Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
148/06.8GTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE NOTAÇÃO TÉCNICA
Data do Acordão: 10/15/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 258º,2 ,255º,AL. B) DO CP
Sumário: Integra o crime de falsificação de notação técnica, p.p pelo nº 2 do Artº 258º, por referencia à al. b) do Artº255º todos do CP a adulteração do tacógrafo que passe a produzir registos viciados, mesmo que o veículo esteja parado.
Decisão Texto Integral: No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou procedente a acusação deduzida contra os arguidos:
1- RS, casado, gerente, filho de …. e de ….., natural da freguesia de …., concelho de ….., nascido a xx/xx/xxx, residente na Rua da ….. nº 60, Leiria;
2- RM, casado, motorista, filho de ….. e ….., natural de Moçambique, nascido a yy/yy/yyyy, residente na Rua ….., Maia;
Sendo decidido:

1. Condenar o arguido RS, da pratica, em co-autoria, de um crime de falsificação de notação técnica, p.p pelo nº 2 do Artº 258º, por referencia à al. b) do Artº255º todos do CP, ocorrido a 18-5-2006, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa à razão diária de € 15,00 (cinquenta euros);
2. Condenar o arguido RM, da prática, em co-autoria, de um crime de falsificação de notação técnica, p.p pelo nº 2 do Artº 258º, por referencia à al. b) do Artº255º, ambos do código penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa à razão diária de € 7,00 (sete euros);

***
Inconformados com a condenação, os arguidos interpõem recurso.
São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do seu recurso, e que delimitam o objecto do mesmo:
1- Pela douta sentença em crise foram os ora recorrentes condenados pela prática, em co­-autoria, de um crime de falsificação de notação técnica, p. e p. pelo art. 258°, nº 2, por referência à al. b) do art. 255°, ambos do CP, respectivamente na pena de 250 dias de multa à taxa diária de €15.00 e na pena de 90 dias de multa à taxa diária de €7.00.
2- A norma do nº 2 do art. 258°, sobretudo se lida em presença quer da do nº 1 desse mes­mo art., quer da do art. 21°, todos do CP, apenas visa punir os casos em que os actos preparatórios nela previstos determinem imediatamente que o aparelho objecto dos mesmos passe a produzir registos viciados de modo autónomo e automático, sem nova intervenção do homem sobre esse aparelho, que não a sua utilização.
3- Assim, in casu, a conduta imputada aos arguidos não se enquadra no nº 2 do art. 258° do CP, pois o facto de o tacógrafo em causa ter instalado o chip referido nos autos não implica que a utilização desse tacógrafo leve à produção pelo mesmo de notações viciadas.
4- De resto, sempre se dirá que, percorrida toda a matéria fáctica considerada assente, no que concerne à eventual viciação de registos do aludido tacógrafo apenas se encontram generalida­des, não tendo sido dada como provada a existência de um só registo concreto viciado.
5- Desse modo, salvo o devido respeito, a douta sentença em crise violou a norma do nº 2 do art. 258 do CP, pelo que deve ser revogada, absolvendo-se os recorrentes da prática do crime pelo qual foram acusados.
6- A título subsidiário, por mera cautela e sem conceder, pretende o recorrente RS impugnar a douta decisão sobre a matéria de facto.
7- Nesse âmbito e com interesse para o presente recurso, decidiu o Mmº. Juiz a quo julgar provados os seguintes factos:
«…..
2. A fim de aumentar os lucros, o arguido RS decidiu, em conjunto com alguns dos seus funcionários em quem depositava maior confiança, não cumprir com a legislação que regula o tempo de condução e descanso dos motoristas, levando-os a conduzir por períodos mais longos.
3. Em data indeterminada e a fim de aumentarem os respectivos proventos, o arguido RS decidiu, em conjunto com o arguido RM, não cumprir com a legislação que regula o tempo de condução e descanso dos motoristas, levando-os a conduzir por períodos mais longos que o permitido.
4. Para tanto, o arguido RS tratou de arranjar um mecanismo que permitisse ao arguido RM conduzir por períodos mais longos, mas sem que tal fosse detectado pelas autoridades, no caso de uma fiscalização de rotina.
5. Com tal propósito, em data incerta, fez instalar no camião que possui ao serviço da R.S.J. de matrícula XX-XX-VC, um dispositivo constituído por um "chip" que altera os registos do tacógra­fo, viciando os dados que aparecem registados no disco diagrama e que era operado através de um comando de controlo remoto.
……
12. Graças a esta adulteração, os arguidos conseguiam iludir a actividade fiscalizadora das autoridades, inviabilizando a detecção, por estas, das infracções às regras que regulam a circulação dos veículos e descanso dos motoristas, regras que os arguidos não cumpriam.
13. Desrespeitando as regras relativas à condução do veículo e tempos de descanso, sem correr o risco de detecção pelas autoridades, o arguido RS conseguia que os seus motoristas fizessem mais viagens no mesmo período temporal, assim angariando maiores lucros.
……
15. Os arguidos estavam cientes de que com a utilização do descrito mecanismo, adultera­vam os dados fornecidos pelo tacógrafo, forjando um registo dos dados referentes à condução e descanso sem correspondência com a realidade, assim lesando o Estado e fé pública que é deposi­tada na veracidade dos dados fornecidos pelo tacógrafo e que o Estado quer preservar, iludindo a actividade fiscalizadora das autoridades e alcançando vantagem ilícita.
16. Agiram de forma livre, voluntária e consciente, em conjugação de esforços e intentos, pretendendo alcançar uma vantagem indevida, embora soubessem que o seu comportamento não era permitido e é punido por lei criminal.
……».
8- Na fundamentação constante da própria sentença em crise, e com interesse para este recurso, é dito que «[n]ão existe prova directa de que o arguido RS tenha dado ordens no sentido de colocar o "chip" no tacógrafo, ou de que tenha sido o arguido a entregar o comando ao arguido RM», acrescentando-se que, «[f]ace à ausência de tal prova directa, seria plausí­vel concluir que a actuação do arguido RM foi autónoma, ou seja, sem o consentimento e conhecimento do arguido RS».
9- Contudo, estribando-se tão-só nas chamadas regras da experiência comum conexas com as características do tipo legal de crime em causa, decidiu o Mmº. Juiz a quo dar como provados os sobreditos factos relativamente ao co-recorrente RS, porquanto, disse na sen­tença em crise, como [n]ão existe prova, nomeadamente documental, donde conste que o arguido (RM) auferia em função dos quilómetros que percorria ou das viagens que efectuava», «era o arguido RS quem em 1ª mão beneficiava com tal adulteração, pois, conseguindo que os seus motoristas realizem mais viagens, aumenta a facturação da sua empresa» e, por outro lado, «não sendo o arguido (RM) o único motorista da empresa a efectuar viagens Portu­gal/Holanda, fácil seria (ao arguido RS) comparar os tempos efectuados por cada um dos motoristas, para concluir que algo de anormal acontecia com o trabalhador RM».
10- Ora, desde logo, destruindo a premissa da primeira "regra da experiência comum" invocada pelo Mmº. Juiz a quo, na douta sentença em crise foi dado como provado o seguinte: «14. Por seu turno, também o arguido RM, conduzindo sem respeitar o limite de veloci­dade ou os períodos de descanso, reduzia o tempo de cada viagem o que lhe permitia aumentar o seu número, auferindo assim uma compensação monetária superior à que auferia caso cumprisse as referidas regras».
11- Para além de que é de todo inaceitável e ilegal, atento o princípio do in dúbio pro reo, que se extraia um facto desfavorável ao arguido RS da mera constatação de que «[n]ão exis­te prova, nomeadamente documental, donde conste que o arguido (RM) auferia em fun­ção dos quilómetros que percorria ou das viagens que efectuava» .
12- Por seu lado, a falibilidade da segunda "regra da experiência comum" invocada pelo Mmº. Juiz a quo é incomensurável, bastando para tal colocar, por exemplo, a hipótese, absoluta­mente plausível, de todos os motoristas da empresa que efectuavam viagens Portugal/Holanda, por acordo entre eles, terem instalado o chip em causa e utilizarem esse chip, para se concluir que o arguido RS bem poderia não se ter apercebido da eventual existência de tempos de viagem com significativas disparidades.
13- Aliás, a própria jurisprudência tem confirmado à saciedade que as "regras da experiên­cia comum" invocadas pelo Mmº. Juiz a quo como única via para dar como provados os sobreditos factos relativamente ao co-recorrente RS não são sustentáveis, já que têm sido constantes as absolvições dos empregadores nos processos em que os motoristas utilizam tacógrafos adulterados.
14- Donde que, em face do próprio teor da douta sentença em crise e da sua conjuga­ção com as regras da experiência comum, tem de concluir-se que existiu erro notório na apre­ciação da prova relativamente aos factos dados como assentes nos nºs. 2, 3, 4, 5, 12, 13, 15 e 16 dessa sentença, no que concerne às referências que tais factos fazem ao co-recorrente RS.
15- Assim, salvo o devido respeito pelo Mmº. Juiz a quo, que é superlativo, in casu, a dou­ta sentença recorrida, nessa parte, violou o princípio do in dúbio pro reo, consagrado desde logo no art. 32°, nº 2, ex vi do art. 18°, nº 1, ambos da C.R.P., bem como a norma do art. 127° do CPP.
16- Pelo que, deve ser parcialmente revogada, dando-se como não provadas as referências ao co-recorrente RS que constam dos factos aí vertidos sob os nºs. 2,3,4,5,12, 13, 15 e 16.
17- Ou seja:
- O facto vertido nº 2 da douta sentença deverá ser dado como não provado;
- o facto vertido nº 3 da douta sentença deverá passar a ter a seguinte redacção:
"3. Em data indeterminada, o arguido RM decidiu não cumprir com a legislação que regula o tempo de condução e descanso dos motoristas, passando a conduzir por períodos mais longos que o permitido";
- o facto vertido nº 4 da douta sentença deverá passar a ter a seguinte redacção:
"4. Para tanto, obteve um mecanismo que lhe permitisse conduzir por períodos mais longos, mas sem que tal fosse detectado pelas autoridades, no caso de uma fiscalização de rotina";
- o facto vertido nº 5 da douta sentença deverá passar a ter a seguinte redacção:
"5. Com tal propósito, em data incerta, fez instalar no camião da R.S.J. de matrícula XX-XX­-VC, um dispositivo constituído por um "chip" que altera os registos do tacógrafo, viciando os dados que aparecem registados no disco diagrama e que era operado através de um comando de controlo remoto";
- o facto vertido nº 12 da douta sentença deverá passar a ter a seguinte redacção:
"12. Graças a esta adulteração, o arguido RM conseguia iludir a actividade fisca­lizadora das autoridades, inviabilizando a detecção, por estas, das infracções às regras que regulam a circulação dos veículos e descanso dos motoristas, regras que esse arguido não cumpria";
- o facto vertido nº 13 da douta sentença deverá ser dado como não provado;
- o facto vertido nº 15 da douta sentença deverá passar a ter a seguinte redacção:
"15. O arguido RM estava ciente de que com a utilização do descrito mecanismo, adulterava os dados fornecidos pelo tacógrafo, forjando um registo dos dados referentes à condu­ção e descanso sem correspondência com a realidade, assim lesando o Estado e fé pública que é depositada na veracidade dos dados fornecidos pelo tacógrafo e que o Estado quer preservar, ilu­dindo a actividade fiscalizadora das autoridades e alcançando vantagem ilícita";
- o facto vertido nº 16 da douta sentença deverá passar a ter a seguinte redacção:
"16. O arguido RM agiu de forma livre, voluntária e consciente, pretendendo alcançar uma vantagem indevida, embora soubesse que o seu comportamento não era permitido e é punido por lei criminal".
18- E assim, por consequência, deve igualmente a dita e douta sentença ser revogada na parte em que condenou o co-arguido RS, absolvendo-se este da prática do crime pelo qual foi acusado.
19- Ainda subsidiariamente, sempre se aduz que, perante a factualidade dada como pro­vada, não se alcançam as ponderosas razões de prevenção geral positiva ou de prevenção especial que tenham levado o Mmº. Juiz a quo a fixar um número de dias superior a 40% do meio da res­pectiva moldura abstracta na pena de multa aplicada ao co-recorrente RS, muito menos se compreendendo a disparidade entre o número de dias dessa pena e o da aplicada ao co-recorrente RM, tanto mais que, em face daquela factualidade, até era este último quem tinha o domínio sobre a utilização ou não do chip que se encontrava no tacógrafo.
20- In casu, não se surpreende fundamento algum para que o número de dias da pena de multa do co-recorrente RS não se situe abaixo do meio da respectiva moldura abstracta.
21- Em face do exposto, a douta sentença recorrida violou o disposto nas normas conjuga­das dos art°s. 40°, nºs 1 e 2, e 71°, nº 1, ambos do CP, pelo que sempre deverá ser parcialmente revogada, reduzindo-se a pena de multa aplicada ao co-recorrente RS a não mais de 150 dias, à taxa diária de € 15.00.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente, decidindo-se como se propugna nas antecedentes conclusões.
Foi apresentada resposta, pelo magistrado do Mº Pº que conclui:
1- Efectuado o julgamento foi proferida sentença que condenou os arguidos RS e RM pela prática, em co-autoria material, de um crime de falsificação de notação técnica, p. e p., pelo art. 258°, nº 2, por referência à al. b) do art. 255°, ambos do Código Penal, respectivamente, na pena de 250 dias de multa à taxa diária de € 15.00 e na pena de 90 dias de multa à taxa diária de € 7.00.
Não se conformando, os arguidos vieram interpor recurso da sentença, pugnando pela sua absolvição.
2- Nos presentes autos, está em causa a colocação de um mecanismo electrónico no interior do tacógrafo, o qual, mediante instruções emanadas de um comando à distância altera, automaticamente, os registos efectuados no disco diagrama aí instalado.
Assim sendo, temos que concluir que estamos perante uma notação técnica, uma vez que se trata de registos de um acontecimento, realizado de forma total ou parcialmente automática por aparelho técnico, que permite reconhecer, por parte das entidades fiscalizadoras, o andamento do veiculo e se o mesmo cumpre o regulamento comunitário vigente.
3- No entanto, a falsificação de notação técnica implica uma certa actividade do agente, i. é, implica alguma modificação do mundo exterior, dirigida ao aparelho, ao mecanismo, que de forma total ou parcialmente autónoma permite a criação da informação. Assim, o objecto da acção será o aparelho técnico através do qual se obtém a notação pois será este que produzirá de forma total ou automática a notação adulterada.
4- Posto isto, podemos afirmar que a consumação do ilícito ora em analise ocorrerá com a falsificação da notação técnica pelo aparelho. Só após a obtenção da informação, o fabrico da notação técnica pelo aparelho manipulado é que se verificou o completo preenchimento do tipo.
Se, pelo contrário, após a acção perturbadora sobre o aparelho técnico ainda for necessário uma actuação do agente para desencadear o processo automático de notação já estaremos perante um acto preparatório. O legislador entendeu porém equiparar ao crime consumado, os simples actos preparatórios.
5- Ora, no caso dos autos, constata-se que foi fixada à placa electrónica principal do tacógrafo uma outra placa electrónica estranha ao funcionamento normal daquele, placa essa que, mediante a utilização de um comando, tem a virtualidade de alterar automaticamente os registos do tacógrafo, ou seja, mediante a utilização de um comando o tacógrafo registará informação falsa (que não corresponde à realidade). Após a manipulação do comando, é o tacógrafo quem procede automaticamente ao registo da informação.
6- No caso em apreço resulta evidente que foi instalado um tacógrafo no veículo conduzido pelo arguido RM, pertencente à firma RSJ, da qual o arguido RS é sócio gerente, e que o mesmo foi adulterado. Na verdade, da análise dos discos apreendidos constatou-se que os registos constantes dos mesmos não correspondiam à realidade. Aliás, resulta evidente que a viciação dos tacógrafos era uma actuação que já vinha sendo adoptada há algum tempo por diversos motoristas da firma em referência, por ordem do arguido RS.
Nestes termos, atenta a matéria fáctica dada como provada e a lei vigente, sempre teríamos que considerar preenchido o crime em referência.
7- Em nosso entender, o M mo Juiz apreciou correctamente a prova produzida em audiência, retirando as conclusões lógicas que a matéria dada como provada impunha, fazendo apelo ao principio consagrado no artigo 127° do CPP, sem olvidar que a audiência de julgamento obedece também ao princípio da imediação e encontra-se estreitamente ligado ao principio da oralidade, não se verificando pois erro na apreciação da prova.
8- De facto, é nosso parecer, tendo em atenção as declarações prestadas em audiência, sendo certo que o Tribunal especifica quais os depoimentos que lhe mereceram credibilidade e explana claramente o seu raciocínio, que bem andou o M mo Juiz ao condenar os arguidos, nos termos acima assinalados.
9- Para tanto, atendeu às declarações prestadas pelas testemunhas, máxime de VM, CJ, FP, FP, JC e AL (os quais, porque objectivos, coerentes e isentos, mereceram plena credibilidade), bem como à prova documental, sendo certo que a convicção do julgador nesta primeira instância, em nosso entender, não se mostra contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos.
10- Dá-se relevo especial a FP, antigo trabalhador, o qual referiu nomeadamente que o arguido RS também lhe solicitou que procedesse à adulteração dos tacógrafos e que era prática comum de alguns motoristas, por ordem da entidade patronal, tendo feito menção a trajectos, destinos, datas de partida e de chegada ao destino, duração das viagens e respectivas remunerações aos motoristas.
11- Por conseguinte, com o devido respeito, conclui-se que, atentos os depoimentos produzidos em audiência e examinada a restante prova constante dos autos não resulta, da sua análise crítica e conjugada, razão válida para que se altere o juízo valorativo expressamente formulado na decisão recorrida, não havendo nos autos -em nosso entender- provas que imponham decisão diversa da recorrida.
E assim sendo, cremos que não se verifica incorrecção na apreciação da prova.
12- Em harmonia com o art. 410°, n° 2, al c) do Código Processo Penal, o erro notório na apreciação da prova, tem que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, ou seja, está vedada a possibilidade de consulta de outros elementos constantes do processo.
Ora, no caso vertente, não se verifica a existência do erro notório da apreciação da prova, tendo os recorrentes apenas se manifestado contra o modo como o tribunal fixou a matéria de facto.
13- Da simples leitura da fundamentação da decisão recorrida resulta que o tribunal não teve qualquer dúvida sobre os pontos de facto que deu como assentes. Só se a fundamentação revelasse que o tribunal, face a algum ou alguns dos pontos de facto tivesse ficado em estado de "dúvida patente e insuperável e perante essa dúvida, tivesse optado pela tese que desfavorecia o recorrente, é que se podia dizer que havia postergado o principio in dubio pro reo ,,- Ac. STJ de 15.6.2000- Col. Juris STJ, ano VIII, tomo II, pág. 228.
14- In casu, o tribunal fez uma ponderada reflexão e análise crítica quanto à prova recolhida, após o que obteve uma plena convicção, porque subtraída a qualquer, dúvida razoável, sobre a verificação dos factos imputados aos arguidos e ora recorrentes e que motivaram a sua condenação. Nestes termos, julgamos que não seria de aplicar o principio "in dubio pro reo" no caso em análise.
15- Pelo exposto, tendo presente a prova trazida à audiência e as considerações aqui explanadas e as demais constante da sentença ora recorrida, com as quais concordamos em pleno e portanto damos aqui por integralmente reproduzidas, cremos que, como bem realçou o M mo Juiz, nos presentes autos ficou provado, além do mais, que os arguidos utilizaram o mecanismo acima descrito, cientes que adulteravam os dados fornecidos pelo tacógrafo, forjando um registo dos dados referentes à condução e descanso sem correspondência à realidade, assim lesando o Estado e fé pública que é depositada na veracidade dos dados fornecidos pelo tacógrafo e que o Estado quer preservar, iludindo a actividade fiscalizadora das autoridades e alcançando vantagem ilícita e que agiram de forma livre, voluntária e consciente, em conjugação de esforços e intentos, pretendendo alcançar uma vantagem indevida, o que conseguiram, embora soubessem que o seu comportamento não era permitido e é punido por lei criminal, mostrando-se pois preenchido o tipo subjectivo do crime de falsificação de notação técnica.
Nestes termos, e porque entendemos que se encontram preenchidos os elementos subjectivos e objectivos do crime em referência cremos que estamos perante a conduta descrita na al. b) do art. 258° do C.Penal.
16- As penas impostas aos arguidos surgem-nos como justas e adequadas, atenta a facticidade dada como provada, a moldura penal em abstracto fixada para o ilícito em apreço e em face dos critérios de determinação da pena em função da culpa do agente e da prevenção de futuros crimes - artigo 71º, nº 1 do C.Penal - e tendo ainda em atenção o preceituado nos artigos 40° e 70° deste diploma e o nº 2 do citado artigo 71º.
17- A todas as circunstâncias deu atenção a sentença, como bem se extrai ao proceder à sua leitura, sendo certo que se fez menção clara nomeadamente à ilicitude, ao modo de execução dos crimes, às consequências dos crimes e à modalidade do dolo. Atendeu ainda mormente à situação económica, social, profissional e familiar dos arguidos, trazida aos autos. Dentro da latitude dada pelas necessidades de prevenção geral e pela medida da culpa entende-se pois que as penas aplicadas são correctas.
18- Posto isto, é nossa opinião, que não pode proceder portanto o recurso, devendo fixar-se definitivamente a matéria de facto, dada como assente na sentença ora recorrida, bem como manter-se nos seus precisos termos as penas impostas aos arguidos, sendo certo que não foram violados quaisquer princípios ou preceitos legais, nomeadamente os indicados pelos recorrentes, nem se verificam quaisquer irregularidades ou nulidades.
Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto, em fundamentado parecer emitido, sustenta a improcedência dos recursos.
Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.

Foi apresentada resposta, na qual os recorrentes pedem como nas conclusões da motivação do recurso.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.

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Mostra-se apurada, a seguinte matéria de facto e fundamentação da mesma:
II – FUNDAMENTAÇÃO
a) Factos provados
Da culpabilidade
1. O arguido RS é sócio e gerente da empresa de transportes internacionais rodoviários denominada “R.S.J.T.” com sede na Rua da …., , Leiria, cujo objecto social consiste na actividade de transporte público rodoviário de mercadorias de âmbito nacional e internacional.
2. A fim de aumentar os lucros, o arguido RS decidiu, em conjunto com alguns dos seus funcionários em quem depositava maior confiança, não cumprir com a legislação que regula o tempo de condução e descanso dos motoristas, levando-os a conduzir por períodos mais longos que o permitido.
3. Em data indeterminada e a fim e aumentarem os respectivos proventos, o arguido RS decidiu, em conjunto com o arguido RM, não cumprir com a legislação que regula o tempo de condução e descanso dos motoristas, levando-os a conduzir por períodos mais longos que o permitido.
4. Para tanto, o arguido RS tratou de arranjar um mecanismo que permitisse ao arguido RM conduzir por períodos mais longos, mas sem que tal fosse detectado pelas autoridades, no caso de uma fiscalização de rotina.
5. Com tal propósito, em data incerta, fez instalar no camião que possui ao serviço da R.S.J. de matrícula XX-XX-VC, um dispositivo constituído por um “chip” que altera os registos do tacógrafo, viciando os dados que aparecem registados no disco diagrama e que era operado através de um comando de controlo remoto.
6. Este comando foi entregue ao arguido RM que o operava de acordo com as conveniências.
7. De acordo com o plano previamente definido e descrito nos pontos 3 a 5, no dia 17 de Maio de 2006, pelas 15 horas, o arguido RM, no exercício das suas funções, conduzia o veículo pesado de mercadorias de matrícula XX-XX-VC junto à zona das portagens da A1, na área desta comarca de Leiria, trazendo consigo o comando de controlo remoto referido em 6, quando foi abordado e fiscalizado por militares da Brigada de Trânsito da Guarda Nacional Republicana.
8. Na sequência dessa fiscalização foi apreendido o tacógrafo, tendo-se constatado que a selagem encontrava-se legalmente em dia sem aparentes sinais de violação, com a aposição de etiquetas de selagem e todos os selos se encontravam em conformidade como os procedimentos IPQ, e aberto o tacógrafo estava fixada à placa electrónica principal uma outra placa estranha ao funcionamento normal do tacógrafo.
9. Tal dispositivo estava colocado no interior do tacógrafo e controlava os estiletes de registo dos tempos de condução, como seja a velocidade, quilómetros percorridos e situação do condutor, por acção do comando apreendido ao arguido RM.
10. Este comando possuía três botões que ao serem accionados, permitiam bloquear os registos na velocidade pretendida pelo motorista, quando aquela a que efectivamente seguia o veículo é superior, permitindo ainda que, com o veículo parado, o tacógrafo registe, em quinze minutos, um período de descanso de vinte e quatro horas, ou ainda, quando o veículo circula a 80 km/hora permite também registar descanso do condutor.
11. Desta forma, através da utilização deste mecanismo instalado no tacógrafo, era adulterado todo o registo de dados de marcha do veículo, designadamente a velocidade, tempos de condução, tempos de paragem, distâncias percorridas, e ainda, tempos de trabalho e descanso dos condutores.
12. Graças a esta adulteração, os arguidos conseguiam iludir a actividade fiscalizadora das autoridades, inviabilizando a detecção, por estas, das infracções às regras que regulam a circulação dos veículos e descanso dos motoristas, regras que os arguidos não cumpriam.
13. Desrespeitando as regras relativas à condução do veículo e tempos de descanso, sem correr o risco de detecção pelas autoridades, o arguido RS conseguia que os seus motoristas fizessem mais viagens no mesmo período temporal, assim angariando maiores lucros.
14. Por seu turno, também o arguido RM, conduzindo sem respeitar o limite de velocidade ou os períodos de descanso, reduzia o tempo de cada viagem o que lhe permita aumentar o seu número, auferindo assim uma compensação monetária superior à que auferiria caso cumprisse as referidas regras.
15. Os arguidos estavam cientes de que com a utilização do descrito mecanismo, adulteravam os dados fornecidos pelo tacógrafo, forjando um registo dos dados referentes à condução e descanso sem correspondência com a realidade, assim lesando o Estado e fé pública que é depositada na veracidade dos dados fornecidos pelo tacógrafo e que o Estado quer preservar, iludindo a actividade fiscalizadora das autoridades e alcançando vantagem ilícita.
16. Agiram de forma livre, voluntária e consciente, em conjugação de esforços e intentos, pretendendo alcançar uma vantagem indevida, embora soubessem que o seu comportamento não era permitido e é punido por lei criminal.
Da determinação da sanção
17. O arguido RS foi condenado, por sentença proferida em 25.5.2002 pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, no proc. nº 306/99.0TBPBL, transitada em 5.6.2002, na pena de 140 dias de multa à razão diária de € 3,00, por factos praticados em 20.03.1998, pena essa declarada extinta por decisão de 12.11.2003.
18. O arguido RM não tem antecedentes criminais;
19. O arguido RS é sócio gerente da firma RSJT., declarou auferir um rendimento mensal de pelo menos €575,00, tendo a firma apresentado um lucro anual de cerca de € 10.000,00.
20. O arguido RM é motorista, auferindo cerca de € 1.500,00 a título de vencimento mensal.
b) Factos não provados
Inexistem factos não provados
c) Fundamentação da decisão da matéria de facto
O Tribunal fundou a sua convicção, quanto ao circunstancialismo fáctico provado, na
conjugação, segundo as regras normais da experiência comum e de razoabilidade (O que se pede nesta fase é a justificação racional da decisão. Como ? No direito positivo, o art. 127º do C.P.P. responde à questão. E qual o conteúdo da questão ? Nas provas (directas, indiciárias e regras de experiência comum alimentadas pela lógica formal) a partir das quais se realizam inferências lógicas que conduzem à aceitação de uma hipótese como verdadeira (cfr. Wróblewski, Justification of Legal Decidios, apud Meaning and Truth in Judicial Decidion, A-Tieto Oy, Helsinki, 1983, p. 49 e sgs., maxime p. 64: “de acordo com a norma N aplicada de acordo com o seu significado S, o facto H ocorreu no tempo e lugar de acordo com as provas aceites P1, P2, Pn…baseadas nas regras empíricas RE1, RE2…”. Não é assim aceite aqui que a justificação jurídica seja reduzida à mera persuasão, cfr. concordante Ferrajoli, Drecho y Razón, Trotta, Madrid, p. 83. E não pode ser de outra maneira! De facto à lógica retórico-argumentatiova contrapõe-se a “convicção” e esta é a descrição de um conhecimento. Cada vez o subscritor deste texto gosta de coisas antigas, permitam-me o desabafo…de facto em 1950, Calamandrei assim o afirmava (Rivista di Diritto Processuale, p. 284): não se pretende “as verdades ultimas e supremas que escapam aos homens pequenos, mas a verdade humilde e diária, essa verdade da qual se discute nos debates judiciais, essa que os homens normais e honestos, segundo a sabedoria comum e a boa-fé, chamam sempre de verdade” (trad. do aqui subscritor). Assim, e numa lógica que remonta a Popper a hipótese da acusação não é senão ma conjectura que, de início se mostra infundada para quem julga (cfr. Conjectures and Refutations, caps 1 e 15, há tradução port. em Almedina ed.). Então onde se coloca o material retórico do contraditório (interrogatório e alegações) ? Em lado nenhum. O contraditório incide sobre factos concretos e provas concretas, dando-se inferências objectivas a uma convicção cujo “telos” tem uma norma aplicanda (fundamental, De Cataldo Neuberger, Esame e controesame nel proceso penale.Diritto e psicologia, Cedam, Pádua, 2000). Concluindo, morre a concepção de juiz “indiferente indagador da verdade” (Beccaria, Dos Delitos e das Penas, Almedina, cap. 17) por ser uma concepção ingénua. Numa síntese: é o direito o que define e determina o que no processo constitui o facto, daí a grande responsabilidade no seu estudo incessante, e como bem diz a linguagem civilística a procura das plausíveis soluções de direito e acrescento factum facit!), da prova pericial, dos documentos junto aos autos e do depoimento das testemunhas VM, CJ, FP, FP, JC, e AL os quais, porque objectivos, coerentes e isentos, mereceram plena credibilidade. Os arguidos fizeram uso do direito ao silêncio. A prova da factualidade vertida em 1. resultou da análise da certidão de Registo Comercial junta aos autos a fls. 433 donde consta a denominação da empresa e objecto social e capital social no montante de € 249.398,95 sendo que o arguido RS detém uma quota no montante de € 247,653,16, desempenhado, ainda, as funções de gerente.
Para além do valor probatório de tal documento (trata-se de documento autentico), as testemunhas VM, FP e FC referiram conhecem o arguido RS por o mesmo ter sido “patrão” das mesmas, no período de tempo que cada uma das testemunhas desempenhou funções para a RSJ. A factualidade ínsita nos pontos 2 a 14, resultou da análise apurada e comparada de toda a prova documental junta aos autos, conjugada com a prova pericial, com o depoimento das testemunhas e com as regras da experiência comum.
Assim, e no que diz respeito ao arguido RM, constata-se que, as testemunhas CJ, FP e FC foram unânimes em afirmar que o arguido desempenhou funções de motorista para a firma RSJ e que, normalmente, cada motorista tem um camião a si afecto.
Aquando da fiscalização realizada pela GNR, em 17.3.2006, pelas 15 horas, era o arguido RM quem conduzia o veículo de matricula XX-XX-VC quando interceptado por aquele OPC. Tal veículo encontra-se ao serviço da firma RSJ, da qual o arguido RS é sócio gerente, conforme se alcança do titulo de registo de propriedade do veículo que se encontra junto aos autos (fls. 10’, e das licenças emitidas pelas entidades competentes no que concerne ao licenciamento do transportes internacionais (fls. 26, 63). Aquando da referida fiscalização, foi efectuada revista ao arguido RM, tendo-lhe sido apreendido o comando referido em 6, 9 e 10, o qual se encontrava no interior do bolsa do lado direito das suas calças. Nesse mesmo dia foi efectuada busca ao veículo 72-29-VC, tendo sido apreendidos entre outros objectos, uma agenda mini-condor de 2006, quatro folhas de papel manuscritas e 52 discos diagramas referentes ao condutor RM. Foi ainda efectuada a apreensão do veículo a que se vem fazendo referencia bem como o tacógrafo que se encontrava instalado no mesmo (autos de fls. 51, 63 3 95 a 101) Efectuada perícia ao tacógrafo, constatou o Sr. Perito que a selagem de verificação do tacógrafo se encontrava legalmente em dia, sem aparentes sinais de violação. Após proceder à medição em pista, a constante do tacógrafo e o perímetro encontravam-se regulares, este, dentro dos trâmites de desgaste normal e em conformidade com os valores encontrados. A aposição de etiquetas de selagem e todos os selos se encontravam em conformidade com os procedimentos IPQ.
Feita esta analise, e após lhe ter sido apresentado o comando e as folhas de papel manuscritas, apreendidos, o Sr. perito, seguindo as instruções constantes do papel em conjunto com o comando, constatou que, seguindo determinados passos e combinações de botões do comando, o tacógrafo com a viatura parada inicia de forma viciada a realização de tempos longos de descanso em poucos segundos. Com a viatura em andamento pode fazer atrasar a velocidade do tacógrafo em relação à velocidade real provocando que a viatura possa atingir velocidades elevadas e no disco do tacógrafo marque uma velocidade inferior. Ao abrir o tacógrafo, constatou o Sr. Perito que no seu interior estava fixada à placa electrónica principal do tacógrafo uma outra placa electrónica estranha ao funcionamento normal do tacógrafo (relatório de fls. 105, 156 e 157, 205 a 207). Todo este material probatório nos permite extrair as seguintes conclusões:
O arguido RM, motorista da firma RSJT, no dia 17.5.2006 conduzia a viatura XX-XX-VC a si afecto trazendo instalado um tacógrafo viciado por ter sido fixada à placa electrónica principal uma outra placa electrónica estranha ao funcionamento normal do tacógrafo (depoimento da testemunha JP, agente da GNR, o qual depôs com isenção e objectividade, merecendo credibilidade).
Tal sistema era activado através do comando à distância, o qual, por se encontrar na posse do arguido, poderia ser por si manuseado. O arguido sabia que o comando tinha por função “dar ordens” ao “chip” de molde a alterar a informação a registar no disco pelo tacógrafo. Tanto assim é que o arguido trazia consigo um “manual de Instruções” do comando com as várias instruções a dar consoante a finalidade pretendida (auto de revista e apreensão de fls. 51, e de 63). Com efeito, das quatro folhas apreendidas e que se encontravam no bolso do blusão do arguido, consta um esboço do comando com uma determinada numeração no lugar dos botões do comando e as seguintes instruções:
Com o carro a andar botão nº 1 fixar agulha do tacógrafo; botão nº 2 – dar atraso; botão nº 3 Prender agulha para nunca passar da velocidade fixada.
Botão 2 e 3 – Em conjunto atraso máximo. Desligar tudo para voltar ao normal.”
As restantes folhas têm informações idênticas à supra transcrita, e referentes a outro tipo de função.
É manifesto que o arguido RM tinha conhecimento da existência da adulteração e do modo como deveria a mesma ser accionada através do comando, conduzindo com o comando estrategicamente colocado no bolso das calças (uma vez que alguma das operações são efectuadas com o veículo em andamento) com as instruções no bolso do casaco.
Da análise dos discos diagramas apreendidos e junto aos autos, conjugada com as informações constantes da agenda supra referida resulta que o mesmo, em 8 dias (de 22.04.2006 a 30.04.2006) efectuou duas viagens percorrendo um total de 9.210 km, efectuando uma média diária de 1.151 km.
Por outro lado, a testemunha FP referiu que entre Agosto de 2005 a Dezembro de 2006 e durante o tempo que a testemunha desempenhou funções na Holanda, viu lá o arguido RM várias vezes, indo normalmente com o mesmo carro.
Referiu ainda que a distância entre Portugal – Holanda é de cerca de 2.000Km.
Da conjugação destes elementos probatórios resulta que o arguido RM conseguia efectuar, em 8 dias, duas viagens de ida e volta à Holanda(2.000 km x a = 8.000 km). Tal só é possível se o arguido não respeitar nem as horas de descanso que lhe são impostas por lei nem os limites de velocidade
No que se refere ao arguido RS, conforme se referiu supra, é o sócio gerente da firma RSJ, para a qual o arguido RM desempenha funções de motorista.
Não existe prova directa de que o arguido RS tenha dado ordens no sentido de colocar o “chip” no tacógrafo, ou de que tenha sido o arguido a entregar o comando ao arguido RM. Face à ausência de tal prova directa, seria plausível concluir que a actuação do arguido RM foi autónoma, ou seja, sem o consentimento e conhecimento do arguido RS.
Mas, tal conclusão obriga o julgador a formular uma interrogação (em obediência, aliás, aos elementos do tipo, os quais, conforme melhor se verá infra, exigem uma especial intenção por parte do agente) – Qual a vantagem patrimonial que o arguido RM retiraria desta sua actuação?
As testemunhas inquiridas, nomeadamente a testemunha RV, referiu que um motorista de transporte internacional de mercadorias aufere cerca de € 1.800,00, mensais.
Não existe prova, nomeadamente documental, donde conste que o arguido auferia em função dos quilómetros que percorria ou das viagens que efectuava.
Assim, se o arguido apenas aufere o vencimento mensal, não ganhando mais por ser mais rápido, por conseguir desempenhar as funções normalmente desempenhadas por dois motoristas, nada justificaria que esse mesmo arguido tivesse necessidade de arranjar um sistema tão sofisticado de viciação de tacógrafo.
Com efeito, conforme referiu a testemunha AL, a instalação daquele concreto sistema de viciação exige conhecimentos específicos de electrónica e com boa experiência na aérea da electrónica, sendo que o sistema instalado não se encontra à venda no mercado.
Logo, não sendo o arguido electricista, e atendendo à quantidade de quilómetros percorridos diariamente, não terá o arguido muita disponibilidade de tempo para adquirir conhecimentos tão específicos em molde a instalar o referido sistema de viciação, necessitando, por isso, de contratar outrem que efectuasse tal serviço.
Ora, se o arguido não retira vantagem patrimonial pela instalação de tal sistema de vício, não se compreende porque motivo se daria a tanto trabalho…
Para ele, enquanto trabalhador por conta de outrem, era indiferente percorrer diariamente mais de 1.000Km/dia ou 500Km/dia.
E mais, uma tamanha eficiência, com certeza despertaria as suspeitas por parte da sua entidade patronal, a qual não desconhece, por ter obrigação de conhecer, as normas em vigor quanto ás condições de trabalho dos seus motoristas e velocidades máximas permitidas para o tipo de viatura que é utilizada pela sua empresa (veículos pesados de mercadorias).
Por outro lado, não sendo o arguido o único motorista da empresa a efectuar viagens Portugal/Holanda, fácil seria comparar os tempos efectuados por cada um dos motoristas, para concluir que algo de anormal acontecia com o trabalhador RM.
Ora, o arguido RM não correria o risco de perder o emprego ou ver contra si instaurado um processo disciplinar (conduta que normalmente seria adoptada por uma entidade patronal que “descobre” que um seu trabalhador não respeita as normas em vigor em matéria de descanso, por exemplo) por ser tão “eficiente”.
E mais, conforme se referiu supra, o arguido RM é trabalhador da empresa gerida pelo arguido RS, pelo menos desde 2003/2004 até 2006.
Tal conclusão advém da conjugação dos depoimentos prestados pelas testemunhas FC e FP.
A primeira testemunha referiu que foi motorista tendo desempenhado tal função para a empresa RSJ durante 3 meses, cessando tais funções em Novembro de 2003 ou 2004. Referiu tal testemunha que durante o tempo em que desempenhou funções para a RSJ já o arguido RM aí trabalhava.
Por seu turno a testemunha FP trabalhou para a firma cerca de ano e meio, entre os anos de 2005 a 2006, tendo, também ele, conhecido o arguido RM coo funcionário dessa firma a desempenhar as funções de motorista.
Por outro lado, analisados os vários discos diagramas junto aos autos, conjugados com o registo de utilização de via verde pelo veículo de matricula 72-29-VC e as informações constantes da agenda condor, constata-se que, para além de todas as chegadas passarem por Leiria, a “eficiência” do arguido RM não é ocasional, registando, ao longo de pelo menos mês e meio, percurso verdadeiramente Hercúleos, atentas as distancias percorridas e o tempo dispendido nesse percurso.
Face a tal constatação, a pergunta que se impõe é pois esta: E o arguido RS de nada sabia? Muito se estranharia que tal ocorresse pois, conforme resulta da prova testemunhal era o arguido RS quem dava as instruções aos seus motoristas quanto ao trabalho a efectuar. Era o arguido RS quem dizia onde deveria ser efectuada a carga e para onde a mesma se dirigia, com indicação das várias paragens (para carga/descarga) que, eventualmente, pudessem ser realizadas no percurso. Face ao exposto é manifesto que o arguido RS conhecia a “eficiência” do arguido RM. Com efeito se qualquer pessoa normal concluiria que tal eficiência só era possível se o arguido RM não respeitasse os tempos de descanso e impusesse ao seu veiculo uma velocidade superior ao limite de velocidade fixado na lei, por maioria de razão, e por estar nessa actividade há já alguns anos (Cfr. data da constituição da firma) a tal conclusão obrigatoriamente chegou o arguido RS. Ora, se era a ele, RS, que os discos eram entregue (conforme referido pelas testemunhas VM e FC) e se, analisados a “olho nu”, se constatava que o arguido RM circulava a uma velocidade média de 80Km/h e cumpria escrupulosamente o horário de descanso, forçoso é de concluir que o arguido RS tinha conhecimento de que o aparelho tacógrafo estava viciado. Aqui chegados, uma outra conclusão se impõe, a de que não só o arguido RS sabia da viciação como foi ele quem a mandou instalar. Com efeito, era o arguido RS quem, em 1ª mão beneficiava com tal adulteração, pois, conseguindo que os seus motoristas realizem mais viagens, aumenta a facturação da sua empresa. Por outro lado, conforme referido pelas testemunhas assinaladas, era ele quem determinava o serviço a efectuar por cada motorista, determinando, a paragem dos respectivos veículos, não só porque era ele que melhor sabia o momento oportuno para tal paragem, como era ele quem, a posteriori, efectuava o pagamento dos serviços prestados nos veículos da empresa (como é obvio, as paragens a que nos estamos a referir são as necessárias para proceder à revisão mecânica do veículo e inspecções periódicas. A tudo isto acresce o depoimento da testemunha FC o qual afirmou que as instruções que tinha do patrão (o arguido RS) era a de fazer o percurso de forma mais rápida possível, que o patrão perguntou se sabia como adulterar as informações do tacógrafo que foi o filho do patrão quem explicou à testemunha como o fazer. A testemunha explicou, ainda, qual o método utilizado durante os 3 meses e 2003 ou 2004 que trabalhou tendo referido que, nesse período, o método era o de retirar o vidro do tacógrafo e movimentar os ponteiros. Tal testemunha referiu, ainda, que durante toda a viagem Portugal – Holanda (também por si realizada) os motoristas paravam 2 a 3 horas tendo explicado a estratégia utilizada de forma a poder circular no Domingo em França, sabido que é que nesse país não é permitida a circulação de veículos pesados de mercadoria durante o dia de Domingo. Finalmente há que referir que o tribunal deu como provado que esta actuação de adulteração de tacógrafos não foi ocasional, uma vez que, quer da analise dos discos diagramas junto aos autos, conjugado com o depoimento da testemunha FC, que referiu que, também a ele lhe foi solicitado pelo arguido RS, que procedesse à adulteração dos tacógrafos, bem como com a analise dos discos apreendidos a outras viaturas, resulta evidente que a viciação dos tacógrafos era uma actuação que já vinha sendo adoptada há algum tempo.
Os elementos considerados provados e relativos aos elementos intelectuais e volitivo do dolo do arguido foram considerados pelo conjunto das circunstâncias objectivas dadas como provadas supra.
A prova dos antecedentes criminais dos arguidos assentou na análise dos respectivos CRC junto aos autos.
A prova dos rendimentos do arguido RM assentou na informação prestada pela testemunha RV, o qual referiu o vencimento médio auferido por um motorista de veículos pesados de mercadoria de longo curso.
Para prova dos rendimentos do arguido RS o tribunal atentou nas declarações do mesmo quando referiu qual o rendimento mensal por si auferido, e o lucro registado pela sua empresa. No entanto, tal declaração não mereceu pleno acolhimento por parte do tribunal, pois, as testemunhas por si arroladas e ouvidas em audiência afirmaram que o arguido se fazia transportar num veículo de gama alta (BMW), resultando evidente que o arguido aufere valor superior ao por si declarado.
***
Conhecendo:
Os recorrentes insurgem-se contra a decisão sobre a matéria de direito, entendendo que os factos provados não integram o crime pelo qual foram condenados;
O recorrente RS insurge-se ainda contra a matéria de facto apurada, relativamente aos pontos 2, 3, 4, 5,12, 13, 15 e 16, na parte respeitante a este recorrente, alegando erro notório na apreciação da prova e violação do princípio in dúbio pró reo;
Este mesmo recorrente tem como exagerada a pena concreta em que foi condenado.
***
Matéria de direito:
Entendem os recorrentes que os factos não integram o crime, por o chip instalado no tacógrafo não implicar não levar automaticamente à produção de notações viciadas.
É certo que tal chip só provoca as alterações quando accionado por comando á distância, o que equivale por dizer que estamos perante um tipo de falsificação muito mais sofisticado e que pode ser accionado quando o condutor o quiser e em mais que uma variante, conforme se constata do ponto 10 dos factos provados.
Assim, e não sendo possível detectar no registo dado pelo tacógrafo quais os períodos em que o chip foi accionado, tem-se como falsificado todo o registo.
E, a falsificação da notação técnica consuma-se com a introdução no tacógrafo de uma placa electrónica “estranha ao funcionamento normal do tacógrafo” (ponto 8 dos factos provados).
Assim como é crime a adulteração do tacógrafo que passe a produzir registos viciados, mesmo que o veículo esteja parado. Até porque a fiscalização é feita com os veículos parados e nessa altura não há registos, adulterados ou não.
Não estamos, face aos factos apurados, perante actos preparatórios, mas perante o crime consumado.
E, no caso os meios de prova são obtidos totalmente de forma automática não sendo predominante a acção do homem. No entanto é sempre necessário a mão do homem a accionar um dos botões do comando á distância, mas uma vez accionado, o registo é automático.
E dúvidas não há de que a placa introduzida no tacógrafo, quando accionada vai influenciar os resultados da notação, houve uma adulteração. Como refere Marques Borges, in Dos Crimes de Falsificação de Documentos, Moedas, Pesos e Medidas, pág. 63, “o que importa e tem relevância jurídica não é o modo como os resultados da notação são alterados. O que a lei pretende incriminar é toda a conduta que incida quer directa, quer indirectamente, sobre os aparelhos, e que possa alterar os dados de notação”.
Assim que entendemos que nesta parte improcedem as conclusões do recurso.
Matéria de facto:
Alega o recorrente que toda a conduta de adulteração do tacógrafo foi levada a cabo sem o seu conhecimento, ou consentimento.
A matéria de facto apurada (factos provados e não provados) há-de resultar da prova produzida (depoimentos, pareceres documentos) conjugada com as regras da experiência comum.
Também, se dirá que o recurso não tem como funcionalidade reexaminar a matéria de facto, e o recurso não serve para um novo julgamento.
O recurso sobre a matéria de facto é um remédio para corrigir patentes erros de julgamento sobre matéria apontada pelo recorrente e tendo por base a sua argumentação que pode levar a decisão diversa e apenas isso.
O recorrente questiona a matéria de facto, colocando em causa a prova e a apreciação da mesma.
Desde já se diz, e conforme se constata das declarações e depoimentos prestados, que não assiste razão ao recorrente.

A testemunha FC que foi motorista da empresa em que o recorrente é gerente, referiu que já em 2003/2004 recebeu instruções para fazer o percurso da forma mais célere possível e que “o filho do patrão” lhe explicou como adulterar os dados do tacógrafo (na altura tirava o vidro do tacógrafo e movimentava os ponteiros).

E compreende-se que actuais funcionários (motoristas) não queiram depor contra o patrão. Sendo certo que o co-arguido fez uso do seu direito ao silêncio.

Na fundamentação da matéria de facto também se diz que conjugados os elementos dos registos nos discos dos tacógrafos, “com o depoimento da testemunha FC, que referiu que, também a ele lhe foi solicitado pelo arguido RS, que procedesse à adulteração dos tacógrafos, bem como com a analise dos discos apreendidos a outras viaturas, resulta evidente que a viciação dos tacógrafos era uma actuação que já vinha sendo adoptada há algum tempo”.

A prova é valorada tal qual é produzida em audiência, sendo a prova testemunhal perante os depoimentos orais e a imediação.

No nosso ordenamento jurídico/processual penal vigora o princípio da livre apreciação da prova, sendo esta valorada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador -, art. 127°do C. P. Penal.
Face aos elementos fácticos fornecidos pelos documentos e pelas testemunhas (nomeadamente a testemunha FC), apenas se podia concluir pela co-autoria dos factos pelo arguido recorrente.
Neste aspecto também a sentença se encontra devidamente motivada.
Para o arguido RM ter alguma vantagem (nomeadamente de natureza patrimonial), o arguido RS, a quem os funcionários motoristas entregavam os tacógrafos, tinha necessariamente de ter conhecimento e consequentemente consentir na adulteração do tacógrafo. Bastava fazer comparação com os registos de outros motoristas (ou então todos os tacógrafos estavam viciados).
E também as regras da experiência nos dizem que não é um funcionário (motorista) que por sua iniciativa vai efectuar um tipo de adulteração no tacógrafo, como a referida nos factos provados.
Não houve apreciação arbitrária da prova que levou a dar como provados os factos que o recorrente quer ver afastados, antes e tendo como pressupostos valorativos os critérios da experiência comum e da lógica do homem médio supostos pela ordem jurídica, só podiam ser dados como provados.
O princípio da livre apreciação da prova está intimamente ligado à obrigatoriedade de motivação ou fundamentação fáctica das sentenças criminais, com consagração no art. 374°/2 do Código de Processo Penal.
E não dispensa a prova testemunhal um tratamento cognitivo por parte do julgador mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal qual a prova indiciária de qualquer natureza, pode ser objecto de formulação de deduções ou induções baseadas na correcção de raciocino mediante a utilização das regras de experiência.
Paulo Saragoça da Matta, in Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 253, refere que se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração.
Na parte em que o recorrente discorda da convicção do tribunal este fundamentou-se em prova produzida, justificando a sua convicção de modo coerente e conforme às regras da experiência.
O que o recorrente pretende é que o tribunal julgue de acordo com as suas próprias convicções, o que não é viável pois que o acto de decisão pertence ao tribunal que aprecia as provas segundo as regras de experiência e a sua livre convicção, como disciplina o art. 127 do CPP.
O alegado pelo recorrente não abala os fundamentos da convicção do julgador, que temos conformes às regras da experiência.
Não se verifica qualquer erro na apreciação da prova, pelo que, nos termos expostos e nesta parte, se julga improcedente o recurso.
Vícios:
O recorrente alega o vício do art. 410 nº 2 do CPP, (erro notório na apreciação da prova) mas na perspectiva da errada apreciação da prova, que como já vimos se não verificava.
Tal vício há-de resultar do próprio texto da decisão e ser concretamente apontado (o que não é feito) ou ser visível de tal modo que possa ser reconhecido e oficiosamente apreciado, o que não é o caso.
Mas sobre o mesmo e sumariamente diremos:
Erro notório na apreciação da prova, existe quando se verifica:
Erro na crítica dos factos provados. Não erro na sua apreciação em ordem a aplicar o direito (Proc. 48658 eml-2-96;
Contra o que resulta de elementos que constam dos autos e cuja força probatória não foi infirmada, ou de dados de conhecimento publico generalizado, se emite juízo sobre a verificação ou não de certa matéria de facto e se torne incontestável a existência de tal erro de julgamento sobre a prova produzida (Proc. 327/96, em 8-5-96);
Se afirma algo que se não pode ter verificado (Proc. 136/96, em 1-5-96.
Como assim que, ao erro notório, vem sendo, de igual modo, entendimento das Doutrina e Jurisprudência que apenas se terá como verificado em apertadas circunstâncias. Tal vício nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser a correcta face à prova produzida, ele só pode ter-se como verificado quando o conteúdo da respectiva decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, patenteie, de modo que não escaparia à análise do homem comum, que no caso se impunha uma decisão de facto contrária à que foi proferida - entre muitos, Acórdão do S. T.J:, de 20.03.99, Proc. 1 76/99- 3ª Sec (sublinhado nosso).
Não se verifica o vício do erro.
Violação do princípio in dubio pro reo:
O princípio in dubio pro reo é o correlato processual do princípio da presunção da inocência do arguido.
Gozando o arguido da presunção de inocência (artigo 32, nº 2, da Constituição da República Portuguesa), toda e qualquer dúvida com que o tribunal fique reverterá a favor daquele.
O princípio in dubio pro reo, enunciado por Stubel no século XIX, constitui um princípio probatório segundo o qual a dúvida em relação à prova da matéria de facto deve ser sempre valorada favoravelmente ao arguido.
"O principio in dubio pro reo aplica-se sem qualquer limitação, e portanto não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também ás causas de exclusão da ilicitude (v. g. a legitima defesa), de exclusão da culpa. Em todos estes casos, a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido" - Figueiredo Dias in D.tº Processual Penal, 1974, 211.
"Não adquirindo o tribunal a "certeza" (a convicção positiva ou negativa da verdade prática) sobre os factos (...), a decisão tem de ser, por virtude do princípio in dubio pro reo, a da absolvição. Neste sentido não é o princípio in dubio pro reo uma regra de ónus da prova, mas justamente o correlato processual da exclusão desse ónus" - vd. Castanheira Neves in processo criminal, 1968, 55/60.
No que aos factos desfavoráveis ao arguido tange (situação alegada no recurso), a dúvida insanável deve levar a dar como não provado o facto sobre o qual recai.
O princípio in dubio pro reo só é desrespeitado quando o Tribunal, colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas, decidir, em tal situação, contra o arguido - Ac. do mesmo Supremo de 18/3/98 in Proc 1543/97.
Afigura-se-nos que ressalta, de forma límpida, do texto da sentença (fundamentação da convicção sobre a matéria de facto), ter o Tribunal, após ponderada reflexão e análise crítica sobre a prova recolhida, obtido convicção plena, porque subtraída a qualquer dúvida razoável, sobre a verificação dos factos imputados ao arguido e que motivaram a sua condenação.
Como já se disse, o que, diferentemente se pretende é que o tribunal deveria ter valorado as provas à maneira do recorrente, substituindo-se ele -recorrente- ao julgador, tal incumbência é apenas, porém deste - art. 127° CPP.
Medida da pena de multa:
Na sentença recorrida, foram observados os critérios legais de escolha e determinação da medida da pena.
Critérios esses com os quais concordamos inteiramente, mostrando-se a pena em concreto aplicada ajustada aos factos e á culpa do arguido.
Devendo dar-se prevalência à pena não detentiva quando esta realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, art. 70 do CP, foi isso que se determinou na sentença.
Entende o recorrente que a pena que lhe foi aplicada, se encontra desajustada, por exagerada.
Na aplicação da medida da pena de multa deve ter-se em conta o disposto no artº 71º do C. Penal.
Aí se diz – no seu nº 1 – que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (geral e especial).
Visando-se com a aplicação das penas a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, artº 40º nº1 do Cód. Penal.
Sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, artº 40º nº 2 do C. Penal.
Decorre, assim, de tais normativos que a culpa e a prevenção constituem os parâmetros que importa ter em apreço na determinação da medida da pena.
Na determinação concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele – artº 71º nº 2 do C. Penal.
Enunciando-se, de forma exemplificativa, no mesmo nº 2 quais as circunstâncias que podem ter tal função.
Há que ter em conta as finalidades da prevenção, quer geral, quer especial, incentivar nos cidadãos a convicção que comportamentos deste jaez são punidos.

Assim como há que dissuadir o arguido para que não volte a prevaricar.

Na sentença se ponderou, de forma correcta:
O grau elevado de ilicitude da conduta, atento o método altamente sofisticado utilizado para adulteração dos registos do tacógrafo, método esse, de difícil percepção por parte dos agentes fiscalizadores, pois o tacógrafo não apresenta qualquer sinal exterior de adulteração.
A intensidade do dolo (directo) do arguido;
Em termos de consequências da sua actuação, não se pode deixar de registar o perigo que constitui a violação das normas relativas ao perigoso de descanso dos condutores, pondo, dessa forma, em perigo os restantes utilizadores, sabendo-se das consequências altamente danosas provocadas por um veiculo de grande porte.
Assim que se tem como adequada e bem merecida a pena concreta de 250 dias de multa.
O critério é o supra referido (entre o mínimo e o máximo da moldura) sempre comandado pela culpa do arguido, inexistindo actualmente, se é que alguma vez existiu, o critério do meio da pena e a partir daí se fixaria em função da culpa a pena em concreto.
Também há que ter em conta que a moldura abstracta pode ir até aos três anos de prisão. A pena para este tipo de crime não é exclusivamente a de multa.
A pena, só faz sentido enquanto sentida como tal pelo seu destinatário – cfr. Ac. desta Relação de 7-11-1996, in Col. jurisp. tomo V, 47.
Atenta a natureza de uma pena ou sanção, o condenado tem de senti-la sob pena de se poder traduzir em “absolvição encapotada”, e não surtir o efeito pretendido pela lei. As penas e sanções têm essa designação, de outro modo não o seriam, nem constituiriam dissuasor necessário para prevenir as infracções, se não forem sentidas como tal, quer pelo agente, quer pela comunidade em geral.
Taxa diária:
Todos os elementos necessários à determinação da taxa diária foram levados em conta -art. 47 nº 2 do CP.
E tal matéria não é questionada no recurso

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Pelo exposto, entendemos ter ficado demonstrada a sem razão do recorrente, não merecendo qualquer censura a sentença recorrida, pelo que improcedem todas as conclusões do recurso.
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Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em:

1- Julgar não provido os recursos dos arguidos RS e RM e, em consequentemente, mantém-se a sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 4 Ucs para o recorrente RM e de 8 Ucs para o recorrente RS.

Coimbra,
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