de intervenção de terceiros. Não faria sentido que o legislador que “obriga” o lesado e consequentemente outros intervenientes processuais, a vir ao processo penal, lhes retirasse os mecanismos necessários para uma efectiva e eficaz defesa dos respectivos interesses, tanto mais que tal não afectaria, o direito que assiste ao arguido de ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa(artº 32º, nº 2 da Constituição),não afectaria a celeridade processual, já que a todo o momento o tribunal poderia lançar mão ao preceituado no nº 3 do artº 82º do CPP. E não se poderá argumentar com a possibilidade do pedido ser deduzido em separado já que também não faria sentido termos um regime para os casos de pedido obrigatório e outros para o pedido em separado. Acresce que o incidente de intervenção principal provocada , tal como o espontâneo , configuram uma intervenção de terceiros com a finalidade de fazer valer um interesse igual ao dos autor ou do réu( - Antunes Varela ,RLJ 120-25). Em processo penal a intervenção de terceiros visa importar para aquele o responsável que resolve intervir no processo penal por sua conta e risco , ou pode ser provocada por um acto do próprio lesado que o chama a intervir. Substancialmente o objectivo da intervenção espontânea ou provocada é o mesmo e não se vislumbra o motivo porque uma das formas seria admissível em processo penal – artº 73º, nº 2 do CPP .- e a outra não. Aliás, incidindo sobre o tema a Comissão Revisora do CPP pronunciou-se no sentido de que o preceito ora invocado não fundamentada a intervenção provocada sendo referido que esta tinha por esteio o artº 74º, nº 3 do mesmo diploma. ( - Ac. desta Relação proferido em 4-12-2002 no Recurso 3575/02) # Nestes termos se decide: - Julgar por provido o recurso, revogando-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que se pronuncie sobre a admissibilidade do incidente. # Sem tributação. # Coimbra, 2003-10-29 |