Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
114485/20.9YPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: VENDA DE CASA DE HABITAÇÃO
CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE
Data do Acordão: 07/12/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DA MARINHA GRANDE DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGO 607.º, N.º 5, DO CPC E ARTIGO 19.º DA LEI N.º 15/2013, DE 8 DE FEVEREIRO
Sumário: I - Pretendendo os Réus vender a sua casa de habitação por mais de 200 mil euros e tendo procurado para o efeito uma imobiliária que lhes propôs um certo contrato previamente elaborado, que vieram a assinar, sendo o texto do contrato composto apenas por duas laudas, com as cláusulas identificadas pelas epígrafes «Identificação do imóvel», «Identificação do negócio», «Ónus e encargos», «Regime de contratação», etc., não é verosímil que o tenham assinado sem terem primeiro «passado os olhos» pelo mesmo, para se inteirarem daquilo que lá estava escrito e que não tivessem colocado ao funcionário da imobiliária com quem falavam dúvidas que surgissem da sua parte.

II - Neste contexto, na ausência de elementos de prova em sentido oposto, tendo o funcionado da imobiliária ouvido como testemunha declarado que explicou aos Réus a cláusula de exclusividade constante do contrato, a convicção pode formar-se – artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil – no sentido de que as suas afirmações correspondem à realidade histórica.

III - No contrato de mediação imobiliária – Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro – e no âmbito da liberdade contratual, a cláusula de exclusividade – artigo 19.º – pode determinar que a comissão é devida mesmo que o comprador seja angariado pelo comitente que coloca o imóvel em venda.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra,

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Juiz relator…………....Alberto Augusto Vicente Ruço

1.º Juiz adjunto………José Vítor dos Santos Amaral

2.º Juiz adjunto……….Luís Filipe Dias Cravo


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Recorrentes…………………..AA; e

………………………………….BB, contribuintes fiscais n.º ...64 e ...00, residentes Rua ... - ..., ... ....

Recorrida……………………..U..., Lda., pessoa colectiva n.º ..., com sede na Avenida ..., ... – ... ... ....


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I. Relatório

a) A autora U..., Lda instaurou a presente ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias com o fim de obter a condenação dos Réus a pagarem-lhe a quantia de €12.915,00 de capital, mais juros de mora vencidos no montante de €781,27 e ainda €150,00 a título de «outras quantias».

Invocou a celebração entre si e os Réus de um contrato de mediação em regime de exclusividade, pelo período de seis meses, automaticamente renovável por igual período, nos termos do qual os Réus se obrigaram a pagar à Autora a quantia de 5% calculada sobre o preço de venda do imóvel que colocaram à venda, caso fosse vendido, acrescido de IVA à taxa legal em vigor.

O contrato outorgado foi objeto de alteração (2.ª cláusula), em 4 de março de 2018 relativamente ao preço de venda.

Argumenta que promoveu o imóvel em plataformas online e angariou clientes e que o imóvel foi vendido pelos Réus na vigência do contrato, pelo preço de €210.000,00, sem que tivesse sido paga a comissão devida à Autora, muito embora já tenha remetido a fatura aos Réus.

Os Réus deduziram oposição.

Alegam que em 18 de maio de 2018 rescindiram o acordo de mediação com a Autora e contrataram outra mediadora, a V..., e logo surgiram vários interessados e celebraram a escritura de compra e venda em junho de 2019, pelo preço de 210.000,00 euros.

Durante a vigência do contrato com a Autora não lhes foi apresentado qualquer interessado na aquisição do imóvel, agendada visita ou apresentado interessado no imóvel.

Concluíram pela absolvição do pedido.

No final foi proferida a seguinte decisão:

«Pelo exposto, ao abrigo das disposições legais supra citadas, decide este Tribunal:

I. Condenar os Réus a pagar à Autora a quantia de €12.915,00 (doze mil novecentos e quinze euros), a que acresce €781,27 de juros de mora calculados desde 28/6/2019 até 30-12-2020, a que acrescem juros de mora calculados sobre o capital, à taxa legal de 4%, desde 1-01-2021, até integral pagamento;

II. Absolver os Réus do pagamento de €150,00, a título de outras despesas;

III. Condenar os Réus nas custas da ação;

IV. Absolver a Autora do pedido de condenação em litigância de má-fé;

V. Condenar os Réus nas custas do incidente, em quantia que se fixa em 0,5UC. Notifique.»

b) É desta decisão que vem interposto recurso por parte dos Réus, cujas conclusões são as seguintes:

«– A sentença de que se recorre, padece de nulidade por violação clara do direito processual, faz uma errada interpretação da lei, julgou incorretamente, a matéria dada como provada e não provada;

– A sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia e uma vez reapreciada e valorada a prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente os documentos e os depoimentos prestados pelas testemunhas, a sentença deverá ser revogada e, em consequência serem os Réus/Recorrentes, absolvidos do pedido;

– Na presente ação a Autora/Recorrida, mediadora de imóveis, reclama o pagamento de uma comissão fundada num contrato de mediação para venda de um imóvel propriedade dos AA. Recorrentes, celebrado a 11.06.2017, em que alega ter sido convencionado o regime de exclusividade para a mediação, venda que foi feita por terceiro (outra mediadora) a quem os AA pagaram a comissão respetiva.

– Os Réus/Recorrentes, reconheceram que celebraram um contrato com a A., alegaram que o rescindiram em 19 de maio de 2018, por não terem conhecimento de qualquer efeito útil da prometida angariação (volvidos cerca de um ano estavam sem visitas e sem qualquer interessado no negócio), por mera carta entregue em mão, rescisão essa que foi aceite pela autora;

– Após a rescisão celebraram um contrato com outra mediadora e lograram obter interessados na compra, tendo-se concretizado o negócio de venda em 28 de junho de 2019;

– Ademais, os Réus/Recorrentes alegaram que desconheciam que o contrato de mediação era em regime de exclusividade, já que não lhes foi explicado o seu conteúdo e consequências, tratando-se de um clausulado previamente estabelecido e no qual os Réus/Recorrentes se limitaram a aderir ao mesmo – artigo 26º da oposição;

– Que a concretização do negócio da qual a Autora reclama a comissão pela venda, ocorreu após a rescisão do contrato de mediação por parte dos Réus/Recorrentes e que o negócio não se deveu a qualquer ato ou diligência da Requerente/Recorrida;

– Ademais, a prova produzida em audiência de julgamento impõe necessariamente um desfecho diverso do litígio contido na sentença, devendo ser reapreciados os factos conforme veremos;

– A sentença de que se recorre é nula por omissão de pronuncia porquanto os Recorrentes na sua oposição suscitara a questão de que o contrato que funda a causa de pedir da Autora, é um contrato de adesão, em que aqueles se limitaram a aderir a um clausulado previamente estabelecido e que lhes foi apresentado pronto pela Autora/Recorrida, sem que tenha sido discutido o mesmo e lhes tenha sido explicado o seu conteúdo e consequências, nomeadamente, quanto ao regime de exclusividade;

– Suscitaram esta questão na oposição, questão que não constitui apenas um fundamento ou argumento da parte, mas trata-se de uma questão essencial ou fundamental que pode influir na decisão da causa e cuja apreciação pode determinar uma diferente resolução da lide;

– O contrato em que a Autora/Recorrida radica o seu pedido é um contrato de adesão, elaborado pela Autora, sem prévia negociação individual, destinando-se todas as suas cláusulas a tornarem-se vinculativas quem os subscreve ou aceita, não tendo possibilidade de modelar o seu conteúdo, introduzindo neles alterações, os seus destinatários limitam-se a aceitar ou assinar esse contrato, pelo que está sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais, competindo à Autora demonstrar e provar que informou os Réus/Recorrentes das cláusulas contratuais gerais de modo a que estes ficassem conscientes, pelo menos, das consequências do ali contratado;

– O contrato de mediação objeto dos presentes autos foi previamente elaborado pela Autora/Recorrida antes da entrada em negociações com os RR/Recorrentes e aplica-se a todos os seus contraentes, sem que lhes seja dada outra possibilidade que não seja a da sua aceitação ou rejeição, estando-lhe vedada a possibilidade de discutir o seu conteúdo;

– Incumbia à Autora/Recorrida, provar que comunicou aos Réus/Recorrentes as cláusulas que estes se limitaram a subscrever ou aceitar, comunicação que não se basta com uma mera assinatura de contrato, devendo esta ser realizada de modo adequado para que se torne possível ao aderente tomar conhecimento e apreender o seu conteúdo e bem assim, as consequências das ditas cláusulas – artigo 5º, n.º 2 do Decreto-Lei 446/85 de 25 de outubro.

– E ainda nos termos do n.º 3 do artigo 5º do citado decreto-lei, o ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabe ao contratante determinado que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais e nos termos do artigo 6º, o contratante determinado que recorra a cláusulas gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspetos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique;

– No caso dos autos, o regime de exclusividade previsto no contrato de mediação é elemento essencial do contrato que impõe uma pesada obrigação sobre os Réus/Recorrentes;

– E este clausulado do regime de exclusividade constitui uma cláusula contratual geral em que não houve prévia negociação individual com vista a lograr o acordo das partes, e tornou-se vinculativa quando os Réus/Recorrentes que se limitaram a subscrevê-la e/ou a aceitá-la;

– E, resultou provado, nomeadamente da prova testemunhal – nesta, especialmente os depoimentos de CC e DD acima reproduzidos - produzida em audiência de julgamento que estas cláusulas não foram explicadas aos Réus/Recorrentes;

– Pelo que deve ser dado acrescentado aos factos dados como provado que: “O clausulado predefinido pela Autora constante do contrato de mediação imobiliária em causa, não foi comunicado previamente nem explicado o seu conteúdo aos Réus/Recorrentes, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa quer para o cliente – Nos termos do artigo 8º, alínea a) do mesmo diploma, consideram-se excluídas dos contratos singulares as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º atrás referido, sendo assim a consequência do incumprimento do dever de comunicação e informação por parte do predisponente implica a exclusão do clausulado do contrato, com não atendimento do mesmo;

– O dever de comunicação deve abranger a totalidade do clausulado e deve ser feita com a antecedência necessária a uma cabal apreensão, interiorização e possibilidade de reponderação, normalmente na fase pré-negocial e efetivada de modo adequado, tendo-se em conta designadamente, a importância do contrato, a sua extensão e complexidade das suas cláusulas;

– Tratando-se de um contrato cujo conteúdo são cláusulas contratuais gerais, sujeitas à LCCG, e tendo esta questão sido deduzida pelos RR., em tempo e e sede própria, este tipo de contrato exigia que a Autora provasse que fez a comunicação aos Réus/Recorrentes de modo adequado para que se tornasse possível o seu conhecimento, por quem use de diligência comum;

– Não o tendo feito, tem que se dar como provada que tal informação não foi dada e, em consequência deve ser excluído este clausulado, conforme dispõe o artigo 8º, alínea a do decreto-lei citado;

– A sentença recorrida não faz qualquer menção ou alusão a esta questão – omitiu-a na sua totalidade e, nos termos do artigo 615º, n.º 1, alínea d) do C.P.C., a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, nulidade que se invoca para todos os efeitos legais;

– As cláusulas gerais, que os Réus/Recorrentes não tiveram qualquer intervenção na sua elaboração, trata-se de um documento subscrito pelas partes, com texto pré-escrito, porque não comunicadas nos termos do n.º 1 do art.º 5.º da LCCG, insertas no contrato de mediação, em especial da exclusividade e da denúncia deverão ser excluídas, já que assentando a causa de pedir da Autora, num contrato elaborado previamente à entrada em negociações entre Autora e Réus/Recorrentes, constituindo assim, um verdadeiro contrato de adesão, está sujeito à LCCG;

– Os Réus/Recorrentes, limitaram-se a assinar um contrato que lhes foi apresentado na agência, sem qualquer antecedência que lhes permitisse refletir e inteirar-se do conteúdo completo e efetivo do mesmo, e sem que lhes tenham sido explicado o conteúdo inserido em qualquer uma das cláusulas;

– Ora, a violação dos deveres de comunicação implica a exclusão da cláusula afetada, nos termos do disposto no artigo 8º da LCCG, conjugado com o artigo 5º do mesmo diploma legal, nomeadamente as cláusulas de exclusividade e o modo de rescisão do contrato, quanto ao modo de o efetivar, já que julgaram os Réus/Recorrentes como meio idóneo a entrega da carta em mão e a comunicação ao vendedor que aceitou a rescisão;

– Deverá, ainda, ser eliminado do elenco dos factos não provados a alínea b) que diz “Que a venda do imóvel descrita em 7 não se tenha devido a qualquer ato de promoção desenvolvido pela Autora.”

– Não é permitido aos Tribunais julgar na matéria provada ou não provada juízos de valor ou juízos conclusivos, que são necessariamente retirados de factos concretos alegados pelas partes;

– Dar-se como não provado, como fez a M.mª Juiz a quo “Que a venda do imóvel descrita em 7º, não se tenha devido a qualquer ato de promoção desenvolvido pela Autora.” tem cariz exclusivamente conclusivo e esta conclusão teria que ser apurada/valorada/concluída em função da concreta factualidade que foi julgada provada e não provada.

– Assim, impõe-se ao juiz que faça constar da sentença os factos – e apenas os factos – julgados provados e não provados, o que significa que terá de ser suprimida destes qualquer juízo conclusivo;

– E nesta sede, os Réus/Recorrentes alegaram inúmeros factos para permitirem ao juiz concluir que a venda do imóvel não se deveu a qualquer ato de promoção por parte da autora, até porque nunca chegou ao conhecimento dos Réus/Recorrentes, quaisquer diligências e atividades promocionais realizadas pela Autora/Recorrida, com vista à angariação de comprador para a sua fração;

– E a conclusão afirmativa de que a venda não se deveu a qualquer ato de promoção desenvolvido pela Autora deveria ter resultado da não prova dos factos alegados pelos Réus/Recorrentes e o que consta na sentença é uma proposição conclusiva que deverá por isso ser expurgada dos factos não provados considerando-se não escrita.

– Sem conceder, a Autora, não cumpriu com a prestação a que se obrigou em contrapartida da cláusula de exclusividade que impôs aos Réus/Recorrentes, ficando estes limitados, por esta cláusula, na possibilidade de realização de negócio por outras vias; a cláusula de exclusividade deverá, pois impor uma obrigação mais forte para a mediadora, obriga a uma maior diligência na procura de um cliente interessado na compra do imóvel em causa.

– Em contrapartida da cláusula de exclusividade, tem a mediadora, uma especial obrigação de concluir e tornar eficaz o contrato previsto, na medida em que, com a exclusividade, fica o cliente impossibilitado de recorrer aos serviços de outras mediadoras.

– Se assim não fosse estar-se-ia num desequilibro das prestações que não seria legalmente admissível, e até se considera que o contrato de mediação simples e o contrato de mediação imobiliária com cláusula de exclusividade, constituam realidades diferentes, chegando mesmo a falar-se de duas subespécies da mediação.

– O cumprimento do contrato por parte da mediadora exige assim que esta terá que desenvolver uma atividade ativa e empenhada no sentido de obter interessado no contrato e/ou levar as negociações a bom porto.

– Assim, a mediadora que não cumpra com as obrigações que sobre ela impendem, de fazer uma angariação ativa de interessados não pode ter direito à remuneração, por uma venda realizada por outra mediadora, sob pena de se estar a premiar o incumprimento daquela.

– E veja-se que no caso dos autos, com exceção de uma visita realizada já depois da rescisão do contrato, conforme analisado no corpo destas alegações, durante os mais de 3 anos em que vigorou o contrato – de 11 de junho de 2017 a 25 de novembro de 2020, não logrou a Autora/Recorrida a realização de uma visita, a angariação de um interessado, com apresentação de uma contraproposta.

– E o caricato é que a casa é vendida em junho de 2019, os compradores passaram a habitar a casa, venda esta que teria de ser do conhecimento da mediadora, aqui Autora/Recorrida, se fizesse uma angariação ativa de interessados, mas manteve-se em absoluto silêncio durante mais de 1 ano e 5 meses, até à emissão da fatura em 25-11-2020.

– Assim, um mediador que se tenha vinculado com contrato de mediação em regime de exclusividade fica investido numa verdadeira “obrigação de agir” sob pena pouco ou nada fazendo perder o mediador o direito à comissão apesar da cláusula de exclusividade.

– Doutro modo estaríamos a obrigar a pagar aos comissários aqui Recorrida, remunerações a quem não efetua a sua contraprestação, e não há dúvida que a remuneração terá que ser a contraprestação do cliente pelos serviços acordados pela empresa de mediação.

– Não pode deixar de concluir-se que o incumprimento da Autora/Recorrente da prestação a que se obrigou é claro e inequívoco, pelo que não pode ter direito à contraprestação.

– A sentença recorrida faz, ainda, uma errónea apreciação da prova, pois os elementos contidos no processo, a prova realizada em audiência de julgamento, nomeadamente os documentos e depoimentos prestados pelas testemunhas, uma vez analisados e reapreciados com correção e mediante as regras que se impõem da lógica e da experiência comum, levarão ao correto apuramento dos factos em discussão e à prolação de uma sentença justa.

– E os factos que se consideram incorretamente julgados e importam uma reapreciação são o mencionados nos seguintes pontos 6: “Em cumprimento do acordo descrito em 2. a Autora promoveu o imóvel na sua rede, publicitou a venda do mesmo em plataformas online, e angariou interessados;” e dos factos não provados: a) Que os Réus/Recorrentes tenham entregue a carta de rescisão do contrato em mão, à Autora, em 19 de Maio de 2019; b) Que a venda do imóvel descrito em 7., não se tenha devido a qualquer ato de promoção desenvolvido pela Autora.

– Quanto à valoração da prova, e, em primeiro lugar, a M.mª Juíza valorou o que não podia ter valorado e desconsiderou quase integralmente prova que deveria ter considerado procedendo à sua valoração em conformidade.

– E julgou incorretamente os factos que ora se impugnam por, entre outros, ter valorado um documento particular, apresentado e elaborado pela Autora - uma folha de excel, documento 5- como se de documento autêntico se tratasse.

– Em primeiro lugar, este documento não apresenta a forma legal para merecer a força probatória que o tribunal lhe conferiu, fazendo prova plena dos factos que nele estão inscritos.

– Este documento particular, é uma simples folha de excel, com nomes e contactos, não contém a assinatura de ninguém, desconhece-se quem colocou tais elementos, donde são originários os mesmos, para que efeito foi efetuado, documento que nunca foi apresentado aos Réus/Recorrentes em momento, e o que mais se estranha é que nem sequer ao angariador da Autora o mesmo foi apresentado ou dado como base de trabalho.

– Veja-se que para além desta folha não logrou a Autora/Recorrente, juntar outro documento ou testemunha que conferisse fé aos elementos que esta fez constar da mesma.

– Não se sabe a quem pertencem esses contactos, nem se algumas destas pessoas contactaram a Autora/Recorrida, não há nada que possa atestar a veracidade e autenticidade deste documento;

– E nada havendo que possa atestar a veracidade e autenticidade dos elementos não pode concluir-se que se tratava de interessados no imóvel, como parece ter-se convencido a M.mª Juíza.

– E violando os mais elementares princípios e regras de valoração de prova põe-se em causa o depoimento de testemunhas que testemunharam com isenção e imparcialidade, nomeadamente o proponente e a compradora do imóvel, com base neste documento, desvalorizando até o que afirmaram só porque as suas declarações não coincidem com o que do alegado documento consta.

– E basta atentar no conteúdo do documento, conforme explanado nas alegações, para nos  apercebermos que o mesmo não é fiável.

– Consta dessa lista e a encabeçá-la o nome da compradora do imóvel “EE” seguido de um número de telefone que a própria afirmou perentoriamente que só pertenceu à testemunha até 2016, e a M.mª Juíza argui que não se “releva” a memória da testemunha porque quando confrontada, afirma que já lhe pertenceu e o seu nome consta da lista das pessoas que realizaram pesquisas de moradias da tipologia do imóvel dos autos;

– Mas mais, o o nome desta testemunha se encontra como sendo registado a 7 de fevereiro de 2017 e o contrato de mediação foi subscrito em junho de 2017.

– Para além de muitos outros elementos incoerentes, falsos, e em contradição com prova testemunhal credível realizada em audiência de julgamento, nomeadamente o nome do promotor responsável;

– Aliás, se este documento eram contactos advindo da promoção do imóvel dos

Réus/Recorrentes e a promoção deste imóvel foi entregue ao Senhor DD, como é que ele o desconhece?

– A testemunha EE declarou ao tribunal, num depoimento perfeitamente coerente, lógico e a depor sobre factos pessoais, relatou ao tribunal que antes de 2018 nunca procurou casa, explicando os factos da sua vida pessoal que a impediam de pensar em procurar casa antes desta data;

– Só pelo facto de o seu nome constar na lista como tendo sido recolhido em fevereiro de 2017, quando até o contrato de mediação dos Réus/Recorrentes com a Autora foi celebrado em junho de 2017, a M.mª Juíza desconsidera totalmente o seu depoimento;

– Ora a M.mª Juíza confere força probatória plena à folha de excel, dando-lhe total credibilidade, e abalando com base nesta a credibilidade das testemunhas, sem se suportar em qualquer outra prova;

– As incoerências manifestamente reveladas por este documento, por si, e quando confrontado com a demais prova, nomeadamente a testemunhal, abala a credibilidade deste documento, não se percebendo em que principio em matéria probatória se recorre, para conferir força probatória plena a esta lista.

– Assim, este documento, sem qualquer outro suporte ou elemento de prova credível não podia ser valorado como o tribunal o fez, não podia ser valorado o que a parte dela fez constar, porque dela faz constar o que pretendeu, sendo certo que só por si nunca poderia valer como prova.

– Também quanto à prova testemunhal foi feita uma errónea valoração, tendo sido desconsiderados, pela M.mª Juíza a totalidade do depoimento das testemunhas apresentadas pelos Réus/Recorrentes, desvalorizando na íntegra, todos os factos que cada uma destas testemunhas relatou ao Tribunal, sem aduzir qualquer argumento legitimo ou lógico para tal efeito e contrariando as mais elementares regras em matéria de prova.

– Por outro lado, a M.mª Juíza valorizou na integra o depoimento das testemunhas da Autora são tão só trabalhadores desta;

– Os Réus/Recorrentes, arrolaram a compradora do imóvel dos Réus, a pessoa que acompanhou a Ré na entrega da carta de rescisão e o promotor da Autora e a quem foi entregue a promoção do imóvel dos Réus/Recorrentes enquanto esteve em vigor o contrato de mediação imobiliária com a R..., testemunhas que depuseram sobre factos dos quais tinham conhecimento pessoal e em que tiveram intervenção, justificaram as circunstâncias do seu conhecimento e indicaram a razão de ciência.

– E nenhum dos factos por estas testemunhas relatados foram contraditados por qualquer outra prova, nomeadamente, pelas testemunhas da Autora/Recorrida.

– Nomeadamente a testemunha DD, melhor que ninguém poderá dizer o que de facto se passou em termos de promoção deste imóvel e afiançar em que moldes se processou a relação entre a R..., tratando-se pois, de um depoimento imprescindível para apuramento da verdade material;

– Contudo sem qualquer lógica e ao arrepio de tudo quanto se passou na audiência a M.mªa Juíza abalou o seu depoimento por entender ter sido patente na postura adotada em julgamento a existência de quezílias e diga-se em abono da verdade, sem qualquer fundamento, até porque nenhuma testemunha, nem mesmo as da Autora ou a própria Autora veio por em causa as boas relações existentes entre esta testemunha e aquela, ou mesmo qualquer outro elemento de prova permite legitimamente descredibilizar esta testemunha.

– E veja-se que isto é tão atentatório à coerência de análise dos depoimentos que a M.ma Juiz desvaloriza o depoimento daquela testemunha DD, e valora o depoimento CC, diretor comercial da Autora/Recorrida, que não conhece os Réus/Recorrentes, nunca interveio em qualquer visita ou ato de interessado e que em relação ao contrato de mediação nada sabe.

– O facto provado do ponto 6 dos factos provados encontra-se incorretamente julgado “Em cumprimento do acordo descrito em 2. a Autora promoveu o imóvel na sua rede, publicitou o mesmo em plataformas on line e angariou interessados”e deverá ser considerado não provado;

– Isto porque, a Autora/Recorrida não logrou fazer prova de que fez a efetiva promoção do imóvel dos Réus/Recorrentes, prestação de promoção do imóvel dos Réus/Recorrentes, a que a se obrigou, pelo menos enquanto vigorou o contrato de mediação, nomeadamente, não fez atos de promoção do imóvel e angariação de interessados, bem pelo contrário, toda a prova feita foi no sentido de que não houve uma verdadeira promoção deste imóvel por parte da Autora/Recorrida.

– Não foi feita prova de que a Autora/Recorrente cumpriu a prestação a que se obrigou, pois a sentença fundamenta esta prova num documento que não tem qualquer força probatória, o doc. 5 – folha de excel, já analisado - não foi junto qualquer outro documento que conferisse fé aos elementos que esta fez constar da mesma;

– E o próprio promotor do imóvel, DD, confrontado com esse documento mostrou desconhecê-lo; trata-se de um documento elaborado deliberadamente para a audiência de julgamento;

– A Autora que é uma empresa organizada, não mostrou quaisquer outros elementos, comprovativos da realização de atos de promoção, nem mesmo as inúmeras revistas de publicidade que diz ter para o efeito;

– E nenhuma das testemunhas da Autora revelou ao Tribunal ter tido conhecimento direto de um ato de promoção do imóvel dos Réus/Recorrentes, nenhuma das testemunhas da Autora referiu ao Tribunal que a Autora/Recorrida tivesse visto anunciada a venda fosse em que site fosse, ninguém foi capaz de referir ao tribunal onde estavam afixadas ou publicadas as fotos do imóvel dos Réus/Recorrentes, etc., que interessados existiram, com exceção de um, não houve apresentação de contrapropostas, isto volvidos mais de 3 anos sobre a celebração do contrato de mediação imobiliária;

– Nesses mais de 3 anos, apenas efetuaram uma visita com um alegado interessado que nem sequer apresentou uma contraproposta séria, já que desistiu de imediato alegando problemas de saúde.

– A produção de prova da promoção assenta na apresentação de um documento, que é apenas um escrito, elaborado pela Autora/Recorrida, não lhe podendo ser conferida a força de documento nos termos do artigo 362º do Código Civil, porque não reproduz nenhum facto e face à prova e aos elementos nele inseridos nenhuma credibilidade pode ser dada.

– Sendo evidente que a folha de excel foi elaborada através da consulta escritura de compra e venda do imóvel dos Réus/Recorrentes, nos quais constam o nome da compradora e do seu marido, e se a testemunha CC diz que não junta qualquer documento comprovativo da promoção feita nos sites, porque já não estão ativos, donde retirou os elementos com que preencheu a lista de excel?!!

– E os demais documentos juntos pela Autora, também não comprovam a existência de atos de promoção, já que o documento 6 é um documento interno, elaborado pela Autora, que apenas tem inscrito a visita realizada ao imóvel em fevereiro de 2019, sendo que se trata sempre da única visita feita nos 3 anos que a Autora diz ter durado o contrato.

– O único ato de promoção que a Autora realizou é uma visita ao imóvel que terá acontecido em 19 de fevereiro de 2019, decorridos quase 2 anos sobre a data da celebração do contrato de mediação e mais de 8 meses sobre a data da rescisão do contrato operada pelos Réus/Recorrentes.

– E a realização desta visita, após a rescisão compreende-se como explicou ao Tribunal a testemunha DD, é procedimento habitual das mediadoras, manterem os imóveis “ativos” na plataforma interna da Autora, na tentativa de lograrem algum interessado na compra do imóvel para, procederem à repartição entre ambas as comissões devidas.

– Assim, também este documento – doc. 12 - cujos elementos são postos em causa pela prova produzida pela própria Autora/Recorrida, não podia merecer qualquer credibilidade ao tribunal.

– Não tendo sido feita prova a realização em concreto de atos de promoção de venda do imóvel dos Réus/Recorrentes, por parte da Autora/Recorrida tem este ponto da matéria de facto ser dado como não provado;

– Outro facto incorretamente julgado foi o de que os Réus/Recorrentes entregaram a carta de rescisão em mão, à Autora, em 19 de maio de 2018 e este facto deve ser dado como provado, facto que os Réus/Recorrentes alegaram e lograram provar em audiência de julgamento;

– Rescisão que, na verdade não fizeram por carta registada com aviso de receção, mas fizeram-no cumprindo com o estipulado na cláusula 8ª do contrato de mediação dos autos que permite a rescisão através de carta registada com aviso de receção ou outro meio equivalente;

– E, sem dúvida, que uma carta entregue pessoalmente na sede da Autora/Recorrida, diretamente ao destinatário é um meio perfeitamente eficaz para entregar a carta contendo a comunicação de rescisão do contrato de mediação, deverá considerar-se que é um meio idóneo e adequado ao fim visado, pelo que a comunicação de rescisão, entregue em mão, foi validamente realizada.

– E os Réus/Recorrentes provaram que entregaram a carta em mãos na agência da Autora/Recorrida, em ... e antes da entrega desta carta já haviam feito a comunicação de rescisão ao angariador DD, conforme o que este referiu ao tribunal.

– A testemunha FF, que acompanhou a Ré/Recorrente na entrega da carta na sede da agência da Autora/Recorrida, declarou isto ao tribunal, e a autenticidade do ser depoimento não foi posto em causa pela M.mª Juíza a quo, referindo apenas não dava como provado por entender que a prova testemunhal não é um meio idóneo para a prova deste facto.

– Ora, o depoimento não foi posto em causa, nem foi descredibilizado pela M.mª Juiz. O que na fundamentação da sentença se diz é que a entrega em mão não pode suprir a prova documental dessa entrega.

– Acresce que o angariador DD, declarou ao tribunal, que o Réu/Recorrente lhe comunicou a sua intenção de rescindir o contrato de mediação com a Autora/Recorrida, decorrente do tempo decorrido e não ter logrado conseguir um comprador para o imóvel;

– E, de toda a prova que foi produzida em audiência de julgamento não podem restar dúvidas de que a Autora tomou conhecimento da intenção de rescisão dos Réus/Recorrentes que lhe validamente comunicada, porquanto não mais praticou qualquer ato de promoção ou angariação em relação ao imóvel dos Réus/Recorrentes, com exceção de uma visita ocorrida já depois da rescisão.

– Conforme declarou ao Tribunal, o angariador do imóvel a partir do momento em que o Réu marido lhe comunicou que rescindia o contrato, não praticou mais qualquer ato de promoção no âmbito do mesmo.

– E, para além da única visita realizada pelo consultor de um comprador GG, porque o imóvel continuava registado nos documentos internos da Autora, depois desta comunicação ao angariador, não foram realizadas quaisquer ações de promoção.

– Como referiu a testemunha DD, os contactos de clientes permanecem, independentemente de os contratos serem rescindidos.

– E o facto de que a Autora/Recorrida teve perfeito conhecimento da rescisão do contrato por  parte dos Réus/Recorrentes, extrai-se até do facto de, tendo a escritura de venda do imóvel sido realizada em 8 de junho de 2019 e a fatura para cobrança da comissão ter sido emitida em 25 de novembro de 2020, quando a Autora se apercebeu que a casa tinha sido vendida, pelo menos desde 8 de junho de 2019 a 25 de novembro de 2020, não feita nenhuma visita ao local – até porque a casa encontrava-se habitada e a Autora/Recorrida não tinha a chave - nenhum contacto com os Réus/Recorrentes, ou a Autora ter-se-ia apercebido muito facilmente que o objeto da mediação era impossível.

– O angariador DD, declarou que se lembra de que esta comunicação de rescisão terá ocorrido no primeiro trimestre de 2018, data a partir da qual não mais desenvolveu qualquer ato de promoção no âmbito do contrato de mediação dos autos;

– E esta testemunha ainda esteve a trabalhar por conta da Autora até Março de 2020.

– Pelo que deve ser dado como provado que “Os Réus/Recorrentes comunicaram a sua intenção de rescindir o contrato através de carta entregue em mão em 18 de maio de 2018.”

– Os Réus/Recorrentes alegaram e provaram que não foi dado cumprimento à obrigação de comunicação nos termos e com os efeitos do artigo 5º da LCCG da cláusula de exclusividade;

– Neste ponto querem os salientar que não podia ter-se ocultado nos factos provados que não houve cumprimento da obrigação de comunicação da cláusula de exclusividade, da sua abrangência e consequências.

– E basta atentar nas declarações do diretor comercial da Autora/Recorrida, para se perceber que a Autora/Recorrida esta não tem nenhum procedimento prévio para comunicar aos clientes que a procuram, o conteúdo e teor das cláusulas por ela elaboradas, em cumprimento do artigo 5º da LCCG, pois limitou-se a dizer que apenas o fazem quando a parte faz perguntas, nomeadamente quanto ao regime da exclusividade;

– Isto quando a lei impõe este dever ao mediador, previamente à assinatura, de explicar o teor, direitos e deveres das partes e consequências do estabelecimento desta cláusula.

– E esta testemunha da Autora/Recorrida, que não teve qualquer contacto com os Réus/Recorrentes, é o diretor geral e está seguramente inteirado dos procedimentos, confirmou ao tribunal que prestar esclarecimentos só o fazem a solicitação dos aderentes ao contrato, ou seja, não é um procedimento habitual, prévio à assinatura do contrato.

– E a única pessoa, para além dos Réus/Recorrentes, que pode esclarecer todas as circunstâncias em que ocorreu este negócio, é sem dúvida esta testemunha, DD.

– E esta testemunha claramente afiançou ao Tribunal o que se passou quanto à cláusula de exclusividade que não foi explicado o seu conteúdo aos Réus/Recorrentes, até porque não recebe instruções da sua entidade patronal. Bem pelo contrário referiu até que as informações que devem transmitirem ao cliente é que poderá rescindir o contrato quando entender, e que só se levarem o cliente é que terão direito à contraprestação a que se obriga os mediados aderentes. 

– Pelo que, tem de ser considerado dado como provado o facto e acrescentar ao elenco dos factos provados que: “O clausulado predefinido pela Autora constante do contrato de mediação imobiliária em causa, não foi comunicado previamente nem explicado o seu conteúdo aos Réus/Recorrentes, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa quer para o cliente”, como a lei impõe.

– Quanto às circunstâncias da realização do negócio de compra e venda do imóvel dos Réus/Recorrentes e inexistência de nexo de causalidade, importa referir que o contrato de mediação imobiliária celebrado entre Autora/Recorrida e Réus/Recorrentes cessou em 19 de maio de 2018 em virtude da comunicação de rescisão realizada por estes àquela;

– Sem conceder quanto à rescisão do contrato, a comissão que é reclamada nesta ação não é devida pelos Réus/Recorrentes à Autora.

– Resulta dos factos provados que o contrato de compra e venda do imóvel dos

Réus/Recorrentes teve a intervenção de outra imobiliária que efetivamente logrou angariar comprador para o efeito.

– O contrato de venda do imóvel não se deveu a qualquer ação, contacto, visita, reunião, ou o que quer que fosse, resultante de qualquer diligência ou ação por parte da Autora/Recorrida.

– Os compradores nunca tiveram qualquer contacto com a Autora/Recorrida que não praticou qualquer ato que facilitasse ou levasse à concretização do negócio.

– Assim, não foi devido a qualquer ação levada a efeito pela Requerente que os compradores tiveram conhecimento de que o imóvel estava à venda.

– O conhecimento de que o imóvel se encontrava à venda não foi através de qualquer atuação ou prática da Autora/Recorrida, a visita ao imóvel não foi feita por esta, a comunicação das características do imóvel para adequação às necessidades e gosto dos compradores não teve qualquer intervenção da Autora/Recorrida, nem foi esta quem promoveu todos os atos para a concretização da venda.

– Os compradores, como bem a testemunha EE declarou em Tribunal, tomaram conhecimento de que o imóvel se encontrava à venda através de publicidade e promoção realizada pela mediadora V..., Lda., com quem realizaram uma visita ao mesmo, encetaram negociações com vista à compra do mesmo, apresentando propostas e contrapropostas através da mediação desta empresa.

– E em 28 de junho de 2019 concretizou-se o negócio com a realização da escritura de compra e venda da fração com a intervenção da V..., Lda., como consta das declarações prestadas no ato da escritura.

– Ora, nos termos do artigo 19º da Lei 15/2013, a remuneração da empresa mediadora é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, sendo que nos termos do n.º 2 do mesmo artigo a remuneração é igualmente devida nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.

– E a não concretização do negócio com a intervenção da Autora/Recorrida não se deveu seguramente a qualquer causa imputável aos Réus/Recorrentes e nem tal foi alegado e nem poderia ser.

– Ora, a mediadora só tem direito à remuneração se o negócio vier a ser concluído e se existir um nexo causal entre o negócio visado e a atividade do mediador, atividade que, no caso concreto, não existiu por parte da Autora/Recorrida.

– Pelo que, não tendo havido nexo de causalidade entre qualquer atividade da mediadora aqui Autora/Recorrida e o contrato de compra e venda celebrado para venda do imóvel em causa nos autos, que tão pouco levasse à aproximação dos interessados, o peticionado jamais é devido e trata-se de um mero oportunismo ávido da Autora/Recorrida.

– Por ultimo existe um manifesto, evidente, clamoroso abuso de direito por parte da Autora/Recorrida;

– Conforme resultou provado, os Réus/Recorrentes comunicaram a denuncia do contrato à Autora/Recorrida por carta que entregaram em mão e a verdade é que os Réus/Recorrentes não são entendidos nesta matéria e usaram da sua boa-fé, não vislumbrando jamais que a Autora/Recorrida seria capaz de negar o seu recebimento.

– Ademais aquando do recebimento a Autora/Recorrente não informou que aquele não seria o meio adequado para rescindir o contrato. Por outro lado, os Réus/Recorrentes já haviam comunicado esta rescisão ao promotor da Autora/Recorrida a quem havia sido afeta a promoção do imóvel dos Réus/Recorrentes, como este confirmou ao Tribunal.

– E veja-se que, se até ali pouco ou nenhum trabalho foi feito, a Autora/Recorrida convenceu os Réus/Recorrentes que havia aceitado a rescisão, tanto mais que os Réus/Recorrentes iam contactando a Autora com vista a inteirar-se da situação e solicitando uma mediação mais ativa e deixaram de o fazer sem que a Autora nada lhe dissesse fosse para que motivo fosse.

– O único contacto que houve deste maio de 2018 a fevereiro de 2019 foi em finais de fevereiro com vista a uma visita, por parte de um alegado interessado e no meio imobiliário como bem referiu o promotor da Autora é hábito manterem o imóvel em carteira pós rescisão, até porque entre mediadoras podem existir parcerias com vista à repartição da comissão.

– E após aquela visita que nem redundou num efetivo interessado, a Autora/Recorrida manteve-se em silêncio até 25 de novembro de 2020, para lhe faturar a comissão!

– Pelo menos desde fevereiro 2019 a novembro de 2020, não houve um só contacto que fosse com os Réus/Recorrentes, fosse para que efeito fosse. E isto são factos apurados face à prova produzida. A Autora não só não deu cumprimento ao contrato como teve um comportamento que fez crer aos Réus/Recorrentes que havia aceitado a rescisão.

– Assim, a atuação da Autora/Recorrida, constitui verdadeiro abuso de direito, pois omitiu-se completamente e praticou os atos consentâneos com a aceitação da rescisão, criando a expectativa de que esta tinha sido aceite, para, de forma inesperada, contrária à boa fé contratual, vir passados mais de dois anos e meio, pedir o pagamento de uma comissão a que sabe não tem direito.

– E não existe nenhum indicio sequer nos autos de que os Réus/Recorrentes se tenham comportado para se furtarem ao pagamento de uma comissão.

– Então se a interessada, efetiva compradora, tivesse sido angariada pela Autora/Recorrida, ou tivesse em vigor o contrato, o que beneficiariam os Réus/Recorrentes em pagar a comissão a uma terceira mediadora V... em vez de a pagarem à Autora, como fizeram e resulta da escritura!?

– Não fossem os Réus/Recorrentes crer na comunicação que fizeram à Autora verbal e escrita da rescisão do contrato estava perfeita e válida e havia sido aceite, e nunca teriam feito a venda sem rescindirem o contrato com a Autora/Recorrida.

– Preceitua o artigo 334º do Código Civil que é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

– Sem conceder quanto à rescisão operada pelos Réus/Recorrentes, mesmo que se entenda que esta não foi concretizada na forma adequada, a Autora/Recorrida está a agir em manifesto abuso de direito porquanto fez crer nos Réus/Recorrentes que haviam aceitado a rescisão. Manteve-se calada e à espera da venda por parte da interessada ou de outra mediadora, sem nada fazer para depois cobrar uma comissão como se tivesse efetuado a contraprestação devida.

– Pelo que não pode assistir razão à Autora de ver a sua pretensão reconhecida judicialmente de ver condenados os Réus/Recorrentes condenados a pagar uma comissão por uma mediação que não fez, aproveitando a falta de esclarecimento dos Réus/Recorrentes que julgavam ter rescindido o contrato e desconheciam a cláusula de exclusividade.

– Violadas foram, entre outras, as normas dos artigos 5º e 8º da LCCG, 334 e 362º do C.C., 615º n.º 1 do C.P.C.;

– Pelo que, revogando a sentença recorrida e absolvendo os Réus/Recorrentes do pedido formulado pela Autora/Recorrida, farão V. Exas a costumada JUSTIÇA!

c) A Autora contra-alegou, sendo as respetivas conclusões do recurso as seguintes:

«a. O tribunal a quo decidiu em conformidade com a prova produzida, tendo condenado, e bem, os Réus ao pagamento da quantia de 12.915,00€, acrescida de juros de mora vencidos de 781,27€ desde 28-06-2019 até 30-12-2020 e juros vincendos à taxa legal de 4% desde 01-01-2021 até integral e efectivo pagamento.

b. Entendemos que o Tribunal recorrido efectuou a correcta valoração da matéria dada como provada, bem como de todos os elementos de prova que foram carreados para o processo.

c. A sentença recorrida encontra-se devidamente fundamentada e o Tribunal a quo fez uma correcta interpretação e valoração da factualidade apurada e de todas as provas produzidas nos autos.

d. Entendemos que a sentença recorrida não enferma de qualquer vício ou reparo, devendo a mesma ser confirmada, mantendo-se inalterada.

e. Os recorrentes não têm razão, pelo que deverá improceder o seu recurso.

f. Não há qualquer reparo a fazer à decisão proferida nos autos, devendo a mesma ser mantida.

g. O tribunal recorrido efectuou uma correcta valoração da matéria de facto e de todos os factos que foram carreados para o processo, não havendo qualquer reparo a fazer.

h. A Mma. Juiz a quo formou a sua convicção pela avaliação de todas as provas carreadas para os autos, e nomeadamente, através dos documentos juntos aos autos e pelos depoimentos prestados pelas testemunhas.

i. Os recorrentes peticionam a nulidade da sentença proferida por alegada omissão de pronúncia, por se tratar de um contrato de adesão e alegadamente não terem sido explicitadas as cláusulas do mesmo aos recorrentes; todavia, em sede de oposição os requeridos limitaram-se a fazer uma ténue referência ao facto de considerarem que se trata de um contrato de adesão, não tendo, contudo, feito qualquer pedido de declaração de nulidade ou exclusão de cláusulas, conforme vem agora peticionado em sede de alegações de recurso.

j. A sentença recorrida não se poderia pronunciar sobre factos que não foram suscitados pelos requeridos em sede própria, não existindo qualquer omissão de pronuncia, nos termos indicados pelos recorrentes

k. A sentença não padece de qualquer nulidade, pois, da prova produzida em audiência de julgamento, é manifesto que as cláusulas do contrato foram devidamente explicitadas aos recorrentes.

l. Os recorrentes apenas em sede de recurso peticionam a exclusão de cláusulas gerais do contrato outorgado, com o fundamento de não terem tido intervenção na elaboração do contrato, não tendo sido feita qualquer prova por parte dos recorrentes no sentido de verem considerado que não compreenderam as cláusulas do contrato outorgado, nomeadamente, quanto à cláusula da exclusividade e da denúncia; Não tendo restado dúvidas que o contrato outorgado

entre requerente e requeridos foi validamente outorgado, não existindo quaisquer cláusulas que possam ser declaradas nulas ou anuladas.

m. Atendendo à prova produzida e ao facto de os requeridos nunca terem colocado em causa o contrato outorgado, é manifesto que o mesmo não padece de qualquer nulidade e por tal motivo não se verem excluídas quaisquer cláusulas, conforme requerido pelos Réus (somente) nas alegações de recurso.

n. A comissão da Autora é devida não só pelo âmbito da violação de exclusividade por parte dos Réus, pois assinaram um contrato de mediação com exclusividade e na venda que efectuaram fazem constar expressamente que o negócio foi mediado pela Sociedade Mediação Imobiliária com quem assinaram outro contrato.

o. Não havendo dúvidas de que os recorrentes violaram contrato de mediação, na cláusula de exclusividade, o qual nunca foi denunciado, nem nunca foi produzida oposição à sua renovação e manifestamente foi promovido pela Autora

p. Razão por que os réus incumpriram o contrato, por razões que lhe são totalmente imputáveis, pelo que devem satisfazer a quantia acordada contratualmente referente à comissão ou remuneração que a autora tem direito a receber – cf. Lei n.º  15/2013, de 08-02, art.º 19º-2 que preceitua que “é igualmente  devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o  negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável  ao cliente proprietário (…)”; vd. o Ac. da RL de 22.11.2012, rel. desemb. Anabela Calafate que sustenta que num contrato de mediação imobiliária em regime de exclusividade, o direito à remuneração do mediador existe mesmo que não se concretize o negócio desde que a não concretização se deva a causa imputável ao cliente, sendo certo que o direito à remuneração implica a execução da prestação contratual a que o mediador se obrigou, ou seja, a prática dos actos adequados a conseguir a concretização do negócio visado com a mediação; é mister que fique demonstrado que a mediadora praticou os actos  necessários à concretização do negócio entre o seu cliente e o terceiro interessado e que, só por culpa do cliente, o negócio não

se concretizou por intermédio da mediadora q. Deste modo, entende a recorrida que não assiste razão aos recorrentes.

r. Deve a sentença recorrida ser confirmada e manter-se inalterada.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o recurso interposto pela recorrente ser julgado improcedente, e ser a sentença recorrida confirmada, Só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»

II. Objeto do recurso.

As questões que o recurso coloca são estas:

1 – A primeira respeita à nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia – artigo 615º, n.º 1, alínea d) do C.P.C. –, porquanto, dizem os Recorrentes, suscitaram na oposição a questão de terem celebrado o contrato de mediação como tratando-se de um contrato de adesão, sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais, pelo que competia à Autora demonstrar e provar que informou os Réus/Recorrentes das cláusulas contratuais, de modo a que estes ficassem conscientes, pelo menos, das consequências do ali contratado, sob pena de tais cláusulas serem excluídas do contrato, nomeadamente a relativa à exclusividade e formalidades para a resolução do contrato, sendo certo que a sentença nada referiu a tal respeito.

2 -  Em segundo lugar, cumpre conhecer da impugnação da matéria de facto.

(a) A Recorrente pretende que seja acrescentado aos factos provados o seguinte:

«O clausulado predefinido pela Autora constante do contrato de mediação imobiliária em causa, não foi comunicado previamente nem explicado o seu conteúdo aos Réus/Recorrentes, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa quer para o cliente»

(b) Pretende que seja eliminado do elenco dos factos não provados a alínea b) que diz «Que a venda do imóvel descrita em 7 não se tenha devido a qualquer ato de promoção desenvolvido pela Autora», por se tratar de um juízo de valor ou juízo conclusivo.

(c) Pretende que seja declarado não provado o facto provado n.º 6:

«Em cumprimento do acordo descrito em 2. a Autora promoveu o imóvel na sua rede, publicitou a venda do mesmo em plataformas online, e angariou interessados.»

 (d) Pretende que o facto declarado não provado sob a al. a), «Que os Réus/Recorrentes tenham entregue a carta de rescisão do contrato em mão, à Autora, em 19 de Maio de 2019», seja declarado provado.

(e) Pretende que o facto declarado não provado sob a al. b), «Que a venda do imóvel descrito em 7., não se tenha devido a qualquer ato de promoção desenvolvido pela Autora», seja declarado provado.

3 - Em sede de direito, os Recorrentes argumentam que deve considerar-se que o contrato celebrado é um contrato de adesão; que está submetido ao regime das cláusulas contratuais gerais, pelo que, nos termos do artigo 8º, alínea a), do respetivo diploma, devem ser excluídas do contratos as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º do mesmo regime, o que implica a exclusão do contrato da cláusula de exclusividade e a cláusula relativa às formalidades a observar para efetivar a resolução do contrato.

Invocam ainda incumprimento do contrato porquanto a Autora não diligenciou pela angariação de potenciais compradores ao longo de 3 anos, tendo apresentado apenas um potencial comprador que ofereceu preço inferior e logo desistiu do negócio.

Por isso, não tem direito à remuneração.

Os Recorrentes invocam ainda o abuso de direito porquanto a Autora praticou os atos consentâneos com a aceitação da rescisão, criando a expectativa de que esta tinha sido aceite, para, de forma inesperada, contrária à boa fé contratual, vir passados mais de dois anos e meio, pedir o pagamento de uma comissão a que sabe não tem direito.

III. Fundamentação

a) Nulidade de sentença

1 – Como se referiu supra, os Recorrentes alegam que a sentença padece de nulidade porquanto não se pronunciou – artigo 615º, n.º 1, alínea d) do C.P.C. – sobre a questão suscitada na oposição relativa ao facto do contrato celebrado pelos Réus ser um contrato de adesão e da Autora não os ter informado das respetivas cláusulas de modo a que ficassem conscientes das consequências do ali contratado, nomeadamente a cláusula relativa à exclusividade e a respeitante às formalidades para a resolução do contrato.

Verifica-se que efetivamente esta problemática foi suscitada na oposição e também é certo que a sentença nada refere a tal respeito.

Verifica-se a mencionada nulidade.

Pelo exposto, declara-se a nulidade da sentença quanto a esta matéria.

2 – Substituição do tribunal da Relação ao tribunal a quo.

Nos termos do n.º 1 do artigo 665.º do Código de Processo Civil, «Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação», ou seja, no caso, cumpre conhecer da questão da eventual omissão de informação sobre as cláusulas relativas à exclusividade e às formalidades para a resolução do contrato, que são as únicas cláusulas salientadas pelos Réus.

Esta matéria será analisada mais abaixo, na alínea «d)».

b) Impugnação da matéria de facto

1 – Os Recorrentes pretendem que seja acrescentado aos factos provados que: «O clausulado predefinido pela Autora constante do contrato de mediação imobiliária em causa, não foi comunicado previamente nem explicado o seu conteúdo aos Réus/Recorrentes, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa quer para o cliente.»

Invocam nesse sentido os depoimentos das testemunhas CC e DD.

Vejamos.

Não se afigura que existam dúvidas sobre o facto do contrato ter sido predefinido antecipadamente pela Autora, sem a colaboração dos Réus, na parte que está impressa.

A própria Autora não contestou esta factualidade.

Continuando.

A testemunha CC disse, referindo-se sobretudo à cláusula da exclusividade, que a mesma era explicada exaustivamente aos clientes porque estes têm dificuldade em compreendê-la e aceitá-la, pois a entendem como uma «prisão».

No essencial, a testemunha referiu ao minuto 07:52/08:18, a respeito da cláusula da exclusividade, que «…isto costuma ser logo, quando é realizado o contrato, é uma pergunta que os clientes fazem, porque os clientes não compreendem a exclusividade, e é uma das coisas que os consultores explicam exaustivamente, porque muitas das pessoas acham que a exclusividade é uma prisão (…), estão preparados para responder aos clientes acerca dessa cláusula.»

Confrontada a testemunha com a hipótese de tal cláusula não ter sido explicada aos Réus, a testemunha disse (minuto 08:28) que «Possivelmente isso não seria possível, senão os senhores não teriam assinado o contrato, certamente.»

Retira-se do depoimento que era habitual existir na altura da celebração do contrato uma conversa em que os funcionários da Autora explicavam o que é o regime da exclusividade porque os clientes têm dúvidas sobre ela, sobre aquilo que ela quer dizer.

Segundo o que foi dito pela testemunha, esta é a regra, mas, claro está, na prática quotidiana podem existir exceções, as quais ocorrem devido ao facto da ação humana ser um produto da vontade do sujeito, vontade que é exercida livremente pelo agente, não se tratando de uma função predeterminada, como ocorre com as máquinas programadas para executar sempre a mesma tarefa, as quais a executam sempre, caso não ocorra alguma avaria.

Com as pessoas não ocorre este determinismo, como todos sabem, devido ao livre exercício da vontade.

A testemunha CC referiu (minuto 23:11) que não contatou com os Réus; que foi o Sr. DD quem contatou com os Réus.

Cumpre então verificar o que foi dito a tal respeito pela testemunha DD.

Sobre esta matéria a testemunha DD, ao ser interrogada sobre se explicou aos Réus o teor do contrato, principalmente no que respeita à cláusula de exclusividade e circunstâncias em que os Réus eram obrigados a pagar à Autora a comissão aí prevista, referiu que falou com os Réus sobre essa matéria e que lhes disse (minutos 01.38:54) «Que só nós [entenda-se, a Autora] é que podemos fazer a publicidade, que é isso que nos é transmitido nas nossas formações e, que a exclusividade implica que se nós levarmos o cliente, mesmo sendo eles a vender ou o cliente nosso, que a comissão nos é devida. É isto que explicam nas formações, é isso que nós transmitimos aos nossos clientes proprietários.»

Tendo a Sra. Juíza lido à testemunha o teor da cláusula de exclusividade que consta do contrato celebrado pelas partes e junto aos autos, a testemunha referiu (minuto 01.40:14) «Certo», ou seja, a testemunha concordou que a exclusividade consistia naquilo que acabava de ser lido e o que foi lido foi:

«Clausula número dois: nos termos da legislação aplicada, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade, só a mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação durante o respetivo período de vigência, ficando a segunda contratante obrigada a pagar a comissão acordada caso viole a obrigação de exclusividade.»

Relativamente ao contrato em questão, a respetiva cópia foi junta ao processo pela Autora, no início da audiência de julgamento (doc. 2.).

A testemunha CC (diretor comercial da Autora) referiu que é sempre remetida cópia do contrato aos clientes, acompanhada de uma nota de agradecimento pela confiança depositada: «Depois é devolvida uma cópia juntamente com uma carta de agradecimento ao cliente por ter confiado o contrato em nós» - minuto 07:33.

Quanto a isto que foi referido pela testemunha, cumpre dizer que se tratará do procedimento esperado de uma imobiliária, sob pena de, não entregando cópia do contrato ao cliente, rapidamente será inferiorizada ou até eliminada do mercado pela concorrência, devido a essa má prática comercial geradora de grande desconfiança na mente dos clientes.

Os Réus não alegaram o não recebimento de cópia do contrato, o que teria constituído um esquecimento anómalo, se tal tivesse ocorrido, pelo que é de formar a convicção no sentido de que receberam de facto uma cópia.

Vejamos então.

O depoimento destas testemunhas afigura-se plausível tendo em consideração que a experiência do quotidiano nos diz que os Réus, ou outras pessoas no seu lugar, tendo como finalidade vender a casa onde habitavam e procurando para o efeito uma imobiliária que lhes propôs um certo contrato, que vieram a assinar, não o assinariam sem primeiro «passarem os olhos» pelo mesmo, para se inteirarem daquilo que lá estava escrito.

Por um lado, porque se trata de um negócio importante, ou seja, está a procurar-se vender a casa onde se habita e por um preço superior a 200 mil euros e, por outro, o texto do contrato sendo composto por duas laudas, como é, não era extenso e facilmente teriam lido, na altura da negociação, as epígrafes das cláusulas («Identificação do imóvel», «Identificação do negócio», «Ónus e encargos», «Regime de contratação», etc.) e colocariam ao funcionário da imobiliária as dúvidas que surgissem da sua parte.

Não é de facto plausível que os Réus tivessem assinado o contrato sem terem lido as epígrafes das cláusulas e algumas delas, como a da exclusividade.

Aliás, se essa omissão tivesse ocorrido certamente os Réus tê-la-iam alegado; teriam dito que não leram na altura das conversações as cláusulas do contrato e até refeririam por que razão procederam desse modo.

Face ao que fica dito, tendo o contrato sido assinado pelos Réus, como foi, sendo pouco extenso, dada a importância do mesmo para a vida dos Réus, constando a cláusula de exclusividade do contrato, afigura-se muito provável que os Réus tivessem reparado nela e tenham questionada a testemunha DD sobre essa cláusula.

E neste contexto é, inclusive, altamente verosímil, que a testemunha tenha lido a cláusula de exclusividade que consta do contrato e a tenha explicado aos Réus nos mesmos termos que usou em tribunal.

Fosse porque os Réus leram a cláusula e tiveram dúvidas, ou a testemunha DD tivesse tido a iniciativa de a explicar e a explicou como acima ficou referido, a testemunha terá dito aos Réus algo deste género: «Diz-se aqui nesta cláusula, no n.º 4, que «Nos termos da legislação aplicada, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade …», isto da «exclusividade» quer dizer [ E agora transcreve-se o que a testemunha disse em audiência, adaptando o que ela disse a um discurso direto] que «…só nós é que podemos fazer a publicidade», «só nós levamos o cliente», «se vocês venderem, a comissão é-nos devida».

Cumpre referir, ainda, que o facto impugnado em causa compreende todas as cláusulas do contrato e não apenas a cláusula de exclusividade.

As partes, porém, concentraram apenas a sua alegação nesta cláusula e o desinteresse pelas restantes permite formar a convicção de que as restantes foram examinadas pelos Réus e pela testemunha DD, mas não suscitaram dúvidas.

Por conseguinte, face forma-se a convicção de que o depoimento da testemunha DD corresponde à realidade, ou seja, que as afirmações dele no sentido de ele ter efetivamente explicado aos Réus o teor da cláusula de exclusividade, existiram historicamente.

Pelo exposto, tendo em consideração as regras de experiência, pretendendo os Réus vender a sua casa de habitação por mais de 200 mil euros e tendo procurado para o efeito uma imobiliária que lhes propôs um certo contrato previamente elaborado, que vieram a assinar, sendo o texto do contrato composto apenas por duas laudas, com as cláusulas identificadas pelas epígrafes «Identificação do imóvel», «Identificação do negócio», «Ónus e encargos», «Regime de contratação», etc., não é verosímil que o tenham assinado sem terem primeiro «passado os olhos» pelo mesmo, para se inteirarem daquilo que lá estava escrito e que não tivessem colocado ao funcionário da imobiliária com quem falavam dúvidas que surgissem da sua parte.

Neste contexto, na ausência de elementos de prova em sentido oposto, tendo o funcionado da imobiliária ouvido como testemunha declarado que explicou aos Réus a cláusula de exclusividade constante do contrato, a convicção pode formar-se – artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil – no sentido de que as suas afirmações correspondem à realidade histórica.

Por conseguinte, quanto ao facto omisso na matéria de facto, a convicção forma-se neste sentido:

«O clausulado impresso constante do contrato de mediação imobiliária foi predefinido pela Autora e foi comunicado previamente aos Réus, tendo sido dito aos Réus que só a Autora podia fazer a publicidade e angariar clientes e se os Réus vendessem o prédio a comissão era igualmente devida Autora».

Esta matéria será adicionada sob o n.º «4A».

2 - Os Recorrentes pretendem que seja eliminado do elenco dos factos não provados a alínea b), que diz o seguinte:

 «Que a venda do imóvel descrita em 7 não se tenha devido a qualquer ato de promoção desenvolvido pela Autora.»

Argumentam que se trata de uma firmação que consiste num juízo de valor ou juízo conclusivo.

Têm razão.

Trata-se de matéria conclusiva que omite os factos que terão ocorrido no quotidiano e só estes devem constar da matéria de facto, sempre que possível e neste caso isso era seguramente possível.

Será eliminado o teor dessa alínea.

3 -  Os  Recorrentes pretendem que o facto provado n.º 6 seja declarado não provado, sendo esta a sua redação:

«Em cumprimento do acordo descrito em 2. a Autora promoveu o imóvel na sua rede, publicitou a venda do mesmo em plataformas online, e angariou interessados.»

Argumenta que o documento particular junto como documento n.º 5 é uma simples folha de excel, com nomes e contactos, não contém a assinatura de ninguém, desconhece-se quem colocou tais elementos, donde são originários os mesmos, para que efeito foi efetuado, documento esse que nunca foi apresentado aos Réus/Recorrentes.

Concorda-se com os Recorrentes quanto à incapacidade deste documento formar a convicção do juiz no sentido de mostrar que a Autora publicitou a venda do imóvel.

Tal documento contém uma condensação de informações cuja origem é desconhecida e, por essa razão, o tribunal não pode adquirir qualquer convicção relativamente ao que dele consta.

Porém, foi produzida outra prova no sentido de que a Autora promoveu a venda do imóvel.

A testemunha GG referiu que foi feita publicidade ao imóvel e que levou um interessado a visitar o imóvel (minuto 43:00 e seguintes), tendo explicado o teor dos documentos 7 e 9 relativos a essa visita, sendo este último uma ficha relativa a essa visita datada de 21 de fevereiro de 2019.

Este depoimento foi corroborado pela testemunha DD (minuto 01.36:24) o qual admitiu ter sido feita uma visita ao imóvel por parte de um interessado na sua compra, em que esteve presente o Sr. GG, admitindo que este o tenha contatado para visitar a casa dos Réus, que na altura estava habitada por estes.

A testemunha CC também referiu que o imóvel foi promovida na página da R... (referindo-se à promoção através da internet).

Tal afirmação é credível não só porque se trata de fazer algo que é do interesse da imobiliária fazer; que é próprio da sua atividade e lhe permite promover e realizar negócios com a consequente recebimento das respetivas comissões; mas também porque consta dos autos um folheto de promoção da venda por parte da R..., relativo ao imóvel que pertenceu ao Réus, do qual constam trinta fotografias do interior e do exterior do imóvel. Estas fotografias foram feitas ou recolhidas propositadamente pela Autora para efeitos de promoção da venda do imóvel e se as têm na sua posse isso quer dizer que as utilizou para publicitar o imóvel.

Por esta razão, forma-se a convicção de que o mesmo foi efetivamente publicitado pela Autora.

Por conseguinte, mantém-se o facto nos factos provados apenas com a correção de que apenas foi angariado um interessado que veio a desistir do negócio e que foi feita publicidade em uma plataforma online.

O facto fica com esta redação:

«Em cumprimento do acordo descrito em 2. a Autora promoveu o imóvel na sua rede, publicitou a venda do mesmo na plataforma online da R... e angariou um interessado que veio a desistir do negócio.»

4 - Os  Recorrentes pretendem que o facto não provado da al. a) seja declarado provado.

Tem esta redação:

 «Que os Réus/Recorrentes tenham entregue a carta de rescisão do contrato em mão, à Autora, em 19 de maio de 2019.»

Argumentam que comunicaram a rescisão ao angariador DD, conforme este referiu ao tribunal e que resulta do depoimento da testemunha FF que esta testemunha acompanhou a Ré recorrente quando esta entregou em mão a carta de rescisão na agência da Autora.

Não procede esta argumentação pelas seguintes razões:

O depoimento da testemunha no sentido de que acompanhou a Ré e que esta entregou a carta de rescisão nas instalações da Autora não tem capacidade para formar a convicção do tribunal, no sentido de que tais declarações correspondem à realidade histórica, porque estas declarações não são corroboradas por outros elementos probatórios, principalmente quando a sua natureza é diversa, neste caso, diversa da testemunhal.

Com efeito, todos compreendem, sem esforço, que não é pelo facto de alguém afirmar em tribunal que algo ocorreu, que se forma a convicção que esse algo aconteceu mesmo.

Além disso, verifica-se que a carta de rescisão junta aos autos tem a data de 18 de maio de 2018 e provou-se que foi feita uma visita ao imóvel, aquela acima referida, em 21 de fevereiro de 2019, sem que os Réus tivessem alegado que o contrato tinha sido rescindido e já não estava em vigor.

Este facto enfraquece ainda mais o depoimento da mencionada testemunha.

Acresce que se afigura imprudente, e por isso, improvável, que alguém, neste caso a Ré recorrente, tenha entregado uma carta de rescisão do contrato «em mão» e não tenha exigido um comprovativo dessa entrega à imobiliária, como, por exemplo, uma fotocópia da carta carimbada e assinada pelo funcionário da Autora que a recebeu, declarando que «recebeu o original», prevenindo-se deste modo a hipótese de mais tarde surgir alguma dúvida sobre se a rescisão do contrato havia sido feita.

É verdade que a testemunha DD referiu em audiência que o Réu marido lhe ligou pelo telefone a dizer que «ia rescindir o contrato» (minuto 01:29:37) e que a testemunha a partir daí se desinteressou da promoção daquela venda (minuto 01.33.55), tendo também referido que uma casa habitada era difícil de vender (minuto 01:30:00).

Porém, esta manifestação de intenções é apenas uma intenção relativa a um ato posterior concreto e não corresponde ao facto em si mesmo, à declaração de rescisão.

Face ao exposto, não é possível formar a convicção de que a mencionada carta foi entregue pela Ré recorrente nas instalações da Autora e, por conseguinte, tal facto não pode ser declarado provado.

5 - Os  Recorrentes pretendem que o facto não provado da al. b) seja declarado provado, apesar de o considerar com contendo matéria valorativa ou conclusiva.

Tem esta redação:

«Que a venda do imóvel descrito em 7., não se tenha devido a qualquer ato de promoção desenvolvido pela Autora.»

Não é possível declarar tal matéria como provada.

Com efeito, a partir do momento em que a Autora publicitou a venda do imóvel na internet, como já se considerou acima provado, é difícil demonstrar, e neste caso tal não foi demonstrado, que a concreta venda do imóvel não se ficou a dever à ação da Autora, pois não é seguro que o comprador não tenha visionado a publicidade feita pela Autora.

A compradora, a testemunha HH, referiu (minuto 01.01:33) que ela e o marido começaram a procurara casa em 2019 e que pesquisando vários sites deparou-se com a casa aqui em questão, que inicialmente achou cara, mas que veio a comprar. Que chegou ao contato com os vendedores por intermédio de pessoas suas conhecidas sem qualquer ligação à Autora.

Ora, nem mesmo face a este depoimento se pode afirmar que algum dos indicados sites visionados pela testemunha não continha a atividade promocional da casa em questão feita pela Autora.

Improcede, pelo exposto, esta pretensão dos Réus.

c) 1. Matéria de facto – Factos provados

1. A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de angariação e mediação imobiliária;

2. No exercício da atividade comercial da Autora, em 11 de junho de 2017, esta outorgou com os Réus um contrato de mediação imobiliária, em regime de exclusividade, celebrado pelo período de 6 meses, sucessiva e automaticamente renovável por igual período, com o n.º 153/2017 nos termos do qual ficaram os Réus obrigados a pagar à Autora a quantia correspondente a 5%, calculada sobre o preço peço qual a venda do imóvel é concretizado, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, indicando como valor base de venda €265.000,00;

3. O contrato em causa tinha por objeto a mediação da venda do prédio urbano composto por 5 divisões assoalhadas, destinado à habitação, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., sob o n.º ...03, descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...67, da freguesia ...;

4. Autora e Réus acordaram que o valor devido a título de remuneração seria pago metade com a celebração de contrato-promessa e o remanescente na celebração da escritura de compra e venda;

4A. O clausulado impresso constante do contrato de mediação imobiliária foi predefinido pela Autora e foi comunicado previamente aos Réus, tendo sido dito aos Réus que só a Autora podia fazer a publicidade e angariar clientes e se os Réus vendessem o prédio a comissão era igualmente devida à Autora.

5. Em 4/3/2018 o acordo identificado em 2. foi objeto de aditamento, com a declaração expressa de concordância pelos Réus na alteração da cláusula 2.ª, declarando alterar o preço de venda para €230.000,00;

6. Em cumprimento do acordo descrito em 2. a Autora promoveu o imóvel na sua rede, publicitou a venda do mesmo na plataforma online da R... e angariou um interessado que veio a desistir do negócio.

7. A venda do imóvel foi realizada em 28 de junho de 2019, pelo valor de 210.000,00 euros, através de escritura/título de compra e venda outorgada no Cartório Notarial ....

8. No dia 28 de junho de 2019 os Réus venderam o imóvel sem que tivesse pago qualquer comissão/remuneração à Autora.

9. Por conta de tal contrato foi emitida a fatura nº ...07 em 25 de novembro de 2020 no valor de 12.915,00€.

10. Os Réus apesar de interpelados para pagarem, até à presente data não liquidaram a quantia em dívida para com a Autora.

Mais se provou:

11. No dia 21 de fevereiro de 2019, a Autora comunicou aos Réus proposta de aquisição do imóvel, pelo valor de €185.000,00;

12. Os Réus contrapropuseram o valor de €210,000,00, que não veio a ser aceite pelo proponente comprador por “imperativo de saúde”, desistindo da aquisição.

13. Em data não concretamente apurada, os Réus celebraram contrato de mediação imobiliária com a sociedade V..., Lda., identificando como valor mínimo de venda 220.000,00 euros.

2. Matéria de facto – Factos não provados

a) Que os Réus tenham entregue carta de rescisão do contrato em mão, à Autora, em 19 de maio de 2019;

b) [Eliminado].

d) Apreciação das restantes questões objeto do recurso

1 - Os Recorrentes argumentam que o contrato celebrado é um contrato de adesão e que, por isso, está submetido ao regime das cláusulas contratuais gerais.

Sendo assim, nos termos do artigo 8º, alínea a), do respetivo diploma, devem ser excluídas do contrato as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º do mesmo regime, o que implica a exclusão do contrato da cláusula de exclusividade e a cláusula relativa às formalidades a observar para efetivar a resolução do contrato.

Vejamos esta problemática.

Efetivamente resultou provado que a Autora já tinha o contrato elaborado antecipadamente segundo um certo padrão, deixando espaços em branco para serem preenchidos na parte relativa à identificação das partes, bem a vender e preço.

Resultou provado que «O clausulado impresso constante do contrato de mediação imobiliária foi predefinido pela Autora e foi comunicado previamente aos Réus, tendo sido dito aos Réus que só a Autora podia fazer a publicidade e angariar clientes e se os Réus vendessem o prédio a comissão era igualmente devida à Autora.»

Por conseguinte, este clausulado «impresso» do contrato está submetido ao regime das cláusulas contratuais gerais estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro (doravante designado por «RCCG»).

Como resulta do disposto no n.º 1 do artigo 1.º do RCCG, as cláusulas contratuais gerais são aquelas que constam dos contratos sem que tenha existido entre as partes prévia negociação individual, de modo que essas cláusulas resultam da vontade unilateral do proponente, limitando-se o destinatário a aceitá-las tal como estão redigidas.

Dada a atipicidade deste modo de fixar o conteúdo do contrato, quando comparado com o modo tradicional da formação dos contratos, segundo o qual as partes encetavam conversações destinadas a definir o conteúdo do contrato e este conteúdo resultava dessas conversações, a lei estabelece mecanismos destinados a proteger a parte contratualmente mais débil.

Assim, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do RCCG, «As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las» e, além disso, nos termos do artigo 6.º do mesmo regime, a parte contratual que elaborou o clausulado tem o dever de informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspetos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique, devendo prestar todos os esclarecimentos razoáveis solicitados, sob pena de tais cláusulas serem excluídas do contrato – artigo 8.º, al. a) e b) do RCCG.

Resultou provado que «O clausulado impresso constante do contrato de mediação imobiliária foi predefinido pela Autora e foi comunicado previamente aos Réus, tendo sido dito aos Réus que só a Autora podia fazer a publicidade e angariar clientes e se os Réus vendessem o prédio a comissão era igualmente devida à Autora.»

No que respeita à cláusulas sobre a exclusividade afigura-se que a Autora informou os Réus de modo suficiente para eles perceberem o que estava em causa.

Ou seja, foi-lhes dito que apenas a Autora podia fazer a publicidade relativa à ao imóvel e se os Réus vendessem o prédio durante a vigência do contrato, (entenda-se sem a participação da Autora, pois neste caso não havia qualquer dúvida quando à obrigação de pagar a comissão), a comissão era devida à Autora.

Relativamente à cláusula sobre a não renovação do contrato, a mesma, no que respeita ao envio de carta co aviso de receção, mostra-se clara e sem necessidade de explicitação estra porque qualquer pessoa medianamente instruída, informada e sagaz percebe o que aí é dito.

Cumpre, concluir, pelo exposto que não há fundamento para excluir qualquer das cláusulas do contrato.

2 – Vejamos agora a questão do incumprimento do contrato.

Os Réus alegam que a Autora não diligenciou pela angariação de potenciais compradores ao longo de 3 anos, tendo apresentado apenas um potencial comprador que ofereceu preço inferior e logo desistiu do negócio.

Por isso, no entendimento dos Réus, não tem direito à remuneração.

Provou-se que «(…) a Autora promoveu o imóvel na sua rede, publicitou a venda do mesmo na plataforma online da R... e angariou um interessado que veio a desistir do negócio.»

Provou-se que efetivamente a Autora apenas apresentou um potencial comprador aos Réus, o qual ofereceu preço inferior e, além disso, logo desistiu do negócio.

Porém, esta factualidade não implica que se considere que a Autora não cumpriu o contrato.

Com efeito, a Autora não se obrigou a encontrar um comprador para o imóvel, mas apenas a publicitar a venda com o fim de angariar interessados na sua compra.

Por outras palavras, a Autora assumiu uma obrigação de meios e não de resultado.

 Como referiu o prof. M.J. Almeida Costa, «Uma primeira modalidade é constituída pelas obrigações de meios, em que o devedor apenas se compromete a desenvolver prudente e diligentemente certa actividade para a obtenção de um determinado efeito, mas sem assegurar que o mesmo se produza (ex.: a obrigação contratual do médico de empregar a sua ciência na cura do doente; a obrigação do advogado pelo que toca ao êxito da causa que patrocina). Daí que o devedor fique exonerado na hipótese de o cumprimento requerer uma diligência maior que a prometida, e que tanto a impossibilidade objectiva como a subjectiva não imputáveis ao devedor o liberem (arts. 790.º e 791.º).

Contrapõem-se-lhes as obrigações de resultado, que se verificam quando se conclua da lei ou do negócio jurídico que o devedor está vinculado a conseguir um certo efeito útil (ex.: a obrigação de entregar uma coisa, «maxime» de uma quantia em dinheiro; a obrigação do camionista que se compromete a conduzir as mercadorias incólumes até ao respectivo destino. Neste caso só a impossibilidade objectiva e não culposa da prestação exonera o devedor (art. 790.º) -  Direito das Obrigações, 4.ª ed., pág. 733.

No caso dos autos, a Autora obrigou-se a levar a cabo uma certa atividade destinada a obter um comprador para o imóvel, mas sem assegurar que o conseguiria.

Improcede, por conseguinte, o argumento recursivo de que a Autora não cumpriu o contrato não procede.

3 – Quanto ao abuso de direito.

Os Réus alegam que a Autora praticou os atos consentâneos com a aceitação da rescisão, criando a expectativa de que esta tinha sido aceite, para, de forma inesperada, contrária à boa fé contratual, vir passados mais de dois anos e meio, pedir o pagamento de uma comissão a que sabe não tem direito.

Sobre esta questão cumpre referir que os Réus não provaram a rescisão.

Por conseguinte, esta questão fica prejudicada quanto à sua análise.

4  Quanto à comissão contratada.

Nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro, «A atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis.»

O n.º 2 deste artigo acrescenta que «A atividade de mediação imobiliária consubstancia-se também no desenvolvimento das seguintes ações:

a) Prospeção e recolha de informações que visem encontrar os bens imóveis pretendidos pelos clientes;

b) Promoção dos bens imóveis sobre os quais os clientes pretendam realizar negócios jurídicos, designadamente através da sua divulgação ou publicitação, ou da realização de leilões.»

Como já se disse, a obrigação do mediador imobiliário é, em regra, uma obrigação de meios, isto é, a atividade do mediador consiste em diligenciar no sentido de conseguir o resultado desejado pelo cliente, que é a celebração do contrato tido em vista, mas este resultado em si mesmo não faz parte da obrigação do mediador, salvo se o contrato previr de outro modo, uma vez que o resultado não está ao alcance do mediador porque este depende da conjugação das vontades do cliente e do terceiro angariado.

Relativamente à remuneração.

O artigo 19.º desta lei dispõe do seguinte modo:

«1. A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.

2. É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.

3. Quando o cliente for um potencial comprador ou arrendatário, a empresa, desde que tal resulte expressamente do respetivo contrato de mediação imobiliária, pode cobrar quantias a título de adiantamento por conta da remuneração acordada, devendo as mesmas ser devolvidas ao cliente caso o negócio não se concretize.

4. O direito da empresa à remuneração cujo pagamento caiba ao cliente proprietário de imóvel objeto de contrato de mediação não é afastado pelo exercício de direito legal de preferência sobre o dito imóvel.

 5. O disposto nos números anteriores aplica-se apenas a contratos sujeitos à lei portuguesa.»

Resulta deste artigo que a remuneração devida pelo cliente vendedor difere consoante o contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de não exclusividade ou em regime de exclusividade.

No caso de não exclusividade, o n.º 1 do artigo 19.º diz que a remuneração do mediador é devida em dois casos:

(1) Com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação;

(2) Se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração nessa fase.

Trata-se de um regime claro.

Como refere Higina Castelo, «No contrato de mediação simples (sem cláusula de exclusividade), o direito à remuneração está dependente da conclusão e perfeição do contrato visado pelo exercício da mediação e o cliente permanece amplamente livre de celebrar esse contrato, sem prejuízo das limitações impostas pelas normas decorrentes do princípio da boa fé» - O Contrato de Mediação, pág. 424.

Nestes casos, não se celebrando o contrato, mesmo que por causa imputável ao cliente, não há direito à remuneração acordada, uma vez que o cliente mantém intacta a sua liberdade de contratar, sem prejuízo de eventual responsabilidade face ao mediador, mas com base noutras normas como, por exemplo, infração do dever de boa fé e abuso de direito.

Este regime de risco inerente à cláusula de não exclusividade pode ser contrabalançado e em regra é-o, pela previsão de remunerações mais elevadas para a mediadora, precisamente para a compensar do risco de desenvolver atividade de mediação relevante e não se celebrar o negócio.

Como refere ainda Higina Castelo, «A remuneração acordada nos contratos de mediação [sem cláusula/regime de exclusividade] corresponde, em regra, a um valor consideravelmente elevado, se olharmos apenas aos esforços da actividade do caso concreto. Tal valor justifica-se pelos avultados riscos inerentes ao contrato e suportados pelo mediador, entre eles, o risco de não conseguir interessado e, principalmente, o de o cliente desistir de concretizar o negócio» - Ob. cit., pág. 408.

Concluindo, existindo cláusula de não exclusividade, a remuneração prevista no contrato de mediação só é devida se o negócio se concretizar ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase – n.º 1 do artigo 19.º.

No caso de existir cláusula de exclusividade, resulta do n.º 2 do artigo 19.º que a remuneração do mediador é devida quando não se concretize o negócio visado no contrato de mediação por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.

Sendo ainda necessário, para a remuneração seja devida, que exista um nexo entre a atividade do mediador e o resultado em termos deste último ter tido a contribuição da atividade do mediador.

Este é o regime que resulta da lei.

Porém, no âmbito da liberdade contratual as partes – artigo 405.º, n.º 1, do Código Civil – podem regular os seus direitos e obrigações de outro modo.

Seguindo ainda as palavras de Higina Carvalho, «… as partes são livres de acordarem um regime de exclusividade mais forte (qualifizierter Alleinauftrag), estipulando, por exemplo, que só a mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação imobiliária durante o respetivo período de vigência e que o cliente se absterá de celebrar contrato com qualquer interessado que não seja angariado pela mediadora, incluindo com interessado encontrado por si próprio ou que a si se apresentou espontaneamente, sob pena de dever pagar a remuneração à mediadora» -  Ob. cit., pág. 431.

Também Maria de Fátima Ribeiro refere que «Encontram-se frequentemente, neste tipo de contratos, cláusulas de exclusividade: são cláusulas pelas quais as partes estabelecem que o comitente não poderá celebrar com outro mediador um contrato que tenha por objecto o mesmo negócio (exclusividade simples), ou ainda pelas quais se prevê também que o comitente não poderá ele próprio procurar um terceiro interessado no negócio (exclusividade reforçada). Do ponto de vista temporal, a cláusula de exclusividade pode ser limitada no tempo (por um determinado período), ou ilimitada (por toda a duração do contrato de mediação)» - O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração, in Revista de Direito Comercial.com. Ano 217. pág. 248 [Ver em https://www.revistadedireitocomercial.com/#rdc].

Diz ainda esta autora: «Como já se depreende do que fica exposto, a exigibilidade da remuneração e a eventual existência de uma cláusula de exclusividade estão intimamente ligadas: pela cláusula de exclusividade, as partes determinam que o mediador terá direito à remuneração se o contrato pretendido for celebrado durante o período de exclusividade acordado. No caso da exclusividade simples, tal acontecerá sempre que esse contrato tenha sido celebrado em consequência da actividade de outro mediador, mas já não quando resulte da actuação do próprio comitente. Na vigência de uma cláusula de exclusividade reforçada, o direito do mediador existe, qualquer que tenha sido a origem da actividade que levou à conclusão do negócio.» - Ob. cit. pág. 250.

(b) Vejamos o que resulta do contrato.

Consta da clausula número dois o seguinte:

«Nos termos da legislação aplicada, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade, só a mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação durante o respetivo período de vigência, ficando a segunda contratante obrigada a pagar a comissão acordada caso viole a obrigação de exclusividade.»

Trata-se de uma cláusula de exclusividade reforçada, ou seja, nem os próprios proprietários contratantes podiam por si mesmos angariar comprador e exonerar-se do pagamento da comissão.

Face ao exposto, tendo os Réus procedido à venda do imóvel durante a vigência do contrato de mediação, a Autora, desde logo por força da cláusula contratual em questão tem direito à comissão.

Improcede, pelo exposto, o recurso.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão recorrida. Custas pelos Réus.

*


Coimbra, …