Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1145/06.9TAACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE RAPOSO
Descritores: PRINCIPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
REEXAME DA MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 02/11/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 127.º E 428.º DO C.P.P..
Sumário: I. - O artigo 127.º do C.P.P. ao consagrar o princípio da livre apreciação da prova elege como ideia rectora que o julgador não se encontra sujeito às regras rígidas da prova tarifada, o que não poderá significar que a actividade de valoração da prova seja arbitrária, mas antes vinculada à busca da verdade e limitada pelas regras da experiência comum e por restrições legais. Tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, que terá e deverá, no entanto, ser possível e capaz de encontrar fundamento no, adrede, razoar lógico e racional.
II. – A tarefa de apreciação da prova, ainda que vinculada ao principio de apreciação da prova, configura-se, contudo, de diferente graduação e intensidade entre a 1.ª instância e o tribunal de recurso, dado o beneficio que aquela dispõe da imediação e da oralidade e por estar, este, limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos, não podendo, de acordo com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-07-2007 (processo 07P2304, em www.dgsi.pt) “o reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso (…) constitui[r], salvo os casos de renovação da prova (art. 430.º do CPP), uma nova ou suplementar audiência, de e para produção e apreciação de prova, sendo antes uma actividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento – art. 412.º, n.º 2, als. a) e b), do CPP.
Decisão Texto Integral: Acordam – em conferência – na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO
O arguido …, filho de … e de …, natural da freguesia de A…, concelho de Alcobaça, casado, residente na Estrada do F…, Rua … S. Martinho do Porto, foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de desobediência, p. e p. pelas disposições conjugadas previstas nos artigos 14.º, nº1, 26.º, e 348.º, nº1, al. b), do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à razão diária de 30 € (trinta euros), o que perfaz o montante global de 2.100 € (dois mil e cem euros).
Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
Os factos dados como provados nos presentes autos foram-no ao arrepio da prova produzida e gravada em audiência de julgamento;
Existiu um erro na apreciação da prova carreada para os autos, tanto em sede de inquérito, de instrução, como em sede audiência de discussão e julgamento, pelo que o presente recurso versa sobre a matéria de facto;
Dado ter existido o erro supra referido, o enquadramento jurídico daí advindo, na aplicação da pena, não tem qualquer sentido, até porque como a seguir demonstraremos, todas as provas existentes levam à absolvição do arguido;
Baseou, a Meritíssima Juiz, a sentença e a sua convicção apenas nos depoimentos das testemunhas de acusação, … e …, tendo interpretado toda a prova documental constante dos autos de forma errónea e ignorado o depoimento das testemunhas de defesa;
As transcrições que se seguem são obtidas através da audição de uma cópia da gravação em da audiência de julgamento, efectuada pelo Tribunal "a quo", constante de um CDR Imation, 1x52S, de 80 minutos, reproduzidos pelo arguido, num leitor de CDR;
Os depoimentos das testemunhas de acusação e das testemunhas de defesa porque contraditórios em factos essenciais, aliados à incorrecta apreciação da prova documental deveriam conduzir a uma decisão absolutória, mais que não seja pela dúvida que se levanta, face às contradições verificadas nos relatos dos acontecimentos e dos documentos e os factos provados da sentença.
Não tem qualquer fundamento o alegado pela Meritíssima Juiz, quando qualifica e considera o depoimento da testemunha A..., constante da faixa n.º 112411, como não isento e parcial;
O facto de a testemunha trabalhar para o filho do arguido, só por si não pode ser considerado um facto determinante para a falta de isenção do depoimento da testemunha, sendo que nenhum outro ficou provado, que determinasse assim a qualificação do seu depoimento;
Ficou provado, conforme depoimento constante da faixa n.º 113149, que a testemunha … conhece o arguido apenas por a empresa de que é sócio manter com aquele uma relação de arrendatário/senhorio, tendo esta testemunha declarado ter interesse neste processo por ter aquela qualidade;
Mas, apesar do interesse declarado, tal não determina, necessariamente, falta de isenção do seu testemunho, uma vez que, o que a testemunha declarou é coincidente com o que foi declarado pelas outras testemunhas do arguido, nomeadamente no que respeita à propriedade da obra, visita dos fiscais do PNSAC;
No que respeita à testemunha de …, conforme consta da faixa n.º 114923, ficou demonstrado que esta não tem qualquer relação pessoal com o arguido, apenas teve relações comerciais acerca de 12 anos;
As declarações da testemunha, I..., não podem determinar parcialidade e falta de sinceridade do seu testemunho, uma vez que apenas se mostraram contraditórios os factos que relativos à elaboração do auto de embargo, a sua apresentação ao arguido e leitura dos autos na presença do arguido e que a obra se encontrava embargada, por qualquer dos fiscais. Declarações que a testemunha manteve, mesmo, em sede de acareação, que se encontra gravada na faixa n.º 120536.
Não se mostra minimamente fundamentada a parcialidade, falta de sinceridade e isenção das testemunhas de defesa, pelo que a validade do seu depoimento não pode ser posta em causa, e devem os mesmos ser valorados em sede de prova.
E não pode a Meritíssima Juiz alegar parcialidade, falta de isenção e sinceridade, apenas porque são testemunhas de defesa.
Pelo que deveriam ter sido dado como provados os factos constantes dos factos não provados nas alíneas a) e b).
Quanto ao facto de a obra estar a ser construída a cargo da empresa …, Lda., diga-se que as testemunhas de defesa e o arguido, constantes das faixas n.ºs 113149, 114923 e 102230, respectivamente, foram unânimes quanto a este aspecto, daí que este facto deveria, também, ter sido considerado como provado
A Meritíssima Juiz ao apenas considerar os depoimentos das testemunhas de acusação, para fundamentar os factos considerados provados sob os n.ºs 1, 4 e 5, violou o principio de "in dubio pró réu", uma vez que é notório que foi levantada uma dúvida razoável no que se refere á comunicação pessoal do embargo ao arguido, já que a prova em contrário é abundante, como se deixou exposto.
O arguido e a testemunha …, conforme faixas n.ºs 112411 e 102330 confirmam que foi recepcionada uma carta do PNSAC, mas que não continha qualquer auto de embargo;
As testemunhas de acusação, conforme faixas n.ºs 104517 e 111248, não procederam ao envio dos autos de embargo e de contra-ordenação pelo correio, pelo que não poderão afirmar que as cartas de notificação incluíam os autos, pelo que a conclusão retirada pela Meritíssima Juiz infere que porque a testemunha A… explicou que a carta de fls. 105 e 106, é referente à contra-ordenação a carta de notificação do auto de embargo de fls. 10 e 11, foi regularmente enviada;
A Meritíssima Juiz concluiu sem que tenha apurado quaisquer factos que fundamentam a sua posição, pelo que esta não pode proceder.
Nenhuma testemunha afirmou que a carta do PNSAC, continha o auto de embargo.
A testemunha …, conforme faixa n.º 112411, que abriu a carta remetida pelo PNSAC, afirma, e pode-se dizer, sem qualquer dúvida, que a carta recebida, não continha qualquer auto de embargo. O mesmo é reafirmado pelo arguido, na faixa n.º 102230, a quem a carta foi entregue, pela Testemunha D…..
Além da prova testemunhal produzida, constam nos autos documentos que sustentam estes factos. Veja-se os requerimentos dirigidos pelo arguido, claro, subscritos pela sua mandatária, mas em sua representação e em seu nome, pelo que os documentos de fls. 182, a 184, porque foram corroborados pelas testemunhas apresentadas deveriam ter sido tidos em conta.
Mas, mesmo que se considerasse o arguido regularmente notificado, também não existiu qualquer desobediência, uma vez que a obra foi concluída em finais de Junho, inícios de Julho, tenda a carta sido recebida em 17/07/2006, conforme declarações das testemunhas de defesa, constantes das faixas n.ºs 113149 e 114923, sendo que não foi produzida prova em contrário, devendo o facto não provado constante da alínea c) dos factos não provados ser considerado provado.
Face a tudo que ficou exposto verifica-se que não deveriam ter sido dados como provados os factos constantes dos n.º 1, 4, 5, 6, 7, 8, 10 e 11.
E deveriam ter sido considerados provados os factos constantes das alíneas a), b), c), e) dos factos não provados.
Estamos perante um erro notório na apreciação da prova.
No dia 19/06/2006, o arguido nenhum crime de desobediência cometeu, uma vez que não existiu qualquer ordem, legitimamente comunicada.
No dia 17/07/2006, data em que recebeu uma carta registada com aviso de recepção, que continha uma carta e 2 fotocópias com 2 fotografias cada, também não pode o arguido considerar-se notificado, uma vez que a referida comunicação não continha o auto de embargo, que até hoje não lhe foi comunicado, devendo a notificação considerar-se irregular, não produzindo efeitos;
Mas, mesmo que assim se não entenda, o que não se presume, sempre se dirá que as obras estão concluídas desde, pelo menos, 17/07/2006.
Mas, se ainda assim se não entender deve o arguido ser absolvido uma vez que não era ele o dono da obra, esta era responsabilidade e propriedade da empresa …, Lda.
Não estão assim reunidos os elementos constitutivos do crime de desobediência: não se verificou a existência de uma ordem por parte dos funcionários do PNSAC, (que tinha autoridade) regularmente comunicada, nem ficou provada a advertência expressa de que se continuasse a obra incorria na prática de um crime de desobediência.
Pelo que deve ser absolvido do crime em que foi condenado;
Foram violados os artigos 410° n.º 2, alínea c) e o artigo 348° do CPP.
Pelo que revogando a douta sentença e decretando a ABSOLVIÇÃO do arguido, V.EXCIAS. FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.
Admitido o recurso, respondeu o Ministério Público, pugnando pela improcedência do recurso, sintetizando a sua posição com as seguintes conclusões:
1ª – Vem o presente recurso interposto pelo arguido … da douta Sentença de fls. 215 a 227 que o condenou pela prática, em autoria material, de 1 (um) crime de desobediência, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 14°, n° 1,26° e 348°, nº 1, al. h), do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à razão diária de 30,00 € (trinta Euros).
2ª – O julgamento da matéria de facto produzida cm audiência, tem o seu principal assento no princípio da imediação da prova, pelo que o recurso apresentado pelo recorrente, trazendo aos Autos transcrições parcelares, seccionadas, até genéricas relativamente aos depoimentos prestados em Audiência, não pode, face à demais prova carreada e entretanto recolhida para os Autos, ser apreciado separadamente desta demais prova;
3ª – Da análise e audição da transcrição da prova produzida em julgamento, nada resulta que justifique a formulação de um juízo valorativo diferente do assumido pelo tribunal a quo, designadamente no que tange aos pontos considerados incorrectamente julgados pelo recorrente:
4ª – Pelo que, perante o funcionamento daqueles princípios da imediação e da oralidade e não resultando do texto da decisão recorrida nenhum dos vícios a que alude o artigo 410°, n° 2, do Código de Processo Penal, ver-se-á esse Venerando impossibilidade de criticar a convicção firmada na decisão recorrida, pelo que deverá ser mantida.
Em consequência, deverá o presente recurso ser julgado improcedente, devendo ser integralmente mantida a douta Sentença a quo,
Contudo, VªS. Exªs decidirão conforme for de LEI e JUSTIÇA.
Nesta instância, o Ex.mº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer de concordância com a posição assumida pelo Ministério Público na sua resposta.
Foram observadas as formalidades legais, nada obstando à apreciação do mérito do recurso (arts. 417º nº 9, 418º e 419º, nºs. 1, 2 e 3, al. c) do Código de Processo Penal na versão introduzida pela Lei 48/07 de 29.8).
II – FUNDAMENTAÇÃO
As relações reconhecem de facto e de direito, (art. 428º do Código de Processo Penal), e no caso foi interposto recurso sobre a matéria de facto.
É jurisprudência constante e pacífica (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação[i] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Ac do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série-A, de 28.12.95).
Sintetizando, são as seguintes as questões a decidir:
Deveriam ter sido julgados não provados os factos constantes dos n.º 1, 4, 5, 6, 7, 8, 10 e 11 e deveriam ter sido considerados provados os factos constantes das alíneas a), b), c), e) dos factos não provados.
Erro notório na apreciação da prova.
Na decisão sob recurso é a seguinte a matéria fáctica provada e não provada e subsequente motivação:
II.1. Factos provados
Discutida a causa e com relevância para a sua decisão, resultou provada a seguinte matéria de facto:
Do despacho de pronúncia:
No dia 19 de Junho de 2006, cerca das 12.00 horas, um funcionário do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros procedeu ao embargo dos trabalhos de construção de um pórtico metálico que o arguido levava a efeito no local da Estrada Nacional nº1, Km 100, Casais de … .
Tal embargo ocorreu porque o arguido não tinha obtido o parecer prévio favorável do Parque Nacional das Serras de Aire e Candeeiros, exigido pelo artigo 6.º, nº1, alínea a), do D.L. nº118/79, de 4 de Maio, para poder efectuar aquela construção.
No momento do acto do embargo, os trabalhos encontravam-se com obras de alvenaria, tendo a obra lintéis concluídos para colocação das vigas em ferro, estando já colocadas 13 vigas, com cerca de 7,50 metros de altura cada uma.
O embargo dos trabalhos e a ordem de suspensão dos mesmos foram logo comunicados ao arguido na data indicada em 1).
Tendo o mesmo arguido sido avisado, na data indicada em 1), de que não podia continuar a dita obra, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º do Código Penal.
O arguido, no acto do embargo mencionado em 1), recusou-se a assinar o respectivo auto.
Porém, no dia 17 de Julho de 2006, veio o arguido a ser notificado daquele embargo, através de carta registada com aviso de recepção.
Apesar do embargo, o arguido continuou a efectuar a referida obra, colocando-lhe, nomeadamente, a cobertura metálica.
O que foi verificado pelos Fiscais do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, no dia 15 de Setembro de 2006, pelas 12.00 horas.
Ao proceder da forma supra descrita, o arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que estava a desobedecer a ordem que devia acatar e com conhecimento de que tal ordem era legítima, lhe tinha sido regularmente comunicada e que emanava de autoridade competente, com a intenção de não acatar o comando emitido pelo Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros e de inviabilizar a finalidade daquele embargo.
O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Da contestação:
No dia indicado em 1), quando o arguido estava a falar com os Fiscais, estavam presentes outras pessoas, sendo que até outras falaram com aqueles.
O arguido não assinou o auto referido em 6).
Mais se provou que:
Actualmente, o arguido dedica-se à criação de animais e o filho dá-lhe a quantia de cerca de 5.000 € por mês, em virtude de o arguido ter colocado pavilhões de que era proprietário em nome do mesmo filho.
O arguido é divorciado e reside maritalmente com uma senhora, há 3 anos, a qual não trabalha.
O arguido frequentou o ensino até à 4ª classe de escolaridade.
Do certificado do registo criminal do arguido nada consta.
II.2. Factos não provados
Não se provaram outros factos com interesse para a justa decisão da causa, designadamente que:
No dia 19 de Junho de 2006, pelas 12.00 horas, o arguido não foi notificado pelos funcionários do PNSAC para parar quaisquer obras ou trabalhos e de que, em caso de incumprimento ou desrespeito dessa ordem, incorria na prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º do Código Penal.
O arguido actuou como descrito em 13) porque ninguém lhe solicitou a assinatura do auto, não lhe tendo sido dirigida qualquer ordem pelos funcionários do PNSAC.
Desde o dia 13 de Julho de 2005, não são efectuados quaisquer trabalhos no local e, desde o início do mês de Junho, encontra-se aí a laborar a empresa …, Lda., sendo que, a partir dessa data, apenas se realizaram obras de acabamentos finais.
Desde o dia 1 de Junho, a empresa …, Lda. encontra-se a laborar e em pleno nas instalações, desde o dia 13 de Julho, data da conclusão total das obras.
A empresa … , Lda. não efectuou quaisquer obras depois de receber a carta de notificação do embargo.
O arguido é trabalhador estimado no local onde reside e é bem visto pelo que tem feito no local onde reside.
Outros factos, constantes do despacho de pronúncia e da contestação, que não se encontrem descritos entre os provados ou estejam em contradição com estes, sendo o demais alegado matéria irrelevante, conclusiva ou de Direito.
II.3. Motivação de facto
O Tribunal formou a sua convicção com base na apreciação crítica do conjunto das provas examinadas e/ou produzidas em audiência de julgamento.
O acto do embargo da obra encontra-se documentado a fls. 8.
Porém, o arguido negou que os Srs. Fiscais o tenham informado de que não podia prosseguir a obra ou que os mesmos lhe deram ordem para suspender os trabalhos em curso, referindo que aqueles estiveram no local da obra, mas não embargaram a obra. Afirmou, ainda, que a obra em apreço já estava concluída em Julho de 2006.
Ora, a versão do arguido, pese embora ter sido corroborada pelas testemunhas … e …, resultou plenamente infirmada pelo depoimento das testemunhas … e … no que concerne ao procedimento por estas adoptado enquanto agentes de fiscalização e ao que observaram in loco, em virtude de as mesmas terem prestado declarações de modo circunstanciado e isento, revelando ter conhecimento pessoal dos factos.
Com efeito, as testemunhas … e … revelaram ter-se deslocado à obra do arguido, na data, hora e local julgados provados, e descreveram o estado da obra, por referência a lintéis com betão armado e vigas e reportando-se às fotografias de fls. 107 e 108, assim se julgando provados os factos constantes do nº3.
As testemunhas … e … afirmaram, com toda a segurança, que o auto de embargo de fls. 8 foi elaborado pela primeira testemunha (o que está corroborado pelo próprio teor do auto de fls. 8, do qual consta a respectiva assinatura no lugar destinado ao “Funcionário”) no local e que o mesmo foi lido, em voz alta, ao arguido, tendo-lhe sido comunicado expressamente que, se continuasse a obra, cometeria o crime de desobediência. Referiram, ainda, que o arguido recusou-se a assinar o auto, tendo o próprio arguido declarado que não o assinou. Por esta via, o tribunal deu como provados os factos vertidos sob os nºs 1, 4 a 6, 10, 11 e 13.
Estas duas testemunhas referiram que, no acto da leitura do acto de embargo, apenas estavam presentes, em termos de poder ouvir o que estava a ser dito, as próprias testemunhas e o arguido, referindo que … – que identificaram como sendo o empreiteiro da obra – estava efectivamente no local da obra, mas não estava a assistir a tal acto. Consequentemente, pela isenção daquelas duas testemunhas, o depoimento da testemunha … também não se mostrou sincero, ao afirmar e manter, em sede acareação, que em Junho, ninguém havia elaborado qualquer auto de embargo nem lido nada. Por não se atribuir credibilidade a esta testemunha (I...), a mesma também não convenceu o tribunal de que a obra esta a ser desenvolvida a cargo da “…”, pese embora ter afirmado que as facturas e os cheques correspondentes aos trabalhos que ali desenvolveu foram passados em nome dessa empresa. Com base nos mesmos elementos probatórios, deu-se como provado o facto descrito sob o nº12, o qual não significa que tais pessoas tivessem presenciado a elaboração e a leitura do auto.
As testemunhas … e … declararam que voltaram a deslocar-se ao local da obra, cerca de dois ou três meses depois, tendo então observado que já tinha sido colocada a cobertura, reconhecendo, ainda, o estado da obra nesse momento como sendo o retratado a fls. 13, que acompanhava a nota de campo de fls. 12. Por conseguinte, julgou-se provado o estado da obra descrito sob o nº8, mediante a verificação documentada a fls. 12-13, por referência à data da nota de campo (15.09.2006), que se encontra assinada por ambas as testemunhas, assim se dando também como provado o facto vertido sob o nº9.
O arguido referiu que não recebeu a carta datada de 12.07.2006, notificando-o do embargo e respectivo auto, constante de fls. 9, afirmando que só recebeu a comunicação do processo de contra-ordenação de fls. 105 a 108.
Ora, a testemunha … explicou que a carta de fls. 105-106 foi enviada na sequência do levantamento do auto de notícia de fls. 205 e que os comprovativos do envio do auto de embargo por correio registado e da sua recepção pelo arguido são os que constam dos autos a fls. 10 e 11, de onde se infere que o arguido foi notificado do auto de embargo de fls. 8 em 17.07.2006, data constante do aviso de recepção de fls. 11. Destarte, deu-se como provado o facto constante do nº7 da factualidade provada.
A testemunha …declarou ter sido funcionária administrativa do arguido até 2005, afirmando que recebeu a carta de fls. 105-106, acompanhada das fotografias de fls. 107-108, quando já era funcionária da “…”, empresa que labora nas mesmas instalações em que antes trabalhava o arguido e que era explorada pelo filho deste. Admitiu ter assinado o aviso de recepção de fls. 11, mas negou ter recebido a carta de fls. 9.
Ora, esta testemunha não mereceu credibilidade, pois não se mostrou isenta no seu depoimento, antes denotando parcialidade no seu testemunho, devido ao facto de, actualmente, ser funcionária do filho do arguido, numa empresa que labora exactamente nas mesmas instalações onde o arguido então desenvolvia a sua actividade.
Por outro lado, os documentos de fls. 182-183 e 184 são requerimentos elaborados pela Ilustre Mandatária do arguido, que não sustentam, de modo cabal, a sua tese quanto ao não recebimento da carta de notificação do auto de embargo.
O arguido referiu, ainda, que, em 19.06.2006, já se tinha diligenciado pela obtenção da autorização para a obra, junto da Câmara Municipal e do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, e que tinham dito à testemunha … que aprovariam a obra. O seu depoimento foi corroborado pela testemunha …. No entanto, esta testemunha adoptou um comportamento parcial em todo o seu depoimento, afigurando-se pouco convincente, pela atitude “rígida” que exteriorizou, ao procurar não sair do estritamente conveniente ao arguido e mostrando clara contradição com o que afirmara em sede de inquérito, acerca de umas fotografias que lhe foram exibidas pelo arguido, com o que foi confrontado nos termos do artigo 356.º, nº5, do CPP, com referência ao nº2, al. b), do mesmo artigo.
Acresce que a existência de informação favorável ao início das obras, alegadamente prestada pelas autoridades competentes, foi inequivocamente contrariada pelas testemunhas … e …, as quais evidenciaram terem conhecimento de que o arguido já fizera, em data anterior à do embargo, um pedido para a realização da obra e que o mesmo não lhe tinha sido deferido, assim se dando como provado o facto vertido sob o nº2.
O arguido mostrou-se, todavia, credível quanto à sua actual situação pessoal e económica, pelo que, nesta parte, as suas declarações foram positivamente valoradas, assim se dando como provados os factos descritos sob os nºs 14 a 16.
No que respeita à ausência de antecedentes criminais, o Tribunal baseou-se exclusivamente no certificado do registo criminal do arguido, a fls. 178.
Quanto aos demais factos dados como não provados, os mesmos foram assim julgados por não se ter produzido, quanto a eles, qualquer meio de prova (facto não provado sob a al. f)) ou meio de prova cabal (quanto aos factos não provados sob as als. a) e b)), aqui se invocando o que acima foi dito quanto à formação da convicção quanto à factualidade provada em sentido contrário.
O arguido demitiu-se da sua responsabilidade pela obra, referindo que o empreiteiro era a testemunha …. Admitiu, contudo, que o pavilhão onde a obra estava a ser executada lhe pertencia.
Ora, o contrato de arrendamento junto pelo arguido a fls. 185-186 não sustenta, de modo bastante e credível, a sua tese nesta questão da direcção das obras, pois, pese embora dele constar que a “…, Lda.” era arrendatária de um prédio rústico do arguido desde 25.03.2006, não significa necessariamente que se trate do imóvel onde a obra estava a ser desenvolvida. Ademais, nada impede, segundo as regras da experiência comum, que, mesmo assim, fosse o arguido a dirigir a obra, sendo certo que, de outro modo, não se explicaria que tivesse sido o arguido a pedir uma autorização para a obra junto da Câmara Municipal de Alcobaça e junto do PNSAC, como se depreende do testemunho de … e ….
Acresce que as facturas emitidas pela “…” a fls. 187 a 192 também não afastam o poder de direcção da obra pelo arguido, que era o proprietário do imóvel e que mostrou acompanhar a obra.
Por outro lado, as testemunhas A… e … I… mostraram-se sempre parciais e, nessa medida, os respectivos depoimentos não se afiguraram sinceros nesta matéria, razão pela qual os factos supra descritos sob as alíneas c) a e) foram também julgados não provados. 
Questões de Facto
Importa analisar as questões relativas aos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida salientando que o reexame da decisão em matéria de facto em sede de recurso não se confunde com um segundo julgamento, impossível pela inexistência de oralidade e imediação. Corresponde a um remédio jurídico para eventuais erros de procedimento ou de julgamento, mas que passa pela apreciação efectiva de cada uma das questões concretamente colocadas.
De acordo com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-07-2007 (processo 07P2304, em www.dgsi.pt) “o reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso não constitui, salvo os casos de renovação da prova (art. 430.º do CPP), uma nova ou suplementar audiência, de e para produção e apreciação de prova, sendo antes uma actividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento – art. 412.º, n.º 2, als. a) e b), do CPP.
Como se exarou no acórdão deste STJ de 12-06-2005, proferido no Proc. n.º 1577/05, o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância, dirigindo-se somente ao reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido referidos no recurso e às provas que impõem decisão diversa, indicadas pelo recorrente, e não a todas as provas produzidas na audiência.
Por isso, o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão-só a sindicação da já proferida, sendo certo que no exercício dessa tarefa o tribunal de recurso apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas, pelo que, se entender que a valoração e apreciação feitas se mostram correctas, se pode limitar a aderir ao exame crítico das provas efectuado pelo tribunal recorrido.
Se da análise do acórdão recorrido se constata que o Tribunal da Relação examinou as provas produzidas na audiência, quer por via do recurso à transcrição dos depoimentos das testemunhas, quer por via do exame dos documentos constantes do processo, tendo concluído que a prova foi valorada e apreciada em obediência às regras e princípios do direito probatório, de forma correcta e de acordo com as regras da experiência, concretamente sem violação do princípio in dubio pro reo, e se, por outro lado, resulta também do exame do acórdão encontrar-se o mesmo correctamente fundamentado na parte em que se pronunciou sobre as questões de direito submetidas à sua apreciação pelo arguido, é manifestamente improcedente o recurso ao arguir a nulidade do acórdão impugnado por falta de fundamentação e de exame crítico da prova e por omissão de pronúncia”[ii].
O artigo 127.º do C.P.P. consagra o princípio da livre apreciação da prova, não se encontrando o julgador sujeito às regras rígidas da prova tarifada, o que não significa que a actividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais. Tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.
Porém, nessa tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre a 1.ª instância e o tribunal de recurso, beneficiando aquela da imediação e da oralidade e estando este limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos.
A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão”[iii], confere ao julgador em 1.ª instância meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe. É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc. As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.
A ausência de imediação determina que o tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º)[iv].
Com a alteração do Código de Processo Penal operada pela Lei 48/07 de 29.8, mantém-se actual a jurisprudência supra aludida com a ressalva de que o Tribunal da Relação deve agora proceder ao exame das provas produzidas em audiência através da audição das passagens indicadas (art. 412º nº 6 do Código de Processo Penal), constantes, no caso dos autos, da gravação magnetofónica efectuada (art. 364º nº 1 do Código de Processo Penal).
Vejamos então as questões de facto em apreço.
Antes de abordarmos concretamente cada um dos factos questionados impõe-se, no caso dos autos, proceder ao enquadramento geral da situação.
Afirma o Recorrente na sua motivação que “atendendo a que todos os depoimentos devem merecer a mesma credibilidade, foram prestados de forma segura, uma vez que foram mantidos em sede de acareação, levanta-se uma duvida séria e razoável, quanto à elaboração dos autos no local e a sua leitura ao arguido e aviso de cominação de que se não respeitasse o embargo incorria na prática de um crime de desobediência.
Os depoimentos das testemunhas de acusação e defesa devem ser analisados e ter a mesma importância. A atribuída falta de isenção e parcialidade das testemunhas de defesa, não assente em factos, mas resulta da interpretação da Meritíssima Juiz, o que não pode proceder, pois qualquer juízo de interpretação tem de se basear em factos concretos, o que não aconteceu nos presentes autos”.
Efectivamente, tanto da leitura das motivações como das conclusões resulta cristalinamente que o presente recurso em matéria de facto se limita a procurar abalar a convicção formada pelo tribunal a quo. Ou seja, o Recorrente não põe em causa a existência dos depoimentos (das testemunhas de acusação) que fundamentam a convicção do tribunal a quo. O que questiona é a admissibilidade do tribunal ter acreditado nessa versão quando existiram declarações do arguido e depoimentos de testemunhas de defesa que, na perspectiva do Recorrente, abalaram a credibilidade dos depoimentos das testemunhas de acusação.
Assim, a discordância dos Recorrentes limita-se a questionar a valoração da prova pelo Tribunal, valoração essa, livremente formada e fundamentada. Ora, “a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção. Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão”[v]. É aliás notória essa confusão quando o Recorrente apelida a fundamentação da convicção do Tribunal de “o alegado pela Meritíssima Juiz” (conclusão 7ª).
No mesmo sentido vai a jurisprudência uniforme deste Tribunal da Relação: “Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face ás regras da experiência comum”[vi].
Consequentemente, a crítica à convicção do tribunal a quo sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência não pode ter sucesso se se alicerçar apenas na diferente convicção do Recorrente sobre a prova produzida. 
Efectivamente, o julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja “vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório”[vii].
Essa apreciação livre da prova não pode ser confundida com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera dúvida gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; tem como valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio.
Trata-se da liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves da “liberdade para a objectividade”[viii].
Também a este propósito, salienta o Prof. Figueiredo Dias[ix] “a liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a verdade material - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo”.
É na audiência de julgamento que tal princípio assume especial relevo, tendo, porém, que ser sempre motivada e fundamentada a forma como foi adquirida certa convicção, impondo-se ao julgador o dever de dar a conhecer o seu suporte racional, o que resulta do art. 374° n° 2 do Código de Processo Penal.
Assim, a livre convicção não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso.
Como fica patente da análise da motivação de facto supra transcrita, o tribunal a quo recorreu às regras de experiência e apreciou a prova de forma objectiva e motivada, e os raciocínios aí expendidos merecem a concordância deste Tribunal. Na realidade, o tribunal superior pode verificar se na sentença se seguiu um processo lógico e racional de apreciação da prova, ou seja, se a decisão recorrida não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum[x], mas, face aos princípios da oralidade e da imediação, é o tribunal de 1ª instância que está em condições melhores para fazer um adequado uso do princípio de livre apreciação da prova. O art. 127° do Código de Processo Penal indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova[xi].
Ora, como se viu, o acórdão proferido pelo Tribunal a quo assenta em operações intelectuais válidas e justificadas e com respeito pelas normas processuais atinentes à prova.
Alude ainda o Recorrente a que deveria ter funcionado o princípio in dubio pro reo, e na dúvida o tribunal devia tê-lo absolvido.
Cumpre acentuar que o tribunal não se socorreu do princípio in dubio pro reo que apenas significa que perante factos incertos, a dúvida favorece os arguidos, porque não teve quaisquer dúvidas da valoração da prova e, ficou seguro do juízo de censura ao arguido.
No caso vertente, tal princípio só teria sido violado “se da prova produzida e documentada resultasse que, ao condenar os arguidos com base em tal prova, o juiz tivesse contrariado as regras da experiência comum ou atropelasse a lógica intrínseca dos fenómenos da vida, caso em que, ao contrário do decidido, deveria ter chegado a um estado de dúvida insanável e, por isso, deveria ter decidido a favor dos arguidos”[xii].
Ora, se a fundamentação não viola o princípio da legalidade das provas e da livre apreciação da prova, estribando-se em provas legalmente válidas e valorando-as de forma racional, lógica, objectiva, e de harmonia com a experiência comum, não pode concluir-se que a mesma prova gera factos incertos, que implique dúvida razoável que afaste a valoração efectuada pelo tribunal para que deva alterar-se a decisão de facto recorrida, sendo, por conseguinte, lícita e válida a decisão de facto.
Como vimos, no caso dos autos a livre apreciação da prova não conduziu nem poderia conduzir à subsistência de qualquer dúvida razoável sobre a existência do facto e do seu autor. Por isso, não há lugar a invocar aqui o princípio do in dubio pro reo.
Com a devida vénia transcreve-se aqui parte do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.1.08, proc. 07P4198, em www.dgsi.pt[xiii], citando Cristina Líbano Monteiro, que explica cabalmente porque é que em casos como o dos autos não ocorre a violação do aludido princípio:
“De todo o modo, não haverá, na aplicação da regra processual da «livre apreciação da prova» (art. 127.º do CPP), que lançar mão, limitando-a, do princípio «in dubio pro reo» exigido pela constitucional presunção de inocência do acusado, se a prova produzida [ainda que «indirecta»], depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, não conduzir – como aqui não conduziu - «à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto». O “in dubio pro reo”, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (cfr. Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997).
Até porque «a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade» (idem, p 17): «O juiz lança-se à procura do «realmente acontecido» conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o «agarrar» (idem, p. 13). E, por isso, é que, «nos casos [como este] em que as regras da experiência, a razoabilidade («a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade») e a liberdade de apreciação da prova convencerem da verdade da acusação (suscitando, a propósito, “uma firme certeza do julgador”, sem que concomitantemente “subsista no espírito do tribunal uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto”), não há lugar à intervenção da «contraface (de que a «face» é a «livre convicção») da intenção de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva» que é o in dubio pro reo (cuja pertinência «partiria da dúvida, suporia a dúvida e se destinaria a permitir uma decisão judicial que visse ameaçada a sua concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (idem).
Ademais, «são admissíveis [em processo penal] as provas que não forem proibidas por lei» (art. 125.º do CPP), nelas incluídas as presunções judiciais (ou seja, «as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto conhecido»: art. 349.º do CC). Daí que a circunstância de a presunção judicial não constituir «prova directa» não contrarie o princípio da livre apreciação da prova, que permite ao julgador apreciar a «prova» (qualquer que ela seja, desde que não proibida por lei) segundo as regras da experiência e a sua livre convicção (art. 127.º do CPP). Não estaria por isso vedado às instâncias, ante factos conhecidos, a extracção – por presunção judicial – de ilações capazes de «firmar um facto desconhecido».
A este propósito, convém de resto recordar que «verificar cada um dos enunciados factuais pertinentes para a apreciação e decisão da causa é o que se chama a prova, o processo probatório» e que «para levar a cabo essa tarefa, o tribunal está munido de uma racionalidade própria, em parte comum só a ela e que apelidaremos de razoável». E isso porque «a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade»: «no trabalho de verificação dos enunciados factuais, a posição do investigador-juiz pode, de algum modo, assimilar-se à do historiador: tanto um como o outro, irremediavelmente situados num qualquer presente, procuram reconstituir algo que se passou antes e que não é reprodutível». Donde que «não seja qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido», mas apenas a chamada dúvida razoável ("a doubt for which reasons can be given”)». Pois que «nos actos humanos nunca se dá uma certeza contra a qual não militem alguns motivos de dúvida». «Pedir uma certeza absoluta para orientar a actuação seria, por conseguinte, o mesmo que exigir o impossível e, em termos práticos, paralisar as decisões morais». Enfim, «a dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal» (ibidem).
Daí que, nos casos [como este] em que as regras da experiência, a razoabilidade (repete-se: «a prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade») e a liberdade de apreciação da prova convencerem da verdade da acusação (suscitando, a propósito, «uma firme certeza do julgador», sem que concomitantemente «subsista no espírito do tribunal uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto»), não haja - seguramente - lugar à intervenção dessa «contraface (de que a «face» é a «livre convicção») da intenção de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva» que, fundada na presunção de inocência, é o "in dubio pro reo" (cuja pertinência «partiria da dúvida, suporia a dúvida e se destinaria a permitir uma decisão judicial que visse ameaçada a sua concretização por carência [aqui ausente] de uma firme certeza do julgador»)”.
*
Desta forma, o entendimento do Recorrente supra transcrito é errado e significa uma compreensão deficiente das regras de apreciação da prova. Apesar de todos os meios de prova terem, ab initio, a mesma possibilidade de convencer o Tribunal, no momento de apreciar a prova produzida essa igualdade já não existe. Nesse momento é preciso sopesar devidamente o valor da prova produzida já que, como é uso dizer, “as testemunhas não se contam, pesam-se”[xiv]. E se, fundamentadamente, na sua convicção, o juiz considerar que determinado depoimento é credível e outro não é, a decisão mantém-se.
Ainda assim, analisemos a prova questionada.
Factos provados 1, 4, 5, 6, 8 e não provados a) e b)
Todos estes factos resultaram provados e não provados por força da livre apreciação efectuada pelo tribunal a quo ao depoimento das testemunhas …[xv] e …[xvi], fiscais do Parque Nacional das Serras de Aire e Candeeiros que procederam ao embargo da obra em 19.6.06 e voltaram ao local tendo constatado que a mesma estava concluída em 15.9.06 e resulta do seu testemunho directo, da sua narração de factos que presenciaram, observaram e em que participaram. Tais depoimentos encontraram suporte documental no teor do auto do embargo da obra, a fls. 8, nas fotografias de fls. 107 e 108, quanto ao estado inicial da obra, com lintéis com betão armado e vigas e conforme retratado a fls. 13, que acompanhava a nota de campo de fls. 12 quanto ao seu estado em 15.9. O facto 8, aliás, encontra a sua confirmação na verificação de que dá conta o facto 9.
Os factos não provados a), b) e c) são, aliás, o contrário do que resultou dos depoimentos reputados isentos da aludidas testemunhas.
Os depoimentos opostos “oferecidos” pela defesa foram criteriosamente analisados pelo tribunal a quo e, nos termos supra expostos, a sua invocação não afecta a livre convicção formada pelo tribunal a quo e fundamentada em provas legalmente admissíveis. A soma desses depoimentos não basta (não bastou para o tribunal a quo) para descredibilizar o depoimento das testemunhas de acusação nos quais não se notam contradições ou imprecisões relevantes. Aliás nem o Recorrente aponta qualquer incoerência nesses depoimentos, para além de serem contrários ao das testemunhas de defesa.
O tribunal a quo foi especialmente cuidadoso a fundamentar a sua convicção[xvii] e as razões porque é que determinados depoimentos mereceram credibilidade e outros não.
Afirmou que a versão do arguido, pese embora ter sido corroborada pelas testemunhas … e …, resultou plenamente infirmada pelo depoimento das testemunhas … e … no que concerne ao procedimento por estas adoptado enquanto agentes de fiscalização e ao que observaram in loco, em virtude de as mesmas terem prestado declarações de modo circunstanciado e isento, revelando ter conhecimento pessoal dos factos
Disse que a testemunha … não mereceu credibilidade, pois não se mostrou isenta no seu depoimento, antes denotando parcialidade no seu testemunho, devido ao facto de, actualmente, ser funcionária do filho do arguido, numa empresa que labora exactamente nas mesmas instalações onde o arguido então desenvolvia a sua actividade.
Referiu que a testemunha … adoptou um comportamento parcial em todo o seu depoimento, afigurando-se pouco convincente, pela atitude “rígida” que exteriorizou, ao procurar não sair do estritamente conveniente ao arguido e mostrando clara contradição com o que afirmara em sede de inquérito, acerca de umas fotografias que lhe foram exibidas pelo arguido, com o que foi confrontado nos termos do artigo 356.º, nº5, do CPP, com referência ao nº2, al. b), do mesmo artigo.
Disse que o depoimento da testemunha … também não se mostrou sincero, ao afirmar e manter, em sede acareação, que em Junho, ninguém havia elaborado qualquer auto de embargo nem lido nada. Por não se atribuir credibilidade a esta testemunha (I...), a mesma também não convenceu o tribunal de que a obra esta a ser desenvolvida a cargo da “…”.
Ouvida a gravação da prova este Tribunal é forçado a concluir que a convicção do tribunal a quo é uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, pelo que deve ser acolhida a opção do julgador que beneficiou da oralidade e da imediação na recolha da prova.
Efectivamente:
Como é audível, a segurança da testemunha … foi logo posta em causa pela forma dubitativa como afirmava as coisas a propósito do conteúdo da carta recebida provinda do PNSAC (se vinha ou não um ofício e qual, ou se anunciava que ia ser enviado um ofício a seguir; se vinham duas ou quatro fotografias e quais)[xviii].
As dúvidas sobre a credibilidade da testemunha … avolumam-se a partir do momento em que, confrontado com o seu depoimento prestado em inquérito – nos termos permitidos pelo art. 356º nº 5 do Código de Processo Penal, conforme consignado em acta e não questionado – deixa de afirmar com a veemência anterior que o arguido não lhe mostrou nenhum auto de embargo para passar a afirmar que embora não se recordasse, se o afirmou em inquérito era porque provavelmente mostrou[xix]
Também no seu depoimento, se nota que a testemunha … acaba por afirmar o que não pretendia. Perguntado a mando de quem estava a construir aquela edificação, disse que foi a mando do arguido “mais o Sr. F…”. Porém, no decorrer do seu depoimento disse que quando os fiscais lhe perguntaram pela documentação da obra respondeu que “isso era com o Sr. Zé” (referindo-se ao arguido) que teve de ser chamado, o que se mostra particularmente sintomático porque o … se encontrava no local e o arguido não: teve de ser chamado. Posteriormente, voltou a dizer que as licenças eram com o Sr. Zé quando se analisou a ida ao local da GNR no dia anterior[xx]. Por outro lado, também as supra referidas acareações trouxeram um registo novo ao depoimento da testemunha. Antes, foi seguro e afirmativo ao afirmar que “nunca houve ordem de parar a obra”. Depois, perante a manutenção da posição das testemunhas … e … já foi menos veemente, dizendo apenas que não viu nem ouviu nada e abrindo caminho para um embrião de justificação: porque esteve sempre perto deles, trazia lá pessoal e ia e vinha[xxi] - ou seja, a conversa até podia ter ocorrido num dos momentos em que se afastou. 
Existem outros elementos que resultam dos autos que tornam patente, de acordo com as regras da experiência, a correspondência entre a factualidade provada e a realidade:
A deslocação da GNR no dia anterior a que aludiram o arguido e a testemunha I... . não faria sentido se as duas entidades fizessem o mesmo (pedir as licenças e nada fazer perante a sua inexistência); a existência de outras duas situações anteriores de construção de pavilhão sem licença envolvendo o arguido e o conhecimento prévio de que a obra não podia ser autorizada, de acordo com o depoimento da testemunha AR… e o facto de o arguido se ter recusado a assinar o auto de embargo são indícios de que este foi o esquema engendrado pelo arguido para, mais uma vez, prosseguir os seus interesses sem respeitar os limites legalmente impostos à construção naquela zona.
Facto provado 7
O Tribunal fundamenta este facto na análise dos documentos, no depoimento de … sobre o procedimento adoptado neste tipo de situações, na falta de credibilidade no depoimento da testemunha … e no facto de os requerimentos subscritos pela I. Mandatária do arguido não sustentarem cabalmente a sua tese.
Também, o depoimento da testemunha … após ser confrontado com as suas declarações em inquérito inculca a ideia de que o arguido recebeu esse documento de embargo: a testemunha, após o aludido confronto passou a afirmar que embora não se recordasse, se o afirmou em inquérito era porque provavelmente o arguido lhe mostrou o auto de embargo.
Desvalorizados os meios de prova apontados, subsiste a presunção natural, resultante das regras da experiência de que uma carta registada com A.R. emitida por uma autoridade pública no âmbito de um processo de contra-ordenação contém os elementos que consta no aludido processo que foram enviados.
De qualquer forma, demonstrado que ficou que o embargo foi efectuado no dia em que os fiscais se deslocaram ao local é irrelevante para a verificação dos elementos típicos do crime a perfeição desta comunicação, sem prejuízo da sua eventual relevância que aqui não cabe apreciar, para a instrução do processo de contra-ordenação.
Factos provados 10 e 11
O tribunal a quo fundamenta a sua convicção quanto ao elemento subjectivo em causa nos factos em apreço, nos depoimentos das testemunhas … e …, na medida em que pelo facto destes terem, segundo afirmaram, lido em voz alta o auto de embargo e comunicado expressamente que se continuasse a obra cometeria o crime de desobediência resulta que a conduta do arguido foi intencional de acordo com as regras de experiência.
Conforme escreve o Professor Manuel Cavaleiro de Ferreira[xxii], se a intenção é vontade e esta é acto psíquico, acto interior são, contudo, grandes as dificuldades para dar praticabilidade a conceitos que designam actos internos, de carácter psicológico e espiritual. Por isso se recorre a regras da experiência, que as leis utilizam quando elas podem dar aos conceitos maior precisão...
Importa recorrer a regras de experiência para se aferir ou não da intenção criminosa e para retirar os elementos confirmativos da sua verificação da matéria fáctica dada como provada.
Assim, não merece crítica a livre convicção do tribunal a quo firmada sobre os aludidos factos.
Factos não provados c) e e)
Explica-se, na sentença recorrida que “as testemunhas … e … mostraram-se sempre parciais e, nessa medida, os respectivos depoimentos não se afiguraram sinceros nesta matéria, razão pela qual os factos supra descritos sob as alíneas c) a e) foram também julgados não provados”. 
Face às supra escalpelizadas fragilidades desses depoimentos não merece qualquer crítica a convicção livremente formada pelo tribunal a quo sobre tais factos, nem o Recorrente apresenta qualquer argumento em contrário que importe analisar.
Verificação da existência dos vícios do art. 410º do Código de Processo Penal: Erro notório na apreciação da prova
O Tribunal da Relação deve conhecer da questão de facto pela seguinte ordem: primeiro da impugnação alargada, se tiver sido suscitada e, depois e se for o caso, dos vícios do nº 2 do art. 410º do Código de Processo Penal.
Cumpre, então, agora, apreciar da existência de algum desses vícios. 
Estabelece o art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
Erro notório na apreciação da prova.
Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento[xxiii].
Existe o vício previsto na alínea a) do nº 2 do art. 410º do Código de Processo Penal quando a factualidade dada como provada na sentença não permite, por insuficiência, uma decisão de direito ou seja, quando dos factos provados não possam logicamente ser extraídas as ilações do tribunal recorrido. A insuficiência da matéria de facto determina a incorrecta formação de um juízo, porque a conclusão ultrapassa as respectivas premissas[xxiv]. Dito de outro modo: quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito e quando não foi investigada toda a matéria de facto com relevo para a decisão[xxv].
Existe o vício previsto na alínea b), do n.º 2 do art. 410.º quando há contradição entre a matéria de facto dada como provada, entre a matéria de facto dada como provada e a matéria de facto dada como não provada, entre a fundamentação probatória da matéria de facto, e ainda entre a fundamentação e a decisão[xxvi].
Finalmente, ocorre o vício previsto na alínea c), do nº 2 do art. 410º quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que são supostas existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente[xxvii]. Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido.
No caso vertente, não se verificam os vícios da sentença a que se referem as al.s a) e b) do art. 410º do Código de Processo Penal.
Merece análise breve mas mais detalhada, por ter sido expressamente invocada, a existência de ”erro notório na apreciação da prova”.
Salvo o devido respeito o Recorrente confunde o vício do erro notório processualmente definível como um erro evidente que se surpreende na análise do texto da sentença à luz das regras da experiência com um erro de julgamento considerado como a incorrecta apreciação da prova produzida que determina que os factos sejam indevidamente julgados provados ou não provados.
Efectivamente, o recurso baseia-se apenas naquilo que, na perspectiva do Recorrente consubstancia uma errada apreciação da prova produzida e, sobre esse aspecto já nos pronunciámos.
Analisando a decisão recorrida à luz das regras da experiência verifica-se não ser patente qualquer erro – notório ou não – na apreciação da prova. Pelo contrário, constata-se que a fundamentação da sentença está particularmente bem concebida.   
III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.


[i] Com algumas especificidades no que respeita à impugnação da matéria de facto, como afirma o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005 “a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões. Perante esta margem de indefinição legal, e tendo o recorrente procedido à mencionada especificação no texto da motivação e não nas respectivas conclusões, ou a Relação conhecia da impugnação da matéria de facto ou, previamente, convidava o recorrente a corrigir aquelas conclusões” (proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577, no mesmo site) Esta posição mantém a sua actualidade com a versão introduzida pela Lei 48/07 de 29.8 ao Código de Processo Penal que manteve a divergência entre a redacção dos nºs 2 e 3 do art. 412º do Código de Processo Penal. No caso dos autos o Recorrente especificou nas suas conclusões os pontos de facto que no seu entender foram incorrectamente julgados e da motivação resultam quais as provas que impõem decisão diversa da recorrida.
[ii] Neste sentido, a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça exige que o Tribunal de recurso “demonstre que, no caso concreto, a matéria de facto, rectius, os pontos questionados da matéria de facto, tem efectivo suporte na fundamentação, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados na decisão recorrida e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem «decisão diversa»”, conforme acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-05-2007,  processo 07P1498 em www.dgsi.pt; cfr. ainda o aresto do mesmo Tribunal de 05-07-2007, processo 07P1776; e afasta as fórmulas genéricas (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27-04-2005 e 29-06-2005, respectivamente processos 05P768 e 05P2035 no mesmo site).
[iii] Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232
[iv] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.10.2007, proc. 8428/2007-3, em www.dgsi.pt
[v] Acórdão do Tribunal Constitucional 198/2004 de 24.03.2004, DR, II S, de 02.06.2004
[vi] Acórdão da Relação de Coimbra de 06.03.2002, publicado na CJ, ano 2002, II, 44.....Comarca de Coimbra -1º Juízo Criminal; no mesmo sentido, os acórdãos 19.06.2002 e de 04.02.2004, nos recursos penais 1770/02 e 3960/03; 18.09.2002, recurso penal 1580/02; 16.11.05, recurso penal 1793/05, em www.dgsi.pt     
[vii] Prof. Cavaleiro Ferreira, em Curso de Processo Penal, 1986, 1° vol., pg. 211.
[viii] Rev. Min. Públ., 19°,40.
[ix] Direito Processual Penal I, 202.
[x] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pg. 294
[xi] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.2.08, no proc. 07P4729, em www.dgsi.pt.
[xii]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.2.98, na CJ 1998, T. 1, pg. 199.
[xiii] No mesmo sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.10.07, no proc. 07P3170, em www.dgsi.pt. 
[xiv] Como se afirma no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14.5.07, no proc. 668/07, 2ª. 
[xv] Depoimento constante entre 10.33.36 e 10.48.36 e acareação com a testemunha de defesa I... . entre 12.07.15 e 12.07.48 do CD gravado da audiência.
[xvi] Depoimento gravado entre 10.49.39 e 11.11.09 e acareação com a testemunha de defesa I... . entre 11.53.55 e 11.57.09 do CD gravado da audiência.
[xvii] Fundamentou também a sua convicção na análise documental que efectuou e que explica com detalhe, com recurso a argumentos lógicos e razoáveis.
[xviii] Depoimento constante de 11.12.31 a 11.19.24 do CD gravado da audiência
[xix] Depoimento constante de 11.20.08 a 11.26.15 e, especialmente, após confronto com as declarações prestadas em inquérito, de 11.32.29 a 11.37.09 do CD gravado da audiência.
[xx] Depoimento constante de 11.37.42 a 11.45.45 do CD gravado da audiência.
[xxi]Acareações com as testemunhas de acusação entre 11.53.55 e 11.57.09 e entre 12.07.15 e 12.07.48 do CD gravado da audiência.
[xxii] Direito Penal Português - Parte Geral -I Sociedade Científica da Universidade Católica Portuguesa
[xxiii] Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., pg. 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., pg. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., pg. 77 e ss.
[xxiv] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.05.1998, Proc. nº 98P212, em www.dgsi.pt.
[xxv] Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., pg. 69.
[xxvi] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2.ª ed., pg. 340 e ss.
[xxvii] Germano Marques da Silva, ob. cit., pg. 341 e ss. e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.10.96, Proc. nº 045267, www.dgsi.pt.