Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2654/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: MONTEIRO CASIMIRO
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CRÉDITO GARANTIDO POR HIPOTECA
JUROS VENCIDOS E VINCENDOS
Data do Acordão: 11/22/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: Nº 2 DO ARTº 693º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: O disposto no nº 2 do artº 693º do Código Civil não obsta a que nos juros se incluam os vencidos e os vincendos, desde que não sejam superiores a três anos e não ultrapassem o montante máximo garantido.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:


Por apenso à execução sumária que, sob o nº 734/2002, corre pelo 2º Juízo Cível do Tribunal de Aveiro, em que é exequente A... e executado B..., foram reclamados os seguintes créditos:
- Pela C..., em 15/09/2003, no montante de 40.648,99 € (sendo 36.289,30 € de capital, 2.864,85 € de juros convencionados à taxa anual de 7,750 %, desde 12/09/2002 a 15/09/2003, e 1.478,62 € de indemnização com natureza de cláusula penal correspondente à taxa de 4 %, desde a data da mora, em 12/10/2002), acrescido de juros de mora desde 15/09/2003 até à liquidação, à taxa de 11,750 %, garantido por hipoteca sobre o imóvel penhorado.
- Pela Fazenda Pública, representada pelo Mº Pº, em 17/09/2003, no montante de 61,85 €, por dívida de Contribuição Autárquica relativa ao ano de 2002, que incide sobre o imóvel penhorado.
*
A exequente impugnou a reclamação da C... na parte relativa aos juros por ultrapassar os limites estabelecidos no artº 1146º do Código Civil, com referência ao artº 559º-A e Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril.
*
Foi, depois, proferida sentença, que julgou verificados os seguintes créditos:
1º - Crédito da Fazenda Nacional;
2º - Crédito do reclamante C... [mas abrangendo apenas o capital, no montante de 36.289,30 €), por se
entender que a hipoteca nunca abrange juros mais do que três anos];
3º - Crédito da exequente.
*
Dessa sentença interpôs a reclamante C... recurso de apelação, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões:
A- A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis ou equiparadas .. com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo – artº 686º, 1 do Cód. civil – e garante, também, os acessórios do crédito que, tratando-se de juros, são apenas os relativos a três anos, se constarem do registo.
B- Os juros e a indemnização com natureza de cláusula penal reclamados constam do registo, respeitam os limites do artº 693º, 1 e 2 do Cód. Civil e estão abrangidos pela ajuizada hipoteca. Assim,
C- O pedido formulado na reclamação de créditos pela recorrente está integralmente coberto pela garantia hipotecária. Donde,
D- O crédito reclamado pela C... deve ser graduado pelo montante de 40.648,99 €, acrescido dos juros vincendos à taxa anual de 7,750 % e da indemnização, a título de cláusula penal, à taxa anual de 4%, calculados sobre o capital de 36.289,30 €, com o limite de 12/09/2005 e até ao montante máximo de 58.878,10 € (11.804.000$00).
E- A sentença recorrida violou, com erro de interpretação e aplicação, as citadas disposições legais e o disposto no artº 96º do Cód. Reg. Predial.
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
Tendo em consideração que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal da Relação conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo razões de direito ou a não ser que aquelas sejam de conhecimento oficiosos (cfr. artºs 664º, 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil), vamos apreciar a única questão suscitada no recurso e que consiste em saber se os créditos reclamados pelo credor hipotecário C..., e graduados, incluem os juros relativos a três anos, como pretende a recorrente, ou não incluem quaisquer juros, como se entendeu na sentença recorrida.

No que diz respeito aos acessórios do crédito, dispõe o artº 693º do Código Civil (diploma a que pertencerão os restantes normativos sem menção de proveniência) que a hipoteca assegura os acessórios do crédito que constem do registo (nº 1).
Tratando-se de juros, a hipoteca nunca abrange, não obstante convenção em contrário, mais do que os relativos a três anos (nº 2).
São acessórios do crédito, por exemplo, os juros moratórios e remuneratórios, as despesas de constituição da hipoteca e de realização do respectivo registo e a cláusula penal a que se reporta o artº 810º (cfr. Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, págs. 716 e 717).
O disposto no nº 2 visa proteger, no que diz respeito à garantia do crédito de juros, o interesse de outros credores na não acumulação de juros por eles ignorada, por ser susceptível de o desvalorizar (v., neste sentido, o Ac. do S.T.J. de 05/11/1980, BMJ nº 301-395).

No presente caso, a recorrente reclamou 2.864,85 € de juros desde 12/09/2002 a 15/09/2003, e 1.478,62 € de indemnização com natureza de cláusula penal desde 12/10/2002, perfazendo o crédito reclamado, com o capital de 36.289,30 €, o montante de 40.648,99, acrescido dos juros vincendos desde 15/09/2003 até à liquidação, sobre o capital de 36.289,30 €.
Na sentença recorrida, embora se tenha reconhecido que as taxas dos juros e da cláusula penal são válidas, entendeu-se que os juros não são abrangidos pela hipoteca, visto esta não abranger juros mais do que três anos (sic), garantindo a hipoteca
somente o capital em dívida no montante de 36.289,30 €, tendo sido apenas este objecto de graduação.
Discordamos desta decisão, pois estando os juros e a cláusula penal assegurados pela hipoteca e constando do registo – hipoteca que foi registada em 12/06/1996, com o capital de 8.000.000$00, juro anual de 11,85 %, acrescido de 4 % na mora, a título de cláusula penal, com o montante máximo de 11.804.000$00 -, não há dúvida que o crédito abrange a indemnização devida a título de cláusula penal e os juros relativos a três anos.
Nada obsta a que nos juros se incluam os vencidos e os vincendos, desde que não sejam superiores a três anos e não ultrapassem o montante máximo garantido.
Assim, o crédito graduado da recorrente é do montante reclamado de 40.648,99 €, acrescido de juros de mora vincendos até 12/09/2005, até ao montante máximo de 58.878,10 €, e não apenas do montante correspondente ao capital (36.289,30 €), como se decidiu na sentença recorrida.
*
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em dar provimento ao recurso, graduando o crédito da reclamante C... nos termos supra referidos, no mais confirmando a sentença recorrida.

Sem custas.