Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FERNANDO VENTURA | ||
Descritores: | APLICAÇÃO DA LEI PENAL LEI APLICÁVEL PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO | ||
Data do Acordão: | 04/16/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | AVEIRO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 2º, Nº4 E 43º DO CÓDIGO PENAL; ARTIGO 371º-A) DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL; | ||
Sumário: | I. – A reabertura da audiência para aplicação da lei nova que se mostre mais favorável ao arguido condenado com decisão transitada depende da verificação de quatro requisitos: a) – iniciativa processual do condenado; b) - trânsito em julgado da condenação; c) - pendência de execução da pena ou possibilidade de vir a ser executada; d) e entrada em vigor de lei penal, em abstracto, mais favorável.
II. – Com o primeiro pretende o legislador conferir ao condenado a incitativa e proporcionar-lhe o direito de escolha sobre a possível alteração da medida da pena em que se encontra condenado. III. – O segundo consubstancia-se na existência de uma decisão condenatória insusceptível de recurso ordinário. IV. – O terceiro tem como pressuposto um estado de pendência de execução de uma pena ou, não estando ainda a ser cumprida, poder vir a sê-lo por virtude de uma decisão transitada. V. – O quarto depende da verificação por parte do tribunal da existência de uma sucessão de regimes penais, pressuposto cardeal para que o instituto possa ser desencadeado. VI. – A necessidade de audiência, antes da determinação do regime de sucessão mais favorável, afirma o respeito pelo princípio do contraditório. VII. – O juízo a efectuar antes da audiência para aplicação da lei nova situa-se no plano abstracto, e tendo a vista a expectativa de uma situação de benefício, o que afasta um qualquer pré-juízo quanto ao êxito ou inêxito da pretensão do requerente. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra
1ª Ao não fundamentar a decisão proferida, violou o despacho recorrido o disposto no artigo 374°, n°2, do Código de Processo Penal. 2ª Destarte, e por força do disposto no artigo 379°, n°1, alínea a) do mesmo diploma legal, é o despacho recorrido nulo, nulidade esta que aqui, para todos os devidos e legais efeitos, se argui. 3ª Violou ainda o despacho recorrido o disposto no artigo 371°-A, do Código de Processo Penal (na sua redacção actual), bem como o disposto no artigo 43°, n°1, do Código Penal (na sua redacção actual). 4ª Por este motivo deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que determine a reabertura da audiência nos termos do artigo 371°-A, do Código de Processo Penal, a fim que seja aplicado ao arguido o novo regime do artigo 43°, n°1, do Código Penal, relativo à substituição de prisão de sete meses, suspensa na sua execução pelo período de um ano, que lhe foi aplicada por sentença proferida nos presentes autos e já transitada em julgado, por pena de multa, ou outra não privativa da liberdade. 1° O Tribunal recorrido decidiu com acerto ao indeferir o requerimento efectuado pelo arguido, não permitindo a censura do juízo já anteriormente efectuado, mesmo por Tribunal Superior, de necessidade de aplicação de pena de prisão efectiva; 2° A decisão recorrida está suficientemente fundamentada e não violou qualquer norma, designadamente a invocada. Pelo que, confirmando a decisão recorrida nos seus exactos termos, V. Exas. farão, como habitualmente, JUSTIÇA! Vem expor e requerer a V. Exa. o seguinte: No âmbito dos presentes autos foi revogada ao arguido a suspensão da execução da pena de 07 meses de prisão aplicada. Oportunamente o arguido interpôs recurso do despacho de revogação, nos termos e conclusões constantes já dos autos, e que aqui se dão como inteiramente reproduzidos para os devidos e legais efeitos. E se é certo que o recurso não obteve provimento, também não é menos verdade que nele pugnámos apenas, por adequada, necessária e proporcional, pela manutenção da suspensão da execução da pena de prisão, ainda que associada à "imposição ao arguido de regras de conduta, cumprimento de deveres ou regime de prova (nomeadamente, aptos a garantir que o mesmo não ingira bebidas alcoólicas), como condicionante da suspensão - a prisão é sempre a última ratio". De algum modo, atenta a redacção do Código Penal em vigor à data da prolação (31/07/2003) da douta sentença condenatória no âmbito dos presentes autos, tal pena de 07 meses de prisão (ainda que suspensa na sua execução), nunca poderia ser substituída por multa, já que ultrapassa os seis (06) meses de prisão (limite máximo da pena susceptível de ser suspensa na sua execução), atento o teor do artigo 44°, n°.1, do Código Penal, na redacção então em vigor - pressuposto objectivo devido ao qual a Ilustre Magistrada que decretou tal sentença condenatória nem sequer se pronunciou sobre essa possibilidade. No entanto, e como é consabido, a Lei n°59/2007, de 04 de Setembro, veio produzir profundas alterações ao Código Penal aprovado pelo D.L. n°.400/82, de 23 de Setembro. Entre essas alterações destaca-se a que incidiu sobre o artigo 44°, n°.1, do mencionado Código. Passou agora (desde 15 de Setembro de 2007) a ser possível que o Tribunal substitua por multa "a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes" (vide artigo 43°, n°.1, do Código Penal, na redacção actual). Pelo que, in casu, é agora possível substituir por multa ou outra pena não privativa da liberdade a pena de 07 meses de prisão aplicada ao arguido. O que decorre do princípio da aplicação da lei mais favorável, plasmado no artigo 2°, n°.4, do Código Penal, e no artigo 29°, n° 4, da Constituição da República Portuguesa. Pelo que se impõe concluir ser concretamente mais favorável ao arguido a aplicação da actual lei penal. Impõe-se assim que o Tribunal se pronuncie agora directamente sobre a possibilidade de substituir por multa a pena de 07 meses de prisão aplicada ao arguido (ou substitui-la pelo regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, ou por outra modalidade de substituição, nos termos do disposto nos artigos 43° e segs., do Código Penal, na sua redacção actual) - tal como dimana do artigo 371°-A do Código de Processo Penal – o que se requer. Prova: A dos autos. Requer-se a realização urgente de relatório social sobre o arguido a levar a cabo pela equipa do IRS competente. Requerimento de fis. 334 a 336: Não podemos deixar de referir o quanto este requerimento se nos afigura singular... Na verdade, como refere o Ministério Público, o Tribunal da Relação de Coimbra confirmou a decisão de 1ª instância que revogou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, determinando-se o cumprimento efectivo de 7 meses de prisão. Tal decisão teve por fundamento a circunstância de o arguido ter sido condenado na pena de 7 meses de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo período de 1 ano e na pena de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 18 meses, por sentença de 3 1/07/2003, transitada em julgado, pela prática de crime de desobediência p. e p. pelos arts 348° no 1 a) e 69° nº 1 c) do Código Penal e 158° n° 3 do Código da Estrada e no período da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada nestes autos, ter cometido outro crime de desobediência, quatro crimes de injúria agravada, um crime de ameaça e um crime de resistência à autoridade pública, pelos quais foi condenado em penas de prisão cuja execução ficou suspensa. Constatou-se, assim, que as finalidades que estiveram subjacentes à suspensão da execução da pena não foram alcançadas por meio dela e, nos termos do artigo 56° no 1 b) e no 2 do Código Penal, foi revogada a suspensão da execução da pena. Estão pendentes mandados de captura do arguido, os quais ainda não foram cumpridos, apesar de várias tentativas de localizar o arguido, havendo informação de que se encontra na Alemanha - cfr. fls. 298, 299, 303 a 313, 317, 318, 329 e 333. Vem agora o arguido, através do seu mandatário, atentas as alterações ao Código Penal introduzidas pela Lei no 59/2007 de 4 de Setembro, requerer a aplicação do artigo 44° nº 1 do C.P. - substituição da pena de prisão não superior a um ano por pena de multa - ou então, substituição por regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios de controlo à distância... e, para o efeito, a realização urgente de relatório social do arguido a levar a cabo pela equipa do IRS competente! Mais refere o arguido o artigo 371°- A do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pela Lei nº 48/2007 de 29.08, que dispõe que, mesmo após o trânsito em julgado, mas antes de cessar a execução da pena, se entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a abertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime. Tal como refere o Ministério Público, "resulta inequívoca a intenção do legislador em admitir a possibilidade de aplicação retroactiva de leis penais de conteúdo mais favorável, mesmo após o trânsito em julgado da decisão condenatória... Todavia, tal aplicação mais favorável não é automática - é essencial que se verifiquem os pressupostos dos quais dependeria a sua aplicação ab initio". Acontece que, no caso sub judice, já se constatou que a execução da prisão é exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes... Foi por isso mesmo que foi revogada anteriormente a suspensão da execução da pena... De acordo com o preceituado no artigo 50° do Código Penal, o tribunal afirma a prognose social favorável em que assenta o instituto da suspensão da execução da pena, se conclui que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, devendo, para tal, atender à personalidade do agente; às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste. E só deve decretar a suspensão da execução quando concluir, face a esses elementos que essa é a medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade. O Tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza... A suspensão terá, assim, de assegurar as finalidades da prevenção geral e as necessidades de prevenção especial ou de reintegração. Em suma, é necessário que, por um lado se faça uma prognose social favorável quanto ao arguido no sentido de que, perante a factualidade apurada se conclui que o mesmo aproveitará a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, não voltando, com elevado grau de certeza, a delinquir e, por outro lado, que a suspensão cumpra as exigências de reprovação do crime servindo para satisfazer a confiança da comunidade nas normas jurídicas violadas. Ora, o arguido, depois de o Tribunal ter optado inicialmente por suspender a execução da pena de prisão, demonstrou não ser merecedor de tal benesse, voltando a delinquir! Por isso, foi revogada a suspensão da execução da pena... Mas o arguido não acatou a decisão judicial, pondo-se em fuga... Tem sido procurado, sem sucesso... Como seria possível realizar um relatório social de um arguido ausente em parte incerta?! Como pretende o arguido beneficiar de um regime de permanência na habitação com controlo à distância?! Como pretende o arguido convencer o Tribunal de que uma pena de multa seria suficiente?! Por tudo o que fica exposto, tal como o Ministério Público, entendemos que, tendo em consideração as circunstâncias do caso, não é aplicável ao arguido o novo regime penal. Notifique - sendo o arguido com cópia da promoção que antecede. Oficie, solicitando, por fax, novas diligências de localização e captura do arguido, tal como se promove. Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em:
[7] Esse foi um dos argumentos do Ac. do Tribunal Constitucional nº 644/98, de 17/11, em que de decidiu que o artº 2º, nº4, do CP, interpretado no sentido de que o caso julgado prevalecia sobre o princípio da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável não padecia de inconstitucionalidade. Lê-se nesse acórdão: «A perturbação advinda do não respeito do caso julgado ligadas a motivos de difícil praticabilidade perspectiva-se, pois, como muito extensa e significativa, não podendo, por isso, reconduzir-se a razões de mero acréscimo de trabalho para os tribunais». Importa sublinhar que esse aresto tomou apenas posição sobre modificação «quantitativa» da pena, excluindo a apreciação da modificação «qualitativa». Sobre a evolução da jurisprudência do Tribunal Constitucional neste particular, cfr. o recente acórdão do T.C. nº 164/08, de 5/3. |