Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4167/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: SERRA LEITÃO
Descritores: DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA
PROPORCIONALIDADE NA APLICAÇÃO DE TAL MEDIDA
Data do Acordão: 03/31/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTºS 9º, NºS 1 E 2; 12º, Nº 5; E 27º, Nº 2, DO DL 64-A/89, DE 27/02 .
Sumário: I – Os elementos constitutivos da justa causa são : a existência de um comportamento culposo assumido pelo trabalhador; que esse comportamento seja grave em si mesmo e nas suas consequências ; que em fece da gravidade de tal comportamento a subsistência da relação laboral se torne impossível .
II – É de exigir que na aplicação de qualquer medida disciplinar por parte da entidade patronal seja observado o princípio da proporcionalidade, que é comum a todo e qualquer direito punitivo .

III - O envio de uma mensagem pelo trabalhador à sua entidade patronal na qual manifesta o seu descontentamento e indignação sobre o modo como a direcção da empresa tem distribuído as avaliações e consequentes promoções, violando o dever de respeito que é devido aos superiores hierárquicos e assim ofendendo os membros da direcção, embora integre um comportamento censurável não assume, por si só, um carácter insultuoso ou injurioso que justifique o despedimento desse trabalhador .

Decisão Texto Integral:

Acordam os Juizes da Secção Social do T. Relação de Coimbra
A..., intentou acção emergente de contrato individual de trabalho contra B..., sustentando em síntese que foi alvo de despedimento ilícito por parte da Ré.
Alegou para tanto e em síntese, que pertence aos quadros da empresa desde 24/8/79, aí exercendo as funções de Assistente Administrativo de Nível VI
No dia 12/7/02 recebeu uma carta da sua empregadora, na qual esta o informava que lhe tinha sido instaurado um processo disciplinar e era remetida a respectiva “ nota de culpa”
Posteriormente em 27/9/02 remeteu-lhe a Ré nova carta na qual o informava que tinha decidido proceder ao seu despedimento com justa causa
Ora analisada essa decisão, verifica-se que não foi dado cumprimento ao disposto nos nºs 8º e 9º do D.L. 64- A/89 de 27/2, na medida em que tal decisão não está fundamentada, nem houve ponderação das circunstâncias do caso e adequação do despedimento à culpabilidade que lhe é imputada, o que torna o processo disciplinar nulo.
Acresce que o procedimento disciplinar prescreveu
Terminou pedindo:
a) Que fosse declaro nulo( ilícito) o seu despedimento
b) Se condenasse a Ré a
- reintegrá-lo sem prejuízo da sua categoria e antiguidade
- pagar-lhe a quantia de € 18. 455, 50 a título indemnizatório
- pagar-lhe todas as retribuições que deixou de auferir até ao trânsito em julgado da sentença proferida nesta acção
- pagar-lhe os juros moratórios legais.
A Ré contestou pugnado pelo reconhecimento da legalidade do despedimento operado, porque por um lado o processo disciplinar, não é nulo e por outro porque a gravidade do comportamento assumido pelo A impõem a aplicação da sanação em causa.
Peticionou a improcedência da acção, com a sua consequente absolvição
Prosseguindo o processo seus regulares termos veio a final a ser proferida decisão que:
- considerou o processo disciplinar formalmente válido e instaurado tempestivamente
Declarou o despedimento ilícito por a sanção aplicada padecer de manifesta desproporcionalidade e em consequência condenou a Ré:
- A reintegrar o A, no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade
- A pagar-lhe a quantia de € 738, 22 mensais a título de retribuição desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença
- Pagar-lhe ainda a título de subsídio de férias e de natal, a mesma quantia parcelar de € 738, 22, por cada um daqueles subsídios que se venceram e vencerem desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença
- Juros moratórios legais.
Discordando apelou a Ré alegando e concluindo, em síntese
A)- Submetia- se à apreciação do Tribunal a quo, a adequação da sanção disciplinar de despedimento aplicada pela recorrente ao ora recorrido e por este questionada quanto ao mérito e fundamento
B)- A matéria de facto espelha, com as incorrecções salientadas nestas alegações, a prova produzida em audiência de julgamento
C)- Com base na prova gravada, aliás , deve ser dada nova redacção ao ponto 13 na matéria assente, sugerindo-se a seguinte redacção:
“ Com o teor da comunicação dirigida pelo Recorrido ao director da fábrica em 8/7/02 e enviada com conhecimento aos directores Fernando Carvalho, Duarte Barros e Neves Almeida, sentiram-se ofendidos na sua honra e dignidade, quer o seu destinatário, quer aqueles a quem foi dado conhecimento da comunicação”
D) A honra e dignidade de qualquer colega de trabalho não pode ser posta em causa por qualquer trabalhador sob pena de, fazendo-o violar de forma grosseira o dever de respeito por esse colega, tornando prática e imediatamente impossível a subsistência da relação de trabalho
E) Tal impossibilidade é naturalmente realçada se o colega do trabalhador for director da empresa onde este trabalha e se em vez de um, foram ofendidos 4 directores
F) Todo o comportamento do requerido – silêncio no processo disciplinar- e descarada e desavergonhada negação dos factos que lhe eram imputados na nota de culpa destes autos- define com clareza o carácter do recorrido e denuncia a incapacidade de se confiar na sua actuação, configurando, no que aos autos respeita uma verdadeira litigância de má- fé;
G)- A circunstância de o recorrido ser ao tempo do despedimento, telefonista do recorrente, por este passando grande parte dos contactos da fábrica com o exterior, torna intolerável a consideração feita pelo Mtº Juiz a quo de que, tratando-se a recorrente de uma grande empresa( onde estão os factos que o suportem?), existiriam poucos contactos entre o recorrido e aqueles que foram gravemente ofendidos pelas insinuações torpes e não verdadeiras do mesmo
H)- A ofensa praticada apenas pode ser reparada, com a cessação do vínculo laboral
I)- Perante tal ofensa, qualquer “ bom pai de família” reagiria como fez a Recorrente, despedindo o recorrido
J)- Não o tendo feito teria a recorrente violado, de forma flagrante, o seu dever de solidariedade e mesmo respeito com os seus directores, assumindo uma posição de verdadeira conivência com os atentados feitos à honra daqueles;
L)- A prova produzida deveria também ter considerado que fossem considerados provados os seguintes factos.
“ O A utilizou na comunicação que dirigiu à Ré, em 9/7/02, enquanto sócio gerente da Sociedade C..., elementos de informação que constavam de documentos de circulação interna na Ré”
Tais elementos de informação respeitavam aos factos de natureza comercial da Ré, que serviam de base à negociação da prática de serviços com os seus fornecedores, sendo a sua publicitação susceptível de prejudicar a livre negociação pela recorrente daqueles contratos”
M)- Aditados estes factos como assentes, deles resulta necessariamente a violação grave do dever de lealdade do recorrido para com a recorrente, tornando também esta violação, prática e imediatamente impossível a subsistência do contrato de trabalho;
N)- Deveria assim o Tribunal recorrido concluir pela existência de justa causa, para o despedimento, sendo a matéria de facto dada como assente,( mesmo sem as modificações peticionadas) suficiente para tal;
O)- Entendendo-se que houve desadequação entre a sanção aplicada e a conduta do A, deveria o Mtº Juiz a quo, ter observado o disposto na alínea a) do nº 2 do D.L. 64- A/89 e deduzido das retribuições objecto de condenação, as vencidas até 30 dias antes da propositura da acção
P)- Tendo a presente acção sido instaurada em 22/9/03 apenas desde 22/8 seriam, em caso de procedência da acção devidas ao recorrido quaisquer retribuições pela Recorrente
Q)- Ao decidir como decidiu violou o Mtº Juiz a quo de forma flagrante o disposto nos artºs 9º e 13º do D.L. 64- A/89.
Não houve contra alegações.
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, tendo o Ex. mo Sr, PGA emitido douto parecer no sentido da respectiva improcedência, cumpre decidir.
Dos Factos
Foi a seguinte a factualidade dada como assente na 1º instância:
1-O A foi admitido ao serviço da Ré em 24/8/79
2-Exercendo na data da sua admissão a categoria de contínuo de 2ª Classe;
3-Posteriormente, o A veio a ser promovido e colocado noutras categorias, nomeadamente a de telefonista, Assistente Administrativo de Grau I e Assistente Administrativo de Nível VI, conforme certificado de trabalho emitido pela Ré junto a fls. 32;
4-Desde a sua data de admissão, o A sempre exerceu as suas funções, sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré;
5-No dia 8/7/02, o A remeteu ao director da fábrica da Ré, e, Leiria, Engº Carlos Alberto Neto Fernandes, que a recebeu no mesmo dia, a seguinte mensagem, por correio electrónico:
“ Venho por este meio manifestar o meu descontentamento e indignação ao modo como a Direcção tem distribuído as avaliações e consequentes promoções.
A Administração ao crias plafonds de promoções, actua de boa- fé com esperança que as Direcções tenham capacidade e honestidade, para as distribuir de modo a apresentarem a melhor rentabilidade possível, o que neste Unidade raramente nesta acontece, é regra corrente SUPER VALORIZAR alguns trabalhadores, ignorando outros.
Em 23 ANOS ao serviço da empresa nunca recebi uma promoção, mas sempre desempenhei a funções acima da minha classificação o mais perfeito possível com total dedicação á empresa, utilizando os meios que me foram disponibilizados, adaptei-me com facilidade a todas as inovações e tecnologias essenciais á função, tendo mesmo recorrido a formação que paguei, para adquirir conhecimentos que aplico ao serviço da empresa.
Conforme é do conhecimento geral, sempre desempenhei muitas mais funções, alem das que fazem parte da categoria em que estou classificado, inclusive prestar apoio a alguns elementos de outras empresas do grupo, antes de existir departamento comercial local, desempenhava as funções de assistente, recolhia os contactos dos Clientes, preenchia um impresso que elaborei e remetia-o para Albarraque á atenção do Eng. Duarte Barros e Dª. Gracinda.
Sempre que solicitei qualquer acessório para melhorar o desempenho das minhas funções, recebi da m/ hierarquia satisfação negativa, até o simples pedido de uma cadeira me foi recusado, quando da distribuição para todos os outros trabalhadores administrativos, sendo necessário interceder junto da Medicina no trabalho, e este manifestar á Direcção a necessidade de tal utensílio.
Quando foi colocado no m/ posto de trabalho um computador, informei o Director de serviços que, adquirindo um Modem Fax, poderia receber os Faxes no computador e envia-los por e_mail ou imprimir no local de destino, as vantagens são a rapidez de entrega ao destinatário, economia de custos, pois minimiza o gasto de consumíveis do fax (unidade de impressão e toner) com um custo de cerca de 40.000$00 em cada 3.000 impressões, o custo do modem era de cerca de 10.000$00.
Como a empresa não reconheceu as vantagens, comprei e paguei um Modem que foi instalado no computador do m/ local de trabalho, tendo possibilitado as vantagens que V .Exªs conhecem, nomeadamente com a ausência de estafeta.
Comparando o meu desempenho com outras Unidades do Grupo, eu concentro o desempenho de funções, que em outras unidades estão distribuídas por diversos colaboradores com classificações acima da média, inclusive um quadro superior.
Domino quase na totalidade a Gestão da Central Telefónica, quando os outros Centros requisitam cada intervenção á Alcatel, como o simples desbloquear de um telefone pode custar 75 (setenta e cinco euros), em Albarraque esta gestão é feita pelo Eng. Pinto Correia, que utiliza a quase totalidade do s/ tempo a este serviço.
Viana a Telefonista em é uma funcionária classificada no grupo 8.
Direcção Embalagem Recepção de Fax é coordenada por funcionária classificada no grupo 6.
Tenho valorizado e colocado em primeiro plano a satisfação das necessidades da empresa, remetendo para segundo ou terceiro plano, a colaboração a assuntos particulares, desenvolvidos nas horas de expediente por alguns quadros da empresa, inclusivamente já constatei a utilização muito abusiva dos meios de comunicação da empresa, para passatempos no período laboral, efectuados por um quadro superior, para números com tarifa agravada.
Também tenho consciência que a m/ recusa em colaborar com estas situações, tem originado notas negativas, e levou inclusivamente á violação de privacidade do m/ posto de trabalho, concretizada em 1993, por V. Exa acompanhado pelo Sr. Neves de Almeida, foi lamentável que do mesmo modo não tenha recomendado a mesma violação á secretária do Sr. Arlindo, numa ultima Sexta Feira do mês, onde poderia encontrar, as eventuais contribuições provavelmente entregues pelos transportadores, para se manterem autorizados a prestar serviços á empresa.
É frequente ouvir comentários, que eventualmente, pode existir alguma falta de rigor financeiro por parte da Direcção, quando da eventual aquisição de alguns bens e serviços, nesta situação pode originar custos supérfluos de muitos milhares de contos sem necessidade aparente.
Concluo que a ausência das classificações merecidas, não se deve á dificuldade financeira da empresa, nem impedimento por parte da Administração, mas possivelmente ao esquecimento da minha existência no momento das classificações.
Em todos os anos comerciais existe um elevado numero de erros técnicos e profissionais, que originam reclamações dos clientes, denegrindo a imagem da empresa e causado avultados prejuízos, encomendas devolvidas transformadas em desperdício, com os respectivos encargos de transporte para entrega e devolução, tendo os autores de tais erros obtido promoções sucessivas, e considerados exemplares.
Pelo exposto venho requerer a V. Ex.a que se digne desenvolver os meios necessários e indispensáveis, para valorizar o meu desempenho, em igualdade circunstâncias, que foram valorizados os trabalhadores administrativos admitidos na mesma data que eu, Agosto de 1979, a reclassificação tem que Ter retroactivos a Janeiro de 2002.
Consciente de que V. Ex.a vai desenvolver os meios que tem disponíveis para satisfação do meu pedido, aguardo resposta com o máximo de brevidade possível, até 12/07/2002.
Cumprimentos
Manuel Augusto
08-Julho-2002
6- No dia 9 de Julho de 2002 o Autor, na qualidade de gerente da sociedade C..., remeteu ao mesmo director da Fábrica da Ré em Leiria, Eng.º Carlos Alberto Neto Fernandes, outra mensagem por correio electrónico, recebida também por este no mesmo dia, com o seguinte teor:
“Conforme é do conhecimento de V.Ex.a desde 1993 continuamos a aguardar que nos informe os motivos que levaram á suspensão dos serviços de transporte.
As informações que fornecemos a V. Ex.a eram claras e demonstravam a n/ preocupação de salvaguardar os interesses da empresa que V. Ex.a representa, sempre foi nossa intenção a satisfação das necessidade dos n/ clientes com um menor custo.
Ao sermos preteridos, V. Ex.a optou por aceitar oferta de concorrência, nomeadamente VOUGA NORTE, que em n/ entender apresentou soluções técnica e financeiramente muito mais desvantajosas.
Ex.
VIATURA COMP LARG ALT M3 DEBITA DIF
82 - 08 - AO 7,30 2,40 2,60 45,55 52,00 6,45
C - 46551 7,30 2,40 2,60 45,55 52,00 6,45
14,60 91,10 104,00 12,90

04 -12 – FF 7,50 2,40 2,60 46,80 52,00 5,20
C-54411 7,30 2,40 2,60 45,55 52,00 6,45
14,80 92,35 104,00 11,65

Verifica-se que em cada transporte este fornecedor debita mais 12.90 e 11.65 M3 que a carga efectiva do carro.
A solução que sempre apresentamos é a utilização de Semi Reboque conforme mapa abaixo.
VIATURA COMP LARG ALT M3 DEBITA DIF
13,60 2,40 2,60 84,86 78,00 -6,86
Facilmente se conclui as viaturas da sI preferência, no conjunto medem mais 1 mt e debitam a mais 26 m3.
Sempre prestámos serviços a essa empresa cumprindo minuciosamente todas as normas da B... que nos foram fornecidas, e as regras mais elementares do comércio, bem servir com a total honestidade, sinceridade e transparência, defendendo assim os interesses mais elementares dos nls clientes.
Cientes de que V. Exa vai reconsiderar o exposto, aguardamos que nos informe a data em poderemos retomar a prestação de serviços.
Na expectativa da s/ boa receptividade ao exposto, aguardamos os seus comentários, com a brevidade que lhe for possível.
Gratos pela atenção dispensada.
Subscrevemo-nos com elevada consideração e estima.
De V. Exas
Atentamente
C...
A Gerência
Manuel Augusto”.

7- Na sequência da informação de 09 de Julho de 2002, do director da Fábrica da Ré, em Leiria, e após inquérito preliminar, foi no dia 12 do mesmo mês e ano entregue ao Autor a seguinte
“NOTA DE CULPA
Mostram os autos que o trabalhador A..., trabalhador da fábrica de Leiria da B..., com a categoria de assistente administrativo, terá praticado no seu local e tempo de trabalho os seguintes factos:
1) Em 8 de Julho de 2002, sob a epígrafe de "reclamação de avaliações" dirigiu, por correio electrónico ao Engº Neto Fernandes, director da fábrica de Leiria, a comunicação cuja cópia se junta, e cujo conteúdo se considera reproduzido nesta nota de culpa, dela fazendo parte integrante.
2) De tal comunicação remeteu cópia aos membros da Direcção da Fábrica de Leiria Fernando Carvalho, Duarte Barros, Neves Almeida, bem como ao responsável do sector de pessoal Carlos Passadouro.
3) Em tal comunicação levanta insinuações sobre a seriedade e honestidade das Direcções que analisam os processos de promoções, acusando-as de "super valorizar alguns trabalhadores, ignorando outros",
4) Evidencia, na mesma comunicação, ter constatado a "utilização muito abusiva dos meios de comunicação da empresa, para passatempo no período laboral, efectuado por um quadro superior, para números com tarifa agravada".
5) Acusa o destinatário da comunicação Engº Neto Fernandes de, em 1993, ter, juntamente com o Sr. Neves Almeida, superior hierárquico do arguido, violado a privacidade do seu posto de trabalho, devido à recusa, por parte do arguido, em "colaborar com estas situações" (que seriam as soluções acima descritas nos pontos 3 e 4).
6) Lamenta que o mesmo destinatário não tenha, em 1993, actuado do mesmo modo relativamente ao Sr. Arlindo, ex-funcionário da empresa, então responsável pelos transportes, a quem claramente imputa actos desonestos, referindo que na secretária daquele, "poderia encontrar as eventuais contribuições provavelmente entregues pelos transportadores, para se manterem autorizados a prestar serviços à empresa".
7) Refere, na mesma comunicação, que "é frequente ouvir comentários que eventualmente pode existir alguma falta de rigor financeiro por parte da Direcção, aquando da eventual aquisição de alguns bens e serviços", o que "pode originar custos supérfluos de muitos milhares de contos sem necessidade aparente".
8) Regista, ainda, na mesma, que "em todos os anos comerciais existe um elevado número de erros técnicos e profissionais, que originam reclamações dos clientes, denegrindo a imagem da empresa e causando avultados prejuízos, encomendas devolvidas transformadas em desperdícios, com os respectivos encargos de transporte para entrega e devolução, tendo os autores de tais erros, obtido promoções sucessivas e considerados exemplares".
9) As imputações feitas pelo arguido na sua comunicação, e reproduzidas no nº 3 desta nota de culpa, não especificam aqueles sobre quem são levantadas, podendo-se, assim, entender aplicáveis a todos os responsáveis a quem eventualmente possa competir propor quaisquer promoções.
10) A imputação constante do nº 4, não identificando o alegado do autor da infracção, nem o tempo em que a mesma ocorreu, permite levantar suspeição sobre qualquer quadro superior da fábrica e mesmo sobre a inércia da Direcção em actuar relativamente a casos semelhantes, sendo certo que o arguido se referia à mesma situação ocorrida em Abril de 1999, em que a pedido do Sr. Monteiro Fernandes, extraiu listagens de conversações telefónicas delas resultando a informação de que por um quadro técnico, Engº Jorge Lavado, teria então sido feitas várias chamadas telefónicas para um número de custo acrescentado, denominado sorteio da Liga Milionária.
11) O arguido fez tal imputação genérica, desconhecendo qual a actuação da Direcção perante o caso referido em 10, sendo certo que esta foi prontamente sanada.
12) A imputação grave de desonestidade que lança sobre o Sr. Arlindo, ex-funcionário da empresa, evidencia, a serem verdadeiras tais imputações, que o arguido conhecia situações graves e irregulares passadas na empresa desde esse ano de 1993, nada tendo, até hoje, denunciado perante os seus superiores hierárquicos.
13) A mesma imputação, a ser falsa, constitui um comportamento caluniador e difamatório de um seu ex-colega, ao qual, até por estar já retirado da empresa, não são garantidos quaisquer direitos de defesa da sua honra e dignidade.
14) As acusações constantes dos nos. 2 e 7 desta nota de culpa, feriram na sua dignidade e consideração, não só o destinatário da carta, mas igualmente os directores a quem foi dirigida, pelo arguido, cópia da mesma.
15) A imputação directa ao destinatário pelo arguido dos factos aqui referidos sob o n° 5, feriu do mesmo modo, a dignidade e honra do Engº Neto Fernandes, que além do mais, sentiu esta comunicação como um inadmissível ultimato e forma de pressão por parte do arguido, para que o mesmo, como pelo arguido é referido "desenvolvesse os meios necessários e indispensáveis para valorizar o desempenho do arguido em igualdade de circunstâncias daqueles em que foram valorizados os trabalhadores administrativos admitidos na mesma data do arguido (Agosto de 1979)", aí reclamando ainda que a reclassificação pretendida deveria ter efeitos rectroactivos a Janeiro de 2002.
16) A comunicação do arguido confere, ainda, ao destinatário, prazo de resposta até 12/07/2002, o que constitui clara atitude de falta de consideração, atendendo a que o destinatário é director da fábrica, com categoria superior à do arguido.
17) Para além de trabalhador da empresa, é o arguido sócio-gerente de uma sociedade de transportes, denominada C..., a qual prestou até 1993 serviços na área dos transportes à empresa B....
18) Na qualidade de sócio-gerente da referida sociedade C..., o arguido dirigiu ao Engº Neto Fernandes em 09/07/2002, sob a epígrafe de "transportes" por correio electrónico, comunicação cuja cópia se junta, e cujo conteúdo se considera reproduzido nesta nota de culpa, dela fazendo parte integrante.
19) De tal comunicação consta o pedido de que a empresa esclareça por que razão foram suspensos, desde 1993, os serviços de transporte prestados por aquela empresa à B....
20) Na mesma comunicação é referida a circunstância de a C... se considerar preterida, sendo o destinatário, Engº Neto Fernandes, acusado de ter optado por soluções técnicas e financeiramente muito mais desvantajosas.
21) Com o objectivo de ilustrar tal circunstância, da comunicação constam exemplos, sendo concretizadas viaturas, respectivas medidas e débitos de cada viatura em termos de metros cúbicos.
22) As informações constantes daqueles exemplos, designadamente no que diz respeito ao débito de metros cúbicos, foram obtidas pelo arguido no interior da fábrica, pela análise de documentos, designadamente facturas, a que procedeu no seu local e tempo de trabalho, tendo, ainda, recolhido informação junto do seu colega Amilcar Filipe Coelho Correia, funcionário do sector dos aprovisionamentos.
23) Utilizou, assim, como gerente da empresa C..., informação que obteve na qualidade de funcionário da B....
24) Ao dirigir ambas as comunicações, nas invocadas qualidades e com esta coincidência temporal, ao Engº Neto Fernandes, pretendeu o arguido de forma clara, influenciar ou pelo menos pressionar o Engº Neto Fernandes na decisão que, porventura, lhe competisse tomar quanto à sua possível promoção.
25) Ao agir deste modo, o arguido, bem sabia que punha em causa a honra e dignidade das pessoas, quer através das imputações genéricas que feriram todos aqueles que pudessem preencher a qualidade ou categoria profissional postas em causa, nomeadamente directores e quadros superiores da empresa, quer directamente aqueles a quem dirigiu as suas acusações.
26) Ao utilizar enquanto sócio-gerente de uma sociedade fornecedora da sua entidade patronal, informações que obteve no exercício das suas funções de trabalhador da empresa, ou, pelo menos aproveitando-se dessa qualidade de trabalhador, o arguido violou o dever de lealdade e de sigilo que constituem deveres essenciais como trabalhador.
27) O arguido trabalha como telefonista na fábrica de Leiria, por ele passando grande parte dos contactos telefónicos e de telecópia, entre os serviços da fábrica de Leiria e o exterior, tendo acesso a inúmeras informações internas ao funcionamento da empresa.
Os factos apurados e acima descritos, constituem violação pelo arguido, dos deveres previstos nas alíneas f), g) e h) da cláusula 15ª do Acordo de Empresa, ferindo pela sua gravidade e reiteração de modo irreparável a relação de confiança que constitui um dos pilares em que deve assentar qualquer relação de trabalho, desse modo pondo em causa de forma grave, interesses patrimoniais sérios da empresa e tornando insustentável a manutenção do vínculo laboral e impossível, prática e imediatamente, a subsistência da relação de trabalho.
A gravidade dos comportamentos imputados ao arguido, que integram infracção disciplinar, nos termos do n° 1 do Acordo de Empresa aplicável, tornam adequada a aplicação da sanção prevista na alínea e) do n° 1 da cláusula 80ª daquele instrumento de regulamentação colectiva: Despedimento com justa causa.
Nos termos dos nºs 10 e 15 da cláusula 81ª do A.E. aplicável, fica V. Exa. notificado de que tem o prazo de 5 dias úteis para deduzir por escrito a sua defesa, devendo, nessa defesa, indicar as testemunhas e requerer as diligências probatórias que tiver por conveniente, não devendo as testemunhas exceder o número de dez, nem podendo ser indicadas mais do que três a cada facto.
Fica, ainda, o arguido notificado de que, nos termos do n° 13 da referida cláusula 81ª do A.E. aplicável, foi decidido suspendê-lo preventivamente sem perda de retribuição, devendo tal situação manter-se até à conclusão do processo disciplinar e nos termos e condições dos nºs 13 e 15 da cláusula 81ª do Acordo de Empresa.
Mais se informa que o processo disciplinar se encontra depositado no Sector de Pessoal da Unidade de Leiria onde, querendo, o poderá consultar”.
8- Decidiu ainda a Ré suspender preventivamente o Autor, o que lhe comunicou por carta entregue em mão em 12 de Julho de 2002.
9- O A não apresentou qualquer defesa no âmbito do processo disciplinar
10- A Comissão de Trabalhadores da Ré, emitiu parecer sobre o processo disciplinar
instaurado ao A em Setembro de 11/9/02
11- No dia 30 de Setembro de 2002, o Autor recebeu uma carta enviada pela Ré, datada do dia 27 do mesmo mês e ano, onde esta lhe transmite o seguinte:
“... Pela presente comunica-se a V. Exª que na sequência do processo disciplinar
que lhe foi instaurado, foi pelo Conselho de Administração decidido proceder ao
seu despedimento com justa causa, nos termos da decisão que se junta...” carta e
decisão cujas cópias se encontram a fls. 42 a 48 e 142 a 152
12- Em Setembro de 2002, o A auferia a remuneração base de € 738, 22
13- Com a imputação directa ao destinatário, aquele sentiu-se ferido na sua
dignidade
14- O A trabalhava como telefonista na fábrica de Leiria, por ele passando grande
parte dos contactos telefónicos e feitos através de telecópia, entre os serviços
da fábrica de Leiria e o exterior, tendo acesso a inúmeras informações internas
ao funcionamento da empresa.
Do Direito
Sabe-se que é pelas conclusões das alegações, que se delimita o âmbito da impugnação- artºs 684 n.º 3 e 690º nºs 1 e 3 ambos do CPC
Pelo que e no caso em análise as questões a dilucidar prendem- se:
- com a modificação da matéria de facto dada como assente na 1ª instância
- com existência de justa causa para o despedimento operado pela Ré.
- para a hipótese do despedimento ser considerado ilegal, quais as retribuições a que o A tem direito.
Vejamos então, começando naturalmente pelo primeiro item.
Como se sabe , com a admissibilidade de gravação da prova produzida em audiência, a possibilidade de modificação da fundamentação de facto, pela Relação aumentou de forma substancial, não se confinando aos estreitos parâmetros das hipóteses previstas no artº 712º do CPC.( cfr. artºs 522-B e 690º-A do CPC e artº 68 nº2 do CPT)
Porém tal não significa que o tribunal de recurso fique portador de poderes ilimitados neste domínio.
Na verdade – e como por diversas vezes se tem já escrito em acórdãos proferidos por esta Secção( cfr. p ex. o Rec. Apelação 1510/02)- a aludida admissibilidade não se traduz na realização de um novo julgamento da matéria de facto, ideia que mais se reforça quando é consabida a relutância da consagração um pleno 2º grau de jurisdição neste domínio, por razões que se prendem com o agravamento da morosidade na administração da justiça- cfr. neste sentido Helder Martins Leitão, in “ Dos Recursos em Processo Civil, 1997, pág.86-.”
Permitimo-nos sobre este aspecto remeter para o que se escreveu no Ac desta Relação, no Rec. de Apelação n.º 128/02.
Ali se disse.”...Importa ter em atenção que o princípio segundo o qual a Relação só em situações excepcionais pode alterar a matéria de facto, não é mais do que o corolário de um outro, que é base no nosso direito processual probatório- o princípio da prova livre( artº 655º do CPC). Segundo este princípio, o tribunal aprecia livremente as provas e responde de acordo com a convicção que tenha formado acerca de cada ponto da matéria de facto da base instrutória, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, pois neste caso não pode ser dispensada.
De harmonia com tal princípio que se contrapõe ao princípio da prova legal, as provas são apreciadas livremente, sem nenhuma escala de hierarquização, de acordo com a convicção que geram no espírito do julgador acerca da existência do facto.
E sendo assim, como é, a utilização da gravação dos depoimentos em audiência constitui um simples meio posto à disposição das partes para obter a reapreciação da prova. Tal reapreciação não se traduz, porém num novo julgamento; constitui apenas um remédio para os eventuais vícios de julgamento em 1ª instância.
A gravação dos depoimentos deixa assim incólume, o princípio da prova livre, não o restringe ou limita. Em nome desse princípio, sobrelevam as operações de carácter racional e psicológico, em que se baseia a convicção do julgador, o qual pode legitimamente, até porque beneficia da imediação da prova, desvalorizar a prova gravada.
Em suma, a reapreciação da prova, possibilitada pela utilização da gravação dos depoimentos, não afecta ou molda o princípio da livre apreciação da prova”.
E este implica, reafirma-se, que as provas sejam valoradas livremente pelo julgador ( quer sejam testemunhais, periciais, depoimentos de parte, etc.), sem que exista qualquer hierarquização entre elas ( A. Varela, Miguel Bezerra, S. Nora, Manual do Processo Civil 2ª ed. pág. 471).
Cremos que no mesmo sentido opina o Autor acima citado quando escreve na já sua referida obra, a págs. 87:” a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento.
Aliás e no mesmo sentido aponta o texto preambular do D.L. 39/95 de 15/2, onde expressamente se refere que “ a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência , visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados as matéria de facto que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.
Peticiona o A , como já se referiu, que se adite a facticidade que consta das alíneas E) e R) das suas doutas conclusões da impugnação que apresenta- a que correspondem as letras C) e L) da fundamentação de facto deste acórdão.
Contudo e por tudo o que se explanou , entendemos não ser de acolher , pelo menos totalmente a sua pretensão.
Na realidade, ao fundamentar a sua decisão sobre a factualidade controvertida, a Ex. ma Juíza do Tribunal recorrido explicitou os motivos porque considerou determinada matéria de facto e não outra.
A credibilidade que entendeu dar às testemunhas é pela própria natureza das coisas praticamente insindicável por este Tribunal de recurso, sendo certo que extremamente difícil se mostra ao julgador, na esmagadora maioria das vezes, conseguir explicitar de forma total, o motivo da “ não prova” de factos alegados pelas partes.
Trata-se de situações em que a convicção de quem julga e detém o poder da imediação, se revelam como factores decisivos nas respostas a dar.
Como é óbvio a censura desse convencimento e portanto da valoração dos depoimentos prestados , está como se disse , vedada à Relação, já que e desde logo lhe é subtraído o tal princípio da imediação.
Todavia e no caso concreto, não é difícil aceitar- se que os visados pela comunicação feita pelo A( enquanto trabalhador da empresa), se tenham sentido ofendidos na sua dignidade, já que de certa forma foi posta em causa a sua isenção, nomeadamente no que às promoções se refere.
E é das regras da experiência comum, que o ser humano de mediana sensibilidade e honradez de porte, se sente ferido quando esta exactamente é posta em causa, ainda que em grau de diminuto relevo jurídico, que pode muito pouco( ou mesmo nada) ter a ver com a importância subjectiva que o “ ofendido” dá à “ injúria “ recebida.
Por isso se deverá considerar para a análise da problemática relativa á licitude do despedimento operado, que ficou provado também o seguinte facto:
“Com o teor da comunicação dirigida pelo Recorrido ao director da fábrica em 8/7/02 e enviada com conhecimento aos directores Fernando Carvalho, Duarte Barros e Neves Almeida, sentiram-se ofendidos na sua honra e dignidade, quer o seu destinatário, quer aqueles a quem foi dado conhecimento da comunicação”
Mas pelos motivos já acima explanados a possibilidade da restante correcção( ou aditamento) pretendido pela Ré, já não está ao alcance deste Tribunal.
Pelo que neste ponto a sua pretensão, não pode ser acolhida.
Resta pois analisar se perante a facticidade que se tem que ter em conta, se deve concluir pela existência de justa causa para a rescisão contratual, que a Ré unilateralmente levou a cabo.
Sobre este ponto entendemos ser útil tecer previamente algumas considerações.
É indubitável que entidade patronal tem poder disciplinar sobre os trabalhadores que se encontrem ao seu serviço pois tal está plasmado no art.º 26º n.º 1 da LCT.
O poder de que aqui se fala traduz-se na faculdade de a entidade patronal aplicar sanções de carácter correctivo ou até expulsivo ao trabalhador e tem por finalidade adequar a conduta deste, no fundo aos interesses do serviço para que foi contratado, de molde a que a empresa enquanto corpo organizado, se possa defender de actuações susceptíveis de a afectar- cfr. A Neto Contrato de Trabalho- Notas Práticas, ed.15ª págs. 191-.
Por outro lado inquestionável é igualmente que da celebração do contrato de trabalho resultam- para além de direitos- deveres para o trabalhador entre os quais o de respeitar e tratar com urbanidade os seus superiores hierárquicos- cfr. art.º 20º a) do D.L. 49.408 de 24/11/69-LCT-.
Acresce que o art.º 9º do D.L. 64-A/89 de 27/2, no seu n.º 1 estabelece que o comportamento culposo do trabalhador que pela sua gravidade e consequência torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho constitui justa causa de despedimento, acrescentando o seu n.º 2 que designadamente são justa causa de despedimento:

Foram estas aliás, as infracções imputadas pela ora apelante, à A na nota de culpa que culminou o processo disciplinar instaurado contra a recorrida.
E como é consabido a nota de culpa corresponde no processo disciplinar à acusação em processo penal, daqui resultando que, “nem a entidade patronal poderá proceder ao despedimento do trabalhador com base em comportamentos que não constem da nota de culpa, nem o tribunal poderá estender a sua apreciação para além do que dela consta”- cfr. A Neto, Contrato de Trabalho, Notas Práticas, 15ª ed. pág. 838-.
Deve ainda atentar-se em que o ónus de alegação e prova da factualidade constante da dita “ nota de culpa” em processo visando a declaração da ilegalidade do despedimento compete entidade patronal( art.º 342º n.º 2 do CCv).
Determina, por seu turno, o artigo 12º n.º 5 da mencionada LCCT que «para apreciação da justa causa deve o tribunal atender, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes».
A obrigatoriedade da existência de justa causa, para tornar lícito um despedimento, resulta do princípio constitucional estabelecido no art.º 53 da CRP, onde exactamente se refere que são proibidos os despedimentos sem justa causa.
Temos assim que os elementos constitutivos de justa causa são:
1- a existência de um comportamento culposo assumido pelo trabalhador;
2- que esse comportamento seja grave em si mesmo e nas suas consequências
3- que em face da gravidade de tal comportamento a subsistência da relação laboral se torne impossível.
A gravidade do comportamento do trabalhador, por outro lado deve ser aferida objectivamente, isto é deve ser considerada como um conceito objectivo- normativo, o que vale dizer que a valoração de tal comportamento deve ser feita segundo o critério do empregador razoável, tendo em conta a natureza das relações laborais caracterizadas por uma certa conflitualidade, as circunstâncias do caso concreto e os interesses em presença- cfr. neste sentido p. ex. Jorge Leite, Barros Moura e Menezes Cordeiro, citados por A Neto in Contrato de Trabalho, Notas Práticas, 15ª ed. págs. 751.
Há ainda que referir sobre este ponto que assumindo naturalmente o despedimento um carácter de medida sancionatória aplicada pela entidade patronal de uma certa conduta, ele só será de determinar, em último caso, se se não verificar a adequação de outra medida ( disciplinar) para o comportamento em causa, se por outras palavras o comportamento do trabalhador pela sua gravidade objectiva e pela imputação subjectiva torne impossível a subsistência das relações que o contrato supõe- C.J. 1979, 2, 663-.
Aliás é a própria lei, quem efectua uma “ graduação”, digamos assim, das sanções aplicáveis, no art.º 27 do D.L. 49.408
Exige-se ainda que e como corolário do que por último se disse que na aplicação de qualquer medida disciplinar por parte da entidade patronal, seja observado o princípio da proporcionalidade, que é comum a todo e qualquer direito punitivo, princípio este que, implica uma dupla apreciação: a determinação da gravidade da falta e a graduação das sanções. Aquela resultará da apreciação do facto delituoso em si, das circunstâncias em que ocorreu a sua prática, das suas consequências, da culpabilidade e dos antecedentes disciplinares do arguido. Esta justifica-se na medida em que apenas se deverá aplicar uma sanção mais grave quando sanção de gravidade menor não for suficiente para defender a disciplina dentro da empresa”- Pedro Sousa Macedo “Poder Disciplinar Patronal” págs. 55/ 56.
Aliás este princípio da proporcionalidade está expresso no n.º 2 do art.º 27 citado, ao mencionar que a sanção disciplinar deve ser proporcionada à gravidade da infracção e à culpa do infractor.
Ora vertendo todas estas noções para o caso concreto, cremos- sempre ressalvando o devido respeito por entendimento diverso- que outra não poderia ser a decisão judicial se não aquela que foi proferida pelo Tribunal recorrido( consideração do despedimento como ilícito).
Na realidade em nosso modesto entender, a sanção aplicada está em absoluto desproporcionado à gravidade da conduta do A
Efectivamente e como se viu, em síntese a Ré imputa ao ora recorrido condutas, que ofendem o dever de lealdade por um lado( cfr. citado artº 20º nº 1 d) e o de respeito para com os seus superiores hierárquicos.
Ora e no que concerne ao primeiro ponto, não logrou a recorrente provar a factualidade conducente á conclusão da existência da ofensa de tal dever.
E, como se referiu era a ela , quem incumbia tal ónus(artº 342º nº 2 citado).
Já cremos ser indubitável que o A ao enviar a mensagem já referida,, violou o dever de respeito que é devido aos seus superiores hierárquicos.
Na realidade – e sem a mínima demonstração do que alega- imputa-lhes( ou melhor dito insinua) que estes não são isentos no tratamento da problemática das promoções relativamente a ele A
E até neste ponto, ao afirmar que “ nunca foi promovido” está a faltar á verdade.
E é compreensível que os membros da direcção da Ré, atingidos por tais afirmações, se sintam ofendidos.
Contudo o simples facto de não se considerar alguém isento, somente num determinado ponto( a tal não promoção do A), insinuando até a existência de dois pesos e duas medidas, embora integre um comportamento censurável( pois que em princípio não é legítimo pôr -se em causa sem fundamento a honestidade de alguém) não assume um carácter insultuoso, ou injurioso e muito menos de profunda gravidade.
Pode até configurar uma simples crítica ainda que ilegítima porque não fundamentada.
Diversa seria a situação se o A afirmasse ou insinuasse que essa falta de isenção, derivava do favorecimento de favores prestados por outrem.
Aí a situação apresentava-se bem mais gravosa.
Não sendo assim como o não é, ficamos perante uma conduta ilegal do A, que tem potencialidades para ofender a honradez dos directores da fábrica, mas que( e demais a mais tomada numa situação de indignação do recorrido- ainda que porventura sem razão- ), não “ exige “ a aplicação da sanção mais gravosa de todo a panóplia de medidas disciplinares que a patronal tem ao seu alcance( cfr. artº 27º da LCT).
Efectivamente o facto de um trabalhador afirmar( ou insinuar como se quiser) que relativamente a ele, os seus superiores hierárquicos não estão a ser isentos na apreciação do seu trabalho, favorecendo outros, pode criar- e cria naturalmente algum mau estar, mas que de forma alguma, tem potencialidades a nosso ver para, na óptica do tal “empregador razoável” e dentro do quadro da tal certa conflitualidade que na vida prática, caracterizam as relações laborais, tornar impossível a manutenção do contrato de trabalho.
Note-se aliás que a escrita da missiva em si, não está feita em termos flagrantemente desrespeitosos( e muito menos injuriosos) e que relativamente à sua empregadora o A, não aponta a mínima crítica, antes a elogia.
Depois não se pode olvidar o facto de que o A tem mais de 23 anos “ de casa”, não tendo sido alvo até então de qualquer medida disciplinar( ou pelo menos nada a Ré alegou sobre tal aspecto).
Em suma: se é admissível a consideração da legalidade da aplicação de uma medida disciplinar ao A, o seu o despedimento, como já se referiu- e concordando-se neste ponto inteiramente com o decidido na 1º instância- mostra-se eivado de ilicitude, porque ofensivo do princípio da proporcionalidade e adequação que enforma qualquer direito sancionatório.
Nesta parte portanto , não é de sufragar a tese da recorrente.
Finalmente insurge-se ela quanto á condenação de que foi alvo e relativamente ás retribuições a pagar ao A
Nesta parte, inquestionavelmente assiste razão á recorrente.
Na realidade e nos termos do artº 13º nºs 1 e 2 do D.L 64-A/89 em caso de despedimento ilícito, tem o trabalhador direito a perceber o valor de todas as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento, mas descontando-se o montante daquelas relativas ao período decorrido entre o despedimento 30 dias antes da propositura da acção.
No caso em apreço, o despedimento ocorreu em 30/9/02, sendo que a presente acção deu entrada em juízo em 22/9/03.
Logo as aludidas retribuições somente são devidas desde 22/8/03.
Pelo que e concluindo, na parcial procedência da apelação, condena-se a Ré a pagar ao A,
as retribuições mensais devidas desde 22/8/03 até á data da sentença( conforme o peticionado), com base no montante de € 738, 22( remuneração base/mês percebida pelo recorrido):
os subsídios de férias e de natal( e respectivos proporcionais) devidos desde a aludida data de 22/8/03 e até á data da sentença, calculados com base na mencionada remuneração de € 738, 22, mantendo-se no restante o decidido na 1º instância
Custas por A e Ré na proporção do vencimento