Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5370/17.9T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO NÃO PATRIMONIAL
DANO BIOLÓGICO
SENTENÇA CONDICIONAL
Data do Acordão: 01/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JC CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 483, 496, 562, 566 CC, 610 CPC
Sumário: I - Tendo em consideração o quantum doloris de grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente, correspondente ao sofrimento físico e psíquico padecido pela autora durante o período de incapacidade temporária, e a prática jurisprudencial, é adequado atribuir-lhe uma indemnização de €20.000,00 por danos não patrimoniais.

II - Considerando que a autora tinha à data do acidente 34 anos de idade; ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7 (sete) pontos, em 100; as sequelas resultantes do acidente exigem-lhe esforços acrescidos; ficou afetada por um dano estético permanente de grau 2, numa escala de sete graus de gravidade crescente, bem como a prática jurisprudencial, é adequado atribuir-lhe uma indemnização, de €15.000,00 a título de dano biológico.

III – Uma decisão com o teor «a Ré é condenada a pagar os prejuízos que a autora porventura venha ainda a sofrer em virtude do acidente que sofreu…» constituiria uma sentença condicional, não admitida pelo sistema processual.

Decisão Texto Integral:









I. Relatório

a) O presente recurso insere-se numa ação declarativa de condenação mediante a qual a Autora pretende obter a condenação da Ré a pagar-lhe uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu por ter sido atingida por um painel que delimitava a Feira (...) , em (...) , porquanto a Ré, na qualidade de seguradora, assumiu a respetiva responsabilidade civil.

Pede: a) A quantia de €10.794,42, a título de despesas médico-cirúrgicas; b) A quantia de €8.642,70, a título de lucros cessantes; c) A quantia de €50.000,00, a título de dano biológico; d) A quantia de €40.000,00, a título de danos não patrimoniais; e) A importância que se vier a liquidar em execução de sentença pelos danos sofridos, e ainda pelos danos futuros previsíveis; e f) juros de mora desde a citação.

A Ré contestou impugnando parte dos factos, invocou a anormalidade das condições atmosféricas como fundamento para a isenção da sua responsabilidade e invocando ainda o disposto no artigo 494.º do Código Civil para efeitos de redução da indemnização, caso se venha a concluir pela sua responsabilização.

Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença com este dispositivo:

«Atento o exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência:

Condena-se a R. “Companhia de Seguros A (…), SA”, a pagar à A. I (…)

a) €15.000,00 (quinze mil euros), a titulo de danos não patrimoniais, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da notificação desta sentença até integral pagamento;

b) €6.650,00 (seis mil, seiscentos e cinquenta euros), a título de dano biológico, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da notificação desta sentença até integral pagamento;

c) €794,42 (setecentos e noventa e quatro euros e quarenta e dois cêntimos) a título de danos emergentes, e €10.000,00 (dez mil euros) a título de lucro cessante, acrescidas de juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

d) Absolver a Ré do restante peticionado.

Custas por A. e R na proporção dos respetivos decaimentos».

b) É desta decisão que recorre a Autora, tendo concluído do seguinte modo:

(…)

c) Apenas a recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão sob recurso.

Concluiu deste modo:

II. Objeto do recurso.

Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes:

1 - A primeira questão colocada pela autora no recurso respeita à impugnação da matéria de facto.

A Autora pretende que sejam adicionados à matéria de facto provada os seguintes factos

a) A autora necessitou do auxílio de terceiros para se virar na cama, e o seu pé direito esteve inchado e negro durante vários dias;

b) A autora foi transferida para a clínica S (…), em (...) , tendo padecido de fores fortes no transporte, não se conseguindo mexer;

c) A autora deixou de conseguir realizar o movimento de dobrar as costas, e de conseguir transportar pesos;

d) A autora deixou de conseguir andar de bicicleta e de praticar natação;

e) A autora ficou com sequelas físicas que lhe provocam angústia, vergonha e desgosto, e sente-se desmotivada, inferiorizada e complexada;

f) A autora recorda frequentemente o acidente, chegando a ter períodos de choro, tendo ficado com enorme trauma;

g) Em consequência do embate a autora começou a sentir depressão, ansiedade crescente e tristeza, isola-se das pessoas e tornou-se taciturna e mal disposta;

h) A autora deixou de conseguir andar de bicicleta, nadar, fazer caminhadas, praticar qualquer tipo de desporto e mesmo de brincar com a sua filha; e que

i) Devido ao acidente a autora ficou impossibilitada de se locomover durante vários dias, o que lhe causou transtorno e a transtorna diariamente.

2 – Em segundo lugar, a Autora pretende que as indemnizações atribuídas na sentença sejam aumentadas.

a) A título de danos não patrimoniais pretende €40.000,00 (quarenta mil euros).

b) A título de indemnização do dano biológico, considerando a idade da autora, a desvalorização de 7 pontos percentuais e o reflexo que as lesões tiveram na sua vida, sempre terá que ser arbitrado à A. um montante indemnizatório nunca inferior a €50.000 (cinquenta mil euros).

c) Relativamente aos danos patrimoniais, mais concretamente aos lucros cessantes dado que resultou prova que «Em consequência do acidente, a A. deixou de receber remunerações no total de €8.642,70 que a Ré seguradora lhe terá que restituir», deve a Ré ser condenada a pagar este montante.

d) A autora continua a não conseguir efetuar a sua prestação de trabalho a tempo inteiro, pelo que tendo em conta os valores de prejuízos já sofridos pela A. e todos os que se perspetivam, tendo em conta a sua idade a forte probabilidade de agravamento das lesões e o limite da vida cativa normal (65 anos), sempre terá que ser arbitrada à A. uma compensação prelo prejuízo sofrido e a sofrer de 20.000,00€.

e) Deverá a ré ser condenada na assunção de todos os prejuízos que a autora venha a sofrer em virtude do acidente que sofreu, bem como a suportar todas as despesas cirúrgicas e com tratamentos que a A. tenha que vir a realizar na decorrência do mesmo.

III. Fundamentação

a) Impugnação da matéria de facto.

(…)

b) 1. Matéria de facto – Factos provados

1. No dia 23.08.2015, cerca das 15:40 horas, na (...) , nas imediações da (...) , em (...) , quando se deslocava na via pública com o seu marido e a filha menor de ambos, a Autora, foi atingida nas costas por um painel que fazia parte da estrutura que delimitava o recinto da Feira (...) , o que lhe causou dores.

2. Nesse dia chovia.

3. Após o embate sofrido, a Autora foi imobilizada no local, tendo sido transportada para o Centro Hospitalar (...) / (...) , onde lhe foi realizada uma radiografia, uma TAC e uma ecografia, revelando a existência de um traumatismo da coluna dorso-lombar com fratura de L1, com recuo de muro posterior, com indicação cirúrgica.

4. A Autora manteve dores fortes na coluna e região lombar, sendo necessário tomar analgésicos; necessitou do auxílio de terceiros para se virar na cama; ficou com sequelas físicas que lhe provocam angústia e desgosto e devido ao acidente ficou impossibilitada de se locomover durante vários dias, o que lhe causou transtorno.

5. No dia 27.08.2015 a Autora deu entrada na clínica S(…), em (...) , tendo sido submetida a intervenção à coluna em 29.08.2015, tendo-lhe sido colocado material de osteossíntese, e padecido de dores intensas durante alguns dias.

6. Na realidade, a Autora foi submetida a fixação transpedicular T11-T12-L1 com longitude com parafusos monoaxiais em T11 e L1 e poliaxiais em T12.

7. Após lhe terem sido retirados os pontos, teve alta da clínica S (...) no dia 11.09.2015, viajando no dia seguinte para França, local onde reside com a sua família, passando a ser seguida em consultas de ortopedia no hospital de (...) , França.

8. A Autora tem dificuldade em carregar objetos pesados, e necessidade de tomar medicamentos para as dores em SOS.

9. O quantum doloris, correspondente ao sofrimento físico e psíquico padecido pela A. durante o período de incapacidade temporária, foi fixado no grau 5, numa escala de sete graus de gravidade crescente.

10. Quando anda prolongadamente, a Autora fica com dores na região lombar.

11. A Autora passou a demorar mais tempo na realização de algumas lides domésticas, como passar a ferro.

12. A Autora padeceu de défice funcional temporário total (correspondente ao período durante a qual esteve inibida de realizar com razoável autonomia as atividades da vida diária, familiar e social) de 60 dias.

13. Padeceu ainda de um défice funcional temporário parcial (correspondente ao período durante o qual, ainda que com limitações, retomou, com alguma autonomia, a realização das atividades da vida diária, familiar e social) de 771 dias.

14. A Autora é secretária clínica, e o seu trabalho exige grandes períodos de tempo sentada, o que causa à Autora dores lombares, tendo de interromper o trabalho para descansar.

15. A Autora esteve impedida de realizar a sua atividade profissional por um período de 831 dias.

16. Após aquele período, o desempenho da sua profissão exige da Autora esforços adicionais devido às sequelas por si sofridas em virtude da patologia dolorosa a nível da coluna lombar.

17. Em 23.06.2017, a Autora foi intervencionada pela segunda vez, para remoção do material de osteossíntese colocado aquando da primeira cirurgia, ficando hospitalizada durante cinco dias, e com indicação de que não poderia exercer qualquer função laboral durante 3 semanas.

18. Em despesas médico-medicamentosas, a Autora gastou o montante global de €474,42, e €320,00 (trezentos e vinte euros) com a elaboração de relatório pericial.

19. A Autora vai necessitar, até ao fim da sua vida, pelo menos de acompanhamento médico periódico e de ajuda medicamentosa.

20. A Autora auferia à data do acidente a retribuição mensal líquida de €1.765,54.

21. Passando a auferir, em virtude da baixa médica de 296 dias, em que esteve impossibilitada de trabalhar, a quantia mensal de €874,54, tendo deixado de receber a quantia total de €8.642,70.

22. A Autora regressou ao trabalho naquela data, mas com limitações, uma vez que o exercício da sua profissão lhe exige esforços acrescidos, sendo-lhe atribuído um tempo parcial de laboração até 24.01.2018.

23. A Autora nasceu a 09.03.1981, tendo à data do acidente 34 anos.

24. Não tinha doenças ou mazelas que a impedissem de ter uma vida normal, tendo saúde e robustez, andava frequentemente de bicicleta, praticava natação, trabalhava e fazia toda a lide doméstica.

25. Com as lesões e tratamentos a que foi submetida a Autora sofreu e continua a sofrer dores, o que a obriga a tomar analgésicos.

26. A Autora ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável num mínimo de 7 (sete) pontos.

27. É expectável a ocorrência de dano futuro, ou seja, o agravamento das lesões e da situação clínica da Autora.

28. A Autora ficou também com repercussões na atividade profissional, uma vez que as sequelas resultantes do acidente lhe exigem esforços acrescidos, tendo em conta a patologia dolorosa a nível da coluna lombar.

29. A Autora ficou afetada por um dano estético permanente que deve igualmente ser fixado no grau 2, numa escala de sete graus de gravidade crescente.

30. Nos períodos de crise dolorosa a Autora tem de tomar um comprimido para conseguir dormir, o que se não verificava antes da ocorrência do acidente.

Matéria de facto – Factos não provados

a) (…) o seu pé direito esteve inchado e negro durante vários dias.

b) A Autora foi transferida para a clínica S (…), em (...) , tendo padecido de dores fortes no transporte, não se conseguindo mexer.

c) As lesões sofridas foram de tal ordem que a Autora tem de utilizar colete quando percorre longas distâncias, uma vez que se o não fizer perde o equilíbrio e fica com dores na região lombar.

d) A Autora deixou de conseguir realizar o movimento de dobrar as costas, e de conseguir transportar pesos.

e) A Autora tem dores no pé direito quando anda.

f) Neste momento já se consegue vestir sozinha, mas com muita dificuldade e muito lentamente.

g) A Autora deixou de conseguir andar de bicicleta e de praticar natação.

h) A Clínica de (...) , onde foi assistida e intervencionada a Autora na primeira cirurgia, apresentou um valor de €5.000,00 (cinco mil euros) para o custo da intervenção cirúrgica, e a segunda intervenção cirurgia apresentou um custo de € 5.000,00.

i) Até ao fim da sua vida, a Autora vai necessitar de sessões de fisioterapia bem como de ajudas medicamentosas e material técnico.

j) A Autora ficou com sequelas físicas que lhe provocam vergonha e sente-se desmotivada, inferiorizada e complexada.

k) A A. recorda frequentemente o acidente, chegando a ter períodos de choro, tendo ficado com enorme trauma.

l) Em consequência do embate a Autora começou a sentir depressão, ansiedade crescente e tristeza, isola-se das pessoas e tornou-se taciturna e maldisposta.

m) A Autora ficou afetada por um dano estético permanente de grau 5.

n) A Autora deixou de conseguir andar de bicicleta, nadar, fazer caminhadas, praticar qualquer tipo de desporto e mesmo de brincar com a sua filha.

o) Devido ao acidente a (…) a transtorna diariamente.

p) A Autora toma medicação para dormir diariamente.

q) A estrutura metálica foi derrubada devido às condições climatéricas registadas nesse dia, em particular os ventos fortes e a chuva, que originaram a projeção do painel que cobre a estrutura metálica na direção do vento, o que causou a sua queda para a via pública quando a Autora aí passava.

r) A segurada E (…) cumpriu as suas obrigações de curar que aquela estrutura delimitadora da Feira (...) mantinha as condições necessárias a não colocar em causa a segurança dos utentes.

s) O sinistro ocorreu no dia 24.8.2015, e a Autora sofreu as lesões no dia 23.8.

c) Apreciação das restantes questões objeto do recurso

Não se farão considerações sobre o enquadramento jurídico geral dos factos, por estar já feito na sentença e não ter sido colocada em causa no recurso, seguindo-se diretamente para análise das questões colocadas no recurso.

Os acórdãos que abaixo são citados podem ser consultados na base de dados jurisprudenciais da DGSI (www.dgsi.pt).

1 – A Autora pretende que as indemnizações que lhe foram atribuídas sejam aumentadas.

a) A título de danos não patrimoniais pretende €40.000,00 (quarenta mil euros).

Na sentença recorrida atribuiu à autora a este título €15.000,00 (quinze mil euros).

Neste aspeto releva o facto provado n. 9 de onde consta que «O quantum doloris, correspondente ao sofrimento físico e psíquico padecido pela Autora durante o período de incapacidade temporária, foi fixado no grau 5, numa escala de sete graus de gravidade crescente».

Trata-se de uma avaliação globalmente efetuada pelo perito médico-legal e situa o dano concreto numa escala de valor ascendente de 1 a 7 graus, escala esta utilizada em todos os casos em que há avaliação do dano não patrimonial.

Por conseguinte, algo de mais concreto que pudesse ser dito a este respeito nada de relevante iria acrescentar.

Trata-se de um dano cuja intensidade ultrapassa o ponto médio da escala.

Além destes danos a que se refere o quantum doloris de grau 5, cumpre ainda considerar o dano biológico, o qual, quando não é causa de diminuição efetiva de rendimentos, assume, considerando a dicotomia dano patrimonial/dano não patrimonial, natureza não patrimonial.

Mas como na sentença o dano biológico foi considerado autonomamente, nada se considerará neste item relativo à indemnização por danos não patrimoniais que possa consistir numa duplicação.

Por conseguinte, para não existir duplicação, os danos não patrimoniais que não estão ligados ao mencionado quantum doloris de grau 5 serão ponderados na parte relativa ao dano biológico.

Quanto aos danos não patrimoniais aqui considerados – indemnizáveis nos termos do artigo 496.º do Código Civil – cumpre referir que a vida quotidiana de qualquer pessoa vítima de acidente como o sofrido pela autora fica com o seu modo de vida alterado, «de um dia para o outro» de modo radical. As rotinas estabelecidas tornam-se inviáveis e são substituídas por novas tarefas imprevisíveis e novas rotinas destinadas a lidar diariamente com a nova situação.

Por conseguinte, quer as dores físicas sofridas, quer os incómodos e angústias gerados pela nova situação em que o sinistrado se vê mergulhado, devem ser convenientemente indemnizadas.

Porém, nesta parte, os critérios são sempre difíceis de manobrar quando se trata de indemnização estados não patrimoniais, como as dores ou sofrimentos.

Deverá ter-se também em consideração que a indemnização por danos não patrimoniais é atribuída em Portugal, num país com um determinado ambiente sócio-económico, pelo que a indemnização deve harmonizar-se com a situação económica real do país onde é arbitrada.

Quer com isto dizer-se que é desproporcionado fixar indemnizações elevadas num país em que a generalidade da sua população tem baixos recursos económicos; assim como é desproporcionado fixar indemnizações baixas num país, digamos, rico (salvo se os prémios de seguro forem semelhantes em ambos os países).

Uma bitola para apreciar esta matéria pode ser tomada a partir do salário mínimo nacional.

Em Portugal, à data do acidente, em 2015, o salário mínimo nacional era de 505,00 euros (Decreto-Lei n.º 144/2014 de 30 de Setembro) e hoje é de 635,00 euros (Decreto-Lei n.º 167/2019, publicado no Diário da República n.º 224/2019, Série I de 2019-11-21)

O salário mínimo representa, em numerosos casos, a remuneração mensal de um trabalhador e, como se referiu no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 96/2004 de 11-02-2004, DR, II série, de 1 de Abril de 2004, contém em si a ideia de que é a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador.

Este salário representa, portanto, o esforço e a penosidade resultantes da atividade de alguém que sai de casa para trabalhar, em regra, cinco dias por semana, e presta o seu serviço no local de trabalho durante 6 a 8 horas por dia.

É certo que tratando-se de realidades diversas, não é possível encontrar uma equivalência naturalística entre danos não patrimoniais e salários mensais, mas, no plano valorativo, já se torna possível comparar o que é diverso e fazer escolhas, embora de difícil consenso.

À falta de melhor critério, afigura-se adequado partir desta ideia relativa ao salário mínimo nacional para, servindo o seu valor e o seu conceito como termos de comparação, para se avaliar «quantos» salários mínimos nacionais serão apropriados para considerar que um sinistrado ficará compensado pelos danos que sofreu.

Além disso, cumpre verificar as verbas que têm sido atribuídas pela jurisprudência em casos semelhantes ou aproximados.

Assim, no acórdão do STJ de 19 de setembro de 2019, no processo n.º 2706/17.6T8BRG.G1.S1 ( Maria do Rosário Morgado), considerou-se que «…IV - Resultando dos factos provados que: (i) o recorrente foi sujeito a exames médicos e vários ciclos de fisioterapia, bem como uma intervenção cirúrgica; (ii) ficou afetado com um défice funcional permanente de 32 pontos; (iii) sofreu dores quantificáveis em 5 numa escala de 7 pontos; (iv) sofreu um dano estético quantificado em 3 numa escala de 7 pontos; (v) a repercussão das sequelas sofridas nas atividades desportivas e de lazer é quantificada em 3 numa escala de 7 pontos; (vi) o recorrente sofreu um rebate em termos psicológicos, em virtude das lesões e sequelas permanentes, designadamente por não poder voltar a exercer a sua profissão habitual e/ou outra no âmbito da sua formação profissional; revela-se ajustado o montante de €50 000,00 para compensar os danos não patrimoniais por aquele sofridos» (sumário).

No acórdão do STJ de 19-2-2015 no processo n.º 99/12.7TCGMR (Oliveira Vasconcelos), foi fixada uma indemnização de €25 000,00 relativamente a uma incapacidade permanente parcial de 12 pontos compatível com o exercício da atividade profissional habitual, sem redução da capacidade de ganho e a quantia de €20 000 arbitrada a título de danos não patrimoniais «…tendo em atenção que (i) à data do acidente o autor tinha 43 anos de idade; (ii) em consequência do acidente sofreu traumatismo do ombro direito, com fractura do colo do úmero, fractura do troquiter, traumatismo do punho direito, com fractura do escafóide, traumatismo do ombro esquerdo, com contusão, (iii) foi submetido a exames radiológicos e sujeito a imobilização do ombro com “velpeau”; (iv) foi seguido pelos Serviços Clínicos em Braga e submetido a uma intervenção cirúrgica ao escafóide; (v) foi submetido a tratamento fisiátrico; (vi) mantém material de osteossíntese no osso escafóide; (vii) teve de permanecer em repouso; (viii) ficou com cicatriz com 5 cms, vertical, na face anterior do punho; (ix) teve dores no momento do acidente e no decurso do tratamento; e (x) as sequelas de que ficou a padecer continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodos e mal-estar que o vão acompanhar toda a vida e que se acentuam com as mudanças do tempo, sendo de quantificar o quantum doloris em grau 4 numa escala de 1 a 7».

No acórdão do STJ de 26-1-2017, processo n.º 1862/13.7TBGDM (Oliveira Vasconcelos), ponderou-se que «…VII - Resultando da matéria fáctica provada que a autora: (…)  (vi) o quantum doloris foi fixado no grau 4; (vii) é casada e tem a seu cargo dois filhos menores; (viii) antes do acidente era uma pessoa alegre, enérgica, trabalhadora e ativa, sendo agora uma pessoa triste, angustiada, revoltada e nervosa; (ix) apresenta uma atitude apelativa e pitiática, humor lábil de tonalidade depressiva, expressando desgosto pelas dificuldades de mobiliação com que ficou, queixando-se do evitamento para a condução e revivências do acidente; (x) não brinca com a filha, nem a ajuda nos estudos, o que antes fazia; e (xi) deixou de fazer desporto, caminhadas e de andar de bicicleta, o que a deixa nervosa e desgostosa, é correto, de acordo com a equidade, o montante de €30 000 fixado pela Relação a título de indemnização pelos danos de natureza não patrimonial (arts. 494.º e 496.º do CC).

No acórdão do STJ de 13-7-2017 no processo n.º 3214/11.4TBVIS (Tomé Gomes) atribuiu-se uma indemnização €60.000,00 a título de danos não patrimoniais, relevando um quantum doloris de 7 pontos numa escala crescente de 1 a 7; dano estético de 4 pontos em igual escala; repercussão na atividade sexual de 4 pontos na mesma escala e prejuízo para a afirmação pessoal de 4 pontos numa escala de 1 a 5.

No caso dos autos, «A Autora nasceu a 09.03.1981, tendo à data do acidente 34 anos», «Não tinha doenças ou mazelas que a impedissem de ter uma vida normal, tendo saúde e robustez, andava frequentemente de bicicleta, praticava natação, trabalhava e fazia toda a lide doméstica»; «… padeceu de défice funcional temporário total (correspondente ao período durante a qual esteve inibida de realizar com razoável autonomia as atividades da vida diária, familiar e social) de 60 dias», «Padeceu ainda de um défice funcional temporário parcial (correspondente ao período durante o qual, ainda que com limitações, retomou, com alguma autonomia, a realização das atividades da vida diária, familiar e social) de 771 dias», «…esteve impedida de realizar a sua atividade profissional por um período de 831 dias»; «…ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável num mínimo de 7 (sete) pontos» e, como se disse, o quantum doloris, foi fixado no grau 5, numa escala ascendente de gravidade de 7 graus.

Por exemplo, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-10-2016 no processo 1043/12.7TBPTL, «Ponderadas a idade do autor (35 anos), as circunstâncias em que ocorreu o acidente (sem qualquer culpa sua), a extrema gravidade das lesões sofridas por este, os dolorosos tratamentos a que foi sujeito, a incomodidade daí resultante, o longo período dos tratamentos e as deslocações que teve que realizar para curativos e consultas, quer ao Porto quer a Viana do Castelo, as sequelas anátomo-funcionais, que se traduzem num deficit funcional de razoável grau (07 pontos) e de menor grau (01), em termos estéticos, as dores sofridas e o desgosto de, na força da vida, se ver fisicamente limitado, considera-se ajustada, equilibrada e adequada a indemnização de € 20 000,00, a título de dano não patrimonial»

Verifica-se que neste caso o autor sofreu um “Quantum Doloris” de grau 4, numa escala de 0 a 7 e um dano “Dano Estético” de grau 1, numa escala de 0 a 7 e ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de sete (07,00) Pontos - Incapacidade Parcial Permanente Geral, sem afectação da capacidade e do exercício da actividade profissional habitual.

Vejamos agora algumas decisões da Relação de Coimbra.

Assim, no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-06-2019, no processo n.º 107/17.5T8MMV.C1 (Emídio Santos), considerou-se «I – É equitativo compensar com o montante de € 10 000,00 [dez mil euros] o défice de 2 pontos na integridade física de uma jovem com 22 anos de idade, estudante do Curso de Ciências do Desporto e Educação Física, quando esse défice funcional, embora compatível com a sua condição de estudante, limita-a quando estejam em causa actividades desportivos em que haja contacto físico intenso ou outras que exijam um maior esforço do membro superior direito.

II - É equitativa a indemnização de vinte mil euros [€ 20 000,00] no seguinte quadro de danos não patrimoniais: a) dores físicas e psíquicas avaliadas no grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente; b) dores na face superior do ombro direito com as mudanças de temperatura e com os movimentos do braço direito nos últimos graus da abdução/antepulsão e rotação externa do ombro; c) dano estético, representado por cicatriz na omoplata direita, avaliado num grau 2, numa escala de 7 graus de gravidade crescente; d) desgosto pelo facto de ter ficado com cicatriz na omoplata; e) limitações na actividade física e de lazer, resultantes do facto de ter deixado de praticar futsal, actividade que contribuía para o seu bem-estar e satisfação; f) condicionamento da sua autonomia na realização dos actos correntes da vida diária, familiar e social, desde o acidente até à consolidação das lesões; g) ausência de culpa quanto à produção dos danos.

No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-02-2019, no processo n.º 1209/16.0T8CBR (Vitor Amaral), foi atribuída uma indemnização de €22.000.00 numa situação em que o quantum doloris era de grau 5, mas foram consideradas outras circunstâncias como o facto da «… autora, sexagenária mas pessoa extremamente activa, e profissional muito competente e trabalhadora, que adorava a sua profissão, ter deixado de trabalhar e “antecipado” a sua reforma relativamente às suas expectativas - que seriam de laborar até aos seus 70 anos- por força do acidente, tendo ainda repercussão substancial na sua vida social, familiar e lúdica, sendo certo ainda que o mesmo obrigou à sua saída de casa e a deixar de acompanhar e apoiar a sua mãe; ainda a sua perda de autonomia e deslocalização, sendo que a 31 de Dezembro de 2013 foi transferida para ( ...) , onde mora a sua filha, porquanto se tornou absolutamente dependente de terceiros para poder satisfazer as mais básicas necessidades do dia-a-dia, porquanto em ( ...) não tinha o apoio e suporte necessários; o facto de logo após o acidente, ter sido necessário acompanhamento permanente de dia e de noite, uma vez que o seu estado físico e psicológico posteriormente ao acidente não permitia que a mesma ficasse sozinha; esteve totalmente dependente da ajuda de terceiros para as tarefas mais elementares e diárias, como por exemplo, precisava que a levassem à casa de banho, lhe dessem banho, a auxiliassem nas tarefas mais básicas, como vestir, despir, pentear, entre outras, motivo pelo qual foi necessário contratar apoio domiciliário para tais tarefas e bem ainda acompanhamento à fisioterapia e consultas na CRIA - situação esta que perdurou até meados de Junho de 2014, altura em que a autora foi transferida para a sua residência sita em ( ...); ainda deve, nesse particular, relevar-se um dano sexual diminuto (parâmetro autónomo) - numa escala de 1 em 7, devido ao joelho doloroso e em particular ao quadro ango-depressivo, determinante de uma diminuição de libido- podendo interferir no quadro psicológico; mas também a desfiguração decorrente da amiotrofia e da cicatriz mencionada e geradora de dano estético permanente afectando a sua imagem, quer em relação a si próprio, quer perante os outros, e que se fixou em grau 2- [ cicatriz cirúrgica nacarada na perna direita, com cerca de 15 cm e amiotrofia da coxa e perna de 0,5 e 1,5 cm, respectivamente]».

No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-01-2019, no processo n.º 342/17.6T8CBR (Moreira do Carmo), ponderou-se que «…3. No que respeita ao dano biológico, provado que a A. ficou com sequelas compatíveis com o exercício da actividade habitual, que implicam esforços suplementares, e tendo-se em conta a idade da mesma, de 33 anos, a incapacidade geral permanente de 7 pontos, a mediana gravidade das lesões e sequelas físicas (com perspectiva de agravamento futuro) e psíquicas do acidente, a longevidade de vida previsível, estimada em 83 anos para as mulheres, é adequado e ajustado a indemnização de 30.000 € (…) 6. No que respeita ao dano moral, provando-se que a A. ficou curada em cerca de 400 dias, sendo de 35 dias o período de défice funcional temporário total, que a mesma sofreu um quantum doloris médio de grau 4/7 e dano estético de grau médio-baixo de 2/7, além do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável de 7 pontos, bem como repercussão permanente nas actividades de lazer de grau médio de 4/7, ponderando tais elementos, o disposto nos arts. 496º, nº 4, 1ª parte, e 494º do CC, sem esquecer o disposto no art. 8º, nº 3, do CC (que aponta para o julgador levar em conta o paralelismo de casos análogos, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito), considera-se justo e équo a indemnização no valor de 20.000 €».

No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-12-2018, no processo n.º 762/15.0T8LRA. (Emídio Santos) considerou-se que «… III – É equitativa a indemnização de dez mil euros [€10000,00] pelos seguintes danos não patrimoniais: sofrimento físico e psíquico vivido pelo autor, fixado, no grau 4, défice funcional permanente da integridade física ou psíquica, fixado em 1 ponto, e desgosto causado pelo facto de a vítima ter deixado, durante vários meses, de andar de bicicleta e de jogar futebol, actividades que eram do agrado dela».

Dada a dificuldade de encontrar critérios que conduzam a indemnizações uniformes, desde logo porque os casos são diferentes uns dos outros, sendo ainda certo que os lesados, em regra, ficam insatisfeitos, ao que não será estranho o facto de não conseguirem passar para as palavras e transmitir para os processos todo o dano que padeceram, apesar disso afigura-se que tendo em conta que o quantum doloris correspondente ao sofrimento físico e psíquico padecido pela Autora durante o período de incapacidade temporária foi fixado no grau 5, numa escala de 7 graus de gravidade crescente,  e aos casos relativos às decisões que antecedem, é ajustado ao caso subir a indemnização para €20.000,00.

b) Passando à apreciação da indemnização pelo dano biológico.

Quando uma incapacidade permanente parcial não causa, nem causará previsivelmente, uma diminuição de remuneração, o lesado tem direito a uma indemnização pelo dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física e psíquica, não cabendo aqui uma indemnização por perda de remunerações porque tal perda não existe.

É este o caso dos autos.

Na sentença recorrida foi atribuída à Autora a quantia de 6.650,00 (seis mil, seiscentos e cinquenta euros), a título de dano biológico.

A Autora pretende quantia não inferior a €50.000 (cinquenta mil euros), considerando a idade da autora, a desvalorização de 7 pontos percentuais e o reflexo que as lesões têm na sua vida.

Recapitulando sinteticamente o que já ficou dito, a Autora «…ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável num mínimo de 7 (sete) pontos»; «Com as lesões e tratamentos a que foi submetida a Autora sofreu e continua a sofrer dores, o que a obriga a tomar analgésicos»; «…ficou também com repercussões na atividade profissional, uma vez que as sequelas resultantes do acidente lhe exigem esforços acrescidos, tendo em conta a patologia dolorosa a nível da coluna lombar»; «…ficou afetada por um dano estético permanente que deve igualmente ser fixado no grau 2, numa escala de sete graus de gravidade crescente»; «Nos períodos de crise dolorosa a Autora tem de tomar um comprimido para conseguir dormir, o que se não verificava antes da ocorrência do acidente»; «Quando anda prolongadamente, a Autora fica com dores na região lombar»; «…passou a demorar mais tempo na realização de algumas lides domésticas, como passar a ferro»; , «…é secretária clínica, e o seu trabalho exige grandes períodos de tempo sentada, o que causa à Autora dores lombares, tendo de interromper o trabalho para descansar».

Dada a dificuldade de encontrar critérios que conduzam a indemnizações uniformes, como se referiu já, mas tendo em conta a os casos e as decisões que antecedem é ajustado ao caso subir a indemnização para €15.000,00.

c) Relativamente aos danos patrimoniais, a Autora atendendo a que resultou provado que «Em consequência do acidente, a A. deixou de receber remunerações no total de €8.642,70 que a Ré seguradora lhe terá que restituir», pretende que a Ré seja condenada a pagar-lhe este montante.

Assiste razão à recorrente.

No texto da sentença considerou-se que «Ficou provado que a Autora, na altura do acidente, trabalhava auferindo um vencimento mensal líquido de € 1.765,54.

Em consequência do acidente, a A. deixou de receber remunerações no total de €8.642,70, que a Ré seguradora lhe terá de restituir».

Porém, esta verba não passou para o dispositivo da sentença.

Cumpre, por isso, condenar a Ré a pagar esta importância e respetivos juros, como pedido.

d) A autora continua a não conseguir efetuar a sua prestação de trabalho a tempo inteiro, pelo que tendo em conta os valores de prejuízos já sofridos pela A. e todos os que se perspetivam, tendo em conta a sua idade a forte probabilidade de agravamento das lesões e o limite da vida cativa normal (65 anos), sempre terá que ser arbitrada à A. uma compensação prelo prejuízo sofrido e a sofrer de 20.000,00€.

Improcede esta pretensão.

Não resulta dos factos provados que a Autora tenha sofrido ou venha a sofrer redução de salários devido á incapacidade parcial de que passou a ser portadora.

Esta problemática já foi considerada no dano biológico.

e) A Autora pretende ainda que a Ré seja condenada na assunção de todos os prejuízos que a autora venha a sofrer em virtude do acidente que sofreu, bem como a suportar todas as despesas cirúrgicas e com tratamentos que a Autora tenha que vir a realizar na decorrência do mesmo.

Provou-se que «É expectável a ocorrência de dano futuro, ou seja, o agravamento das lesões e da situação clínica da Autora» (facto provado 27).

Improcede este pedido.

Tal condenação apenas reproduziria o que consta das normas jurídicas, designadamente do disposto no artigo 483.º do Código Civil, ou seja, quem é responsável por um dano deve indemnizar o lesado se este mostrar que esse dano existe.

Porém, a condenação em relação a eventos danosos futuros e incertos implicaria uma condenação antes do tempo e frustraria, por exemplo, uma vez verificado o dano, a eventual invocação da prescrição do respetivo crédito (artigo 498.º do Código Civil) por parte do devedor, porquanto já existia antecipadamente uma decisão a condenar no pagamento, o que mostra que este pedido não pode proceder.

Tratar-se-ia, com efeito, de uma sentença condicional, não permitida pelo nosso sistema processual, no qual o conceito de sentença pressupõe a resolução de um litígio de modo definido e definitivo, como resulta do disposto no artigo 10.º do CPC quanto à definição das ações e respetivas finalidades que hão de ser asseguradas pelo dispositivo da sentença e do artigo 610.º do mesmo Código relativamente ao julgamento de ações em que se verifica que a obrigação ainda não é exigível.

Como referem os autores Antunes Varela/J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, «Não deve confundir-se a sentença de condenação condicional, em que o condicionado é o direito reconhecido na sentença, com as sentenças condicionais, em que a incerteza recai sobre o sentido da própria decisão e que, em princípio, não são admitidas no nosso sistema» - Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pág. 683, nota 1.

As sentenças de condenação condicional ocorrem nos casos em que a obrigação está em si mesma sujeita a condição.

Nestes casos, como referem os mesmos autores, «Se, por exemplo, ao contrário do sustentado pelo autor, o juiz entender que a obrigação por ele pleiteada se encontra sujeita a determinada condição, ainda não verificada, poderá o juiz proferir uma sentença de condenação condicional, em termos paralelos aos previstos no artigo 662.º [corresponde ao artigo 610.º do atual CPC]» - Ob. cit., pág. 683.

No caso tratar-se-ia de decisão condicional porque o direito declarado na sentença seria algo como «a Ré é condenada a pagar os prejuízos que a autora porventura venha ainda a sofrer em virtude do acidente que sofreu…», o que se traduziria numa incerteza contida na própria decisão quanto ao direito que enuncia, pois este seria constituído por um estado de incerteza, dependente de factos futuros de ocorrência incerta e mesmo de uma segunda decisão que concluísse que os danos eram consequência do acidente.

Improcede, pelo exposto, esta pretensão.

IV. Decisão

Considerando o exposto:

1 – Julga-se o recurso parcialmente procedente e fixam-se as seguintes indemnizações:

a) €8.642,70 (oito mil, seiscentos e quarenta e dois euros e setenta cêntimos) de remunerações salariais que deixou de receber e juros à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

b) Altera-se a indemnização por danos não patrimoniais que se fixa em €20.000,00 (vinte mil euros);

c) Altera-se a indemnização pelo dano biológico que se fixa em €15.000,00 (quinze mil euros).

2 – No mais mantém-se a decisão recorrida (incluindo a condenação em juros).

3 – Custas da ação na proporção de 50% para cada parte e do recurso na proporção de 68% para a Autora recorrente e 32% para a Ré.


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Coimbra, 21 de janeiro de 2020

Alberto Ruço ( Relator)

Vítor Amaral

Luís Cravo