Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
810/00. 9TXCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
CONSENTIMENTO DO CONDENADO
PRESENÇA DO DEFENSOR
NULIDADE
Data do Acordão: 10/15/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DE PENAS DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: : ARTIGOS 62.º DO CÓDIGO PENAL; ARTIGO 9.º DA LEI 59/2007, DE 04.10; E ARTIGOS 119.º, ALÍNEA C) E 122.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I. – O alargamento das possibilidades de controlo de indivíduos em situação de privação de liberdade através da vigilância electrónica operado pelo artigo 9.º da Lei n.º 59/2007, de 04.10 visou libertar as prisões da população prisional, de acordo com as recomendações da Comissão de Estudo da Reforma do Sistema Prisional e da Recomendação R (99) 22, do Conselho da Europa, de 30 de Setembro;
II. – Na concessão da liberdade condicional ou de concessão do período da adaptação à liberdade condicional a lei não postula a exigência da presença de defensor oficioso para decretamento da concessão mas tão só a audição pessoal do condenado para prestação do consentimento.
III. – Não ocorre, pois, a nulidade prevista na alínea c) do artigo 119.º do C.P.P. se o defensor oficioso não estiver presente no momento em que o condenado é ouvido para prestar o consentimento a que alude o artigo 485.º do Código de Processo Penal.
Decisão Texto Integral: 7

O Ministério Público veio interpor recurso da decisão proferida pelo Mmo Juiz do Tribunal de Execução das Penas de Coimbra, em 1-7-2008, que concedeu ao arguido …antecipação da liberdade condicional, com obrigação de permanência na habitação fiscalizada por vigilância electrónica, durante o período decorrente e até 30-11-2008.
E, da motivação extraiu as seguintes conclusões:
1. A aplicação da medida de antecipação da liberdade condicional mediante a colocação do arguido em regime de permanência na habitação, se não for por este requerida, tem de ser por ele consentida.
2. Tal consentimento é formal, tem de ser prestado pessoalmente perante o juiz, na presença do defensor e reduzido a auto.
3. Constitui nulidade insanável, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência.
4. As nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar.
5. Não foi o arguido quem solicitou a colocação em regime de permanência na habitação, nos termos do artigo 62° do Código Penal.
6. A apreciação de tal medida foi determinada oficiosamente pela Mª Juiz.
7. O arguido deu o seu consentimento em conselho técnico sem a presença de defensor, que aí consta ter dispensado.
8. Foram violadas as normas do artigo 62° do Código Penal na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 59/2007 de 4 de Setembro, do artigo 9° da Lei n.º 59/2007 de 4 de Setembro, do artigo 2° da Lei n.º 122/99, de 20 de Agosto, dos artigos 119° alínea c) e n.º 1 do artigo 122°, ambos do Código do Processo Penal.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, declarando-se a nulidade insuprível, com todas as legais consequências.
Respondeu o arguido, defendendo a improcedência do recurso.
Nesta instância a Exmª Procuradora-Geral Adjunta limitou-se a opor o “visto”.
Os autos tiveram os vistos legais.
II- FUNDAMENTAÇÃO
É do seguinte teor a decisão recorrida:
Processo gracioso para decisão quanto à eventual antecipação para adaptação à liberdade condicional com obrigação de permanência na habitação fiscalizada por vigilância electrónica do arguido …, com os mais sinais dos autos e actualmente preso no Estabelecimento Prisional de Coimbra a cumprir uma pena única de 15 anos de prisão imposta no processo comum colectivo n.º 507/99 do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Famalicão.
«»
O processo seguiu a tramitação própria e mostra-se devidamente instruído:
O arguido não requereu a presente apreciação mas o TEP entendeu que tal deveria ser feito oficiosamente pelo que se impõe cumprir as expectativas criadas proferindo decisão.
Foi emitido parecer pelo Senhor Director do Estabelecimento Prisional e prestadas informações dos Serviços de Educação e DGRS.
O Ministério Público emitiu parecer.
«»
O Conselho Técnico pronunciou-se quanto à antecipação para adaptação à liberdade condicional com obrigação de permanência na habitação fiscalizada por vigilância electrónica do arguido.
«»
O arguido foi ouvido e prestou o seu consentimento à antecipação para adaptação à liberdade condicional com obrigação de permanência na habitação fiscalizada por vigilância electrónica.
O Ministério Público suscita a questão da necessidade de o arguido prestar o seu consentimento pessoalmente perante o juiz, na presença de defensor e reduzido a auto.
No que concerne ao consentimento prestado perante o juiz a questão que se pode colocar respeitará somente ao momento; porém, a lei nada define a esse ponto.
Na verdade, o arguido, directamente ao juiz, prestou «o seu consentimento à presente apreciação» quando foi ouvido na sequência do Conselho Técnico como consta da respectiva acta.
No que tange à presença de defensor em tal acto há que ter presente a diferença entre a situação da OPH com vigilância electrónica enquanto medida de coacção (art. 201º do CPP) ou enquanto possibilidade de antecipação da liberdade condicional para adaptação à liberdade (art. 62° do Código Penal).
O art. 9° da Lei n.º 59/2007, de 04.09 estabelece que o disposto no n.º 1 do art. 1º, no art. 2º, nos n.ºs 2 a 5 do art. 3º, nos art.ºs 4° a 6º, nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 8° e no art. 9° da Lei n.º 122/99, de 20.08 é correspondentemente aplicável ao regime de permanência na habitação previsto no art. 62° do Código Penal.
Ora, este é um dos aspectos em que se revela o «correspondentemente aplicável»: na decisão relativa à aplicação de uma medida de coacção o arguido tem que estar sempre acompanhado de defensor; diferentemente, nos actos destinados à apreciação da liberdade condicional não é obrigatória a presença de defensor, pois não se encontra entre os «demais casos em que a lei determinar» (art. 64º, n.º 1, alínea g) do Código de Processo Penal).
Antes pelo contrário, o legislador, no art. 485º, n.º 2, do Código de Processo Penal determina que o TEP antes de proferir despacho sobre a concessão da liberdade condicional «ouve o condenado, nomeadamente para obter o seu consentimento».
Ta opção faz sentido porquanto no caso das medidas da coacção as mesmas podem atingir mais desfavoravelmente o estatuto do arguido; por outro lado, na apreciação da liberdade condicional, ou da sua antecipação, procura-se alcançar uma situação, em principio, mais favorável para o arguido em cumprimento de pena partindo-se do princípio que para o seu consentimento, devidamente esclarecido, não será obrigatória a presença de defensor, deixando o legislador ao critério do arguido exigir, querendo, nos termos gerais, tal presença.
Para mais, é suposto que o procedimento de decisão quanto à antecipação para adaptação à liberdade seja requerido pelo arguido, o que pressupõe o seu «consentimento» para o que requer sem necessidade de outras garantias que se não justificam.
O art. 2°, n.º 3 da Lei n.º 122/99, de 20.08 também deixa ao arguido essa margem de opção dentro do «correspondentemente aplicável» porquanto lhe garante que «o consentimento do arguido é revogável a todo o tempo».
Assim sendo, salvo o devido respeito por diferente entendimento sempre normal em situações novas, deve ser considerado regularmente prestado o consentimento do arguido.
De todo o modo, sempre o arguido pode, como o fez, declarar, na presença do juiz, que prescinde da presença de advogado.
Não deve, por isso, prejudicar a apreciação do mérito para além do que (não) se justifica.
«»
O tribunal é competente e não existem outras questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do mérito.
«»
Dos elementos probatórios recolhidos resultam provados os seguintes factos:
1- O arguido cumpre uma pena única de 15 anos de prisão imposta no processo comum colectivo n.º 507/99 do 1° Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Famalicão pela prática dos crimes de homicídio, consumado e tentado.
2- O arguido encontra-se preso para efeitos de cumprimento desta pena desde 30.11.1998 (aí se englobando um período de prisão preventiva até ao trânsito em julgado da decisão condenatória).
3- O arguido manifestou o seu consentimento para a antecipação da libertação condicional.
4- O arguido beneficiou de 5 SPP, desde Junho de 2006, foi-lhe concedido o RAVI em 04.03.2008, beneficiou de 2 SCD, todas com êxito; foi proposto para RAVE mas a decisão foi protelada para o fim do ano escolar; o seu registo apresenta duas infracções disciplinares uma em 2002 (posse de dinheiro) e outra em 2004 (posse de telemóvel).
5- O arguido conta com o apoio da mãe e dos irmãos; o pai faleceu em 14.03.2008.
6- O arguido cumpre prisão pela primeira vez e não lhe são conhecidos outros processos pendentes.
7- O arguido apresenta intimidação e arrependimento com consciência crítica da gravidade da sua actuação e das consequências dos seus actos bem como do problema da toxicodependência.
8- O arguido pretende trabalhar na construção civil juntamente com um irmão.
9- O arguido, agora com 34 anos, apresenta um historial de consumo de estupefacientes desde os seus 17 anos, com alguns períodos de tratamento e interrupção; encontra-se em acompanhamento peta equipa de toxicodependência do EP estando no programa de substituição por metadona desde 04.10.2007, sem deslizes.
10- Tem desenvolvido esforços de aprendizagem (frequenta o 2° ciclo do ensino) e valorização profissional (frequentou o curso de carpinteiro de limpos).
11- Na área onde irá residir não são conhecidas quaisquer possíveis reacções negativas à sua libertação.
12- Em 07.01.2008, o TEP de Coimbra proferiu decisão de não concessão da liberdade condicional ao arguido e designou, desde logo, a renovação da instância, enquanto antecipação prevista no art. 62º do Código Penal, para Julho de 2008.
«»
Motivação
A decisão do tribunal fundou-se na análise critica e conjugada dos relatórios, dos elementos e esclarecimentos prestados no Conselho Técnico bem como das declarações do arguido.
O sentido do parecer do Conselho Técnico -- neste caso favorável -- não vincula o juiz pois está sujeito à regra geral da livre apreciação da prova prevista no art. 127º do Código de Processo Penal «salvo quando a lei dispuser de modo diferente, a prova é apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção da entidade competente».
O arguido apresentou-se com sentido de responsabilidade, de intimidação e de arrependimento, apresentando vontade de reorganizar a sua vida, mostrando-se especialmente tocado pelo falecimento do seu pai.
Os factos alinhados sob os n.ºs 7 e 8 resultaram da percepção directa do tribunal aquando da audição do arguido.
Antecedentes criminais: CRC e ficha biográfica.
«»
O arguido cumpre a pena única de 15 anos de prisão e encontra-se preso para efeitos de cumprimento desta pena desde 30.11.1998.
Assim sendo, temos:
-» meio da pena: 30.05.2006 -» 2/3 da pena: 30.11.2008; -» 5/6 da pena: 30.05.2011; e -» termo da pena: 30.11.2013.
«»
Art. 62° do Código Penal:
Para efeito de adaptação à liberdade condicional, verificados os pressupostos previstos no art. anterior, a colocação em liberdade condicional pode ser antecipada pelo tribunal, por um período máximo de um ano, ficando o condenado obrigado durante o período da antecipação, para além do cumprimento das demais condições impostas, ao regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
Art. 61º do Código Penal:
N.º 1- A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.
N.º 2- O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo de seis meses se:
a) for fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b)- a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social
N.º 3- O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.
«»
O disposto no n.º 1 do art. 1º, no art. 2º, nos n.ºs 2 a 5 do art. 3º, nos art°s 4° a 6°, nas alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 8° e no art. 9° da Lei n.º 122/99, de 20.08 é correspondentemente aplicável ao regime de permanência na habitação previsto no art. 62° do Código Penal (art. 9° da Lei n.º 59/2007, de 04.09).
Para efeitos de decisão, o essencial deste regime, para as questões técnicas, corresponde à necessidade de consentimento do arguido e das pessoas que com ele vivam e das que são afectadas pela permanência obrigatória do mesmo em determinado local.
«»
A decisão acerca da antecipação para adaptação à liberdade condicionai com obrigação de permanência na habitação fiscalizada por vigilância electrónica do arguido assenta nos mesmos pressupostos que a decisão relativa à concessão da liberdade condicional.
Assim, desde que estejam cumpridos no mínimo seis meses da pena, também esta assenta num juízo de prognose favorável ponderadas as circunstâncias, previstos no art. 61º que permita concluir que o arguido, em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável. e sem cometer crimes, desde que a libertação seja compatível com a defesa da ordem e da paz social
«»
Os factos provados permitem concluir que o arguido se mostra em condições de conduzir a sua vida de modo socialmente responsável.
Na verdade, há que atender ao apoio familiar; perspectivas concretas de trabalho, arrependimento, intimidação e consciência da gravidade dos seus comportamentos anteriores.
Verifica-se uma evolução positiva quanto ao problema da toxicodependência bem como um forte repensar da vida face ao falecimento do pai.
Há consentimento do arguido e das pessoas que com ele vivam e das que são afectadas pela permanência obrigatória do mesmo no local determinado.
«»
Assim sendo, o arguido pode beneficiar da antecipação para adaptação à liberdade condicional com obrigação de permanência na habitação fiscalizada por vigilância electrónica, sujeito às condições que infra se estabelecem.
«»
O período de antecipação da liberdade condicional decorrerá desde o dia da colocação do arguido em obrigação de permanência na habitação fiscalizada por vigilância electrónica até à data em que o mesmo poderia sem colocado em liberdade condicional nos termos gerais do art. 61º do Código Penal.
Caso não se verifiquem incidentes nem surja qualquer alteração susceptível de justificar nova reapreciação da situação do arguido a passagem ao regime geral da liberdade condicional será decidida, sem necessidade de novo processo de reapreciação dos atinentes pressupostos.
«»
Pelo exposto, nos termos das disposições legais citadas, nomeadamente do disposto nos art.ºs 62º, 61º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal concedo ao arguido … a antecipação da liberdade condicional com obrigação de permanência na habitação fiscalizada por vigilância electrónica, durante o período decorrente e até 30.11.2008, e sujeito ao cumprimento das seguintes regras de conduta:
a) fixar residência na Rua …, n.º 163, … …., Vila Nova de Famalicão, da qual não se poderá ausentar durante o período de adaptação à liberdade condicional; sendo que após tal período não se poderá ausentar por mais de cinco dias do concelho de residência, sem autorização;
b) aceitar a supervisão e acatar as directivas dos Serviços de Reinserção Social da área daquela residência, cumprindo, especialmente, os deveres estabelecidos no n.º 1 do art. 6° da Lei n.º 122/99, de 20.08, os quais lhe serão comunicados por escrito pelo respectivo técnico logo que instalado o equipamento de vigilância electrónica.
«»
Terminado este período de antecipação, não se verificando qualquer anomalia, o arguido passará a estar sujeito ao regime normal de liberdade condicional; sem a obrigação de permanência na habitação, pelo prazo de duração igual ao tempo de prisão que lhe falta cumprir; a contar daquela data, e até 30.11.2013,
«»
Nada se define relativamente à possibilidade de desempenho de actividade laboral por parte do arguido porquanto os elementos recolhidos ainda não permitem uma definição concreta acerca da eventual concessão de autorização para tanto nem quais os horários da mesma,
«»
Notifique e entregue cópia da decisão ao arguido,
Notifique o EP, com vista à condução do arguido, à morada referida, em data e hora a acordar previamente com os Serviços de Reinserção Social; Equipa de Vigilância Electrónica da zona em causa.
«»
Comunique aos SRS e ao tribunal da condenação.
Remeta boletim ao registo criminal.
«»
Primeiro relatório de acompanhamento no prazo de dois meses.
APRECIANDO
Como é sabido, o âmbito dos recursos é limitado em função das conclusões extraídas da respectiva motivação, pelos recorrentes, sem prejuízo, no entanto, das questões de conhecimento oficioso.
No presente recurso a questão colocada à apreciação deste tribunal consiste em saber se a aplicação da medida de antecipação da liberdade condicional mediante a colocação do arguido em regime de permanência na habitação, se não for por este requerida, tem de ser por ele consentida perante o juiz, na presença do defensor.
Sustenta a recorrente que a decisão proferida pelo TEP enferma de nulidade insuprível, prevista no art. 119º, al. c) do CPP, porquanto o consentimento do arguido quanto à medida de antecipação da liberdade condicional não foi prestado na presença do seu defensor.
Contudo, entendemos que não tem razão, pelos fundamentos invocados na decisão recorrida, os quais apontam para a não exigência da presença do defensor do arguido aquando da prestação de tal consentimento.
A adaptação à liberdade condicional prevista no artigo 62º do CP é uma medida recente, introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 04.09, que consubstancia uma regra de execução da pena de prisão.
Como se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 98/X (quanto às alterações do CP) “(…) foram ponderadas as recomendações constantes do Relatório concluído em 12-2-2004 pela Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional. (…) É no quadro desta política de combate ao carácter criminógeno das penas detentivas que se deve ainda compreender o regime previsto nos artigos 61º e seguintes para a liberdade condicional. Definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a libertação condicional serve, na política do Código, um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão”.
E, ainda como se salienta na Resolução do Conselho de Ministros n.º 144/2004 (Resolução que aprova o Programa de acção para o desenvolvimento da vigilância electrónica no sistema pena, de 30-9-2004)é sobretudo no contexto da execução de penas que a vigilância electrónica tem vindo a afirmar-se no panorama internacional, ao longo dos últimos anos, como alternativa ao sistema prisional, face ao qual apresenta um inquestionável conjunto de vantagens. Ao permitir evitar a execução de penas efectivas de curta duração e flexibilizar a execução ou antecipar a concessão de liberdade condicional, no caso de penas mais longas, o Governo antevê que a vigilância electrónica poderá constituir um meio eficaz ao serviço da redução da elevada taxa de encarceramento que Portugal regista, o que constitui um objectivo central de política criminal”, e daí que então tenha resolvido estabelecer que o Governo adoptasse medidas legislativas adequadas à definição do regime jurídico da vigilância electrónica no âmbito da execução de sanções privativas de liberdade, designadamente como alternativa de execução de penas de prisão efectivas de curta duração e como condição de antecipação da liberdade condicional.
Ora, a Vigilância Electrónica (VE) que surgiu em Portugal em 1998, com as alterações ao Código de Processo Penal, como um mecanismo de controlo à distância para fiscalizar a medida de coação de obrigação de permanência na habitação (OPH) prevista no artigo 201º, visava criar condições para que a OPH fiscalizada por VE se constituísse numa alternativa à prisão preventiva, procurando reduzir a população prisional. Com as recentes alterações legislativas (por força das recomendações da Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional e da Recomendação R (99) 22, do Conselho da Europa, de 30 de Setembro) a VE vê agora substancialmente alargada a sua área de intervenção.
É neste contexto que deve ser interpretado o artigo 9º da Lei n.º 59/2007 quando determina que é correspondentemente aplicável ao regime de permanência na habitação previsto no artigo 62º do CP o disposto no artigo 2º da Lei n.º 122/99, de 20 de Agosto, que regula a vigilância electrónica prevista no artigo 201º do CPP.
Nos termos do citado artigo 2º a utilização de meios de vigilância electrónica depende do consentimento do arguido, sendo o consentimento prestado pessoalmente perante o juiz, na presença do defensor e reduzido a auto.
As medidas de coacção embora sejam indispensáveis à realização da justiça, são a expressão da restrição de direitos, liberdades e garantias em processo penal.
Como dispõe o artigo 61º, als. d) e e) do CPP tem o arguido direito a defensor e de por ele ser acompanhado, tendo em conta que se trata de profissional do foro e por conseguinte com conhecimentos técnicos em matéria do processo penal e, daí que, no momento do consentimento para a utilização de meios de vigilância electrónica, tendo em vista a aplicação da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, se exige que o consentimento seja prestado na presença do defensor, para eventual esclarecimento/aconselhamento técnico.
Todavia, tal exigência quanto à presença do defensor já não se verifica em caso de concessão da liberdade condicional ou de concessão do período de adaptação à liberdade condicional, estabelecendo apenas o artigo 485º do CPP que antes de proferir tais despachos o Tribunal de Execução de Penas ouve o condenado, nomeadamente para obter o seu consentimento. Além de que, nestas situações, há um desagravamento da situação do arguido.
Este consentimento do condenado funciona como uma forma de cooperação do preso na consecução do objectivo penitenciário, isto é, na sua ressocialização, na readaptação à vida em sociedade.
No caso vertente, como consta na Acta do Conselho Técnico de fls. 2, «foi ouvido o recluso, que prescindiu da presença do ilustre advogado, não requereu a produção de quaisquer meios de prova e prestou o seu consentimento à presente apreciação».
Nos termos expostos, não sendo exigida a presença do defensor do arguido, no momento em que prestou o consentimento para concessão da adaptação à liberdade condicional, consentimento que foi validamente prestado, não padece a decisão de qualquer nulidade, improcedendo, em consequência o recurso interposto.
III- DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:
- Negar provimento ao recurso.
Sem tributação.