Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4730/18.2T8VIS-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE LEGITIMIDADE ACTIVA
INTERESSE EM DEMANDAR
Data do Acordão: 06/22/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU– JUÍZO DE COMÉRCIO DE VISEU – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 84º, NºS 1 E 4, 125º DO CIRE; ARTº 30º, NºS 1 E 2 DO NCPC.
Sumário: I – Estabelece o art. 125º do CIRE que “O direito de impugnar a resolução caduca no prazo de três meses, correndo a ação correspondente, proposta contra a massa insolvente, como dependência do processo de insolvência”.
II - Nem esta nem outra norma se referem a quem cabe propor a ação, mas o critério a seguir aqui não pode deixar de ser o do titular do interesse em demandar, interesse que se tem de aferir pela utilidade com o êxito da demanda, nos termos do art.º 30º, nºs 1 e 2, do CPC.

III - Com a insolvência o devedor deixa de ter qualquer utilidade ou proveito em preservar os negócios por si anteriormente celebrados, já que a apreciação dessa utilidade se tem por transferida para a massa insolvente, representada pelo administrador da insolvência.

IV - É que com a insolvência é o respectivo Administrador que assume a representação do devedor e decide da manutenção ou da resolução dos actos e negócios por ele celebrados, nos termos definidos pelo CIRE (art.º 84º, nºs 1 e 4 do CIRE).

V - Parte legítima para impugnar a resolução do AI é apenas o terceiro por elas prejudicado e, por isso mesmo, com interesse em as atacar.

Decisão Texto Integral:

Apelação nº 4730/18.2T8VIS-D.C1

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

No Juízo de Comércio de Viseu, Comarca de Viseu, veio a devedora E..., LDA, deduzir contra a MASSA INSOLVENTE DE C..., LDA,  impugnação das resoluções em benefício da massa insolvente operadas pelo respectivo Admninistrador Judicial relativamente às vendas por si efectuadas em 8 de Agosto de 2017, tendo por objecto vários veículos – os veículos pesados de matrículas ...-LG-..., ...-QM-... e ...–QG-..., e os ligeiros ...-NB-..., ...-IM-..., ...-UX e ...-DB-... – e como compradores E... e C...

Alegou para tanto que as resoluções comunicadas pelo AI são nulas por falta de fundamentação, que não existiu prejudicialidade ou má fé nos negócios resolvidos, e que as resoluções são inoponíveis aos transmissários posteriores.

Citada, contestou a Ré MASSA INSOLVENTE, que além de pugnar pela ilegitimidade da A., defendeu-se por impugnação e refutando a procedência dos vícios apontados pela A. às resoluções.

No saneador julgou-se a A. parte ilegítima, em função do que se absolveu da instância a Ré Massa Insolvente.

Inconformada, deste veredicto recorreu a A., recurso admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Dispensados os vistos, cumpre agora decidir.

A apelação.

A única questão que vem colocada no recurso é a de saber se a A. tem legitimidade para impugnar as resoluções comunicadas e operadas pelo Administrador da Insolvência relativamente a negócios celebrados por aquela – enquanto devedora – com terceiros.

E desde já se adianta que não tem, como, de resto, se entendeu na decisão recorrida.

Se não vejamos.

Estabelece o art. 125º do CIRE que “O direito de impugnar a resolução caduca no prazo de três meses, correndo a acção correspondente, proposta contra a massa insolvente, como dependência do processo de insolvência”.

Nem esta nem outra norma se referem a quem cabe propor a acção, mas o critério a seguir aqui não pode deixar de ser o do titular do interesse em demandar, interesse que se tem de aferir pela utilidade com o êxito da demanda, nos termos do art.º 30º, nºs 1 e 2, do CPC.

Ora, com a insolvência o devedor deixa de ter qualquer utilidade ou proveito em preservar os negócios por si anteriormente celebrados, já que a apreciação dessa utilidade se tem por transferida para a massa insolvente, representada pelo administrador da insolvência.

É que com a insolvência é o respectivo Administrador que assume a representação do devedor e decide da manutenção ou da resolução dos actos e negócios por ele celebrados, nos termos definidos pelo CIRE (art.º 84º, nºs 1 e 4 do CIRE).

Neste quadro nem se percebe quem o devedor representa quando quer discutir a resolução de negócios, já que deixa de poder actuar por si próprio.

Parte legítima para impugnar a resolução do AI é apenas o terceiro por elas prejudicado e, por isso mesmo, com interesse em as atacar.

No caso, a impugnação das resoluções das vendas em causa poderia/deveria ser deduzida pelos respectivos compradores, os quais, como é óbvio, seriam quem, em princípio, teria interesse na manutenção dos negócios.

Donde que a decisão recorrida não mereça censura.

Pelo exposto, na improcedência da apelação, confirmam a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

                              Coimbra, 22 de Junho de 2020