Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
295/06.6TBCNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Data do Acordão: 02/26/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE CANTANHEDE - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTºS 1º, 2º, 6º, 7º E 12º DO DEC. LEI Nº 359/91, DE 21/09; 456º DO CPC
Sumário: I – Entende-se por “contrato de crédito ao consumo” o contrato por meio do qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartões de crédito ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante (artigo 2º, nº 1, alínea a), do D. L. nº 359/91, de 21/09).

II – A indicação quantificada num contrato de crédito de um valor correspondente à cobertura de um seguro, associada à indicação de que o financiamento abrange o respectivo prémio, corresponde ao conceito de “outro encargo”, sujeitando o contrato em causa à disciplina do DL nº 359/91, de 21 de Setembro, mesmo que esse contrato indique que o crédito é concedido sem juros.

III – A recíproca dependência, nas situações de crédito ao consumo, entre o contrato de financiamento e o respeitante à aquisição financiada, corresponde à figura da “união de contratos”, repercutindo-se as vicissitudes de um no outro, arrastando a invalidade de um deles a destruição do outro.

III – Impendendo sobre o credor a prova de ter efectuado a entrega de um exemplar do contrato ao subscritor/consumidor, no momento da respectiva assinatura (artigos 6º, nº 1 e 7º, nº 4, do DL nº 359/91), e traduzindo essa entrega um acto material posterior e exterior à elaboração (preenchimento e assinatura) do documento, não pode essa prova decorrer do simples funcionamento de regras probatórias estruturadas em função do conteúdo do próprio documento (caso do artigo 376º do CC), que prescindam da demonstração concreta dessa entrega.

IV – A litigância de má fé dirige-se, primordialmente, ao comportamento processual da parte no desenvolvimento da acção, não abrangendo a actuação jurídica desenvolvida pela parte num contexto anterior à existência desta, nem a defesa, desta feita na acção, dessa actuação anterior.

V - É jurisprudência constante do Tribunal Constitucional o entendimento que a conformidade constitucional do artigo 456º, nºs 1 e 2, do CPC, depende da sua interpretação em termos de a parte só poder ser condenada como litigante de má fé depois de ser ouvida previamente, a fim de se poder defender dessa imputação - nºs 2 e 3 do artigo 3º do CPC.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa


            1. A... e mulher, B... (AA. e neste recurso Apelados), demandaram, no Tribunal Judicial da Comarca de Cantanhede, C..., posteriormente incorporada em (e neste processo substituída por[1]) D... [1ª R. e aqui Apelante, por adesão, nos termos do artigo 683º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Civil (CPC), através do requerimento de fls. 278] e E... (2ª R. e aqui Apelante).

            Fundamentando os pedidos que contra estas RR. formulam, indicam os AA. terem sido atraídos, através de um telefonema e sob o pretexto de terem sido sorteados para participar num concurso, a um Hotel em Cantanhede, onde foram induzidos, por funcionários da 2ª R., a adquirir, mediante a assinatura de documentos cujo sentido na altura desconheciam, um “serviço de louça”, sendo-lhes dito que haviam ganho um prémio de €500,00 e que, além disso, a aquisição daquele bem (só) corresponderia a duas prestações de €83,00.

            Mais tarde, vieram os AA. a saber que tinham celebrado, sem que disso se tivessem verdadeiramente apercebido, um “contrato de crédito” com a 1ª R., cujo cumprimento importaria a satisfação por eles à 2ª R. da quantia global de €4.897,00, em 60 prestações de €83,00. Ora, considerando os AA. esse contrato (abrangendo a compra e a concessão de crédito) sem qualquer valor, nos termos do Decreto-Lei nº 359/91, de 21 de Setembro (doravante DL 359/91) e do Decreto-Lei nº 143/2001, de 26 de Abril (doravante DL 143/2001), formulam, subsequentemente a terem solicitado à 1ª R. a “anulação” desse contrato, os seguintes pedidos:


“[…]
a) Declarar-se nulos, como se requer, todos os alegados contratos de compra e venda, de crédito e de preenchimento de livrança, nomeadamente o «contrato de crédito nº 24415190, celebrado com a R. C...», que os AA. tenham celebrado com as RR. e cujo conteúdo desconhecem, por incumprimento dos requisitos legais, com o desaparecimento retroactivo dos negócios e demais consequências legais.
Ou,
b) Não se entendendo assim, serem os mesmos anulados, como se requer, por ter ocorrido erro vício de vontade e dolo na sua celebração, considerando os mesmos sem efeito, com as demais consequências legais.
[…]”
            [transcrição de fls. 6]

            1.1. Contestaram separadamente ambas as RR., afirmando a validade do(s) contrato(s), designadamente no que se refere ao “contrato de crédito ao consumo”, recusando a 1ª R. que a este último se aplique o regime do DL 359/91, por não terem sido estabelecidos juros, invocando ambas a renúncia dos AA. ao direito de reflexão e revogação dos contratos e a caducidade do direito de resolução dos mesmos, pugnando ambas as RR., enfim, pela total improcedência da acção.

            1.2. Saneado o processo, fixados os factos nessa fase provados e elaborada a base instrutória (despacho de fls. 99/103), avançou-se para o julgamento documentado a fls. 200/202, findo o qual, apurados os factos provados em julgamento (despacho de fls. 203/209), foi proferida a Sentença de fls. 213/239 (constitui esta a decisão aqui recorrida), que culminou com o seguinte pronunciamento decisório:


“[…]
1) Julgar improcedente, por não provada, a excepção deduzida pela ré D..., de renúncia dos autores A... e B... ao direito de reflexão e revogação previsto no Decreto – Lei n.º 359/91, no que concerne ao contrato de crédito ao consumo celebrado entre autores e a ré C..., referido em 7).
2) Julgar improcedentes, por não provadas, as excepções deduzidas pelas rés E..., e D..., de caducidade dos direitos dos autores A... e B... de revogação e resolução dos contratos celebrados entre autores e rés, direitos esses previstos, respectivamente, nos arts. 8.º, n.º 1, do Decreto – Lei n.º 359/91, de 21/09, e 18.º, n.º 1, do Decreto – Lei n.º 143/01, de 26/04.
3) Julgar totalmente procedente, por provado, o pedido dos autores A... e B... de declaração de nulidade total dos contratos de compra e venda n.º 1160, crédito n.º 24415190, e preenchimento, a título de caução, da livrança n.º 500905479049777912, celebrados com as rés E..., e C..., declarando-se a nulidade dos mesmos, o que impede o conhecimento, pelo Tribunal, do pedido de anulação dos referidos contratos, com fundamento em dolo e erro – vício quanto ao objecto negocial, deduzido subsidiariamente, em segundo lugar, pelos autores.
4) Consequentemente, por efeito da declaração da nulidade total dos contratos referidos em 3), condenar os autores A... e B..., e as rés E..., e D..., a restituir tudo o que tiver sido prestado em cumprimento dos contratos referidos em 3). Assim, designadamente:
- Condenar os autores A... e B... a restituir à ré E..., os artigos de louça e respectiva documentação eventualmente fornecida por esta, objecto do contrato referido em 6), e constantes de fls. 47 e 49.
- Condenar a ré E..., a restituir a quantia mutuada de € 4.980, que lhe foi entregue, objecto do contrato referido em 7), a título de preço pela mercadoria supra referida, em cumprimento dos contratos em causa, à ré D...
5) Condenar F..., legal representante da ré E..., de má fé na causa, em multa processual que se fixa no montante de 10 U.C.
[…]”
            [transcrição de fls. 237/238]

            1.2.1. Inconformada, interpôs a 2ª R. o presente recurso de apelação, ao qual, mais tarde, a fls. 273 aderiu a 1ª R., nos termos do artigo 683º, nº 2, alínea a) do CPC, alegando-o aquela 2ª R. a fls. 263/267 (a 1ª R. aderiu a essas alegações), formulando a rematar as seguintes conclusões:


“[…]
1 – No contrato de compra e venda fornecido pela aqui Recorrente, mesmo acima das assinaturas constam a aceitação e declaração dos ora Recorridos onde se pode ler “Mais declaramos que recebemos os bens identificados como entregues e que nos foi entregue o exemplar do contrato que nos é destinado”. (sublinhado nosso)
2 – Relativamente ao contrato de crédito celebrado com a “C...”, mais uma vez, no local das Instruções de Pagamento e Declaração dos proponentes pode ler-se que “Mais declaramos que nos foi entregue o exemplar do contrato que nos é destinado”. (sublinhado nosso)
3- Ora não tendo a autoria da letra e da assinatura nos contratos celebrados pelos Recorridos sido impugnadas, pelo que nos termos do artigo 374º do Código Civil os mesmos são havidos como verdadeiros;
4- Na verdade ficando provado, como no entendimento da ora Recorrente ficou, que foram entregues aos Recorridos um exemplar, os mesmos tomaram conhecimento de todas as condições inerentes ao contrato, nomeadamente a de resolução do mesmo.
5 – Assim ao dar como não provado que a ora Recorrente não entregou no momento da assinatura dos contratos, os respectivos exemplares e tendo em conta o teor dos contratos junto aos autos, o Tribunal a quo faz errada apreciação da prova o que influiu necessariamente na decisão final da causa.
6 – A Recorrente ao deduzir contestação juntou o contrato celebrado com os Recorridos, onde estes últimos declaram ter recebido os exemplares e estarem de acordo com as condições de venda o qual volta a repetir não foram impugnados as assinaturas constantes do mesmo;
7- A Recorrente em nenhum momento pretendeu com a sua contestação prosseguir com um objectivo ilegal ou ilegítimo;
8- A Recorrente ao ter deduzido contestação, mais não fez do que exercer um direito que considerava lhe assistir, não tendo por isso agindo de má fé;
9- Deste modo, não houve por parte da R. a intenção de deduzir uma pretensão absurda ou infundada, alterar a verdade dos factos ou conseguir um objectivo ilegal ou ilegítimo.
[…]”
            [transcrição de fls. 266/267]

            Os Apelados responderam ao recurso a fls. 275/276, pugnando pela manutenção integral da decisão recorrida.


II – Fundamentação


            2. Constitui necessariamente ponto de partida da presente indagação recursória a fixação do âmbito objectivo da mesma, tendo presente que essa delimitação se opera por referência às conclusões formuladas pelo recorrente, como decorre da aplicação conjugada dos artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC[2], só podendo exorbitar dessas conclusões, no caso da apreciação de questões de conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2 do CPC).

Tendo isto presente, constata-se que a Apelante (doravante qualquer alusão a esta pressuporá abrangida a 1ª R. que aderiu à apelação) não impugna o acto de fixação dos factos no culminar do julgamento, no sentido em que essa impugnação adquire relevância por referência ao disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 712º do CPC, com base na indicação de pontos de facto considerados incorrectamente julgados face a determinados trechos da prova pessoal (v. artigo 690º-A, nº 1 e 2 do CPC).

            É certo que a Apelante discorda de determinada asserção de facto presente no julgamento da primeira instância, sendo essa asserção a que se consubstanciou na não prova da entrega aos AA./Apelados de cópias dos contratos no acto da subscrição dos mesmos. Tal contestação refere-se, todavia, à actuação de regras probatórias e correspondentes regras de decisão, e não à contraditoriedade dessa mesma asserção com a prova produzida em julgamento.

2.1. Vale isto para constatar e sublinhar que essa asserção, sendo exterior à (independente da) matéria de facto elencada na Sentença (que se obtém através da “soma” dos factos fixados a fls. 99/100 com os fixados pelas respostas à base instrutória constantes de fls. 203/206), não impede que ela seja aqui indicada e considerada assente, nos termos em que o Tribunal a quo a elencou a fls. 218/220 dessa Sentença[3]:


“[…]
1) No dia 23 de Abril de 2005 a autora recebeu um telefonema do departamento comercial da R. E... materializando-se este na realização de um passatempo (facto assente A)).
2) Na sequência de tal passatempo, no final desse mesmo dia, os AA., fazendo-se acompanhar do filho e namorada, deslocaram-se ao G..., em Cantanhede, para levantar o prémio ganho na sequência do referido passatempo (facto assente B)).
3) Os AA. receberam uma carta enviada pela R. C..., com data de 18 de Maio de 2005, a referir que tinham celebrado um contrato de crédito a que atribuíram o n.º 24415190, juntando o respectivo plano de pagamento, como resulta de fls. 7 a 9 (facto assente C)).
4) Os AA. enviaram uma carta à R. C... pedindo a anulação do contrato e pondo a louça à disposição, como resulta de fls. 10 (facto assente D)).
5) Na sequência desta a R. C... enviou uma carta aos AA., cujo conteúdo se dá aqui por inteiramente reproduzido, datada de 1 de Agosto de 2005, na qual alega que o contrato de crédito se mantém em vigor até 18.05.2005, como resulta de fls. 11 (facto assente E)).
6) Foi celebrado um contrato de compra e venda de vários produtos para o lar com o n.º 1160, no dia 23 de Abril de 2005, entre os AA. e a R. E..., como resulta do documento de fls. 47/48 (facto assente F)).
7) Nesse mesmo dia foi celebrado um contrato de crédito pelos AA. com a instituição financeira C..., em que aqueles subscreveram o pagamento daqueles bens em 60 prestações cada uma no valor de €83,00, como resulta do documento de fls. 92 (facto assente G)).
8) Numa sala do hotel, os AA. encontraram outros participantes e havia um ambiente musical (resposta ao art. 1.º da BI).
9) Os AA. e seus acompanhantes foram convidados a visitar uma exposição de louças e equipamento para o lar (resposta ao art. 2.º da BI).
10) A A. foi convidada a escolher um envelope fechado de entre outros que se encontravam num cesto (resposta ao art. 3.º da BI).
11) De molde a receber um prémio (resposta ao art. 4.º da BI).
12) Após a A. escolher um envelope, o funcionário da R. E... exclamou: acabaram de ganhar um prémio de €500,00, exibindo um documento que não identificaram (resposta ao art. 5.º da BI).
13) Os AA. mostraram-se desinteressados quanto a tal prémio (resposta ao art. 7.º da BI).
14) O ofertante insistiu na aceitação do prémio de €500,00 (resposta ao art. 8.º da BI).
15) Dizendo que aquela quantia seria depositada na conta dos AA. (resposta ao art. 9.º da BI).
16) E que eles ganhariam ainda um serviço de louça, mediante o pagamento de duas prestações de €83,00 (resposta ao art. 10.º da BI).
17) As quais se venciam uma em Junho de 2005 e a outra em Janeiro de 2006 (resposta ao art. 11.º da BI).
18) O A. marido manifestou-se desinteressado (resposta ao art. 12.º da BI).
19) Foi-lhe então sugerido que oferecesse tal louça a filho e à futura nora (resposta ao art. 13.º da BI).
20) Os AA. aceitaram a aquisição da louça (resposta ao art. 14.º da BI).
21) Porque sugestionados pela oferta de €500,00 (resposta ao art. 15.º da BI).
22) E porque ficaram convencidos de que teriam de pagar apenas as duas referidas prestações (resposta ao art. 16.º da BI).
23) O funcionário da R. E... felicitou os AA. por terem ganho o prémio e deu-lhes papéis para assinar (resposta ao art. 17.º da BI).
24) Nessa mesma noite os funcionários da R. E... levaram a louça a casa dos AA. e pediram-lhes recibos de água e luz (resposta ao art. 18.º da BI).
25) Fotocopiaram os recibos de água e luz em máquina própria (resposta ao art. 19.º da BI).
26) Os AA. são pessoas culturalmente limitadas (resposta ao art. 20.º da BI).
27) Os AA. têm um nível muito baixo de instrução (resposta ao art. 21.º da BI).
28) Têm dificuldade em escrever, ler e entender (resposta ao art. 22.º da BI).
29) São pessoas com dificuldades económicas (resposta ao art. 23.º da BI).
30) Os AA. não concordariam com os termos dos contratos se deles tivessem tomado claro conhecimento (resposta ao art. 24.º da BI).
31) Os AA. não poderiam comprometer-se em contratos de crédito por não terem condições económicas para cumprir o alegado plano de pagamento (resposta ao art. 25.º da BI).
32) Não receberiam a louça se soubessem que teriam de pagar as quantias reclamadas (resposta ao art. 26.º da BI).
[…]”
            [transcrição de fls. 218/220]

            2.2. Compulsadas as conclusões da Apelante, transcritas no item 1.2.1., verifica-se serem essencialmente duas as questões a apreciar neste recurso: (a) a não prova da entrega de cópias ou exemplares dos dois contratos aos AA. no momento da subscrição dos mesmos, com a consequente pretensão de repercutir esse (novo) facto no julgamento da acção (corresponde este fundamento às conclusões 1 a 6 das alegações); (b) a questão da condenação da representante da 2ª R. como litigante de má fé (corresponde este segundo fundamento às conclusões 7 a 9 das alegações).

 No que respeita ao primeiro destes fundamentos, existem no percurso argumentativo da Sentença apelada passos prévios, de alguma forma condicionantes da apreciação da questão directamente colocada pela Apelante, relativamente aos quais importa tecer introdutoriamente algumas considerações.

            2.2.1. Interessa-nos, desde logo, a sujeição do contrato referido no item 7 dos factos (documento de fls. 92), o denominado “contrato de crédito” celebrado com a entidade (a C...) antecessora da ora 1ª R., à disciplina do DL 359/91[4] já mencionado anteriormente. Assenta a afirmação positiva da sujeição a este regime legal – afirmação contida na Sentença –, por referência à exclusão de aplicação do mesmo, decorrente do artigo 3º, alínea d) do DL 359/91[5], na consideração de que o estabelecimento de uma prestação acessória, obrigatória, respeitante a um “seguro de vida”, corresponde a um “outro encargo”, preenchendo este, negativamente, a facti species de exclusão da mencionada alínea d), independentemente do não estabelecimento no contrato (v. fls. 92) de qualquer taxa nominal de juro ou TAEG (taxa anual de encargos efectivos global[6]).

Com efeito, a indicação quantificada (monetariamente expressa) no contrato de um valor correspondente à cobertura de um seguro, associada à inclusão no item 16 das “condições gerais” (fls. 92 vº) de que o “financiamento” abrange o respectivo prémio de seguro, indica que existe (diluído mas presente no montante desse financiamento) um encargo adicional, não directamente respeitante ao preço do bem cuja aquisição foi financiada, correspondendo ele ao prémio do seguro. Importa aqui referir que a concomitância – rectius, a sobreposição – entre a operação de celebração do contrato de compra e venda e a de financiamento a este (com os empregados da vendedora a funcionarem como uma espécie de representantes da financiadora), propicia estas situações de inegável repercussão no preço – no que se indica ser o preço, mas que na realidade é mais do que isso –, daquilo que não deixa de corresponder a encargos globais da operação de financiamento, situados para além do valor correspondente ao preço do bem em si mesmo considerado. Outro entendimento propiciaria, aliás, a manipulação, através da ocultação desses encargos adicionais “atrás” do preço, da aplicação do DL 359/91, com a consequente frustração da intencionalidade legislativa de, através da sujeição ao seu regime, assegurar uma mais eficaz protecção dos direitos dos consumidores[7]. Note-se, aliás, que é este o sentido da consideração, presente na definição de “custo total do crédito para o consumidor” (artigo 2º, nº 1, alínea d) do DL 359/91), da “[…] totalidade dos custos do crédito, incluindo juros e outras despesas que o consumidor deva pagar pelo crédito”. E isto abrange – acrescenta-o interpretativamente esta Relação – as situações nas quais existem indícios consistentes de terem esses valores sido considerados no montante global financiado. 

Significa isto ser correcta, e como tal de pressupor no quadro deste recurso, enquanto asserção jurídica presente na decisão impugnada, a sujeição do contrato indicado no item 7 dos factos à disciplina decorrente do DL 359/91.

2.2.1.1. O mesmo se diga – e continuamos a referir-nos aos passos prévios condicionantes da questão à qual o primeiro fundamento do recurso directamente respeita – da qualificação dos AA./Apelados como consumidores, no quadro da situação global à qual se referem os dois contratos aqui em causa, e concretamente o indicado no item 7 dos factos provados. Vale aqui o preenchimento inequívoco da facti species da alínea b) do nº 1 do artigo 2º do DL 359/91[8] e da alínea a) do nº 3 do artigo 1º do DL 143/2001[9], na situação concreta em que ocorreu o relacionamento aqui em causa entre estes AA. e estas empresas RR.. Trata-se esta de uma asserção que nos parece óbvia, quando encaramos estes AA. à luz dos factos que, no respectivo elenco, os caracterizam (a eles AA.) neste negócio concreto, mas que aqui se sublinha por referência à ideia, presente na nossa doutrina mais autorizada, segundo a qual “[…] não há pessoas que, em absoluto, sejam consumidores”, sendo que tal conceito “[…] é apenas um instrumento técnico-jurídico destinado a demarcar a previsão de algumas normas jurídicas”[10].

2.2.1.2. Ainda em sede de considerações preambulares relevantes para este específico fundamento do recurso, importa ter presente o carácter condicionado do contrato de crédito relativamente ao contrato que materializa a própria aquisição do bem, ou seja, na situação aqui em causa, do contrato indicado no item 7 dos factos, relativamente ao contrato indicado no item 6.

Esta dependência das duas situações – maxime, dos dois contratos –, que para sermos precisos há que considerar mútua, tem sido genericamente justificada no quadro do direito do consumo, com base na seguinte argumentação:


“[…]
A extensão da responsabilidade do vendedor a entidades que, a montante do consumidor, participam no processo de comercialização não se limita aos sucessivos vendedores que antecedem o último comprador na cadeia de distribuição dos bens de consumo. Atinge agora também, na linha dos recursos financeiros, a responsabilidade do financiador perante o comprador final pelo incumprimento do fornecedor.
[…]
A concessão de crédito pelo próprio vendedor ou prestador de serviços era insuficiente para alimentar a espiral de crescimento do consumo. O financiamento por terceiros – instituições de crédito, universais ou especializadas – serviu, primeiro, de complemento e assumiu, depois, o papel de técnica preferencial, tanto mais cedo quanto mais desenvolvida a sociedade onde se implantou.
Esta separação pessoal entre o fornecedor do bem de consumo e o «fornecedor» dos meios de pagamento criou porém um obstáculo à confiança dos adquirentes a crédito. Verificando-se incumprimento pelo fornecedor, o consumidor não podia, por aplicação do princípio da relatividade dos contratos, fazer valer a sua arma de retenção do pagamento das prestações em dívida nem perante o vendedor, a quem nada devia, nem perante o financiador, terceiro em relação ao contrato de compra e venda ou de prestação de serviço.
[…]
É hoje pacífico que nas operações de venda ou de prestação de serviços financiados por terceiro coexistem dois contratos – o contrato de fornecimento e o contrato de crédito – distintos mas ligados, coligados ou funcionalmente conexos, de tal modo que o conjunto se pode encarar como união de contratos.
[…]”[11]

            Com efeito, é este o sentido, na perspectiva do contrato de crédito, do artigo 12º, nº 1 do DL 359/91[12] e, desta feita na perspectiva do contrato de fornecimento do bem, do artigo 19º, nº 3 do DL 143/2001[13]. E é neste sentido que a nossa jurisprudência, reconduzindo a situação à figura da “união de contratos”, designadamente na sua vertente de “união interna”[14], vem afirmando, invariavelmente, existir uma mútua repercussão das vicissitudes de um dos contratos no outro[15], numa espécie de “efeito à distância” ou projecção dos vícios e desvalores de um dos contratos no outro.

            É, pois, correcta a afirmação, presente na Sentença apelada, da interdependência dos dois contratos, e o consequente afirmar do “efeito de arrastamento” que eles, através das respectivas vicissitudes, apresentam um sobre o outro.

            2.2.1.3. Ainda no quadro argumentativo preambular mencionado no final do item 2.2., ocorre referir, enfim, a questão do chamado “direito ao arrependimento” do contraente consumidor, sendo certo que uma das ratio decidendi da acção[16] se traduziu precisamente no actuar desse direito. A outorga de um direito à reflexão e ao arrependimento constitui um traço marcante do Direito do consumo[17], compreendendo ele (o direito ao arrependimento), como refere Carlos Ferreira de Almeida, “[…] todas as hipóteses em que a lei concede a um dos contraentes (o consumidor) a faculdade de, em prazo determinado e sem contrapartida, se desvincular de um contrato através de declaração unilateral e imotivada”[18]. Este elemento concreto adquiriu relevância na Sentença apelada, através da consideração de que os AA. a ele não renunciaram – pelo menos, a ele não renunciaram validamente –, nem, afastada tal renúncia, o deixaram caducar, pelo não exercício tempestivo (cfr. os trechos da Sentença correspondentes aos itens 1.4. e 2.1 a 2.3, constantes de fls. 222/228).

            2.2.2. Pressupostos estes elementos argumentativos de percurso, que na lógica da decisão do Tribunal a quo funcionaram enquanto asserções jurídicas condicionantes (justificadores) da respectiva decisão de procedência integral do pedido dos AA.[19], estamos agora em condições de abordar directamente a questão da prova da entrega da cópia dos dois contratos aos AA., no momento da respectiva subscrição, prova que a Apelante considera decorrer da referência deles constante – a “letra miudinha”, sublinha-se desde já – de ter sido entregue nesse acto um exemplar dos contratos[20] aos AA., associada à não impugnação das respectivas letra e assinatura por estes.

No entanto, esquece a Apelante, desde logo, que a entrega da cópia dos contratos se traduz num acto material concreto, posterior e logo exterior à elaboração (aqui preenchimento e assinatura) e ao texto de tais documentos, que, como tal, não pode ser considerada abrangida, enquanto acto material ao qual o Direito atribui particular relevância, no funcionamento de regras probatórias estruturadas em função do conteúdo dos próprios documentos. Serve isto para sublinhar que a prévia impressão num formulário contratual, como o de fls. 92, de uma declaração do tipo “foi-me entregue cópia deste contrato”, nunca poderia bloquear, não obstante a não impugnação da letra e da assinatura desse documento, a produção de prova, designadamente de prova testemunhal, relativamente à efectiva ocorrência desse acto material de entrega de um exemplar do contrato. Foi esse o sentido da formulação na base instrutória da questão correspondente ao nº 27[21]; foi esse o sentido da produção de prova em julgamento a respeito dessa questão, com o resultado de a mesma ter sido considerada não provada (fls. 205), com base na fundamentação exarada a fls. 207. E a tal respeito ocorre sublinhar, tão-só, que a Apelante, como já se mencionou no item 2. deste Acórdão, não impugna essa resposta negativa, por referência à sua fonte concreta: a prova testemunhal.  

            De qualquer forma, o argumento da consolidação dessa referência à entrega dos contratos em termos de força probatória, argumento que a Apelante reduz às regras do Código Civil respeitantes à prova documental, assenta no manifesto equívoco de atribuir a uma referência previamente impressa no documento a natureza de declaração atribuída aos aqui AA., nos termos do artigo 376º, nº 1 do Código Civil. Não é essa, com efeito, a sua natureza (em rigor, deveria ser vista mais como uma declaração da R. de que fez essa entrega) e, para além disso, nunca poderíamos prescindir, na consideração desse elemento, das regras específicas que tratam, no quadro das cláusulas contratuais gerais (Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro), dos chamados “contratos pré-formulados”[22], da mesma forma que também não poderíamos prescindir – e a Sentença apelada não prescindiu, e bem – das outras regras específicas, que são relevantes em matéria de ónus da prova, atinentes ao tipo de contrato aqui em causa (DL 359/91), que mandam imputar ao credor a inobservância do requisito da entrega ao consumidor do exemplar do contrato no momento da respectiva assinatura (conjugação dos artigos 6º, nº 1 e 7º, nº 4 do DL 359/91[23]), valendo aqui o entendimento, presente na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de que neste tipo de contrato “[…] existe uma aceitação, não particularmente negociada pelo aderente […]” e que esta obrigação materializa o “dever de informação” a cargo do proponente (proponente é aqui quem vende e quem concede o crédito)[24].

            2.2.2.1. Ora, a questão da entrega do contrato apresentou relevância na decisão apelada em dois planos distintos: o do afastamento da excepção de caducidade do direito de arrependimento ou de retratação dos Apelados (que a Sentença considerou, como resulta de fls. 227, tempestivamente exercido pela carta não datada de fls. 10); o da afirmação da nulidade do contrato de crédito, com o consequente arrastamento do outro contrato (cfr. fls. 232).

            Tratam-se estas de asserções correctas, que como tais esta Relação confirma, tendo-se elas assumido como adequada expressão consequencial da mencionada não prova da entrega dos contratos. Importa, no entanto, ter presente que esses elementos da decisão ocorreram, no processo argumentativo da mesma que conduziu à decisão final, paralelamente à consideração de outros desvalores presentes na relação contratual dos AA. com ambas as RR., desvalores totalmente independentes da questão da entrega dos exemplares dos contratos, e que sempre subsistiriam independentemente da consideração dessa entrega. Referimo-nos, como facilmente se intui, à circunstância da Sentença apelada ter considerado no respectivo item 2.4. (fls. 228/230) ter ocorrido uma “venda forçada”, proibida pelo artigo 28º do DL 143/2001, com a consequência expressamente indicada na decisão, e sem relação alguma com a questão da entrega dos exemplares do contrato, de os AA./Apelados “[…] não fica[rem] vinculados ao cumprimento de qualquer obrigação decorrente dos contratos referidos em 6) e 7) […]” (transcrição de fls. 230).

            Seja como for, interessa sublinhar aqui que se considera improcedente a construção jurídica com base na qual a Apelante pretendia a inclusão nos factos provados da entrega dos contratos aos Apelados no acto da respectiva celebração, confirmando este Tribunal da Relação, ainda, as consequências retiradas pela primeira instância da não prova dessa entrega. Improcede, pois, o primeiro dos fundamentos da apelação enunciado no item 2.2. deste Acórdão.

            2.3. Resta-nos, assim, destes fundamentos, a questão da condenação da legal representante da 2ª R./Apelante como litigante de má fé, nos termos do artigo 456º do CPC.

Tal condenação não foi pedida pelos AA. e não foi antecedida da concessão à Apelante, e menos ainda à directamente visada, de oportunidade para se pronunciar a esse respeito, tendo-se preterido a observância do contraditório decorrente dos nºs 2 e 3 do artigo 3º do CPC, aliás, em clara contradição com a jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, ao entender que a conformidade constitucional do artigo 456º, nºs 1 e 2 do CPC, depende da sua interpretação em termos de a parte só poder ser condenada como litigante de má fé, depois de ser ouvida previamente, a fim de se poder defender dessa imputação[25].

A constatação desta omissão de efectiva garantia do contraditório levar-nos-ia à consideração desse trecho do pronunciamento decisório da Sentença apelada como nulo. Todavia, discordando esta Relação do entendimento da primeira instância segundo o qual o comportamento da Apelante cairia na previsão da do artigo 456º, nºs 1 e 2 do CPC, deve o recurso proceder nessa parte, com a consequente revogação desse aspecto da condenação.

Com efeito, vendo a fundamentação exarada a fls. 234/236, constata-se estar em causa fundamentalmente o comportamento contratual da 2ª R., na condução do processo que levou à subscrição pelos AA. dos contratos aqui em causa. Trata-se, pois, de uma apreciação essencialmente dirigida a um elemento exterior e anterior ao presente processo que esta Relação, mesmo pressupondo a visão crítica que a decisão expressa sobre esse comportamento contratual, não vê repercutido, enquanto desvalor comportamental, na actuação processual da Apelante, em termos de a considerar dedução de oposição cuja falta de fundamento se não devia ignorar, alteração da verdade dos factos ou uso manifestamente reprovável do processo ou de meios processuais.

Não se desconhece, é certo, que a litigância de má fé não se reduz à actuação concreta da parte no desenvolvimento do processo, abrangendo, a par da má fé instrumental que se refere ao comportamento processual em si mesmo, a chamada má fé material ou substancial, relacionada com o mérito da causa, “[…] na qual a parte, não tendo razão, actua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objectivo que se afasta da função processual”[26]. Sucede, porém, que isto (a má fé material) não pode abranger, por ser inerente a um legítimo exercício do direito à tutela jurisdicional, o esgrimir em sede de contestação de argumentos jurídicos que, sendo discutíveis, não deixem de expressar uma visão juridicamente plausível, situada dentro daquilo que poderíamos considerar a ampla tolerabilidade interpretativa que deve ser outorgada às partes na dialéctica processual. Com efeito, seria intolerável que aqueles que se amparam em argumentos jurídicos discutíveis, pouco consistentes ou mesmo inconsistentes – e tal discutibilidade e inconsistência expressam, tão-só, uma determinada visão das coisas, num quadro onde outras visões são sempre possíveis – ficassem como que “amarrados” à obrigação de virem (de só virem) a juízo “confessar a sua culpa”, sem poderem lutar por uma razão que, mesmo discutível, entendem assistir-lhes.

Ora, esta Relação, ponderando o teor da contestação da Apelante e todo o seu comportamento processual não vê – não vê, enquanto actuação processual da Apelante – os desvalores que subjazem às diversas facti species do nº 2 do artigo 456º do CPC. Aliás, para as possíveis “más-práticas” contratuais da Apelante existem outras respostas da ordem jurídica (v., por exemplo, os artigos 31º a 34º do DL 143/2001), que a Sentença apelada, como resulta de fls. 239, não deixou de desencadear.

Não se justifica, pois, a condenação da legal representante da Apelante (2ª R.) como litigante de má fé, sendo que a revogação deste elemento da decisão arrasta a específica notificação dessa representante e a liquidação da multa determinadas a fls. 239.

2.4. Aqui chegados, resta-nos, previamente a conferir uma formulação decisória às antecedentes considerações, recordá-las através da seguinte síntese conclusiva:


I – A indicação quantificada num contrato de crédito de um valor correspondente à cobertura de um seguro, associada à indicação de que o financiamento abrange o respectivo prémio, corresponde ao conceito de “outro encargo”, sujeitando o contrato em causa à disciplina do DL nº 359/91, de 21 de Setembro, mesmo que esse contrato indique que o crédito é concedido sem juros.
II – A recíproca dependência, nas situações de crédito ao consumo, entre o contrato de financiamento e o respeitante à aquisição financiada, corresponde à figura da “união de contratos”, repercutindo-se as vicissitudes de um no outro, arrastando a invalidade de um deles a destruição do outro.
III – Impendendo sobre o credor a prova de ter efectuado a entrega de um exemplar do contrato ao subscritor/consumidor, no momento da respectiva assinatura (artigos 6º, nº 1 e 7º, nº 4 do DL nº 359/91), e traduzindo essa entrega um acto material posterior e exterior à elaboração (preenchimento e assinatura) do documento, não pode essa prova decorrer do simples funcionamento de regras probatórias estruturadas em função do conteúdo do próprio documento (caso do artigo 376º do CC), que prescindam da demonstração concreta dessa entrega.
IV – A litigância de má fé dirige-se, primordialmente, ao comportamento processual da parte no desenvolvimento da acção, não abrangendo a actuação jurídica desenvolvida pela parte num contexto anterior à existência desta, nem a defesa, desta feita na acção, dessa actuação anterior.
  


III – Decisão


            3. Assim, tudo visto, na parcial procedência da apelação, decide-se confirmar integralmente a Sentença recorrida, excepto no trecho – no qual é revogada – correspondente à condenação em multa, como litigante de má fé, de F..., enquanto representante da R. E....

            Custas pelas Apelantes (E... e D...) e pelos Apelados, na proporção de 80% para aquelas e 20% para estes.

            Coimbra,


(J. A. Teles Pereira)

(Jacinto Meca)

(Falcão de Magalhães)



[1] V. trecho a bold, constante da Sentença a fls. 217.
[2]Este último, por estar aqui em causa processo iniciado antes do dia 1 de Janeiro deste ano, na redacção que apresentava anteriormente ao Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (v. artigos 9º, alínea a), 11º, nº 1 e 12º, nº 1 do mencionado diploma). Note-se que, pela mesma razão, qualquer disposição do CPC citada neste Acórdão, cujo texto tenha sido alterada pelo DL 303/2007, o é na versão anterior a este diploma.
[3] Embora tal indicação apresente, neste momento do processo argumentativo deste Acórdão, a provisoriedade resultante de ainda não se ter considerado se a estes factos haverá que acrescentar a mencionada asserção proposta pela Apelante, no sentido de ter sido entregue aos Apelados um exemplar dos contratos no momento da celebração destes.
[4] Este diploma transpôs para o direito interno as Directivas do Conselho das Comunidades Europeias nºs 87/102/CEE, de 22/12/1986 e 90/98/CEE, de 22/02/1990, aplicando-se aos contratos de crédito ao consumo (artigo 1º), entendendo-se por “contrato de crédito” “[…] o contrato por meio do qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartões de crédito ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante” (artigo 2º, nº 1, alínea a)).

[5]
Artigo 3º
Operações excluídas
O presente decreto-lei não se aplica aos contratos em que:
--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
d) O crédito seja concedido ou posto à disposição do consumidor sem juros ou outros encargos;
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[6] V. quanto a esta o artigo 4º do DL 359/91.
[7] E isto independentemente da circunstância, acertadamente sublinhada na Sentença a fls. 222, de o contrato incluir, embora sem quantificação explícita, uma denominada “comissão de gestão”, de cujo montante os “proponentes” teriam sido informados, embora o contrato a não mencione.
[8] Que define “consumidor” como “[…] a pessoa singular que, nos negócios jurídicos abrangidos pelo presente diploma, actua com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional”.
[9] Diploma que, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva nº 97/7/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de Maio, regula os chamados “contratos ao domicílio e equiparados”, e define, na disposição citada, “consumidor” como “[…] qualquer pessoa singular que actue com fins que não pertençam ao âmbito da sua actividade profissional”. Note-se que o contrato celebrado pelos AA com a 2ª R. está sujeito, por verificação da facti species decorrente da conjugação entre os nºs 1 e 2, alínea d), do artigo 13º do DL 143/2001, à disciplina deste último diploma, como acertadamente se observou na Sentença a fls. 224.
[10] Carlos Ferreira de Almeida, Direito do Consumo, Coimbra, 2005, p. 45. A noção de consumidor é tratada amplamente por António Menezes Cordeiro, no Tratado de Direito Civil Português, I, tomo I, 3ª ed., Coimbra, 2005, pp. 212/214.
[11] Carlos Ferreira de Almeida, Direito do Consumo, cit., pp. 188 e 191.
[12] “Se o crédito for concedido para financiar o pagamento de um bem vendido por terceiro, a validade e eficácia do contrato de compra e venda depende da validade e eficácia do contrato de crédito, sempre que exista qualquer tipo de colaboração entre o credor e o vendedor na preparação ou na conclusão do contrato de crédito”.
[13] “Sempre que o preço do bem ou serviço for total ou parcialmente coberto por um crédito concedido pelo fornecedor ou por um terceiro com base num acordo celebrado entre este e o fornecedor, o contrato de crédito é automática e simultaneamente tido por resolvido, sem direito a indemnização, se o consumidor exercer o seu direito de resolução em conformidade com o disposto no artigo 18º, nº 1”.
[14] V. a caracterização destas figuras feita, por referência à ideia de dependência funcional dos diversos contratos, por Luís  Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, 4ª ed., Coimbra, 2005, pp. 200/201.
[15] V., por exemplo, os Acórdãos da Relação do Porto de 22/11/2004 (Caimoto Jácome), proferido no proc. nº 0455179, disponível em www.dgsi.pt/jtrp.nsf e da Relação de Lisboa de 2/11/2006 (Ana Luísa Geraldes), proferido no proc. nº 8956/2006-6, disponível em www.dgsi.pt/jtrl.nsf .
[16] Quando dizemos uma das ratio decidendi, estamos a sublinhar a circunstância de a Sentença ter assente em fundamentos distintos, afirmando, por um lado, terem os AA. exercido, por forma relevante e tempestivamente, através da carta de fls. 10, o direito de retratação e, por outro lado, que os contratos em causa sempre seriam, em função de determinadas características, nulos, tendo esta nulidade, aliás, assumido a natureza de  ratio decidendi da procedência do pedido dos AA.. 
[17] António Menezes Cordeiro, Tratado…, cit., p. 215.
[18] Direito do Consumo, cit., p. 105.
[19] E que também foram relevantes para a improcedência das excepções invocadas pelas RR..
[20] V., respectivamente, fls. 47 e 92.
[21] “A R. E... entregou, no momento da assinatura de ambos os contratos, os respectivos duplicados?” (transcrição de fls. 102).
[22] V. artigo 1º, nºs 2 e 3 do Decreto-Lei nº 446/85, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 249/99, de 7 de Julho; cfr., relativamente às cláusulas constantes de contratos pré-formulados, António Menezes Cordeiro, Tratado…, cit., pp. 659/664 [note-se que esta é a qualificação que a nossa jurisprudência faz do tipo de contratos como os aqui em causa, designadamente do respeitante ao financiamento; v., por exemplo, o Acórdão do STJ de 30/10/2007 (Fonseca Ramos), proferido no proc. nº 07A3048, disponível em www.dgsi.pt/jstj.nsf].
[23] Obviamente que quando o nº 4 deste artigo 7º diz que se presume imputável ao credor, está a formular uma regra probatória específica, alocando o ónus correspondente a esse credor, contendo implicitamente, como ocorre com todas as regras de alocação de um ónus probatório, uma regra de decisão, sendo esta a que se formará, em função dessa alocação, por referência aos artigos 342º, nºs 1 e 2 do Código Civil e 516º do CPC: quem está onerado com o ónus da prova de determinada realidade, suporta o risco da indemonstração dessa realidade.
[24] V. o Acórdão citado na nota 23 e, além deste, o Acórdão do STJ de 2/6/1999 (Quirino Soares), proferido no proc. nº 99B387, também disponível em www.dgsi.pt/jstj.nsf.
[25] V., por todos, representando, aliás, uma corrente jurisprudencial uniforme e consolidada, o Acórdão nº 289/02 (Artur Maurício), disponível em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.
[26] José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, vol. 2º, Coimbra, 2001, p. 196.