Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
372/04.8TAAND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: RESPONSABILIDADE PARENTAL
INCIDENTE DE INCUMPRIMENTO
PRESUNÇÃO DE CULPA
ÓNUS DA ESPECIFICAÇÃO NA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 05/13/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ANADIA - 2º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTºS 181º DA OTM, E 690º-A, NºS 1 E 2, DO CPC
Sumário: I – A possibilidade de conhecimento do Tribunal da Relação em caso de impugnação da decisão de 1ª instância sobre matéria de facto está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados, com os pressupostos estatuídos no artº 690º-A, nºs 1 e 2,do CPC.

II – Os concretos pontos de facto impugnados devem constar das respectivas conclusões, porque delimitadoras do âmbito do recurso e constituírem o fundamento da alteração da decisão.

III – Já quanto à especificação dos meios probatórios, a lei não impõe que seja feita nas conclusões, podendo sê-lo no corpo da motivação, mas, em todo o caso, impõe-se a obrigatoriedade de conexionar cada facto censurado com os elementos probatórios correspondentes.

IV – Verificando-se uma total omissão sobre o ónus de especificação, por ausência de individualização da matéria questionada, impõe-se a rejeição do recurso sobre a matéria de facto.

V – O artº 181ºda OTM estabelece o incidente de incumprimento quanto ao acordado ou decidido relativamente à situação do menor no âmbito do exercício do poder paternal, onde está abrangido todo e qualquer incumprimento à regulação do poder paternal, incluindo apenas a pensão alimentar, cuja cobrança coerciva se efectiva pelo artº 189º da OTM.

VI - Dado que a obrigação de alimentos assume natureza creditícia, uma vez provado o incumprimento presume-se a culpa do devedor de alimentos, nos termos do artº 799º, nº 1, do C. Civ., pelo que é o devedor quem terá de demonstrar que o não pagamento não procedeu de culpa sua.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO

1.1. - O MINISTÉRIO PÚBLICO, em representação da menor A..., deduziu (3/3/2006) na Comarca de Anadia o incidente de incumprimento da responsabilidade parental, nos termos do art.181 da OTM, contra o requerido – B....
Alegou, em resumo:
Por acordo de regulação do poder paternal, homologado por sentença de 1/2/2005, transitada em julgado, o requerido foi condenado a pagar à menor A..., sua filha, a quantia mensal de € 180,00, a título de alimentos.
Desde Outubro de 2005 e até Fevereiro de 2006, deixou de pagar, no valor global de € 900,00.
Pediu a procedência do incidente e a condenação do requerido em multa e indemnização a favor da menor.
Respondeu o requerido ( fls.43 ) dizendo estar desempregado desde Setembro de 2005, pelo que não dispõe de quaisquer rendimentos.

1.2. - Por sentença de 3/8/2007 ( fls.144 ), na procedência do incidente, decidiu-se:
a) - Considerar verificada a situação de incumprimento da responsabilidade parental de pagamento das pensões mensais de alimentos por parte do requerido relativamente às pensões de alimentos de Outubro de 2005 a Agosto de 2007;
b) - Ordenar a notificação a entidade patronal para proceder a descontos de 1/3 do seu ordenado líquido até pagamento do valor de € 4.140,00, posteriormente reduzida (fls.199) para € 3.420 (para pagamento das pensões vencidas e não pagas). Depois de estar cobrado este valor, da quantia da pensão de alimentos, fixada em € 180,00, actualizada de acordo com as taxas da inflação, para cobrança das prestações vincendas as quais só deverão cessar se o requerido passar a pagar voluntariamente a pensão de alimentos à sua filha;
c) – Condenar o requerido em multa por incumprimento no valor de € 249,90 e a pagar à filha A... a indemnização de € 500,00.

1.3. - Inconformado, o requerido recorreu, sendo o recurso admitido como de apelação ( fls.166 e 174 ), mas corrigido na Relação para agravo, com as seguintes conclusões:
1º) - A decisão recorrida assenta em factos que não devem ser considerados provados, nomeadamente por não corresponderem à verdade e se encontrarem em larga medida descontextualizados no tempo.
2º) – Tendo o tribunal conhecimento de factos que não interessam à decisão da causa e ignorando outros que lhe incumbia conhecer, violou o art.668 nº1 d) do CPC.
3º) – A Decisão, face à deficiente apreciação da matéria de facto que nela é feita, incorreu em injustiça material, conduzindo o recorrente a uma situação precária de sobrevivência económica.
4º) – Deve ser alterada a decisão no sentido de não aplicar a condenação em multa e indemnização e reduzir ao montante de 1/6 o valor da penhora a efectuar na remuneração do recorrente, por manifesta desproporcionalidade face às difíceis condições económicas que atravessa.
Respondeu o Ministério Público (fls.282), preconizando a improcedência do recurso.
II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. – Delimitação do objecto do recurso:
O recorrente impugna a matéria de facto, mas omitiu o ónus da especificação, nos termos do art.690-A nº1 do CPC.
A revisão do Código de Processo Civil, operada pelo DL 329-A/95 de 12/2, instituiu, de forma mais efectiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto. Porém, o poder de cognição do Tribunal da Relação sobre a matéria de facto não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto. Desde logo, a possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados, com os pressupostos adrede estatuídos no art.690-A nº1 e 2 do CPC.
A razão de ser da exigência do ónus da especificação consta do preâmbulo do Dec.Lei nº39/95 de 15/2, visando afastar a possibilidade de o recorrente se limitar “a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo pura e simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância e manifestando genérica discordância com o decidido”, decorrendo ainda dos princípios estruturantes da cooperação, lealdade e boa fé processuais.
Os concretos pontos de facto impugnados devem ser feitos nas respectivas conclusões, porque delimitadoras do âmbito do recurso e constituírem o fundamento da alteração da decisão. Já quanto à especificação dos meios probatórios, a lei não impõe que seja feita nas conclusões, podendo sê-lo no corpo da motivação ( cf., por ex., Ac do STJ de 20/11/2003, de 8/3/06, de 13/7/06, disponíveis em www dgsi.pt/jstj ), mas em todo o caso impõe-se a obrigatoriedade de conexionar cada facto censurado com os elementos probatórios correspondentes.
Sobre a sanção para o incumprimento do ónus da especificação, existem actualmente duas teses:
a) - Uma, no sentido da rejeição imediata do recurso, sem prévio convite. Argumenta-se, para o efeito, não só com a letra da lei ( “ deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição” ), como com a interpretação sistemática, pois se fosse aplicável a regra do art.690 nº4 do CPC o legislador tê-lo-ia dito, e a própria teleologia, o duplo grau em matéria de facto converge com o ónus da especificação, já que, de outro modo, implicaria numa substituição pelo tribunal do ónus que impende sobre as partes de litigar diligentemente, contendendo com o direito da outra parte a fazer valer, segundo o princípio da igualdade, da forma como a contra-parte litiga ( arts.3 e 264 do CPC ) ( cf., neste sentido, por ex., Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., pág.157, Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, pág.466, Ac STJ de 20/5/04, de 1/7/04, de 25/11/04, de 29/11/05, de 7/12/05, 25/5/06, de 14/9/06, disponíveis em www dgsi.pt/jstj ).
b) - Outra, que defende o convite ao aperfeiçoamento apenas quando estiver em causa uma mera deficiência do ónus de especificação, tanto por aplicação analógica do art.690 nº4, como da regra geral dos arts.265 nº2 e 266 nº2 do CPC.
Justifica-se, para tanto, que a sanção deve ser proporcional à gravidade do incumprimento, cominando a lei a rejeição imediata do recurso, à semelhança da imediata deserção no caso de falta (absoluta) de alegações (art.690 nº3 do CPC), mas já não quando ocorre uma simples deficiência ( cf., por ex., Ac do STJ de 20/3/03, 29/11/05, de 6/7/06, de 13/7/06, de 7/2/07, em www dgsi.pt/jstj ).
Analisando as alegações do agravante, constata-se não haver individualizado, nas respectivas conclusões, “os pontos de facto” que pretende impugnar, limitando-se a afirmar genericamente que a decisão “assenta em factos que não devem ser considerados provados”
Por isso, verificando-se total omissão sobre o ónus de especificação, por ausência de individualização da matéria questionada, impõe-se a rejeição do recurso de facto.
Deste modo, o objecto do agravo circunscreve-se às seguintes questões: (1ª) Nulidade da sentença, (2ª) Cumprimento coercivo e redução do desconto do vencimento, (3ª) A condenação em multa e indemnização.

2.2. – Os factos provados ( descritos na sentença ):
1. A..., nascida em 26 de Julho de 2003, é filha de C... e B..., aqui requerido.
2. Na conferência de pais que se realizou no âmbito deste processo em 1 de Fevereiro de 2005, os pais da menor acordaram que esta ficava confiada à guarda e aos cuidados da sua mãe, a quem foi atribuído o poder paternal.
3. Mais acordaram os pais no estabelecimento de um regime de visitas e contactos livres.
4. Por esse acordo, o requerido comprometeu-se a pagar uma pensão de alimentos de €180 por mês à sua filha, a depositar até ao dia 8 do mês a que respeite, sendo esse valor actualizado em função da taxa de inflação publicitada pelo Instituto Nacional de Estatística.
5. Esse acordo foi homologado por sentença que foi ditada para a acta dessa conferência de pais de 1 de Fevereiro de 2005.
6. O requerido não pagou as pensões de alimentos relativas aos meses de Outubro de 2005 a Agosto de 2007.
7. Por decisão de 13 de Outubro de 2005, o Centro Distrital de Segurança Social de Setúbal indeferiu um pedido de apoio judiciário que o requerido formulara, porquanto o rendimento mensal, por pessoa, do seu agregado familiar, era superior a 80% da remuneração mínima prevista para a generalidade dos trabalhadores.
8. Em 2 de Janeiro de 2003, a sociedade comercial D..., pagou ao requerido uma indemnização no valor de € 63.000.
9. O requerido havia exercido nessa empresa as funções de chefe de serviços.
10. Tem inscrito junto da administração fiscal uma fracção autónoma de um prédio urbana que em 2003 foi avaliada em € 24.383,79.
11. Até 31 de Agosto de 2005, o requerido foi colaborador da sociedade comercial E... exercendo as funções de director de vendas, recebendo um ordenado líquido de Esc. 579.359$00.
12. Tem registado em seu nome um veículo motociclo de marca Honda.
13. Em 27 de Novembro de 2006, o requerido celebrou um contrato de trabalho com a sociedade comercial F..., com a categoria de técnico de vendas, auferindo no mês de Março de 2007 um ordenado líquido de € 642,75.
14. O requerido tem actualmente 46 anos de idade.
15. É casado.
16. Vive com a sua mulher e com um filho com 24 anos de idade.
17. Aquando do acordo sobre a definição das responsabilidades parentais, o requerido trabalhava numa empresa de produtos farmacêuticos, como Chefe de Divisão, auferindo um salário-base de € 2.000, ao qual acresciam verbas não fixas, nomeadamente uma comissão sobre o volume de vendas realizadas pela sua Divisão.
18. A sua mulher é professora.
19. Paga € 400 por mês para amortização de um empréstimo que contraiu para adquirir habitação.
20. Paga € 200 para liquidação de dívidas que contraiu.

2.3. - Nulidade da sentença:
A nulidade de omissão de pronúncia prevista no art.668 nº1 alínea d) do CPC traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever prescrito no art.660 nº2 do CPC, que é o de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras.
Porém, conforme entendimento jurisprudencial uniforme, a nulidade consiste apenas na falta de apreciação de questões que o tribunal devesse apreciar, sendo irrelevante o conhecimento das razões ou argumentos aduzidos pelas partes (cf., por ex., Ac STJ de 11/11/87, BMJ 371, pág.374, de 7/7/94, BMJ 439, pág.526, de 25/2/97, BMJ 464, pág.464 ).
Para justificar a pretensa nulidade, o agravante socorre-se de eventual erro de julgamento, o que tanto basta para a sua improcedência.

2.4. - O cumprimento coercivo e o desconto do vencimento:
A regulação do exercício do poder paternal incide sobre três vectores – a guarda, as visitas e os alimentos ( arts.1905, 1912 do CC, art.180 da OTM )
O art.181 da OTM estabelece o incidente de incumprimento quanto ao acordado ou decidido relativamente à situação do menor no âmbito do exercício do poder paternal.
Quando está em causa apenas o incumprimento dos alimentos, discute-se se o meio idóneo é o incidente do art.181 ou o do art.189 da OTM e sobre a qual existem duas orientações:
a) - Uma, no sentido de que a aplicação de ambos os regimes depende da natureza do incumprimento da regulação do exercício paternal, e estando em causa apenas os alimentos o regime específico aplicável é o previsto no art.189 da OTM ao estabelecer um mecanismo de cobrança coerciva.
Deste modo, entende-se haver erro na forma de processo quando empregue o incidente do art.181 da OTM ( cf. neste sentido, por ex., António Antunes, Organização Tutelar de Menores, pág.141, Ac RP de 27/2/97, processo nº9631282, Ac RL de 1/3/2007, processo nº1750/2007-6, em www dgsi.pt );
b) – Outra, de que o art.181 da OTM abrange todo e qualquer incumprimento à regulação do poder paternal, incluindo apenas a pensão alimentar, cuja cobrança coerciva se efectiva pelo art.189 da OTM (cf., neste sentido, por ex., Rui Epifânio/António Farinha, Organização Tutelar de Menores, 1987, pág.342, Ac RL de 4/5/2004 processo nº10531/2003-1, Ac RL de 27/5/2004, C.J. ano XXIX, tomo III, pág.88 ).
Adopta-se aqui esta segunda orientação por ser a mais consistente, como resulta dos argumentos literal, histórico e sistemático.
Enquanto que o anterior art.95 da OTM se reportava tão somente à falta de cumprimento por parte de um dos pais “ relativamente ao destino do menor”, o actual preceito do art.181 nº1 da OTM refere-se ao incumprimento relativo “ à situação do menor”, com um conteúdo mais abrangente.
Por outro lado, o art.189 da OTM não é um procedimento restrito da acção de alimentos, tendo uma natureza geral, aplicável a qualquer processo em que tenha sido fixada a obrigação de alimentos, pois o art.190 nº5 da OTM foi revogado pelo DL nº48/95 de 15/3, mas apenas na sua dimensão penal.
O incidente do art.181 da OTM não se destina à alteração da prestação de alimentos fixados, embora ela possa ocorrer por acordo na conferência ( nº3 ), mas antes a averiguar do incumprimento imputável a um dos progenitores e aplicar as respectivas sanções.
Dado que a obrigação de alimentos assume natureza creditícia, provado o incumprimento, presume-se a culpa do devedor, nos termos do art.799 nº1 do CPC, logo é o devedor quem terá de demonstrar que o não pagamento não procedeu de culpa sua.
Comprovou-se que o agravante, pai da menor A..., não pagou as pensões alimentares relativas aos meses de Outubro de 2005 até Agosto de 2007, logo não cumpriu o acordo de regulação do poder paternal quanto aos alimentos.
Considerou-se na sentença que o requerido dispunha de condições económicas para pagar os alimentos ( € 180,00/mês ), pelo que ordenou o desconto de 1/3 do vencimento líquido.
O agravante diz ser desproporcional e reclama a redução do desconto para 1/6.
Dispõe o art.189 nº1 b) e nº2 da OTM que se o devedor de alimentos for empregado ou assalariado, ser-lhe-ão reduzidas no ordenado ou salário “ as quantias em dívida”, bem como “os alimentos que se forem vencendo”.
Quer se qualifique como tendo natureza pré-executiva, quer se entenda tratar-se de acção executiva, prevalecente sobre a especial do art.1118 e segs. do CPC, coloca-se a questão de saber se tem aplicação os limites de penhorabilidade do art.824 do CPC.
Desde logo, do art.824 nº2 do CPC a propósito da impenhorabilidade parcial ressalva expressamente os alimentos ( “ e o crédito exequendo não seja de alimentos”).
Como explicita Remédio Marques, “ concebe-se, pois que, a despeito de o devedor de alimentos ter direito a uma quantia que lhe garanta o mínimo de subsistência conforme a sua dignidade de pessoa humana, o legislador terá, neste particular, sacrificado o direito do devedor à manutenção de um “ rendimento mínimo de subsistência” ou à manutenção de um “ rendimento livre ou isento”, corresponde a um montante mínimo capaz de assegurar a auto-sobrevivência do obrigado, a favor do direito do credor à realização do crédito de alimentos”.
No entanto, acrescenta - “ Mal-grado a impenhorabilidade prevista no referido preceito equivalente a um salário mínimo nacional, por cada apreensão, não se aplique, de facto, quando o crédito exequendo seja de alimentos, julgamos que o princípio da dignidade da pessoa humana ( arts.1º e 63º/1 e 3 da Constituição ) deverá impedir que, em consequência da penhora – ou das penhoras que, em outros processos, estejam a ser efectivadas – o devedor passe a dispor de um rendimento disponível insuficiente para lhe assegurar a sua auto-subsistência (…)” ( “Aspectos Sobre o cumprimento coercivo das obrigações de alimentos”, in Comemorações dos 35 Anos do Código Civil, vol.I, 2004, pág.626 e 627 ).
O vencimento líquido do agravante é de € 642,75, sendo que 1/3 corresponde a € 214,25, pelo que fica com o remanescente de € 428,50, ligeiramente superior ao salário mínimo nacional ( € 403,00 ), o que significa não estar afectado o princípio da dignidade da pessoa humana.
Por outro lado, e conforme objectou o Ministério Público, o desconto em 1/6 implicaria a atribuição de uma pensão inferior à fixada e necessariamente uma alteração da mesma.
Ora, também como já se observou, não pode ter lugar aqui qualquer alteração da pensão de alimentos, e a despeito da sentença homologatória de alimentos estar sujeita à cláusula rebus sic standibus, a alteração ou cessação da obrigação exige a comprovação dos requisitos do art.182 da OTM.

2.5. - A multa e indemnização:
A sentença condenou o requerido/agravante na multa de € 249,90 e na indemnização de € 500,00 a favor da menor A....
Para tanto, justificou-se com o incumprimento culposo por parte do requerido, fixando-se a multa no máximo “ tendo em conta o longo período de tempo do incumprimento” e quanto à indemnização considerou-se ajustada por estarem verificados os pressupostos do art.483 nº1 do CC.
Para o agravante, a ausência de culpa no incumprimento afasta a condenação em multa e indemnização.
Para além do cumprimento coercivo, o art.181 nº1 da OTM comina a condenação em multa até 50.000$00 e em indemnização a favor do menor ou do requerente ou de ambos.
Quanto à multa, parece tratar-se de uma sanção punitiva ou “ sanção pecuniária repressiva”, tal como a designa Calvão da Silva, por já ter lugar o incumprimento imputável, embora entenda ser preferível a adopção de sanção pecuniária compulsória destinada a induzir o cumprimento (Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág.496 ).
Os elementos factuais disponíveis não são suficientes para postergar a presunção legal de culpa ( art.799 nº1 do CC ).
Na verdade, não está demonstrada a impossibilidade económica ou seja, a ausência total de recursos económicos. É certo que o requerido esteve desempregado desde Agosto de 2005 até Novembro de 2006, mas tinha recursos económicos, tanto assim que recebera antes € 63.000,00, e o que o que estava em dívida era € 4.140 ( sem as actualizações de 2006/07 ). Além disso, voltando a empregar-se em 27 de Novembro de 2006, continuou a não pagar.
Acresce que se o requerido no incidente do art.181 da OTM entende não dispor de meios económicos para cumprir, deve observar o art.182 da OTM, não podendo suscitar tal questão no incidente, de natureza executiva ( cf. Ac RL de 12/4/94 processo nº0068001, www dgsi.pt ).
No que se refere à indemnização, segundo determinado entendimento, ela insere-se na responsabilidade civil extracontratual, o que significa não decorrer ipso facto do incumprimento, sendo necessária a verificação de todos os pressupostos da obrigação de indemnização, designadamente dos danos ( patrimoniais ou não patrimoniais ) ( cf., por ex., Ac RL de 8/2/2007, processo nº10331/2006-2, em www dgsi.pt ).
Pois bem, dado que não foram sequer alegados quaisquer danos, não pode ter lugar a condenação em indemnização.
Na parcial procedência do agravo, confirma-se a sentença recorrida, excepto quanto à condenação do requerido no pagamento à filha A... da indemnização de € 500,00.
III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:
1)
Julgar parcialmente provido o agravo e revogar a sentença recorrida na parte em que condenou o requerido a pagar à menor A... a indemnização de € 500,00, confirmando-se o demais decidido.
2)
Condenar o requerido nas custas, na proporção de 70%.
+++
Coimbra, 13 de Maio de 2008.